A Comuna de Paris - 1871
Se fizermos uma breve retrospectiva, desde o Antigo Regime, teremos, naquele 21 de janeiro de 1793, quando a cabeça decapitada de um Rei foi mostrada ao povo parisiense, que gritava: "VIVE LA RÉPUBLIQUE". Pois naquele dia simbólico, dava-se início ao que chamamos "Idade Contemporânea", ou para alguns "Idade Moderna", e uma grande quantidade de acontecimentos que contribuíram para a formação da França atual:
- o Terror;
- o fim do poder Jacobino, com queda de Robespierre e do "Comitê de Salut Publique", e a execução de seus membros;
- o Diretório, cobrindo o período de 4 anos, exercido pela burguesia girondina;
- o Consulado - já na era napoleônica , de 1799 até 1804, quando Napoleão se proclama Imperador. Sobre a Coroação há um magnífico quadro do pintor David. Nele o Imperador aparece coroando sua mulher, Josefina, já havendo se coroado, enquanto o Papa, convidado para a cerimônia, assiste, envergonhado, ao fundo.
Após a queda de Napoleão, há um período chamado Restauração, em que ocorre a volta dos Bourbons, dois irmãos de Luís XVI, Luís XVIII e Carlos X, seu irmão mais jovem. E onde ficava nesta sucessão Luís XVII? Arrancado da mãe pelos jacobinos, morre na prisão de tuberculose, ainda criança. Necessário notar que, na Restauração, esta já era uma Monarquia Constitucional, como a Inglesa, as dos países nórdicos e também dos países baixos.
Em 1830, ocorre uma revolução burguesa, que depõe Carlos X, tendo Luís XVIII já falecido. Esta revolução, ou talvez revolta, é cenário para o magnífico romance de Victor Hugo, "Os miseráveis". É neste cenário que aparece o moleque de rua chamado Gavroche, nome escolhido para meu teatro em francês, que me valeu uma inesquecível bolsa na linda Bretanha. Aliás, a sugestão do nome veio de minha sobrinha, Ludmila, que havia lido o romance e ficara encantada.
Após esta revolução, chega ao poder o Rei Luís Felipe, da família Orléans, filho de um certo Philippe d`Orléans, chamado Philippe Egalité. Desde o princípio, o denominado Philippe Egalité havia apoiado a Revolução Francesa, tendo votado pela execução de seu primo, Luís XVI, e, sendo, afinal, executado pelos Jacobinos. Luís Felipe, chamado Rei Burguês, por suas ligações com a burguesia e com a nascente industrialização, comandada, evidentemente, pela burguesia. Em 1848, é publicado o Manifesto Comunista, de Karl Marx e Friedrich Engels. É justamente em 1848, que ocorre o movimento, ou revolução , que depõe o Rei Burguês. Esta é uma revolução de cunho socialista.
É neste cenário que surge a figura de Luís Napoleão Bonaparte. Aventureiro, que, para todos os efeitos, era filho de Luís, irmão caçula do Imperador, que o fizera Rei da Holanda e obrigara a casar-se com sua enteada Hortense de Beauharnais. Uma coisa é certa, Luís Napoleão, posteriormente Napoleão III era neto da Imperatriz Josefina, da mesma forma que nossa Imperatriz, Amélia, segunda esposa de Dom Pedro I, que era filha de outro enteado de Napoleão, Eugène de Beauharnais, a quem Napoleão dera o ducado de Leuchtenberg.
Derrubada a monarquia orleanista, instala-se uma Assembleia Constituinte, e organiza-se uma eleição presidencial. Dentre os candidatos se apresenta-se o poeta romântico Lamartine e Luís Napoleão Bonaparte, cuja história já contei. Eleito, governa durante algum tempo até que, amparado no nome do tio, dá o golpe em 1852, tendo governado como Presidente eleito durante quatro anos. Victor Hugo, que o havia apoiado como Presidente, renuncia a seu mandato de Senador e exila-se nas ilhas britânicas Guernsey e Jersey. Só voltando à França após a queda de Napoleão.
A guerra franco-prussiana e suas consequências
Assinado a rendição da França, na Galeria dos Espelhos no Palácio de Versalhes, testemunha de tantas histórias, elege-se uma Assembleia Constituinte e é elaborada uma nova Constituição. A primeira sendo aquela elaborada pelos deputados Constituintes da Revolução de 1789. A segunda, rasgada pelo golpe de Luís Napoleão. Esta terceira Constituição, chamada República, recobre todo o período que vai da queda de Napoleão III até o início da segunda Guerra, com a invasão nazista da Polônia em 1939. Seguiu-se uma quarta, que ocorre desde o fim da guerra até 1958. Hoje a França vive a Quinta Republica.
Em fevereiro de 1871, é eleita uma nova Assembleia Constituinte e é eleito Adolphe Thiers, orleanista, ou seja conservador. Nesta altura, o Manifesto Comunista já havia sido publicado e o povo ansiava por reformas. Com o governo republicano as coisas não haviam mudado e as condições de vida eram péssimas. Paris é essencialmente republicana e não suporta concessões ao inimigo prussiano. Deputados republicanos se revoltam, dentre eles destacando-se Victor Hugo, de volta à França, Louis Blanc, Léon Gambetta, alguns anos mais tarde assassinado, seguramente não por razões politicas, e até um operário, membro da Internacional Socialista. Sem esquecer Guiseppe Garibaldi, o eterno caçador de sonhos impossíveis. Como reencarnacionista, considero Ernesto Chê Guevara, uma possível reencarnação sua. Estabelece-se, logo, um evidente divórcio entre maioria dos deputados e o governo. Com a ajuda dos prussianos, Paris é sitiada e o governo transfere-se para Versalhes, até hoje uma cidade extremamente conservadora. Em Paris, toda a chamada Rive Gauche adere ao movimento, e também a periferia pobre. Assim, dá início a Comuna de Paris. O movimento congrega diferentes perfis ideológicos; trabalhadores, a pequena e média burguesia, professores, desempregados, e até alguns pintores impressionistas. Todos os monumentos que lembravam o poder foram destruídos, e até a célebre Colonne Vendôme, construída no Império Napoleônico, como símbolo de suas vitórias. Foi destruído o Palácio da Tulherias, que se encontrava-se próximo ao Louvre, e para onde havia sido transferida a família de Luís XVI, após deixar Versalhes por exigência popular. O "Hotel de Ville", onde se localizava a Prefeitura da cidade, obra de arte renascentista, foi incendiado. A Butte de Montmartre, naquela época pouco habitada, serve de observatório. Alí, foi construída mais tarde a "Cathédrale du Sacre Coeur", que um amigo francês chama de Igreja dos Reacionários, mas que foi realmente mandada construir após a destruição da Comuna, em agradecimento a Deus (e me pergunto se Deus terá alguma coisa a ver com isto).
O programa da Comuna fixava pontos que não haviam sido considerados pelos Revolucionários de 1789. O ensino passa a ser público e obrigatório, a jornada de trabalho passa de 16 para 8 horas, o salário dos professores é aumentado, o Governo é obrigado a pagar uma pensão às viúvas, lembrando que à época as mulheres não recebiam nenhuma formação, o direito ao divórcio. Quanto às mulheres, apesar de não haverem tido ativa participação no movimento, muito lutaram, como haviam sido fundamentais na Revolução de 1789. Dentre elas, a figura de Louise Michel, chamada "La vierge rouge de la Commune". Havia uma ativista russa , cujo nome me escapa, além de outras.
Thiers, cansado deste Governo paralelo, pede auxílio ao Império Alemão, e juntos derrotam este grande movimento popular, que durou de 18 de março de 1871 a 28 de maio do mesmo ano, mas que deixou raízes. Louise Michel, uma de minhas heroínas, foi deportada, junto com outros "Communards" para as ilhas da Nova Caledônia. Aprendeu o idioma nativo, e retomou a sua função de professora. De invulgar inteligência e delicadeza de alma, aprendeu a apreciar a natureza nativa e conseguiu não ser infeliz. Morreu aos quarenta e três anos.
Gosto de comparar o movimento "Communard" a uma semente que foi plantada e desapareceu. Mas este desaparecimento durou algum tempo, ao cabo do qual surgiu, pouco a pouco, uma maravilhosa e frondosa árvore, que nos encanta, abriga e assegura tanta coisa importante na vida de cada cidadão.