Rumo à Bretanha . Encontro com uma grande amiga.
Quando sentei no banco do trem que me conduziria a Saint-Nazaire, cidade que teve importância estratégica durante a Segunda -Guerra , senti que , afinal, havia saído do Inferno. Ainda estava febril, minha garganta ainda doía , mas tinha certeza de que passaria . Resolvi, e não sei como consegui, esquecer meus problemas no Brasil , e acho que até cochilei. De repente, percebi que estava sentado a meu lado, junto à janela , um senhorzinho, tipicamente francês. Parecia um camponês e contou-me que ia passar férias na "campagne" onde tinha família . Começamos a conversar , já não lembro mais sobre o quê . Ficou assombrado ao saber que eu vinha de um país chamado Brasil. Não sei se jamais ouvira falar , ou se pensava que era habitado por índios ou alienígenas. Escrevi meu nome e endereço, com letra de forma em um pedaço de papel, e ,algum tempo depois, recebi um bilhete seu. O hilário é que não entendendo bulhufas , ele xerografou, imprimiu o que eu havia escrito, colando como endereço. Guardei e depois vou procurar.
No meio do caminho, tirou de uma sacola um sanduiche de presunto e uma garrafinha de vinho, ofereceu-me e compartilhamos aquela refeição com tudo que adoro. Algum tempo depois, o trem fez uma parada e ele desceu num campo cultivado. Lembro-me de seu vulto sumindo enquanto o trem se afastava. E sempre me pergunto se lhe passei gripe. Hoje, tantos anos depois, estou certa de quê já se foi, mas parece que era um homem feliz.
Enfim, cheguei à Estação de Saint- Nazaire. Pequena , quase vazia. Ali , encontrei um homem gentil, que me ajudou com a mala. Em seguida , rumei para BELC, centro de estudos , onde ficaria alojada durante cerca de 40 dias. E aqui começa um dos mais belos períodos de minha vida.
Eu já estava quase curada, e tinha grande curiosidade de reconhecer o lugar. Saímos um grupo de estudantes, de várias nacionalidades, todos professores de francês. E foi a primeira vez na vida que vi uma búlgara , assim como ela era a primeira vez que via uma sul- americana , uma brasileira. E daí nasceu uma amizade que dura há 34 anos. Eu em Juiz de Fora, ela em Sofia. Por vezes , nos falamos pelo telefone do Whatzapp. E tanta coisa aconteceu em nossas vidas desde então. Nossas mães , que estavam doente faleceram pouco depois. Perdi meu irmão, meu cunhado e minha inesquecível Teresa. E agora se foi Bruno, ao encontro dos que o antecederam. Svetla casou-se pela segunda vez, teve uma filha, divorciou novamente, e continua em Sofia , de onde me manda sempre fotos. Trocamos fotos e mando-lhe músicas brasileiras. Ela esta feliz, passa férias na Itália ou na Espanha. Diz-me que o Comunismo é passado.
Mas em 1989, a Bulgária era ainda um país que vivia sob o regime, aquele que não deu certo em lugar nenhum. Lembro-me de certos acontecimentos que me marcaram e mudaram. Svetla estava sempre acompanhada de outra , que ela me disse ser a esposa de um coronel. E interessante notar, que foi lá que conheci o homem mais gentil de minha vida, por quem me apaixonei quase imediatamente. Nunca mais soube dele, mas guardarei sua foto e sua imagem para sempre no meu coração. Guy , francês, era "detaché" na Bulgária, e me explicou muita coisa, inclusive a constante presença da esposa do militar ao lado de Svetla. Era sua função vigiá-la , para que nada denunciasse, e que jamais tivesse um comportamento "inadequado"! Não entendi quando lhe ofereci uma cassette de Gal Costa e ela recusou horrorizada. Guy riu quando lhe contei. Svetla teria graves problemas se chegasse em Sofia com uma cassette , em uma língua desconhecida e acabaria na Policia.
Um dia fomos ao Supermercado, sem a vigia; Svetla queria comprar alguns presentinhos para as amigas. Eram barrinhas de chocolate, um bombom , uma barrinha de cereal. Mas , por mais singelos que fossem os "presentes" , o dinheiro não dava. Meio desesperada, ela jogou no chão todas as moedas que tinha, sentou-se ao lado de seu acervo e tentava ver o que dava e o quê não dava. As pessoas que passavam, e que viviam em um país capitalista, ficavam horrorizadas. Tentei dar-lhe algum dinheiro , que ela recusou, evidentemente por medo. Houve um "bal masqué" , onde fui fantasiada não sei de quê ,mas que fez enorme sucesso. Entrei e saí sob aplausos, enfiada em uma fantasia que nem era minha, Tenho fotos e as vezes posto, como farei a seguir.
Mas a acontecimento que mais me marcou ocorreu às vésperas do fim do curso. Havíamos recebido , ao chegar, uma sacola , onde colocaríamos os livros e cadernos. Daí, num belo dia, percebi que Svetla jogava dentro da sacola todo pão que não se comia. Lembrando que francês faz as refeições acompanhadas de pão. Aquilo me intrigava, pois o pão francês fica duro como pau no dia seguinte, me lembrando o pão que vinha do Exército que chegava todos dia em casa. Meu irmão brincava que poderia ser uma ótima arma. Um dia, me enchi de coragem e perguntei-lhe por quê guardava pão velho . E a resposta aterrorizante me desiludiu em definitivo daquilo em que, por tantos anos, eu havia acreditado. " Maria, vou ter que esperar bastante tempo em Orly , e quando sentir fome, molho o pão na água e como. " Pobre Svetla, que, para matar a fome, seria obrigada a comer pão com água. No dia em que nos despedimos , dei-lhe uma nota de cem dólares, que estou certa que foi parar no lixo.
Fico feliz quando a vejo na praia, tomando sol, se espreguiçando na neve, com roupas bonitas. Uma mulher bonita , como costumam ser as eslavas, que pode se cuidar. Uma mulher que na Pascoa Ortodoxa, assa um cordeiro , e vai com a filha a uma cerimônia na sua Igreja, ela que que dizia que o dia de Natal era, para seu povo, um dia como qualquer outro.
Escrevi este texto porque fui "acusada" de ser da direita por achar ridícula para o Dia das Crianças a sugestão de uma foice e um martelo de plástico, com os dizeres "Feliz dia das crianças , camaradinhas." Sempre repito que sou da esquerda progressista , NÃO COMUNISTA. Mas minha amiga, que disse que sou da direita, fez questão de afirmar que , apesar disto , continua a ser minha amiga e gostar de mim. A recíproca é verdadeira.
No meio do caminho, tirou de uma sacola um sanduiche de presunto e uma garrafinha de vinho, ofereceu-me e compartilhamos aquela refeição com tudo que adoro. Algum tempo depois, o trem fez uma parada e ele desceu num campo cultivado. Lembro-me de seu vulto sumindo enquanto o trem se afastava. E sempre me pergunto se lhe passei gripe. Hoje, tantos anos depois, estou certa de quê já se foi, mas parece que era um homem feliz.
Enfim, cheguei à Estação de Saint- Nazaire. Pequena , quase vazia. Ali , encontrei um homem gentil, que me ajudou com a mala. Em seguida , rumei para BELC, centro de estudos , onde ficaria alojada durante cerca de 40 dias. E aqui começa um dos mais belos períodos de minha vida.
Eu já estava quase curada, e tinha grande curiosidade de reconhecer o lugar. Saímos um grupo de estudantes, de várias nacionalidades, todos professores de francês. E foi a primeira vez na vida que vi uma búlgara , assim como ela era a primeira vez que via uma sul- americana , uma brasileira. E daí nasceu uma amizade que dura há 34 anos. Eu em Juiz de Fora, ela em Sofia. Por vezes , nos falamos pelo telefone do Whatzapp. E tanta coisa aconteceu em nossas vidas desde então. Nossas mães , que estavam doente faleceram pouco depois. Perdi meu irmão, meu cunhado e minha inesquecível Teresa. E agora se foi Bruno, ao encontro dos que o antecederam. Svetla casou-se pela segunda vez, teve uma filha, divorciou novamente, e continua em Sofia , de onde me manda sempre fotos. Trocamos fotos e mando-lhe músicas brasileiras. Ela esta feliz, passa férias na Itália ou na Espanha. Diz-me que o Comunismo é passado.
Mas em 1989, a Bulgária era ainda um país que vivia sob o regime, aquele que não deu certo em lugar nenhum. Lembro-me de certos acontecimentos que me marcaram e mudaram. Svetla estava sempre acompanhada de outra , que ela me disse ser a esposa de um coronel. E interessante notar, que foi lá que conheci o homem mais gentil de minha vida, por quem me apaixonei quase imediatamente. Nunca mais soube dele, mas guardarei sua foto e sua imagem para sempre no meu coração. Guy , francês, era "detaché" na Bulgária, e me explicou muita coisa, inclusive a constante presença da esposa do militar ao lado de Svetla. Era sua função vigiá-la , para que nada denunciasse, e que jamais tivesse um comportamento "inadequado"! Não entendi quando lhe ofereci uma cassette de Gal Costa e ela recusou horrorizada. Guy riu quando lhe contei. Svetla teria graves problemas se chegasse em Sofia com uma cassette , em uma língua desconhecida e acabaria na Policia.
Um dia fomos ao Supermercado, sem a vigia; Svetla queria comprar alguns presentinhos para as amigas. Eram barrinhas de chocolate, um bombom , uma barrinha de cereal. Mas , por mais singelos que fossem os "presentes" , o dinheiro não dava. Meio desesperada, ela jogou no chão todas as moedas que tinha, sentou-se ao lado de seu acervo e tentava ver o que dava e o quê não dava. As pessoas que passavam, e que viviam em um país capitalista, ficavam horrorizadas. Tentei dar-lhe algum dinheiro , que ela recusou, evidentemente por medo. Houve um "bal masqué" , onde fui fantasiada não sei de quê ,mas que fez enorme sucesso. Entrei e saí sob aplausos, enfiada em uma fantasia que nem era minha, Tenho fotos e as vezes posto, como farei a seguir.
Mas a acontecimento que mais me marcou ocorreu às vésperas do fim do curso. Havíamos recebido , ao chegar, uma sacola , onde colocaríamos os livros e cadernos. Daí, num belo dia, percebi que Svetla jogava dentro da sacola todo pão que não se comia. Lembrando que francês faz as refeições acompanhadas de pão. Aquilo me intrigava, pois o pão francês fica duro como pau no dia seguinte, me lembrando o pão que vinha do Exército que chegava todos dia em casa. Meu irmão brincava que poderia ser uma ótima arma. Um dia, me enchi de coragem e perguntei-lhe por quê guardava pão velho . E a resposta aterrorizante me desiludiu em definitivo daquilo em que, por tantos anos, eu havia acreditado. " Maria, vou ter que esperar bastante tempo em Orly , e quando sentir fome, molho o pão na água e como. " Pobre Svetla, que, para matar a fome, seria obrigada a comer pão com água. No dia em que nos despedimos , dei-lhe uma nota de cem dólares, que estou certa que foi parar no lixo.
Fico feliz quando a vejo na praia, tomando sol, se espreguiçando na neve, com roupas bonitas. Uma mulher bonita , como costumam ser as eslavas, que pode se cuidar. Uma mulher que na Pascoa Ortodoxa, assa um cordeiro , e vai com a filha a uma cerimônia na sua Igreja, ela que que dizia que o dia de Natal era, para seu povo, um dia como qualquer outro.
Escrevi este texto porque fui "acusada" de ser da direita por achar ridícula para o Dia das Crianças a sugestão de uma foice e um martelo de plástico, com os dizeres "Feliz dia das crianças , camaradinhas." Sempre repito que sou da esquerda progressista , NÃO COMUNISTA. Mas minha amiga, que disse que sou da direita, fez questão de afirmar que , apesar disto , continua a ser minha amiga e gostar de mim. A recíproca é verdadeira.
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