Tenho alguns parentes, lá pelo
sul, que se dizem brancos. E até parecem. E como todos os brasileiros velhos
falam de uma antepassada índia, que foi laçada por um branco e daí surgiu a
família. Folclore... Como dizia José Wilker, se não me engano na mini-série
“Brado Retumbante”, “somos uma nação mulata”. Somos daquele grupo que, nos
períodos mais negros da segregação americana, tinha a “gota de sangue”, ainda
que aparentemente fosse mais branco que o Lula. Mestiça sou eu, minha vizinha,
meu pai, o Prefeito, o Delegado. Mestiço é o vizinho metido a besta, o gari,
meu homem, meu amigo. Mestiços somos todos, excetuando-se algumas colônias no
sul, e que já começam a se miscigenar.
E viva este colorido, que nos dá
força para enfrentar tanta coisa! Dá ao povão saúde para enfrentar o SUS- é
claro que ninguém é de ferro -, para tomar o ônibus super lotado, cheio de
micróbios. Este colorido que dá a nós, mulheres brasileiras, a bunda que
encanta os gringos, cujas mulheres são tão falhas neste item! E não nos
queixamos, ainda que sejamos os campeões da hiperlordose. É esta miscigenação
que permite a mim, como a muitas outras mulheres brasileiras driblar o tempo.
Eu que tive um bisavô mulato, uma avó cabrocha e um avô descendente de alemães.
Misturar, dar aquele tempero especial que faz com que sejamos tão encantadores
para os gringos (ainda que eles desconheçam nossos bastidores!). É dar aquele
tempero que faz com que a comida da mamãe tenha um sabor tão especial! É a
pimenta, o alho, o cuminho, a raiz forte...
É o Brasil no que ele tem de bom!
Meu sobrinho Bertrand teve que
arrancar alguns dentes e colocar aparelho. Havia dentes sobrando para sua
arcada branca. Negros têm dentes maiores e lindos! O mesmo aconteceu com
Felipe, filho de minha sobrinha Ludmila. Tenho um dente um pouco proeminente, o
que alguém já me disse que é charmoso – que bom-, porque não arranquei o que
sobrava. Tenho uma mancha na perna, Felipe idem, ambas diagnosticadas como
mistura racial.
Onofre, meu bisavô, e seus
antepassados estão presentes em mim e em toda a família. Onofre tinha uma mãe
negra, e um pai branco. Sinto especial prazer em imaginar essa tataravó negra
como um tição, com aquele corpo sinuoso, que, graças a Deus, eu como sua
descendente , herdei. Com aquele cheiro de canela, que tanto louva Jorge Amado.
Gosto de imaginá-la no seu andar sensual, na sua ginga que encantou o homem que
a fez mãe de seus flhos.
O fenômeno racista é muito antigo. No
princípio éramos todos macacos. Pouco a pouco viramos gente. Ficamos aparentemente
diferentes. Razões desconhecidas nos levaram a raças diversas. Razões
conhecidas nos levaram a explorados e exploradores. Mas para mim, e para
milhões de outras pessoas, felizmente, aquela mulher com cara de Arlequim
jamais vai significar nada além de mais uma. Jamais terá o cheiro de canela,
nem o corpo sinuoso, nem a pele resistente ao tempo, nem a sensualidade que se
expande em nós. Será sempre, apesar de mestiça, uma cara de Arlequim, que só se
fez notar pelas caretas.
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