Citoyens, Camaradas e Companheiros
Citoyens
Meu contacto com a Revolução Francesa remonta à minha infância, quando morava em Paris. Eu devia ter 10 ou 11 anos quando vi um filme sobre a rainha Maria Antonieta, este personagem icônico da Revolução Francesa. Diz seu biógrafo, Stephan Zweig, que Maria Antonieta teve um destino maior do que ela. Assim como Napoleão, prisioneiro na Ilha de Santa Helena, teve um destino menor do que ele. Naquele dia, dos meus longínquos 10 ou 11 anos, marquei um encontro definitivo com o maior movimento popular de História, que iniciou o que chamamos de Idade Contemporânea.
A atriz que fazia o papel de Maria Antonieta era Michelle Morgan que a todos encantava com seus magníficos olhos azuis. Para o papel de Hans Axel von Fersen, Embaixador da Suécia, foi escolhido Richard Todd, ator irlandês, também com lindos olhos azuis. Lembro-me de que durante um "bal masqué", ela torce o pé e o belo Fersen vem massageá-lo. É então que ambos levantam as respectivas máscaras e mostram seus lindos olhos. Apaixonei-me imediatamente por Richard Todd. Tive imenso pesar ao ver o trágico destino da Rainha. Na realidade, Fersen foi seu grande amor, já que sua mãe, a Imperatriz Maria Teresa da Áustria, decidira com o Rei da França, Luís XV, avô de Luís XVI, o casamento por questões puramente políticas.
Revi o filme durante um Congresso de Professores de Francês, onde apresentei um trabalho que me valeu uma bolsa na linda Bretanha, onde conheci meus amigos búlgaros. O ano era 1989, e comemorava-se o bicentenário da Revolução Francesa e também da Inconfidência Mineira. Estava presente Danielle Mitterand, então Primeira Dama da França e, representando a mulher brasileira, a Deputada Benedita da Silva. Mas naquele momento, eu já havia mudado minha posição política e não via mais Maria Antonieta como uma pobre mártir. Depois de tantos anos, eu passara para o lado dos Jacobinos e minhas posições políticas eram totalmente à esquerda. Aliás, é necessário notar que a Revolução Francesa foi feita pelo que agora chamamos burgueses, ou que na época se chamava Terceiro Estado (Tiers Etat), ou seja, numa sociedade de Ordens, são aqueles que não pertenciam nem ao Clero, nem à Nobreza e que representavam 98% da população. Assim sendo, eu, professora universitária, pertenceria à mesma Ordem que Jaime, o faxineiro de meu prédio. Mas sobre isto, acho que já falei.
Um quadro do pintor David mostra a instalação da Assembleia dos Estados Gerais, com a presença do Rei e da Rainha. Nele o pintor fez questão de retratar o único membro do que podemos chamar hoje, classe operária. A denominação "citoyen" surgiu após a Revolução e referia-se a todos que não pertenciam ao Clero ou a Nobreza. Lembro-me do filme "Danton", que assisti pela primeira vez em Paris, em 1983, quando de seu lançamento. Danton, grande advogado e orador implacável é interpretado magistralmente por Gerard Depardieu. E lembro-me da quantidade de refugiados poloneses que se aglomeravam na entrada do cinema, já que o filme é uma produção franco-polonesa. Seu diretor Andrzej Wadja, era polonês, assim como os atores que interpretam Saint-Just e Robespierre. Vale a pena ver. Tenho em DVD mas não consigo usá-lo, o quê considero um retrocesso.
Conta-se que durante a Comuna de Paris, de que já falei, a encenação de uma peça exigia que os atores usassem ao invés de "tu" ou "vous" a palavra "citoyen" ou "citoyenne" o quê devia causar grande embaraço para os atores e mesmo para o público. Aliás, é bom notar que houve naquele movimento uma grande confusão, podemos dizer, ideológica, pois grandes revolucionários de 1789, jamais cogitaram de qualquer desapropriação, sendo eles mesmos proprietários e alguns enormemente ricos. Aliás, nem Marx nem Engels eram nascidos, sendo o Manifesto Comunista publicado somente em 1848. Parece que havia na cabeça dos "communards" uma séria confusão entre "O Manifesto Comunista" e o espírito revolucionário de 1789.
Se alguém quiser ver o filme "Danton" , ele está disponível na Google. Vale a pena. Ali pode-se ver o tratamento frequente de "citoyen".
Camaradas
Camarada Lenin! Camarada Stalin! Camarada Trotsky! Camarada Béria! Camarada Khrushchev!
"Maria, le communisme est dans le passé !"
Dito por minha amiga búlgara, Svetla Hantova, com quem estudei na França.
E o passado não volta!!!
Não consegui descobrir a origem da designação "camarada", mas, afinal isto não importa! Nestes dias procurei me informar ao máximo sobre destino do Império Russo e da família Romanov que era a única família monárquica com poderes absolutos. Que Nicolau II não estava preparado para o governo, que tinha vasta cultura, falando várias línguas, mas detestava os assuntos de Estado!!! Nicolau era filho do Tzar Alexandre III e da Tzarina Maria Feorodorovna, a princípio Princesa Dagmar da Dinamarca. A Princesa na verdade deveria se casar com o filho mais velho do Tzar Alexandre II, que morreu de tuberculose pouco antes do casamento. Sabendo que a princesa Dagmar tinha especial afeto pela Rússia e por sua cultura, Alexandre II tem a ideia de propor o casamento com seu outro filho. Este outro filho era muito diferente do primogênito. Tinha pouco cultura, era enorme, com quase dois metros, gordo, e com força descomunal. Enquanto sua mulher era delicada, esbelta e de rara beleza, não aparentando jamais a idade que tinha.
Apesar de tantas diferenças, casam-se e têm seis filhos sendo o mais velho Nicolau, futuro e último Imperador da Rússia. Ele casa-se em 1896 com a princesa Alix de Hesse, neta da Rainha Vitória, que a criara, já que sua mãe havia morrido quando era ainda criança. Alix, era alemã, luterana, e para tornar-se Imperatriz deveria aprender a falar russo e converter-se à fé ortodoxa. Isto já haviam feito suas predecessoras, mas para Alix este era um sério problema. Na verdade, jamais aprendeu a falar russo corretamente, e, luterana fervorosa, lutava com a ideia de abandonar sua fé. Por fim, converteu-se e de luterana fervorosa, tornou-se fervorosa ortodoxa.
O casal teve quatro filhas; Maria, Olga, Tatiana e Anastácia. E um filho Alexei, o caçula, que nasceu com hemofilia, transmitido por sua mãe. Cito estes detalhes porque são muito importante para o que vai ocorrer posteriormente. A hemofilia de Alexei, aliada a uma fé cega, a leva à presença de um místico ortodoxo chamado Gregori Rasputin, que tinha, evidentemente, poderes paranormais. Conta-se que certa vez, quando criança, na aldeia onde vivia, identificou imediatamente o ladrão de um cavalo. Casou-se e teve filhos, lembrando que, na Igreja Ortodoxa, é permitido aos religiosos o casamento. Deixando a mulher grávida, peregrinou por toda Rússia tornando-se ainda mais devoto. Não sei como sua existência chegou aos ouvidos da Tzarina, mas a verdade é que sua influência tornou-se imensa. Com seus poderes paranormais conseguia estancar as hemorragias de Alexei. Conta-se que certa vez, pelo telefone, conseguiu que as dores da criança passassem e a hemorragia estancasse.
Rasputin acabou tornando-se íntimo da família Imperial, e as maledicências começaram a surgir. É verdade que ninguém na corte sabia da hemofilia do Tzarevich (filho do Tzar), e a presença daquele estranho na intimidade da família, parecia, pelo menos duvidosa. Além do mais, Rasputin era mulherengo e várias fotos o mostram rodeado de mulheres, claramente suas admiradoras. No ano de 1914, ocorre a Ia. Guerra Mundial e Nicolau II se alia à Trípice Entente, que reunia França, Reino Unido e seu Império. Daí resolve partir para o campo de batalha. Seus soldados estão exaustos e famintos. Descobre-se que a maior parte do armamento fora roubado, pela própria nobreza. Sem conhecimento bélico, deixando nas mãos da Tzarina e de Rasputin todos os negócios de Estado, reina total confusão na capital.
Entendendo que a introdução de Rasputin tinha se tornado perigosa, em 1916, o Príncipe Félix Ioussouppov e alguns amigos resolvem matá- lo. Convidam-no, então, para um festim e tentam envenená-lo, sem resultados, como ele continua vivo, sem demonstrar nenhum mal estar, atiram-lhe não sei vezes, enfim, certos de que havia morrido, enrolam o corpo num tapete e jogam num rio gelado. Análises posteriores, mostram que ele, na verdade, morreu de afogamento e hipotermia. Meu pai tinha um livro do tal Príncipe, "Como matei Rasputin", que infelizmente se perdeu. Após a Revolução exilou-se em Paris, onde morreu em 1967.
No início do século XX, a guerra russo-japonesa, por disputas territoriais, havia abalado enormemente as finanças do Império, sendo claro que todo o ônus caiu sobre as costas dos mais pobres. E aí é preciso lembrar o trágico acontecimento de 1905, quando uma multidão de famintos, tendo à frente dois sacerdotes ortodoxos, dirige-se ao Palácio de Tzar reivindicando melhoria de vida. A guarda nacional, acostumada a atirar no povo, abre fogo e mata milhares. Este trágico acontecimento ficou conhecido como "Domingo Sangrento" e fez com que a população odiasse mais o Tzar.
Enfim, analisando tudo, estava aberto o caminho para a Revolução. Tendo em vista a revolta popular e a desastrosa administração Romanov, com numerosas execuções de descontentes, Nicolau II resolve convocar a Duma, onde se reuniriam as tendências políticas do Império. Lembrando a convocação dos Estados Gerais, às vésperas da Revolução Francesa. A Duma, assim como os Estados Gerais, poderia ser comparada a um Congresso, mas sem nenhum direito à decisão, já que se tratava de um governo autocrático. O quê me trás à memória, se não me engano, uma frase de Marx "A História se repete como farsa." A lembrar que neste caso a se repetiu como tragédia para toda uma Dinastia que já durava há três séculos.
Na Duma havia, dentre outros, dois grupos principais os bolcheviques e os mencheviques. Os primeiros defendiam uma reforma total, com o fim da propriedade privada e tinham como princípio as ideias de Marx e Engels. Seu líder era Vladimir Ilitch Lenin. Já os Mencheviques se aproximavam de que poderíamos chamar de Social Democracia, lembrando que ambos lutavam pela queda do Tzarismo. Alexander Kerensky seu líder, enquanto esteve no poder procurou proteger a família do Tzar, que já havia abdicado. Consciente de que a enfermidade de seu filho não lhe permitiria vida além da adolescência, o Tzar havia abdicado em nome de seu irmão Grã Duque Miguel, que recusou. Assim, ficava vago o trono russo e terminava a Dinastia Romanov, embora ainda existam membros seus espalhados pelo mundo. Após, a abdicação a família é transportada para longe de Moscou, chegando finalmente a uma casa em Ikaterimburgo, onde eram mantidos como prisioneiros, com janela vedadas e qualquer possibilidade de sair. Na madrugada de 16 para 17 de julho de 1918, foram acordados e, com a desculpa de que queriam protegê-los de possíveis inimigos foram conduzidos a um porão, onde esperaram durante horas, sem saber o que poderia acontecer-lhes. Finalmente, entram na sala com espingardas atiradores que executam Nicolau, sua mulher, seus cinco filhos e mais alguns serviçais, incluindo o médico e um professor de francês.
Seus corpos são desfigurados com ácido e queimados. Enterrados em lugar desconhecido. Somente recentemente, através dos exames de DNA foi possível identificar seus restos mortais. A casa onde foi cometido o crime foi posteriormente demolida e em seu lugar construída uma Igreja Ortodoxa, onde o povo faz peregrinação.
Mas como disse Robespierre, "A revolução é como Cronos, que devora os próprios filhos". Trotsky, que Lenin, falecido em 1924, considerava o mais apto a ocupar seu cargo, é atropelado por Stalin. Anos depois tem que refugiar-se no México, onde encontra o pintor de murais, Siqueiros, e sua companheira Frida Khalo, ambos comunistas, com os quais estabelece amizade. Mas o braço longo do tirano Stalin o alcançou. Stalin, considerado um dos maiores genocidas do mundo com mais de 10 milhões de mortos, que chegou a fazer acordo com outro genocida, Hitler, através do Pacto Ribbentrop-Molotov, pacto este que Hitler rasgou, alegando que era só um papel. Aliás, Ribbentrop foi um criminoso de Guerra, julgado e executado em Nuremberg em 1946.
Que sabemos hoje é que um dos filhos de Nikita Khrushchev, Sergei, engenheiro, mudou-se para os Estados Unidos em 1991 e naturalizou-se americano. Morreu em 2020. E ainda me lembro, quando eu era adolescente, da filha caçula de Stalin, sua preferida, com quem aparece sorridente no colo. Ainda no regime soviético, emigrou para os Estados Unidos, naturalizou-se americana, casou-se com um americano e teve um filho ou filha. Esta também já morreu. Também ouvi falar de uma descendente de Trotsky que viveria nos Estados Unidos e era cidadã americana.
Meu texto é objetivo. Contei os fatos. Nesta altura da vida, abandonei qualquer radicalismo, ainda que saiba que muita gente pensará que sou da direita.
Companheiros
Acho que o primeiro a usar esta denominação foi Companheiro Lula. Mas isto não importa.
Exatamente ontem vi, no Portal UOL, creio eu, uma entrevista de Guilherme Boulos para um antigo jornalista da TV Globo, Chico Pinheiro. Grande entrevistado e grande entrevistador. Boulos, que sempre pensei ser de origem grega, é na verdade de origem libanesa por parte de pai e batizado na Igreja Ortodoxa, o quê é comum entre os libaneses. Filho de médicos, homem culto, bem articulado. Sofreu o castigo de ser identificado ao radicalismo de seu partido. Tenho dito sempre que sinto-me órfã, com estes dois que se apresentam. Espero ainda estar encarnada quando surgir alguém jovem, idealista, que realmente represente os anseios do país, o quê nem Lula nem Bolsonaro representam. Estão velhos, têm ficha suja e nenhum idealismo.
Nunca fui petista, meu partido é o PDT, e meu eterno namorado chama-se Leonel de Moura Brizola. Há identificações fantásticas como a do "Sapo Barbudo" e "O PT é a UDN de macacão." Não gosto de falar de minhas convicções políticas, mas agora não vejo outro jeito. Votei em Bolsonaro em 2018 para me ver livre do Mensalão e do Petrolão. E conheço muita gente do PT que em 2006, acho eu, se negou a votar em Lula por causa de um escândalo da época, sendo o seu oponente o vice-Presidente, Geraldo Alkimin. Em 2020, votei em Lula no segundo turno para me ver livre de Bolsonaro. Ao ver o resultado das eleições municipais, me convenci de que o povo está cansado dos extremos. E que os grandes vitoriosos chamam-se Tarcísio de Freitas, Governador de São Paulo, mesmo sendo carioca, e que vem procurando uma posição de centro-direita, afastando-se da extrema- direita de Bolsonaro, e o grande articulador Gilberto Kassab, Presidente do PSD, sempre de centro.
E estou repetindo o quê vi e ouvi de analistas políticos de primeiro time como Gerson Camarotti e Fernando Gabeira. O quê esperar de um partido cujo líder máximo compara Daniel Ortega, que agora brigou com ele, a uma Estadista do porte de Ângela Merkel? Diga-se que é um tirano do mesmo calibre que Anastácio Somoza, que Ortega derrubou, ditador da Nicarágua, que dizia que o país era seu quintal!! Ou à Presidente do Partido que durante a discussão sobre sobre o impeachment de Dilma, aliás injusto, levantou-se e disse: "Afinal, quem não rouba???!!!!" Levantando séria calúnia contra a Presidente, que conheço bem ainda do Rio Grande do Sul, sua e minha terra adotiva. Este partido que logo aceitou a "eleição ??!!!" de Maduro. Ontem, José Dirceu ressurgiu das sombras e declarou que Maduro foi realmente eleito, quando vimos o povo se insurgindo e ficamos sabendo de mortes e prisões. Já havendo exilados!!
E o que dizer de alguém que despreza a ciência, a natureza, que diz palavrões naquele inesquecível encontro que vazou em abril, meses depois de sua eleição? Que dedicou seu voto no vergonhoso impeachment de Dilma, à memória de Ustra Brilhante, um dos maiores torturadores da ditadura militar? Que imita Trumpp em tudo, até no que se refere-se à beleza ou feiura da mulher do adversário? No caso de Bolsonaro, a vítima foi Brigitte Macron.
Como tenho dito e postado em meu Facebook, sinto-me cada dia mais órfã. Mas quem sabe chegará o dia em que minha orfandade tenha fim, seja pelo meu próprio fim ou seja por alguém diferente destes dois. E acho que a primeira hipótese é 100% mais provável.