Tantas
são as transformações que ocorrem a cada dia no mundo, que mesmo coisas ditas
há menos de vinte anos já se tornaram obsoletas. Gilles Lipovetsky, filósofo
francês, tem sua obra fixada nestas transformações. Deixa-a aberta, capaz de
captar mudanças e sempre encará-las de frente. Mas a disjunção sexual que
aborda nesta sua obra acabou por colocá-lo como reacionário. A começar pelas
feministas “enragées”, que o têm como inimigo e ainda acreditam na famosa frase
de Simone de Beauvoir: “Não se nasce mulher, torna-se.” É verdade que Simone
revolucionou e ensinou mulheres, como eu mesma, o que significa ser mulher. O
que pretende Lipovetsky não é negar o que diz esta grande pensadora, mas
colocar a natural disjunção entre homens e mulheres. É verdade que nossa
história sempre se baseou na mulher- amor, mulher- paixão. E assim dizia a
escritora romântica Germaine de Stäel: “As mulheres não existem senão no amor,
a história de suas vidas começa e termina com o amor.” E colocando-as na esfera
exclusiva do amor, tornaram-nas dependentes, incapazes de alcançar sua
individualidade. Já nos anos 60 e 70, a grande reviravolta coloca o amor como o
fator mais importante da servidão feminina, seja no plano doméstico ou sexual. Mulheres
optaram pelo que, com alguma exageração, Simone considerava o casamento burguês:
uma prostituição institucionalizada, em que a mulher paga com seu corpo virgem
o sustento para a vida toda. Mas foi assim, enfrentando a boa educação
burguesa, que as mulheres se libertaram da obrigatória maternidade e a conduta
sexual passou a ser opção de cada uma. Uma
feminista americana chegou a dizer “ O amor é a reação da vítima à violação” O
amor que até então fora visto como o grande objetivo da mulher, era agora
acusado de estar a serviço do macho. A perspectiva destas feministas “conduzirá
Barthes a evocar o surgimento de uma nova obscenidade: a do sentimentalismo” Mas passada esta fúria feminista, muito de
sua marca permanece, cada vez mais as mulheres começam a tomar distância do amor
como objetivo único, deixam de renunciar a uma profissão, o que não significa
que o amor haja desaparecido.
Devemos a Simone e
às feministas dos anos 60 e70 o ”Reconhecimento da atividade profissional
feminina, legalização da contracepção e do aborto, liberação da moral sexual:
uma revolução sem dúvida aconteceu.” Mas tudo isto foi o produto da
independência econômica, que permite à mulher viver ao seu modo, ser como dizia
Sartre “um ser para si” , ou seja, um ser que se faz, que se realiza. Homens e
mulheres passaram à igualdade, e se há diferenças em salários, isto só acontece
em países periféricos, como o Brasil. No entanto, uma questão permanece,
malgrado esta democratização: qual o papel do amor , mesmo em sociedades que
priorizam ao indivíduo a livre disposição de si mesmo? Apesar de todas as
conquistas igualitárias, a mulher continua apegada ao amor, ainda que de forma
menos marcada que antes. Há cerca de trinta ou quarenta anos, a mulher
dissocia, cada vez mais, o amor do casamento. Não aceita mais casamentos insatisfatórios
e sente-se segura para sair de uma situação incômoda. A mulher segue seu
caminho sem a presença do macho. Homens públicos e mulheres públicas, quanta
diferença havia nestas duas qualificações! E hoje quantas são as mulheres
públicas? A democratização dos sexos, no entanto, nos tem dado algumas provas concretas
de disjunção: quando Segolène Royale , companheira de anos de François
Hollande, com quatro filhos, lhe pediu sua mão em público, recebeu como resposta um incômodo silêncio, que
justificou com a frase: “Nosso amor é maior.” Era traída há sete anos. Foi abandonada, não
procurou outro companheiro, como fez Sarkozi, abandonado pela mulher logo no
ínicio de seu mandato. Agora, vemos mais uma vez, Hollande trair uma amante,
que teve que internar-se num hospital pelo choque. Breve estará aparecendo com
a terceira. Segolène é uma política, uma mulher pública, que já foi candidata à
Presidência da França, a segunda jornalista de uma revista importante. Finalmente,
não é justo falar em revolução e permanência no feminino? E ainda há a tanta
coisa a dizer sobre esta magnífica obra!
Mas haja permanência
e revolução nos dois gêneros, é fundamental
que nos lembremos sempre do que disse Simone “Que nada nos defina, que nada nos
sujeite, que a liberdade seja nossa própria substância.”
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