No dia 8 de março de 1857, nos
Estados Unidos, operárias, reivindicando melhores condições de trabalho, foram
covardemente trancadas numa fábrica que foi incendiada. Muitas morreram
carbonizadas. Em 1910, instituiu-se, na Dinamarca, o oito de março como Dia
Universal da Mulher. Esta é a história, que quase todo mundo conhece. Neste
passado de mais de um século podemos avaliar de que valeu o holocausto destas heroínas.
Sou uma pessimista! Sempre fui. O
que vi e ouvi ao longo de minha vida, me faz crer que ainda há muita, muita,
coisa a fazer! Não acredito, acho ridícula a tal lei que considera crime
hediondo o terror contra a mulher. É crime hediondo o sofrimento ou morte
infringido a qualquer ser vivo, homens, mulheres, idosos, crianças, jovens, e
animais, sim animais! E nada vai ficar resolvido! Mulheres continuarão a ser
supliciadas, escravizadas, assassinadas! É como tirar o sofá da sala!
E neste momento, vem-me à
lembrança a belíssima criação de Chico
Buarque : “Mulheres de Atenas”.
Baseou-se na condição servil das mulheres atenienses, condenadas ao gineceu,
local que só elas podiam freqüentar, e seus maridos, pais e filhos. A letra é uma
belo poema, mas não é somente um poema que fale de mulheres gregas! Fala de
nós, mulheres de todos os séculos! Fala de mulheres a quem foram abertas as
portas de Universidades, mulheres cientistas, donas de casa, mulheres
escritoras, mulheres politicamente corretas, profissionais liberais, mulheres
políticas, mães de família devotadas. Enfim, fala de mulheres .... Neste ano de
2015, quantas de nós, profissionais ou não, são mulheres de Atenas? Lembro-me
de uma amiga que descobrindo a traição do marido, aconselhada por um padre (só
podia ser), arrumou um belo jantar e convidou o marido para uma noite de amor. E
pergunta ao final: “ O que ela tem que eu não tenho?” Ou seja, disputamos umas
com as outras as benesses do macho! Como diz Chico, “E quando eles se entopem
de vinho, costumam buscar o carinho de outras falenas. Mas no fim da noite aos
pedaços, quase sempre voltam pros braços de suas pequenas, Helenas.” São os
guerreiros, orgulho e força da raça. E nós, o que somos?
Conheço mulheres que foram
abandonadas, expostas publicamente ao escárnio, à maldade, e que, no momento em
que seus guerreiros decidiram voltar, os receberam de braços abertos, felizes! “
E quando eles embarcam, soldados, elas tecem longos bordados, mil quarentenas.
E quando eles voltam sedentos, querem arrancar violentos, carícias plenas,
obscenas!” Sei de mulheres que foram traídas a vida inteira, que conheciam o
homem a quem “entregariam suas vidas”. Casadas geraram filhos, sempre traídas.
Humilhadas, não choraram, não desabafaram! Não se indignaram e mandaram embora
o patife! Vergonha, medo de enfrentar a
vida? E morte pela angústia e humilhação
vividas durante anos! E também aquelas que lutaram “bravamente” pelo seu homem
apaixonado por outra mulher! “Quando fustigadas não choram, se ajoelham , pedem
imploram, mais duras penas, cadenas.” São as Penélopes à espera de seus Ulysses.
Quando Ricardo e eu nos
separamos, sentimos que tudo havia acabado. Era o acerto final! Senti-me feliz
de haver colocado um basta em algo que não me trazia mais felicidade. E tampouco a ele. Não tenho vocação para
“pequena Helena”, nem ele para “poder e força de Atenas”. Era uma relação
igualitária. Tínhamos opiniões políticas diferentes, e quando encontrei, no
Galeão, meu eterno namorado, Leonel Brizola, corri para abraçá-lo. Ricardo veio
atrás e também o cumprimentou afetuosamente. E também me preparei para comparecer
a uma cerimônia monarquista. Queria acompanhá-lo e solidarizar-me com ele.
Infelizmente, não me lembro porque a cerimônia não aconteceu! Tive outros
amores, em iguais condições. Uma vez, disse-me uma amiga: “A mulher que não se
casou foi porque ninguém a escolheu, e se ninguém a escolheu, é porque ela é
inferior às demais. As casadas!” Repetia o que disse Simone de Beauvoir no seu
magistral “ Le deuxième Sexe”: “A mulher casada tem mais prestígio do que a
solteira”. Mas isto foi em 1947.
Mulheres de Atenas , gregas ou
contemporâneas, “não têm gosto ou vontade, nem defeitos nem qualidades, têm
medo apenas, não têm sonhos, só têm presságios , o seu homem, mares
naufrágios,lindas sirenas, morenas.” São mulheres neutras, e abundantes! Sempre
com medo de serem traídas, trocadas! Hoje evito dizer qualquer coisa que se
relacione com minha saúde: se tenho dor de cabeça, é por causa da separação de
Ricardo, se tenho tontura, se tenho dor nas costas, se emagreço, se engordo.
Depois de quase 5 anos, esta situação ridícula perdura. Hoje me faz rir, mas já
me irritou e muito! É difícil, numa sociedade machista, dizer que minha opção
foi esta. Ela foge tanto da “normalidade”! Briguei com meu pai, com minha mãe,
vim morar sozinha, viajei muitas vezes , ainda bem jovem, sozinha, ao exterior.
Adoro minha liberdade!
Não quero ser Helena, não quero
ser a mulher de ninguém, quero ser eu, Maria Lúcia. Quero pertencer-me a mim
mesma! Conquistei quase tudo que queria. Com o meu esforço, e me orgulho disso!
Na vida só dependi, ainda jovem demais, de um homem , meu pai. E apesar de todos
os tombos que a vida me deu, venci!
Um comentário:
Belo texto, forte como você, Maria Lúcia!
Parabéns,amiga!
Beijos
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