Neste ano de 2011, acrescentei à minha vida um novo projeto, inspirada no que disse Jean Renoir em seu livro de memórias :”das recordações, só as melhores”. Mas, para conseguir esta outra façanha, preciso dar um sumiço, colocar debaixo do colchão, esconder dentro do armário (?) aquilo que tenho que esquecer. E como tem coisa! Primeiro, parodiando Mariah Carey: “ Não faço mais aniversário. Se alguém me deseja feliz aniversário, eu digo: está falando de quem?” Pois agora vou me fazer de desentendida, olhar para os lados :”Quem?” Para alguém que, como eu, já entrou na contagem regressiva, esta história de números soa mal. Mas é preciso lembrar que a primeira coisa que faço, assim que acordo, é tomar meu Aradois com diurético de 100 miligramas. Quantas saudades dos meus sixties! Preciso também esquecer que teremos quatro anos de Dilma e mais, nem sei quantos, de Lula. E também a qualidade dos membros do novo Congresso, que dizem que é pior do que o anterior! E que um dos chefões das FARC está livre e bem instalado no Brasil, que Battisti está solto e que Tarso Genro, aquele que protege o assassino italiano e entregou os pugilistas ao ditador moribundo, foi eleito Governador, no primeiro turno, do meu querido Rio Grande. Preciso esquecer as cotas raciais, que estão criando no Brasil, onde todos somos mestiços, uma perigosa divisão. E também que foi criado em Brasília um Tribunal Racial, que só existiu na Alemanha nazista! Enfim, há tanta coisa para esquecer, que resolvi mergulhar no desentulhe e talvez assim alcançar uma espécie de amnésia.
Mas depois de limpar tudo que me desagrada ou causa horror, quero lembrar para sempre minha mãe, sentada na sua cadeira de balanço, comigo enroscada em seu colo aconchegante, enquanto balançava suavemente e ouvia rádio. Lembrança tão antiga, que me leva aos primórdios de minha vida. Quero lembrar a voz de meu pai nas manhãs de Natal, quando eu acordava: “Bem, já vou indo.” Eu pulava correndo da cama, mas nunca consegui encontrar Papai Noel. E também, quero lembrar sempre a fúria de minha irmã quando eu mexia nas suas coisas, “brincando de moça”. Quero me lembrar as tardes, quando a doença dava uma trégua, de meu irmão Sérgio lendo-me Monteiro Lobato. Quero lembrar meu primeiro e grande amor, tão grande que o guardei para sempre no fundo de meu coração. Era um mestiço, três anos mais velho, e estudava no mesmo colégio que eu. Apaixonei-me desde o primeiro momento em que o vi. Soube que morreu há anos e senti grande mágoa. E ainda a vozinha rouca de meu neto João, logo após a morte de sua avó paterna: “Vovó Lúcia, agora só ficou você. Você tem que durar muito.” E também dos lanches na casa de Teresa, com café fresquinho. E das festas de Natal e de Réveillon, que ela preparava com tanto esmero. Quero lembrar para sempre os anos felizes que vivi ao lado de Ricardo.
Mas sei que doravante também haverá muita coisa nova na minha vida, que guardarei até o fim como lembranças queridas. Porque a vida é assim, um eterno recomeçar.
E repitindo Piaf: “Je repars à zero”
Um comentário:
Querida Maria Lúcia:
Que lindo texto, e que bom que continua a escrever. É um prazer lê-la.
Desejo que 2011 traga o frescor e a renovação deste recomeço que você vivencia.
Um beijo carinhoso,
MV
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