Conta-se que um dia o rei Philippe Auguste, no século 13,
estava em seu palácio, a beira do Sena, onde atualmente situa-se o Palácio da
Justiça. Chegou perto de uma janela, para ver correr o rio, e justo neste
momento passavam algumas carroças revolvendo o lixo de toda espécie que recobria
o chão. Desprendeu-se então um tal fedor que sua majestade desmaiou. Foi então que o rei resolveu
agrupar o “prévôt” – uma espécie de Prefeito - e os burgueses, para que,
juntos, pavimentassem as ruas de Paris, que, nesse tempo, praticamente se
resumia à Ile de La Cité, no centro do rio. A pavimentação foi feita com uma espécie de
rocha triturada, que os franceses chamam de “grès”.
Seu neto, Luís IX – São Luís de França, apesar de haver mandado muita gente
para a fogueira – passando à noite por uma rua, recebeu em sua capa bordada com
ouro um “pot de nuit” repleto de excrementos. O autor do crime era um rapaz que
dobrava a noite estudando. Como Saint Louis era santo perdoou o assustado
estudante.
Mas apesar do “grès”, Paris, que já se expandia pela “rive
gauche” e “droite”, continou imunda. Todos dejetos eram jogados nas ruas,
porcos circulavam e o mal cheiro, evidentemente, persistia. No século
XVII, o poeta Boileau, em “ Les embarras de Paris”, fala das
dificuldades em caminhar na cidade , onde multidões se espremem nas ruas
estreitas, brigam, carroças passam, cavalos escorregam e lançam lama para todo
lado. Finalmente, nosso personagem sujo de lama, amarrotado, sem saber que
caminho tomar, foge para onde pode.
É verdade que bastante coisa havia sido feita ao longo dos
séculos, mas a cidade ainda era muito medieval. No século XVIII, muita gente, incluindo
Voltaire, se preocupava com uma urbanização conveniente. Dizia Restif de La
Bretonne, escritor erótico do século XVIII, que , de tão estreitas, “... eram ruas onde
duas pessoas não podiam passar sem se beijar.” Obras magníficas foram
construídas ao longo dos séculos, mas tratava-se sempre de embelezamentos
pontuais. Nada que integrasse o tecido urbano. Ruas estreitas e prédios altos,
uns colados aos outros, onde o sol jamais penetrava e a humidade era
permanente. O ambiente insalubre, com esgoto e casas de alimentos misturando- se,
em nada se pareciam com as grandes praças e os grandes “hôtels”. Não havia nem sombra de um plano urbano, a
tal ponto que o “plano” de Paris era comparado a uma porcelana “craquelée”.
Durante a Monarquia de Julho, que vai de 1830 a 1848, o
Prefeito , Rambuteau (nome de uma estação de metrô), tenta algumas melhorias,
sobretudo no que diz respeito ao saneamento básico. A epidemia de cólera de
1832 havia matado cerca de cinco por cento da população em certos
“arrondissements” , que poderíamos chamar de bairros. Famílias pobres viviam
amontoadas em um quarto , sem banheiro. As latrinas, em geral no último andar, transbordavam de fezes, e o serviço de
limpeza era a tal ponto precário que os dejetos se derravam pelas escadas. Pelo
chão todo tipo de detrito, restos de animais mortos, de alimentos, e muitas
outras coisas. E sempre o mal cheiro dos corpos, das roupas, das latrinas,
enfim, tudo irrespirável. E havia proprietários que transformaram seus cômodos
em dormitórios onde miseráveis se amontoavam para passar a noite. “Em um cômodo
no quarto andar, tendo apenas cinco metros quadrados – escrevia a Doutor Henry
Bayard – encontrei 23 indivíduos, homens e crianças, deitados de qualquer jeito
sobre cinco leitos. O ar era de tal forma infecto que senti náuseas.....” Aliás,
note-se que até alguns anos atrás,
dormitórios eram alugados para emigrantes miseráveis, que dormiam
sentados com os braços apoiados sobre alguma coisa, não sei exatamente o que, e
que pela manhã eram despertados quando uma corda que segurava o apoio era
retirada.
Mas, uma vez derrubada o Monarquia de Louis Philippe em
1848, estabelece-se uma 2ª. República, já que a 1ª. , aquela nascida na Revolução Francesa, havia sido
tragada por Napoleão Bonaparte, que alguns anos depois se proclamara Imperador.
É nesta 2ª. República que surge um personagem singular, de quem vale a pena
falar mais tarde. Trata-se de Louis Napoléon Bonaparte, sobrinho do primeiro.
Candidata-se a Presidência e vence, entre outros, o célebre poeta romântico,
Lamartine. Mas em 1852, o Presidente, dá um golpe e torna-se Imperador - Napoleão
III - , já que seu primo que seria Napoleão II morrera na Áustria, ainda
adolescente. Apesar de golpista, com uma história pregressa que arrepiar,
mostra-se um grande estadista. É o primeiro governante a, de fato, transformar
Paris. Para isso chama um desconhecido Georges Haussmann, nomeado Prefeito, e
transformado em Barão.
A respeito do Imperador e Haussmann, dizia-se, conjugavam-se
a esperteza e o mau gosto. Mas a verdade é que a Paris que vemos hoje jamais
existiria sem a atuação destes dois. Ajudados pelos irmãos Pereire – judeus
sefarditas – , grandes banqueiros, Napoleão III e Haussmann conseguiram a mais
bela transformação que uma cidade já sofreu. Para isso, Haussmann não exitou em
colocar abaixo todo o centro da cidade, onde se aglomeravam as mais fétidas
ruas. Expulsou operários para um exílio nos arredores e a medida que a
cidade se embelezava, os mais pobres iam
sendo expulsos e cada vez para mais longe. Napoleão I havia começado a Rue de
Rivoli, Haussmann foi até o fim, bordejando o Louvre. No lugar das antigas
ruelas, grandes avenidas “boulevards”, dizia que tinha a obsessão da linha
reta. Mas suas grandes perspectivas nos encantam. Sob sua influência criou-se o
estilo “haussmannien” , de prédios amplos, com cerca de cinco andares, com
belas sacadas. É bom lembrar que que as largas avenidas tinham também uma
função estratégica: impedir as barricadas, que haviam sido arma poderosa nas
Revoluções de 30 e de 48.
Mas e a vida dos pobres, no seu exílio cada vez mais
longínquo? E dos que chegam sem para trabalhar nas demolições e construções?
Assim, de exílio em exílio, a cada nova demolição e renovação, vão cada vez
mais se afastando de seus lugares de trabalho. Especuladores constroem com os
restos das demolições, moradias irrespiráveis, em ruelas tão, ou mais estreitas
do que aquelas destruídas. E de um momento para outro pode haver novos
deslocamentos, para locais ainda mais afastados. Operários chegam a andar três
ou quatro horas para chegar ao trabalho. A vida dos pobres torna-se cada vês mais
dura!
Ainda há uma segunda parte do trabalho, já que teria ficado
longo demais para um blog. Logo postarei “Paris antes da festa II”.
2 comentários:
Muito bom, Maria Lúcia!
Que riqueza de texto!
Aguardo a continuação!
Beijos,
Nazaré
Uma aula de História! Dá vontade de ir lá conferir . Ótimo!
Postar um comentário