“Uma noite, em 1958, minha amiga
Jo Menell estava no Pont Neuf ( a mais antiga ponte de Paris) e viu formas
misteriosas que pareciam toras de madeira flutuando às dúzias na correnteza
rápida. A França estava em guerra com a Argélia para mantê-la sob suas asas, e as
formas eram argelinos assassinados por fanáticos franceses, que compensavam o
terror na Argélia com terror em Paris. Os corpos, como mandava a tradição eram
jogados no rio”
Rosenblum, Mort. A vida
secreta do Sena. Paris, Edições Rocco. 1998.
Os primeiros prenúncios do que
viria a ser a guerra da Argelia com a França começa em 1950, provocados por
atentados de colonos direitistas franceses. Muitos nascidos na Argélia, e chamados
“pieds noirs”. O grande escritor Albert Camus era um “pied noir”, sem ser nem
colono nem direitista. Em 1954, surge a contrapartida árabe com a criação do
“Front de Libération National” –FLN, cujo líder era Ahmed Ben Bella, nome
histórico e venerado na libertação dos povos oprimidos. A Argélia fora dominada
pela França e considerada território francês de 1848 até sua liberação em 1962.
Antes disso, em 1956, é dada independência à Tunísia e ao Marrocos. Hoje estes
três países situados ao norte da África são chamados conjuntamente de “Magreb”,
que é o ponto de maior fluxo de imigração para Europa, sobretudo para a França.
Durante a colonização, qualquer
ato considerado de rebeldia era severamente punido, a tal ponto que alguns
franceses, como o antigo guerrilheiro antinazista, Jacques Vergès , compararem
a Resistência Argelina contra a ocupação francesa , à própria Resistência
Francesa contra a ocupação nazista. Militares franceses , como Paul
Aussaresses, morto recentemente, defendiam abertamente a tortura. Em 1973
(!!!!), foi nomeado Adido Militar no Brasil! O governo era de Georges Pompidou.
Por tudo isso, podemos supor que as relações Argélia /França nunca foram das
melhores.
Mas, o que acontece com os
descendentes dos “magrebiens” hoje em Paris? Muitos progrediram, conseguiram
construir seu próprio negócio. A maioria das lojinhas que vendem comestíveis –
épiceries - , segundo pude notar, pertencem a tunisinos. Não consigo distinguir
um tunisino, de um marroquino ou de um argelino!!! Mas, a verdade é que a
grande maioria vive em subúrbios distantes, em favelas de concreto chamadas
“bidonvilles”. Muitos filmes já foram feitos nestes “bidonvilles” , onde a promiscuidade
e a sujeira nos mostram suas condições de vida. Os jovens, netos e até bisnetos
de árabes, não são considerados franceses por grande parte da população. E muitas
vezes nem falam mais a língua de seus antepassados! Conheci uma francesa,
colega de um curso, que me disse que jamais iria a um médico árabe! No metro é
perigoso circular à noite, pois há bandos de delinqüentes, a maior parte
árabes, que ameaçam e roubam. Enfim, são párias de uma sociedade que, sem
dúvida, passa por grave crise.
Neste campo minado, sem
perspectivas de futuro, estes jovens, muitos deles se sentindo sem pátria,
encontraram no fanatismo religioso sua esperança! Ontem dizia na televisão
francesa, Daniel Cohn- Bendit, líder das lutas de 68, que jamais, NENHUM
governo, de esquerda ou de direita preocupou-se com aqueles deserdados. Em
2012, a Ministra da Justiça, do governo Sarkozi, Rachida Dati (uma árabe que
conquistou seu lugar e hoje é membro do Parlamento Europeu) , considerando a
caricatura do Profeta nu, com a bunda levantada e dizendo alguma besteira
comentou “Eu não acho engraçado. Foi uma jogada de marketing na hora errada” .
Com ela concordou Cohn-Bendit, chamando os editores de “idiotas e masoquistas”.
É claro que NADA pode justificar
o que fizeram os fanáticos, mas o que fizeram os cartunistas não foi liberdade
de expressão. Para tudo na vida há limites, que neste caso não foram
respeitados. O que fizeram foi, o que eles próprios chamaram de “humor
irresponsável” . Irresponsável para eles e para inocentes que nada tinham a ver
com a história.
Como disse , se não me engano,
Clemenceau, político francês: “ Quero guiar minha vida com a cabeça acima do
coração e o coração acima do estômago”JE NE SUIS PAS CHARLEI
2 comentários:
Maria Lúcia,
teu artigo me esclareceu muito. Eu também acho que liberdade de expressão não significa desrespeitar os limites de respeito às pessoas e aos seus valores.
E os franceses, como você bem mostrou não primam pela sensibilidade para com o outro.
Eu também "Não sou Charlei"
Chuquinha
As pessoas que não conhecem a longa história de submissão, desprezo e maus-tratos toma uma posição puramente emocional.
Obrigada pelo comentário. Beijos.
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