Referindo-se ao golpe de Luís Napoleão Bonaparte, disse Marx
que a primeira vez a história acontece como tragédia, a segunda como farsa. Mas,
em pelo menos dois acontecimentos, a história se repetiu como tragédia. A
primeira vez com a dos Bourbon na Revolução Francesa e depois com a dos Romanov na Revolução Russa.
Não é possível louvá-las ou odiá-las. Foram dois acontecimentos históricos que
mudaram a história da humanidade. E há entre elas algumas coisas importantes em
comum. Sempre fui uma apaixonada pela Revolução Francesa. Versalhes, o mais suntuoso
palácio do mundo, a Conciergerie, de onde Maria Antonieta partiu, numa carroça,
cabelos cortados, as mãos amaradas nas costa, entre os xingamentos e a troça do
povo. Ela, membro de uma das dinastias mais poderosas da Europa: os Habsburgo. Li
sua vida, sua infância, assim como a de seu marido. Na adolescência fui
monarquista, jacobina revolucionária na juventude. Hoje já no entardecer vejo
tudo de modo diferente e agradeço à vida haver me ensinado. Uso a razão e
procuro deixar de lado a paixão.
Nicolau, Luís XVI... Aliás, é interessante
como o destino armou contra Luís XVI. Louis-Ferdinand, filho de Luís XV, beato,
ao contrário do pai libertino, morreu cedo, deixando a viúva e, ao que me
consta cinco filhos. Neste caso, deveria suceder ao avô o neto mais velho,
cujas pretensões reais já se faziam sentir.
No entanto, uma queda de cavalo
leva os médicos a descobrirem-lhe um tumor na perna, que, na época, foi
diagnosticado como tuberculose óssea. Ao fim de longa agonia, durante a qual
teve a seu lado seu irmão menor, o menino morre, Tinha dez anos. “Para o delfim e a delfina , bem como para o
rei, no fundo está claro que a morte se enganou de presa...” Escreve a delfina
em seu diário, em 1761: “ nada pode
arrancar de meu coração a dor que nele está gravada para sempre.”Em 1765,
morre o delfim Louis-Ferdinand, provavelmente de tuberculose. Dois anos mais
tarde, morre sua mulher. Assim, o futuro Louis XVI torna-se delfim aos onze
anos. Aos quinze anos, casa-se com Maria-Antonieta, num casamento combinado
entre seu avô, Luís XV, e Maria-Teresa da Áustria. Ela tem quatorze anos e
meio. No fundo, a princesa austríaca sabe que não reverá sua mãe, que a vê como
uma carta no jogo de interesses políticos.
Nicolas II era filho de uma princesa
dinamarquesa, Dagmar, que em russo tomara outro nome, e do Tzar Alexandre III.
Durante o governo de seu avô, assim como de seu pai , a Rússia conheceu grande
prosperidade. No terreno social, os chamados servos da gleba foram liberados e
puderam construir suas próprias vidas. No terreno cultural, houve um
desenvolvimento extraordinário com o surgimento de alguns dos maiores gênios da
literatura universal, como Tolstoi, Tchechov, Dostoievsky, Gorki. Grandes
artistas plásticos, escultores, pintores. Surgiram grandes universidades,
grandes editoras. E também na música com gênios como Piotr Tchaikovsky,
Rimsky-Korsakov, Aleksander Borodin, e muitos outros. E aqui não poderia deixar
de mencionar meu inesquecível irmão, Sérgio, o homem mais inteligente e culto
que conheci e a quem devo meu parco conhecimento cultural. Desde criança
falou-me acerca do mundo da cultura. Onde esteja, obrigada, irmão!
Ao casar-se com Nicolau, a noiva, alemã,
tomou outro nome transformando-se de Alix em Alexandra. De luterana fervorosa
converteu-se em ortodoxa igualmente fervorosa. Sua mãe era a segunda filha da
rainha Vitória da Inglaterra e tendo perdido cedo os pais foi criada pela avó. Mas
ao contrário de Luís XVI, gordo, feio, desajeitado, Nicolau era um belo homem.
E a paixão foi irresistível. Já convertida e com o nome de Alexandra, o
casamento foi grandioso. E o amor entre ambos durou até a brutal execução em
1918. Mas, Alexandra nunca foi bem vista pela corte nem pelo povo russo. Era
considerada arrogante, pouco
comunicativa e jamais manteve boas relações com a sogra, esta sim conhecedora
da corte e do povo. Era fervorosa defensora dos direitos divinos do Tzar, e
achava que opiniões alheias, vindas de onde viessem não tinham a menor
importância. E é claro que exercia enorme poder sobre o marido apaixonado.
As condições do povo eram miseráveis. A
célebre marcha de São Petersburgo, de janeiro de 1905, organizada por um
sacerdote ortodoxo, com milhares e milhares de homens, mulheres e crianças,
todos cobertos de farrapos imundos, cujo único objetivo era ver o Tzar e
mostrar-lhe suas terríveis condições de vida, transformou-se num morticínio,
quando as tropas tzaristas, atirando para cima assustaram os cavalos, que
começaram a pisotear o povo. Enfurecidos os manifestantes avançaram sobre as
tropas, e estes milhares e milhares de miseráveis foram cruelmente esmagados,
cruelmente fuzilados. Corpos se amontoavam pela imensa praça. Famílias foram
destroçadas. A neve ficou tinta de sangue. E só queriam vê-lo, talvez na sua
pobreza pedir-lhe pão. Nicolau só tomou conhecimento da tragédia dias depois,
pois estava em outra residência. Conta-se que enfureceu-se com a reação de sua
guarda, mas jamais cogitou qualquer diálogo com o povo. Afinal, ele era o Tzar,
seu poder emanava de Deus. Há também indícios de que o religioso, organizador
da marcha, fizera acordo com a polícia secreta do Tzar a fim de esmagar
organizações de trabalhadores. Foi o início de greves, violentamente
reprimidas, e movimentos revolucionários silenciosos.
E a situação na frente da batalha da
guerra (1914-18) era a mais deplorável possível, não havia munição nem
alimentos. Não havia mais comando, soldados se matavam entre si e também seus
superiores. Tentando apaziguar, Nicolau parte e deixa o poder com a Tzarina.
Sem nenhuma experiência, dominada pelo fanático Rasputin a quem eram atribuídos
poderes sobrenaturais, o desastre foi total. Diz-se que este misterioso
personagem conseguia estancar as crises hemofílicas de Alexei, único filho
homem do Tzar. Mistura de bruxo e libertino, acabou sendo assassinado, durante
uma orgia, pelo príncipe Felix Yussupov e alguns amigos. Homem enorme -1,93- de
força descomunal, conta-se que permaneceu vivo após ingerir grande quantidade
de cianureto. Finalmente, foi fuzilado com dezenas de tiros. Um personagem
realmente invulgar. Meu pai tinha o livro escrito por Yussupov “Como matei
Rasputin”, que, infelizmente se perdeu.
Enquanto se distanciava do poder, Nicolau
se vê obrigado a abdicar e também em nome de seu filho doente. A Duma, espécie
de Assembléia, criada em 1905, para apaziguar os movimentos que começavam a
eclodir, mas com poderes limitados, já que poderia ser dissolvida pelo Tzar
segundo seus interesses, traz para o campo de debates socialistas e
social-democratas. Dissidência dos Bolchevistas, os Mencheviques, que pode-se
comparar aos social- democratas, tiveram como seu maior líder Alexander
Kerensky. Durante algum tempo, antes do poder dos Bolcheviques, Kerensky
constituiu a única proteção do Tzar e sua família, ainda que não lhes tivesse
nenhum apreço. A princípio, foram exilados na Sibéria. Com eles partiram o
médico do filho Alexei, seu cuidador, o professor de pintura das princesas-
Maria, Olga, Tatiana e Anastácia- e sua professora de francês. Ali viveram
alguns meses até a chegada dos bolcheviques ao poder, cujo líder era o
“camarada” Wladimir Lenin. Este evento
marcou a morte dos Romanov. Kerensky partiu para os Estados Unidos, onde morreu
em 1970.
Como Luís XVI, igualmente influenciado
pela mulher, ambas consideradas estrangeiras, Nicolau desdenhou o conselho de
alguns de seus ministros de instituir uma monarquia parlamentar, onde o poder
do rei era limitado por uma constituição. Luís XVI, ao ver as coisas piorarem,
com vários clubes revolucionários, resolve convocar os “Estados Gerais” (États
Géneraux) , que reuniria as três Ordens –Nobreza, Clero e Terceiro Estado. Não
se tratando de uma sociedade da classes, mas de ordens, assim se constituíram
os Estados Gerais. Sobre esta sociedade de “ordens” , gostaria de falar mais
tarde. Os “Estados Gerais” haviam sido criados pelo rei Felipe Augusto em 1320,
e seriam convocados em casos de alguma perturbação social ou econômica. Ao
desconhecer o parecer dos deputados Girondinos, revolucionários moderados, adeptos
da monarquia parlamentar, como já existia na Inglaterra, Luís XVI acabou
subindo as escadas do cadafalso. Caso contrário, ele, assim como Nicolau II, teria,
provavelmente, terminado tranquilamente seu reinado.
Luís XVI foi guilhotinado em janeiro de 1793, sua mulher em outubro do mesmo ano. Depois da tomada do poder pelos
Bolcheviques, a família Romanov ,e alguns servidores, foi transportada para
Ikateringo, onde, sob ordem de Lenin, foi executada em julho de 1918.
Disse Lenin: “ As revoluções são as festas
dos oprimidos e explorados”
Mas o que se viu a seguir foi a barbárie
superando qualquer esperança de liberdade. Os oprimidos ainda oprimidos,
tirania, dor, medo, pobreza. Sim é verdade que a História acontece
uma vez como tragédia e a segunda como farsa. E foi a o que aconteceu com os
ideais de Liberdade e Igualdade por que esperava o povo russo.
E antes de terminar não poderia deixar de
levantar meu protesto contra o RIDÍCULO filme de Sofia Coppola sobre Maria
Antonieta. REPUGNANTE!
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