Século XIX , século XX.
Depois de tantos acontecimentos, enfim , chegamos ao novo século. Na França, nestes
cem anos, que parecem ter fim, ao menos
cronologicamente, foram tantos os acontecimentos! Dois golpes, duas revoluções,
uma guerra contra a Prússia, uma França vencida, duas perdas territoriais, uma
revolta em Paris, denominada Comuna. Enfim, destruídos os rebeldes, chega-se à
Terceira República. Paris se engalana. É a Belle Epoque. Numa sociedade, ainda
distante de qualquer resquício de igualdade, uma parte da população sente que a
vida é para ser gozada. Não se poderia imaginar o que se preparava neste século
recém-nascido. Mas até a Primeira
Guerra, as delícias deste mundo de artistas, música, das comédias de
Feydeau, das deliciosas operetas de
Offenbach, do Moulin Rouge, do Impressionismo, tudo continuou existindo.
Prazer, jóias, amores ilícitos, cortesãs. Elas eram muitas, mas
três se destacavam. Eram as mais belas, mais inteligentes, mais artistas.
Começaram no famoso “Folies Bergère”, em pequenas cenas, belas figurantes. Mas este não era seu
objetivo. La Belle Otero, Liane de Pougy, Emilienne d´Alençon. Tinham origens
diferentes. Caroline Otero, cujo verdadeiro nome era Agustina Del Carmen Otero
Iglesias, nasceu na Espanha, de família duvidosa, com muitos filhos , cada um
de um pai diferente. Com a morte do marido e a completa ruína da família, sua
mãe se prostitue para manter a prole.
Isto até casar com um certo fulano que logo passa a detestar sua enteada,
Agustina. Mas, na promiscuidade em que viviam, durante uma festa na aldeia, a menina é violentada
por um sapateiro. Ela tem apenas onze anos. Sua vida daí em diante torna-se um
vendaval de homens e de um proxeneta. Aos treze anos, com seu amante ela
aprende a dançar o flamengo, e a desenvolver certa habilidade teatral. Descoberta como menor , ela é encaminhada para
sua mãe, que a expulsa. Volta à vida de prostituição, até que, grávida, é
obrigada a abortar, o que a torna estéril. Encontra um segundo amante, que
também a explora e a leva a cabarés , onde exerce suas habilidades de
dançarina, e também a explorar seu charme. Somente algum tempo depois, um rico
banqueiro compra sua liberdade, ensina-lhe boas maneiras, e a leva para fora da
Espanha. Mais tarde, já conhecida, ela estréia em pequenas cenas nas grandes
salas de espetáculo de Paris, como Moulin Rouge, Folies Bergères, e Cirque
d´éte, este último já desaparecido. Mas sua grande paixão é o jogo. E nele
depositou milhões, dados por amantes: Reis,
Príncipes, Duques , milionários que freqüentavam esta Paris em ebulição.
Liane de Pougy, já tinha origem totalmente diferente. Era
francesa, de uma família de militares. Anne-Marie Chassaigne , seu verdadeiro
nome, recebeu fina educação junto às Irmãs “ Fidèles Compagnes de Jésus”, e
desde cedo seu temperamento libertário se fez sentir. Mas, foi junto às Irmãs
que ela aprendeu o savoir-faire e a cultura que mais tarde lhe serviram de
base. Aos dezessete anos, ela se casa
com um militar, e pouco tempo mais tarde dá à luz um filho, que se tornará um dos pioneiros da aviação na
Primeira Guerra e morrerá aos vinte e sete anos. Com o marido fora, Anne-Marie
arruma um amante, causa de uma bala que recebeu nas nádegas. Ela foge, e
aproveita para se divorciar. Diz seu biógrafo, Jean Chalon, : “ A beleza ,
quando é pródiga em prazeres, pode ser uma chave abrindo muitas portas,
inclusive as da imprensa” Ela estabelece
relações com os chefes de importantes órgãos da imprensa, como Gil Blas,
hebdomadário, com sabor profano, e até o severo “Le Figaro”. Seu nome é
presença nas rodas sociais e intelectuais. Ela aprende dança, e escreve. Seus
amantes são ricos, poderosos, e pagam qualquer preço por uma noite, ou por
somente vê-la nua, em todo seu esplendor. Liga-se de amizade com Sarah Bernard,
que a aconselha a não tentar o teatro, por sua falta de vocação, conselho que
ela desconhece. Faz amizade com Proust, que incentiva seu talento literário.
Uma certa noite, é chamada às pressas por seu amigo e admirador,
Henri Meilhac, autor teatral e membro da
Academia Francesa de Letras. Dizia-lhe que se fizesse muito bela e elegante.
Sem entender, Liane foi encontrar seu amigo e assustou-se, quando, ao entrar no salão, viu levantar-se toda a
platéia e a orquestra tocar um hino triunfal. Somente no dia seguinte, soube,
pelos jornais, que substituira a rainha
da Suécia, impedida de ir na última hora.
É assim esta mulher que faz de seu corpo seu comércio, mas que não se
esquece de sua capacidade intelectual. Como diz seu biografo ela nunca deixa de
mostrar, a quem a visita em sua mansão, seu majestoso leito de seda e plumas como seu “ganha
pão”. Ela havia descoberto que o leito pode ser explorado de várias maneiras. E
fortunas se dissolvem em suas mãos, jóias, dinheiro, e tudo que tem valor...
Emilienne d`Alençon , ou Emilie André, nasceu em Paris, filha de uma “concierge” (
espécie de faxineira de um edifício, onde mora com a família, profissão
praticamente desaparecida). O pseudônimo
lhe foi sugerido pela prostituta Laure de Chiffreville, que lhe prevê um futuro
brilhante, devido à sua beleza e graça. Ela se introduz no Cirque d`Été , no
Maxim´s . O grande incentivador de sua carreira foi o jovem duque Jacques
d`Uzès, que, perdidamente apaixonado, pretendia fazer dela uma dama, que
posteriormente esposaria. Mas esta não é a intenção de Emilie ou Emilienne, e
tampouco da família do duque. Assim, enviam-no para o Congo, onde ele morre.
Aí, então, a jovem futura cocotte, faz sua carreira. Por ela se apaixonam
Leopoldo II da Bélgica, o futuro rei Eduardo VII e o Kaiser Guilherme II. Com
Liane de Pougy, ambas com tendências lésbicas, estabelece um romance, que dá a
Gil Blas a ocasião da seguinte piada: haveria um casamento e em pouco tempo
nasceria um bebê.
Por causa de suas origens populares, é apelidada de “Gavroche
feminina” ( moleque de rua do romance de Victor Hugo, “Les Misérables”, que acaba
morrendo na revolução de 1830), no entanto, é uma mulher inteligente e talentosa.
Apaixonada pela literatura, ela escreve uma coleção de poesias com o título
“Sous le masque” , bem indicativo de sua própria vida. Bela mulher, e
fotografando muito bem, ela usa esta estratégia para melhor marcar sua imagem.
A descrição que dela faz um cronista é de uma irresistível mistura de inocência
e sensualidade. Seu nariz arrebitado e audacioso, sua boca que ao mesmo tempo
faz beicinho e convida ao beijo. Mas esta “Gavroche feminina” arruinou muitos condes, duques, barões, milionários
interditados pelas famílias.
E afinal, chega a Grande Guerra, e termina a Belle Epoque. As
cocottes famosas já não são tão jovens e sedutoras. Liane de Pougy dá vazão às
suas tendências lesbianas. Torna-se amante de uma jovem americana, Natalie
Clifford Barney. Ela é bela, rica, poderosa. Desde que sabe amar, ela ama as mulheres. Certa vez, acompanhando seu
pai à Casa Branca, ela encanta-se pela
Primeira Dama e diz claramente: “ Ah ! Senhora Presidente, se pudesse continuar
a presidir a Casa Branca com não importa
qual presidente!” Constrangimento geral.
Na França, procura Liane enviando-lhe um buquê de rosas. E então começa o
romance mais ardente da vida das duas. Mas como tudo passa, o amor acaba, e
resta uma profunda amizade. Em 1899, ressurge vida de Liane de Pougy seu filho
Marc Pourpre, com doze anos, que ela havia quase esquecido. Levado pelos avós,
conheceu aquela mulher que diziam ser sua mãe e cuja foto se espalhava por toda
Paris. Liane o recebe, mas não consegue estabelecer com ele o amor maternal.
Interna-o no melhor colégio de Paris, provê todas suas necessidades,
oferece-lhe belas férias, e manda-lhe declarações de amor maternal.
Em 1910, finalmente, ela encontra seu príncipe, de verdade.
Casa-se com o Príncipe romeno Georges Ghika , para grande furor da família do
noivo. A Grande Guerra aproxima-se. Em
1914, morre seu filho Marc, um pioneiro da aviação. Mas, estranhamente, mesmo
antes de saber de sua morte, Liane cai em desespero. Contorce-se , tem um tremor por todo corpo, prostra-se no chão. Seu
desespero mostra que a mãe dentro dela não havia morrido. Ela havia implorado
para que não fosse, mas ele queria, achava ser seu dever como francês, reconquistar a Alsácia e Lorena. Ao saber de
sua morte, a mãe cai em estado vegetativo, seu coma é quase fatal. Anoxérica,
passa a pesar quarenta e dois
quilos. Á sua cabeceira está seu marido e sua ex-amante americana ,
Natalie Barney. Mais tarde ela dirá: “ Aprendi a maternidade na dor”
Em 1945, morre seu marido e ela resolve se recolher a um
convento. Morre em santidade em 1950.
Como diz seu biógrafo: “Liane de Pougy, cortesã, princesa e santa.”
Belo Otero, passados os anos de apogeu, recolhe-se à sua mansão em
Nice. Na mesa de jogo perde toda sua fortuna. Em 1960, sem recursos, encontra
um amigo que lhe aluga um quarto, onde esquenta sua refeição. Conta-se que, à
noite, via-se nos becos de Nice, uma velhinha que procurava comida no lixo. Morre
em 1965.
Emilienne d´Alençon morre em 1945. Ela está falida e
endividada. Seu dinheiro fora gasto com
as amantes, e seu corpo e seu espírito estão destruídos pelo ópio. Casou-se
duas vezes com jokeys ingleses. Divorciou-se do primeiro e perdeu o segundo na
Grande Guerra. Gasta pelo tempo, pelas drogas, pela miséria , foi-se.
Estas mulheres viveram um mundo de esplendor que terminaria na
Grande Guerra. Neste novo mundo que surgia não havia lugar para elas. Todas
viveram também os horrores da Segunda Guerra. No “entre-deux-guerres” , pensou-se
que a vida retomaria seu rumo, mas a Primeira ainda não acabara. Ela recomeçou
em 1938, quando, de joelhos, Daladier e Chamberlain, lideres da França e da
Inglaterra ,entregaram, parte da Tchecoslováquia a Hitler. Daí em diante, o
mundo jamais tornaria a ter paz.
LES
HORIZONTALES
2 comentários:
Querida Maria Lúcia , li sua crônica com grande prazer. Como ninguém você sabe contar uma história com um brilho sedutor!
Parabéns, amiga!
Sempre incentivando minhas crônicas! Obrigada, amiga . Beijos.
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