Estávamos, Ricardo e eu, degustando um vinho chileno, com queijos, e outros petiscos. Nossa saleta de jantar estava iluminada com velas nos castiçais vermelhos, que fazem os meus encantos. A televisão estava ligada, mas conversávamos distraídos. De repente, minha atenção desperta. Surge na tela uma cena cinzenta, uma mulher cinzenta, árvores cinzentas, casas cinzentas. Um mundo cinza, feio, sem graça, infeliz. Senti-me como o escritor russo, Máximo Gorki, ao ver pela primeira vez uma filmagem, em 1896. Odiou-a. Odiou aquele mundo em preto e branco, sem som, sem vida. E descreveu-o: “Ontem à noite, estive no Reino das Sombras. Se vocês pudessem imaginar a estranheza desse mundo! Um mundo sem cores, sem som. Tudo aqui - a terra, a água, o ar, as árvores, as pessoas-, tudo é feito de um cinza monótono. Raios de sol cinzentos, num rosto cinzento, folhas de árvores que são cinzentas como a cinza. Não a vida, mas a sombra da vida.” E assim prossegue descrevendo aquele espectro de vida que a tela lhe mostrava. Não poderia supor que assistia ao início de uma coisa maravilhosa, que todos os dias nos encanta.
Mas ao ver aquelas cenas, de um mundo cinzento – não me lembro se havia algum som –, além de Gorki, me vieram à lembrança meus antigos anos 70, ou mais precisamente meu namorado Robert, que, afinal, tornou-se para mim símbolo daquela época. Da mesma forma que ao ler o texto de Gorki, há algum tempo, lembrei-me dele. Francês, parisiense, conheci-o durante um Congresso. Èramos jovens. Por coincidência ele morava em Porto Alegre, onde ainda mora, cidade para onde eu me mudaria logo depois para fazer meu Mestrado. Com ele aprendi a descobrir do que não gostava, e também do que gostava. Aprendi que não queria viver à chinesa, ao estilo Mao, com roupas cinzas, como as da moça da propaganda. Descobri que não queria ser igual a todo mundo. Descobri que gostava de saltos altos, de cabelos cuidados, com estilo. Descobri, como a moça, no final da propaganda, que gostava de batom, de perfume, de roupas elegantes, de riso, de alegria, de beleza. Descobri que gostava do conforto, do aconchego do lar. Enfim, descobri que gostava de tudo aquilo que ele considerava “da burguesia decadente”. Aprendi que adorava, e adoro, ser burguesa.
Robert foi minha primeira experiência com o mundo triste do socialismo real. Ou será que ele fazia confusão entre feiúra, sujeira, fedor, e revolução? Ao ver, nas Olimpíadas, a beleza de espetáculos que nos ofereceram, o sorriso esfuziante dos chineses, imagino que vivem um momento de quase transfiguração. Mas quando vi os pobres camponeses, trabalhadores braçais que não receberam seus salários, que não sabem como voltar para suas miseráveis aldeias, que não podem siquer sentar nas calçadas, imagino o mundo cinza com que sonhava meu amigo Robert para concretizar a sua tão sonhada revolução socialista. Que afinal, não tirou ninguém da miséria. Muito pelo contrário.
Uma candidata, no seu programa, apresentou-se como contemporânea dos Tupamaros, também sou. Somos daqueles tempos já antigos. Hoje quase ninguém mais sabe quem foram. E, se algum dia sonhei em ser companheira daqueles rebeldes, o sonho começou a se extinguir com o mundo cinza que me apresentava meu namorado francês. Mas se sonhamos o sonho errado, o sonho de um mundo melhor, mais justo, este não acabou.
Como é bom ser burguês! E tenho certeza de que, a julgar pela sua elegância, sempre que o encontro em algum Congresso, Robert, hoje, também pensa assim. Aliás, basta ver alguma cena de Cuba para constatar que não deu certo. E que, apesar da beleza tropical, tudo é feio, sujo, parece fedorento...e cinza. Mas quem sabe, como na história do cinema, alguma coisa maravilhosa está prestes a acontecer por lá?
Um esclarecimento, tratava-se de uma propaganda de “O Boticário”, loja pra lá de burguesa.
quarta-feira, 27 de agosto de 2008
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Um comentário:
Gatinha, adorei o teu comentário de hoje. Nele apareces, como sempre, original, brilhante e... burguesa! Ou seja, apreciadora da boa vida, do conforto, da beleza, de tudo aquilo que os feiosos e fedorentos esquerdistas "enragés" e bichos assemelhados se distanciam. Parabéns. Beijão.
Postar um comentário