QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



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sexta-feira, 8 de novembro de 2024

 Para Bruno, meu inesquecível  sobrinho

Hoje seria seu aniversário. Sua passagem significou para todos nós uma dor indescritível. Lembro-me de dia em que nasceu, minha irmã avisando minha mãe que a bolsa havia rompido. Fui com ela para o apartamento de Teresa. Lá estava já sua sogra, que morava no mesmo edifício. Teresa sentia dores fortes. Saí correndo para avisar meu  cunhado. Minha irmã foi levada ao hospital rapidamente. 

Lembro-me de Bruno todo enrolado numa coberta a boca suja de leite. Fora amamentado por outra mãe, já que minha irmã não tinha leite suficiente. Eu era adolescente e ia diariamente ao hospital namorar aquele bebê lindo, com imensos olhos azuis. Quando voltou para casa adorava segurá-lo no colo ou passear de carrinho com ele. Sua beleza chamava a atenção de todos.  E o tempo foi passando, e então fingia ser sua mãe. 

E como tudo passa, o bebê tornou-se uma criança linda. E depois um belo rapaz, e um homem bonito e generoso. Depois que fiz minha cirurgia de quadril, já me sentindo recuperada, Bruno fez questão de festejar meu aniversário, foi um dos dias mais felizes de minha vida. Jamais poderia imaginar que aquele seria o último dia em que veria meu sobrinho vivo. 

Poucos meses depois, atendi o telefone de manhã e ouvi a notícia de que ele havia falecido. Fiquei aturdida, não sei quem veio me ajudar a tomar um banho, e me levou ao cemitério. Ou se peguei um taxi. Perder alguém mais jovem é contra natureza. Já perdi toda minha família original, aquela que estava na minha infância, mas agora não podia crer que Bruno se fora. Mas era verdade. Tive a sensação de irrealidade, de que ainda ontem eu poderia falar com ele, tocá-lo. Mas a cruel verdade estava diante meus olhos. 

Chorei, e ainda choro quando penso que ele se foi. Mas minha fé me traz a certeza de que o reverei, como a todos que me antecederam. Por isto, nunca digo ADEUS, digo "Até um dia" , que só DEUS, esta inteligência suprema, causa de todas as coisas, pode saber quando.

quinta-feira, 31 de outubro de 2024

 Citoyens, Camaradas e Companheiros

Citoyens

Meu contacto com a Revolução Francesa remonta à minha infância, quando morava em Paris. Eu devia ter 10 ou 11 anos quando vi um filme sobre a rainha Maria Antonieta, este personagem icônico da Revolução Francesa. Diz seu biógrafo, Stephan  Zweig, que Maria Antonieta teve um destino maior do que ela. Assim como Napoleão, prisioneiro na Ilha de Santa Helena, teve um destino menor do que ele. Naquele dia, dos meus longínquos 10 ou 11 anos, marquei um encontro definitivo com o maior movimento popular de História, que iniciou o que chamamos de Idade Contemporânea. 

A atriz que fazia o papel de Maria Antonieta era Michelle Morgan que a todos encantava com seus magníficos olhos azuis. Para o papel de Hans Axel von Fersen, Embaixador da Suécia, foi escolhido  Richard Todd, ator irlandês, também com lindos olhos azuis. Lembro-me de que durante um "bal masqué", ela torce o pé e o belo Fersen vem massageá-lo. É então que ambos levantam as respectivas máscaras e mostram seus lindos olhos. Apaixonei-me imediatamente por Richard Todd. Tive imenso pesar ao ver o trágico destino da Rainha. Na realidade, Fersen  foi seu grande amor, já que sua mãe, a Imperatriz Maria Teresa da Áustria, decidira com o Rei da França, Luís XV, avô de Luís XVI, o casamento por questões puramente políticas.

Revi o filme durante um Congresso de Professores de Francês, onde apresentei um trabalho que me valeu uma bolsa na linda Bretanha, onde conheci meus amigos búlgaros. O ano era 1989, e comemorava-se o bicentenário da Revolução Francesa e também da Inconfidência Mineira. Estava presente Danielle Mitterand, então Primeira Dama da  França e, representando a mulher brasileira, a Deputada Benedita da  Silva. Mas naquele momento, eu já havia mudado minha posição política e não via mais Maria Antonieta como uma pobre mártir. Depois de tantos anos, eu passara para o lado dos Jacobinos e minhas posições políticas eram totalmente à esquerda. Aliás, é necessário notar que a Revolução Francesa foi feita pelo que agora chamamos burgueses, ou que na época se chamava Terceiro Estado (Tiers Etat), ou seja, numa  sociedade de Ordens, são aqueles que não pertenciam nem ao Clero, nem à Nobreza e que representavam 98% da população. Assim sendo, eu, professora universitária, pertenceria à mesma Ordem que Jaime, o faxineiro de meu prédio. Mas sobre isto, acho que já falei.

Um quadro do pintor David mostra a instalação da Assembleia dos Estados Gerais, com a presença do Rei e da Rainha. Nele o pintor fez questão de retratar o único membro do que podemos chamar hoje, classe operária. A denominação "citoyen" surgiu após a Revolução e referia-se a todos que não pertenciam ao Clero ou a  Nobreza. Lembro-me do filme "Danton", que assisti pela primeira vez em Paris, em 1983, quando de seu lançamento. Danton, grande advogado e orador implacável é interpretado magistralmente por Gerard Depardieu. E lembro-me da quantidade de refugiados poloneses que se aglomeravam na entrada do cinema, já que o filme é uma produção franco-polonesa. Seu diretor Andrzej Wadja, era polonês, assim como os atores que interpretam Saint-Just e Robespierre. Vale a pena ver. Tenho em DVD mas não consigo usá-lo, o quê considero um retrocesso.

Conta-se que durante a Comuna de Paris, de que já falei, a encenação de uma peça exigia que os atores usassem ao invés de "tu" ou "vous" a palavra "citoyen" ou "citoyenne" o quê devia causar grande embaraço para os atores e mesmo para o público. Aliás, é bom notar que houve naquele movimento uma grande confusão, podemos dizer, ideológica, pois grandes revolucionários de 1789, jamais cogitaram de qualquer desapropriação, sendo eles mesmos proprietários e alguns enormemente ricos.  Aliás, nem Marx nem Engels eram nascidos, sendo o Manifesto Comunista publicado somente em 1848. Parece que havia na cabeça dos "communards" uma séria confusão entre "O Manifesto Comunista" e o espírito revolucionário de 1789. 

Se  alguém quiser ver o filme "Danton" , ele está disponível na Google. Vale a  pena. Ali pode-se ver o tratamento frequente de "citoyen". 

Camaradas

Camarada Lenin! Camarada Stalin! Camarada Trotsky! Camarada Béria! Camarada  Khrushchev!

"Maria, le communisme est dans le passé !"  

Dito por minha amiga búlgara, Svetla Hantova, com quem estudei na França.

E o passado não volta!!!

Não consegui descobrir a origem da designação "camarada", mas, afinal isto não importa! Nestes dias procurei me informar ao máximo sobre destino do Império Russo e da família Romanov que era a única família monárquica com poderes absolutos. Que Nicolau II não  estava preparado para o governo, que tinha vasta cultura, falando várias línguas, mas detestava os assuntos de Estado!!! Nicolau era filho do Tzar Alexandre III e da Tzarina Maria Feorodorovna, a  princípio Princesa Dagmar da Dinamarca. A Princesa na verdade deveria se casar com o filho mais velho do Tzar Alexandre II,  que morreu de tuberculose pouco antes do casamento. Sabendo que a princesa Dagmar tinha especial afeto pela Rússia e por sua cultura, Alexandre II tem a ideia de propor o casamento com seu outro filho. Este outro filho era muito diferente do primogênito. Tinha pouco cultura, era enorme, com quase dois metros, gordo, e com força descomunal. Enquanto sua mulher era delicada, esbelta e de rara beleza, não aparentando jamais a idade que tinha. 

Apesar de tantas diferenças, casam-se e têm seis filhos sendo o mais velho Nicolau, futuro e último Imperador da Rússia. Ele casa-se em 1896 com a princesa Alix de Hesse, neta da Rainha Vitória, que a criara, já que sua mãe havia morrido quando era ainda criança. Alix, era alemã, luterana, e para tornar-se Imperatriz deveria aprender a falar russo e converter-se à  fé ortodoxa. Isto já haviam feito suas predecessoras, mas para Alix este era um sério problema. Na verdade, jamais aprendeu a falar russo corretamente, e, luterana fervorosa, lutava com a ideia de abandonar sua fé. Por fim, converteu-se e de luterana fervorosa, tornou-se fervorosa ortodoxa. 

O casal teve quatro filhas; Maria, Olga, Tatiana e Anastácia. E um filho Alexei, o caçula, que nasceu com hemofilia, transmitido por sua mãe. Cito estes detalhes porque são muito importante para o que vai ocorrer posteriormente. A hemofilia de Alexei, aliada a uma fé cega, a leva à presença de um místico ortodoxo chamado Gregori Rasputin, que tinha, evidentemente, poderes paranormais. Conta-se que certa vez, quando criança, na aldeia onde vivia, identificou imediatamente o ladrão de um cavalo. Casou-se e teve filhos, lembrando que, na Igreja Ortodoxa, é permitido aos religiosos o casamento. Deixando a mulher grávida,  peregrinou por toda Rússia tornando-se ainda mais devoto. Não sei como sua existência chegou aos ouvidos da Tzarina, mas a verdade é que sua influência tornou-se imensa. Com seus poderes paranormais conseguia estancar as hemorragias de Alexei. Conta-se que certa vez, pelo telefone, conseguiu que as dores da criança passassem e a hemorragia estancasse.

Rasputin acabou tornando-se íntimo da família Imperial, e as maledicências começaram a surgir. É verdade que ninguém na corte sabia da hemofilia do Tzarevich (filho do Tzar), e a presença daquele estranho na intimidade da família, parecia, pelo menos duvidosa. Além do mais, Rasputin era mulherengo e várias fotos o mostram rodeado de mulheres, claramente suas admiradoras. No ano de 1914, ocorre a Ia. Guerra Mundial e Nicolau II  se alia à  Trípice Entente, que reunia França, Reino Unido e  seu Império. Daí resolve partir para o campo de batalha. Seus soldados estão exaustos e famintos. Descobre-se que a maior parte do armamento fora roubado, pela própria nobreza. Sem conhecimento bélico, deixando nas mãos da Tzarina e de Rasputin todos os negócios de Estado, reina total confusão na capital. 

Entendendo que a introdução de Rasputin tinha se tornado perigosa, em 1916, o Príncipe Félix Ioussouppov e alguns amigos resolvem matá- lo. Convidam-no, então, para um festim e tentam envenená-lo, sem resultados, como ele continua vivo, sem demonstrar nenhum mal estar, atiram-lhe não sei vezes, enfim, certos de que havia morrido, enrolam o corpo num tapete e jogam num rio gelado. Análises  posteriores, mostram que ele, na verdade, morreu de afogamento e hipotermia. Meu pai tinha um livro do tal Príncipe, "Como matei Rasputin", que infelizmente se perdeu. Após a Revolução exilou-se em Paris, onde morreu em 1967. 

No início do século XX, a guerra russo-japonesa, por disputas territoriais, havia abalado enormemente as finanças do Império, sendo claro que todo o ônus caiu sobre as costas dos mais pobres. E aí é preciso lembrar o trágico acontecimento de 1905, quando uma multidão de famintos, tendo à frente dois sacerdotes ortodoxos, dirige-se ao Palácio de Tzar reivindicando melhoria de vida. A guarda nacional, acostumada a atirar no povo, abre fogo e mata milhares. Este trágico acontecimento ficou conhecido como "Domingo Sangrento" e fez com que a população odiasse mais o Tzar. 

Enfim, analisando tudo, estava aberto o caminho para a Revolução. Tendo em vista a revolta popular e a desastrosa administração Romanov, com numerosas execuções de descontentes, Nicolau II resolve convocar a Duma, onde se reuniriam as tendências políticas do Império. Lembrando a convocação dos Estados Gerais, às vésperas da Revolução Francesa. A Duma, assim como os Estados Gerais, poderia ser comparada a um Congresso, mas sem nenhum direito à decisão, já que se tratava de um governo autocrático. O quê me  trás à memória, se não me engano, uma frase de Marx "A História se repete como farsa." A lembrar que neste caso a se repetiu como tragédia para toda uma Dinastia que já durava há três séculos.

Na Duma havia, dentre outros, dois grupos principais os bolcheviques e os mencheviques. Os primeiros defendiam uma reforma total, com o fim da propriedade privada e tinham como princípio as ideias de Marx e  Engels. Seu líder era Vladimir Ilitch Lenin. Já os Mencheviques  se aproximavam de que poderíamos chamar de Social Democracia, lembrando que ambos lutavam pela queda do Tzarismo. Alexander Kerensky seu líder, enquanto esteve no poder procurou proteger a família do Tzar, que já havia abdicado. Consciente de que a enfermidade de  seu filho não lhe permitiria vida além da adolescência, o Tzar havia abdicado em nome de seu irmão Grã Duque Miguel, que recusou. Assim, ficava vago o trono russo e terminava a Dinastia Romanov, embora ainda existam membros seus espalhados pelo mundo. Após, a abdicação a família é transportada  para longe de Moscou, chegando finalmente a  uma casa  em Ikaterimburgo,  onde eram mantidos como prisioneiros, com janela vedadas e qualquer possibilidade de sair.  Na madrugada de 16 para 17 de julho de 1918, foram acordados  e,  com a desculpa de que queriam protegê-los de  possíveis inimigos foram conduzidos a um porão, onde esperaram durante horas, sem saber o que poderia acontecer-lhes. Finalmente, entram na sala com espingardas atiradores que executam Nicolau, sua mulher, seus cinco filhos e mais alguns  serviçais, incluindo o médico e um professor de francês. 

Seus corpos são desfigurados com ácido e queimados. Enterrados em lugar desconhecido. Somente recentemente, através dos exames de  DNA foi possível identificar seus restos mortais. A casa onde foi cometido o crime foi posteriormente demolida e em seu lugar construída uma Igreja Ortodoxa, onde o povo faz peregrinação. 

Mas como disse Robespierre, "A revolução é como Cronos, que devora os próprios filhos".  Trotsky, que  Lenin, falecido em 1924, considerava o mais apto a ocupar seu cargo, é atropelado por Stalin. Anos depois  tem que refugiar-se no México, onde encontra o pintor de murais,  Siqueiros, e sua companheira Frida Khalo, ambos comunistas, com os quais  estabelece amizade. Mas o braço longo do tirano Stalin o alcançou. Stalin, considerado um dos maiores genocidas do mundo com mais de 10 milhões de mortos, que chegou a fazer acordo com outro genocida, Hitler, através do Pacto Ribbentrop-Molotov, pacto este que Hitler rasgou, alegando que era só um papel. Aliás, Ribbentrop  foi um criminoso de Guerra, julgado e executado em Nuremberg em 1946.   

Que sabemos hoje é que um dos filhos de Nikita Khrushchev, Sergei, engenheiro, mudou-se para os Estados Unidos em 1991 e naturalizou-se americano. Morreu em 2020. E ainda me lembro, quando eu era adolescente,  da filha caçula de Stalin, sua preferida, com quem aparece sorridente  no colo. Ainda no regime soviético, emigrou para os Estados Unidos, naturalizou-se americana, casou-se com um americano e teve um filho ou filha. Esta também já morreu. Também ouvi falar de uma descendente de Trotsky que viveria nos Estados Unidos e era cidadã americana. 

Meu texto é objetivo. Contei os fatos. Nesta altura da vida, abandonei qualquer radicalismo, ainda que saiba que muita gente pensará que sou da direita.

Companheiros

Acho que o primeiro a usar esta denominação  foi Companheiro  Lula. Mas isto não importa.

Exatamente ontem vi, no Portal UOL, creio eu, uma entrevista de Guilherme Boulos para um  antigo jornalista da TV Globo, Chico Pinheiro. Grande entrevistado e grande entrevistador. Boulos, que sempre pensei ser de origem grega, é na verdade de origem libanesa por parte de pai e batizado na Igreja Ortodoxa, o quê é comum entre os libaneses. Filho de médicos, homem culto, bem articulado. Sofreu o castigo de ser identificado ao radicalismo de seu partido. Tenho dito sempre que sinto-me órfã, com estes dois que se apresentam. Espero ainda estar encarnada quando surgir alguém jovem, idealista, que realmente represente os anseios do país, o quê nem Lula nem Bolsonaro representam. Estão velhos, têm ficha suja e nenhum idealismo.

Nunca fui petista,  meu partido é o PDT, e meu eterno namorado chama-se Leonel de Moura Brizola. Há identificações fantásticas como a do "Sapo Barbudo" e "O PT é a UDN de macacão." Não gosto de falar de minhas convicções políticas, mas agora não vejo outro jeito.  Votei em Bolsonaro em 2018 para me ver livre do Mensalão e do Petrolão. E conheço muita gente do PT que em  2006, acho eu,  se negou a votar em Lula por causa de um escândalo da época, sendo o seu oponente o vice-Presidente, Geraldo Alkimin.  Em 2020, votei em Lula no segundo turno para me ver livre de Bolsonaro. Ao ver o resultado das eleições municipais, me convenci de que o povo está cansado dos extremos. E que os grandes vitoriosos chamam-se Tarcísio de Freitas, Governador de São Paulo, mesmo sendo carioca, e que vem procurando uma posição de centro-direita, afastando-se da extrema- direita de Bolsonaro,  e o grande articulador  Gilberto Kassab, Presidente do PSD, sempre de centro. 

E  estou repetindo o quê vi e ouvi de analistas políticos de primeiro time como Gerson Camarotti e Fernando Gabeira. O quê esperar de um partido cujo líder máximo compara Daniel Ortega, que agora brigou com ele, a uma Estadista do porte de Ângela Merkel? Diga-se que é um tirano do mesmo calibre que Anastácio Somoza, que Ortega derrubou, ditador da Nicarágua, que dizia que o país era seu quintal!! Ou à Presidente do Partido que durante a discussão sobre sobre o impeachment de Dilma, aliás injusto, levantou-se e disse: "Afinal, quem não rouba???!!!!" Levantando séria calúnia contra a Presidente, que conheço bem ainda do Rio Grande do Sul, sua e minha terra  adotiva. Este partido que logo aceitou a "eleição ??!!!" de Maduro. Ontem, José Dirceu ressurgiu das sombras e declarou que Maduro foi realmente eleito, quando vimos o povo se insurgindo e ficamos sabendo de mortes e prisões. Já havendo exilados!!

E o que dizer de alguém que despreza a ciência, a natureza, que diz palavrões naquele inesquecível encontro que vazou em abril, meses depois de sua eleição? Que dedicou seu voto no vergonhoso impeachment de Dilma, à memória de Ustra Brilhante, um dos maiores torturadores da ditadura militar? Que imita Trumpp em tudo, até no que se refere-se à beleza ou feiura da mulher do adversário? No caso de Bolsonaro, a vítima foi Brigitte Macron. 

Como tenho dito e postado em meu Facebook, sinto-me cada dia mais órfã. Mas quem sabe chegará o dia em que minha orfandade tenha fim, seja pelo meu próprio fim ou seja por alguém diferente destes dois. E acho que a primeira hipótese é 100% mais provável.      


terça-feira, 17 de setembro de 2024

 Para minha inesquecível Alice

Hoje é dia dela! Minha Alice. Dia em que renasceu.

Minha mãe fez a passagem no dia 26 de fevereiro de 1998. Era véspera do aniversário de minha amiga, Many. Esta amiga fiel dos bons e maus momentos. Teresa e eu já havíamos sido advertidas pelo seu neurologista de que o fim estava próximo. Estávamos divididas entre o otimismo e a angústia, já que ela parecia haver melhorado.

Teresa vinha passar as tardes em minha casa, naquela ansiedade do quê poderia acontecer a qualquer hora. Uma tarde estávamos num outro quarto quando ouvimos uma de suas acompanhantes gritar: " dona Alice! dona Alice. Corremos e com a ajuda de todas as que estavam presentes a levamos para o meu carro. Eu sabia que o fim havia chegado, mas DEUS, esta Força Suprema, me deu força para dirigir até a Santa Casa. Penetrei no jardim buzinando e cheguei até a porta, onde enfermeiros, creio eu, vieram buscá-la imediatamente. Não chorávamos, só tínhamos em mente a ideia de que o fim chegara. 

E levaram-na para cima. Ficamos esperando, naquela angústia que só conhecem aqueles que passaram por momentos como este. Ao fim de algum tempo, uma médica desceu e nos disse que ela falecera. Mas tudo parecia tão rápido! Ainda pouco tempo, eu a levava de carro até seu curso de pintura! Quando saímos, olhei para o céu e vi nuvens que se amontoavam como crianças. Pensei na história da menininhas de branco, que sempre me contava, e  que morriam ainda crianças. Minha mãe jamais as esquecera! 

Durante anos, eu havia lutado para que se restabelecesse, que voltasse a andar após a queda que sofrera, mas nada adiantava. Ela não encontrava mais nenhum prazer na vida desde que meu pai se fora. Tinha a minha consciência tranquila. Alice tinha filhos, netos, que a amavam , mas não tinha seu amor, que namorara desde os quatorze anos. Lembro-me de minha sobrinha, Ludmila, ajoelhada a seu lado, acariciando lhe os cabelos. Do bilhetinho de sua neta caçula: "Para a vovó Alice de sua netinha que muito a ama , Alicinha." Havia sido cercada de amor, de seus filhos e netos, mas tudo era em vão. 

Quando a médica veio nos anunciar sua morte, tentando nos  consolar, disse-nos que ela morreria em maior sofrimento, devido ao câncer que sofrera e que a submetera a severa mastectomia, atingindo até suas costas. Aquele câncer, ocorrera na minha  adolescência, há muitos anos e, contrariamente a todos os prognósticos curara totalmente. Aquele câncer não marcava o fim de sua ficha de validade , que todos nós temos. 

De madrugada, minha amiga, Many trouxe-me para casa para que eu descansasse um pouco e comesse alguma coisa. Lembro-me, vagamente, de que fez um mingau. Depois tomei um banho. Mas tudo resta muito nebuloso na minha cabeça. Acho que, logo após seu falecimento, Teresa avisou meu irmão e o levei ao cemitério. Ele não dizia nada, mas eu sabia da sua dor. 

Por fim, Many me deixou no cemitério, já que era seu aniversário e ninguém sabia por onde ela andava. No cemitério, já pela manhã encontrei meu irmão, sentado num banco, tendo ao lado minha amiga, Sônia, que, como Many, acompanhara minha labuta. Sônia, amiga sempre fiel. Meu irmão segurava sua mão, não tendo coragem de penetrar na sala onde se encontrava o corpo.

Entrei no salão, acariciei seus cabelos, beijei sua testa e suas lindas mãos, que tantas maravilhas haviam produzido e saí. Sabia que ela não estava mais ali. Não fui ao enterro de seus despojos e lembrei de Cristo: "Deixai que os mortos   enterrem os seus mortos." Outros que a antecederam viriam buscá-la. Minha mãe fora para um plano superior, para nossa verdadeira morada e lá reencontraria todos os que amou e que perdeu. Está na luz de  Deus.

Não lhe disse "Adeus", disse-lhe "Até um dia" que só ELE sabe quando será.  

segunda-feira, 16 de setembro de 2024

 Mulheres na Revolução Francesa

Muitas mulheres marcaram a História da Revolução Francesa. Não podendo falar de todas, escolhi cinco que me  parecem as mais significativa: Madame de Stael (pronuncia-se Stal ou ainda Stél) , Théroigne de Méricourt, Olympe de Gouges, Madame Roland e Charlotte Corday. 

Madame de Stael- escritora e mulher a frente de seu tempo

Anne-Louise Germaine de Necker, nasceu em 2 de abril de 1766 em Paris. Era filha do famoso banqueiro suíço, Jacques Necker, muitas vezes Ministro de Luís XVI, Numa sociedade de Ordens, em que a primeira Ordem era o Clero, Luís XVI, contrariando seu próprio regime, contrata um estrangeiro calvinista. Era um momento de imensa tensão, com endividamento da França, em relação à Independência da América, e uma imensa insatisfação popular.

Germaine nasceu em Paris, mas passou sua infância no Cantão de Vaux na Suíça, em um meio super privilegiado, sendo seu pai um banqueiro e sua mãe, Suzanne Curchod, filha de um pastor calvinista. Suzanne é uma intelectual, que mantem um salão literário onde se reúnem figuras como Diderot, D'Alembert dentre outros famosos Enciclopedistas, ou, seja, aqueles que debatem sobre a realidade do mundo em que vivem e clamam por mudanças, tendo sido a inspiração primordiais dos ideias revolucionários. É, pois, neste ambiente privilegiado que se desenvolve a jovem Germaine. Sua educação é primorosa, aprende línguas, dança,  teatro e a arte da boa conversação. Sem ser bela e ainda por cima protestante, Germaine, talvez pela sua fortuna, atrai alguns candidatos. No entanto, ela os repudia. Isto até encontrar o barão de Stael, Embaixador da Suécia, dezessete anos mais velho, mas belo homem e protestante. O casamento se realiza em 14 de julho de 1786. Seu primeiro filho nasce no ano seguinte, Para a jovem Germaine o casamento lhe traz duas vantagens, a primeira de passar de rica burguesa a nobre (a notar que era a burguesia - Thiers Etat - que detinha a maior parte das grandes fortunas), e a possibilidade de colecionar amantes, o quê era comum naquela época. E ela vai escrever que "o amor é a única paixão das mulheres". Mulher de muitos amantes, e muitos filhos fora do casamento. O Barão de Stael, seguro de que não poderá competir intelectualmente com sua mulher, deixa-lhe caminho livre, até que se divorciam. Dizia  Germaine "J'aime Dieu, mon père et la liberté!"

Durante a queda da Bastilha, primeiro marco do período revolucionário, Necker volta a Paris, onde é ovacionado pelo povo, que reconhece seus esforços para melhorar sua condição de vida. Durante alguns anos, Germaine mantém seu salão em Paris, mas, na época do Terror, resolve voltar para seu país natal, no seu Castelo de Coppet a bordo do lago Leman. Mas, ainda que fiel aos princípios revolucionários, protege muitos aristocratas e foge para a Inglaterra com seu amante o Conde de Narbonne. Ao mesmo tempo que detesta o Terror, Germaine admira a monarquia constitucional da Inglaterra., o quê considera o ideal para a França. E ela estuda profundamente o regime. De volta a Paris, ela reabre seu Salon, mas ameaçada pelo "Cômité  de Salut Publique", resolve voltar a seu castelo em Coppet. Dentre seus amantes mais célebres encontra-se Benjamin Constant de Rebecque, suiço e protestante como ela. Com ele teve uma filha, Albertine. Passado o Terror Jacobino, ela e seu companheiro voltam a Paris e inauguram um Salão, que será considerado o mais importante de Paris. Suas ideias liberais atraem intelectuais de todo o mundo. Mas são ideias liberais, ou seja , nem conservadoras,  nem terroristas.

É aí que surge em sua vida um jovem militar, que a seduz e é por ela seduzido. Este jovem corso ainda  não mostrou a que veio,  mas ela logo descobre. Assim Napoleão lhe escreve: "A senhora não exerce sua função de mulher, e se intromete  na vida política, na vida dos homens" Certa vez perguntado qual seria a principal função de uma mulher na sociedade, o já Consul ou, talvez, Imperador, responde sem hesitar: "Procriar cidadãosE a aversão entre eles é tamanha que  consegue proibi-la de voltar a sua querida  Paris. Ela, então, viaja pela Europa. Conhece grandes nomes da literatura. Exerce sua função de cidadã, de ser humano, em igual condição com os homens. Cem anos mais tarde, surge uma outra intelectual que igualmente reivindica igualdade para homens e mulheres. Igualdade na política e na vida sexual. Esta foi a bandeira de Amandine Aurore Lucille Dupin, que usou o pseudônimo de Georges Sand. Vestiu-se de homem, fumava charutos e teve dentre seus amantes mais célebres o compositor Fréderic  Chopin e  o poeta romântico Alfred de Musset. 

Fiz questão de incluir estas duas mulheres, porque tiveram a coragem de infringir regras então vigentes. Regras que, infelizmente, ainda hoje vigoram  para muitas mulheres.

Théroigne de Méricourt. De mundana, a Revolucionária,e a paciente psiquiátrica - Uma história fascinante.

Esta é, seguramente, a menos conhecida das mulheres revolucionárias. Sua trajetória passando por várias fases totalmente desconexas. Uma vida realmente fascinante.

"Em 1811, ela havia escrito numa folha dupla, com uma série de rabiscos indecifráveis, que se entrelaçavam, uma carta que  entregou a seu médico, para que entregasse a Danton, que havia sido guilhotinado sete anos antes." ( De um biografo desconhecido , contemporâneo seu)

Nascida em 13 de agosto de 1762, na região de Liège, Bélgica, de uma família de camponeses abastados, jamais se  poderia supor para a garota, Anne-Josef Théroigne, um futuro tão estarrecedor. Órfã de mãe aos cinco anos, ela é vítima de uma madrasta cruel, que piora na medida que se aprofunda a falência da família. Muito jovem decide cuidar de sua própria vida trabalhando como cuidadora de gado, ou cuidadora de crianças. Mas este não era o destino que lhe estava reservado. Uma certa nobre, Madame Colbert, para quem havia ido trabalhar, toma-se de afeição por ela, e transforma-a em sua "dame de compagnie" . E assim, a jovem camponesa aprende a ler, escrever, e tocar algum instrumento, o quê era absolutamente necessário à boa educação na época. Além do mais tem uma bela voz e canta bem. E ainda, Théroigne transforma-se numa bela jovem de porte médio, cabelos castanhos e lindos olhos azuis. Ela atrai atenções, dentre as quais a de um oficial inglês com o qual, ao fim de um ano, passa a viver uma paixão. Depois, outros amores, mais dinheiro, tornando-se o quê na época, e também no século seguinte, chamava-se de "demi mondaine". No entanto, ela continua apaixonada pelo oficial inglês, que acaba por engravidá-la, mas nega-se a reconhecer a criança. Ainda bebé, em 1788,  sua filha, Françoise-Louise,  falece vítima da varíola. Seu pesar é imenso. Neste mesmo ano, ela é convidada para fazer carreira como cantora em Genova, o quê se revela uma farsa. 

Cansada e desiludida, sentindo dores, ela é diagnosticada com sifilis e tratada com mercúrio. Neste momento então, que ela decide  abandonar sua carreira de "demi mondaine". Ainda em Nápoles, toma conhecimento da Reunião dos Estados Gerais, e resolve ir para Versalhes. Chegando, ela descobre que ali está  sua possiblidade de tão sonhada de  poder. Não perde nenhuma sessão da Assembleia e troca suas roupas femininas por outras de amazona. Tem três roupas neste estilo, uma branca, uma vermelha e uma negra. Na cabeça, usa um chapéu  com diferentes plumas. Esta é a sua maneira de se afirmar como mulher, igual a todos os homens. É amiga de grandes pensadores e políticos da época. Mas monarquistas, descrevem-na como uma cortesã, sem moral para qualquer reivindicação, e chegam a escrever, em seu nome, um livro sobre a arte da "courtisanerie". 

Amedrontada, ela volta à Bélgica, na sua região de Liège, mas é surpreendida por forças austríacas, que a prendem suspeita de espionagem , lembrando que o Imperador Leopoldo II é irmão de Maria-Antonieta. Depois de solta, ela espera voltar a Bruxelas , mas , enfim, resolve partir para Paris. Na capital,  é recebida triunfalmente no Clube dos Jacobinos. Levando o feminismo ao extremo, ela e algumas outras, propõem um exercito feminista, o quê não vai acontecer. Théroigne ainda frequenta as assembleias, mas parece cada dia mais apagada. Arruinada, e desiludida, ela aluga um pequeno quarto. Seus amigos , ainda que revolucionários, mas não jacobinos fogem ou são guilhotinados. De Théroigne  ouve-se falar cada vez menos. 

Certa vez é surrada publicamente pelas "tricoteuses", assim chamadas por seu fanatismo, mas sem nenhuma influencia política,  e por assistirem às execuções fazendo tricô.  Afinal, é o extremista  Marat (L'Ami du Peuple) quem a salva. É verdade que havia Clubes de mulheres, mas sem nenhuma influência  É presa mais uma vez em condições execráveis. Um de seus irmãos que a livrara uma vez, desiste e abandona-a à própria sorte. Ela se mostra cada vez mais selvagem. Talvez em razão das condições de higiene abomináveis, ou ainda da sífilis que adquirira anos antes,  seu corpo se cobre de erupções. 

Logo depois, ela morre e seu cérebro, como era frequente na época, é estudado, tendo sido feita uma mascara de seu rosto já irreconhecível.  Mas ela não é esquecida, poetas românticos como Charles Beaudelaire, que no seu livro, "Les fleurs du mal", falará da carnificina de que foi vítima. Da mesma forma que o pintor Eugène Delacroix, segundo se conta,  vai se inspirar nela para sua magnifica obra "A Liberdade guiando o povo".

Finalmente, ela morre em 9 de junho de 1817 aos 55 anos, completamente alienada.

Olympe de Gouges , a rebelde que acabou na guilhotina

Marie Gouze, conhecida como Olympe de Gouges, foi, como algumas outras, uma mulher à frente de seu tempo. Lembrando que não havia nenhuma mulher  no Thiers Etat (Terceiro Estado) que representava a burguesia, ou seja, um passo determinante para uma evolução de uma sociedade que guardava muito do feudalismo. Olympe de Gouges foi uma intelectual, escritora, teatróloga,  jornalista, feminista, e combativa revolucionária. É bom lembrar que as mulheres, ainda que tenham participado ativamente do movimento revolucionário, não tinham nenhuma ingerência na vida política. E fossem elas girondinas ou jacobinas.

Nascida no sul da França, em 1748, Marie de Gouze casou muito cedo e ficou viúva logo após o nascimento de seu primeiro filho. Mas ela recusava-se a obedecer as leis do ambiente  em que vivia. Sonhava com sua liberdade,  e também de todas as mulheres. Assim, logo após o falecimento de seu marido, ela troca de nome, muda-se para Paris, onde a vida política de que queria participar, era efervescente. Logo chegada à capital, começa a participar de círculos intelectuais, e suas peças começam a fazer sucesso. E o mais importante, lutou por um papel relevante das mulheres na sociedade. Mas não importava que fosse pré ou pós Revolução, na cabeça da maioria dos cidadãos e cidadãs, o lugar reservado à mulher era no lar, ocupando-se da criação dos filhos, o que, infelizmente, ainda permanece verdade para muitos e muitas nos dias de hoje. Foi diante desta constatação que os clubes femininos acabaram por ser proibidos. Lembrando a célebre  frase de Simone de Beauvoir: "Não se nasce mulher, torna-se mulher". Ou seja, a sociedade faz da mulher o quê melhor lhe convém.

É interessante o quê ocorreu com a lei do divórcio já aprovada durante a Constituinte, revogada posteriormente pela chamada Restauração, que foi a volta de uma monarquia constitucional, tendo como reis Luís XVIII e Carlos X, irmãos de Luís XVI. Finalmente, foi aprovada em 1844, sob o reinado de Luís Felipe, da casa de Orléans, mas com um complicado processo. Quanto ao sufrágio feminino ele  só ocorreu depois de uma longa luta de mais de um século, tendo ocorrido no Brasil somente em 1932, sob o governo Vargas. Isto sem falar no Voto Aberto, da República Velha, derrubada pelo movimento getulista em 1930, em que se escrevia diante de um mesário o nome de um candidato. Aliás, fazendo um pequeno parênteses, tenho duas fotos, magnificamente restauradas por meu amigo Daniel Braga, que mostram meu pai e meu tio Armando, ambos lindos e jovens,  partindo do Rio Grande do Sul, em direção ao Rio de Janeiro, onde derrubariam o Governo de Washington Luís e com ele a Republica do café com leite, em que se alternavam mineiros e paulistas.

Perdoada a digressão, voltemos a Olympe de Gouges. Foi de sua autoria a Declaração da Mulher e da Cidadã, que , segundo consta foi enviada à Rainha Maria Antonieta. Olympe lutou também contra a pena de morte e foi a partir da execução de Luís XVI que sua situação complicou-se. Abertamente Girondina, ou seja de um grupo moderado, composto  de burgueses ricos e que defendiam a Monarquia Constitucional. E convém notar que a maior parte da intelectualidade era Girondina.  Seu aniquilamento  e a ascensão dos Jacobinos, instalando-se o Cômité de Salut Publique  foi a o começo de sua derrocada. Presa, Olympe de  Gouges se viu na obrigação de lutar por seus direitos de cidadã, ainda que soubesse que seu destino já estava  traçado. Assim, ela viu os ideais por que havia lutado se dissolverem. Afinal, após uma farsa de julgamento, no dia 3 de novembro de 1793 foi executada. Ao subir as escadas para a guilhotina fez uma declaração que se tornou histórica: "Se a mulher tem o direito de subir ao cadafalso; ela deve ter igualmente o direito de subir à tribuna."

Menos de um anos depois, Robespierre  e o famigerado  Cômité de Salut Publique, foi todo executado, sem julgamento. No ano passado, no dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, prestei minha homenagem a esta fantástica mulher, que conheci em 1989, quando tive uma bolsa na Bretanha, o quê já contei anteriormente. 

Como mulher, ciente de meus direitos, independente e capaz de gerir minha própria vida,  considero todas estas mulheres símbolos que me guiam. Ainda tenho que escrever sobre Madame Roland e Charlotte Corday. Mas isto ficará para logo mais.

quarta-feira, 14 de agosto de 2024

 Teodora, de  prostituta  a Imperatriz 

Os Impérios morrem, como na vida tudo morre.  Após seu apogeu, o  Império Romano, irradiado pelas  margens  do Mediterrâneo, e outras regiões longínquas,   esfumaçou-se  ao longo do século V. " Todo o ocidente  pertence aos bárbaros germânicos, instalados como novos -ricos nos escombros imperiais. Os godos ocupam a Itália e a Espanha : burgúndios, francos e alamanos desmembram a Gália, e os vândalos entram na  língua e na  história ao se instalarem na África do Norte."(Fèvre Francis, Teodora , A Imperatriz de Bizâncio, Editora Nova Fronteira, s.d. ) 

Esta época da derrocada do Império Romano contém os primórdios do mundo medieval, ou do que se chama a Alta Idade Média. E o mundo entra nas trevas. Foi entre 306 e 337. Vendo a dissolução do Império Romano,  o Imperador Constantino, o primeiro a se converter ao Cristianismo, proibindo os  ritos pagãos, que ainda vão permanecer até a Dinastia Carolíngia, a segunda da Alta Idade Média, precedida pela dos Merovíngios, decidiu estabelecer uma nova capital para o Império, a que chamou Constantinopla em sua própria homenagem. Garantiu liberdade aos cristãos e sua mãe, igualmente convertida ao Cristianismo, criou um convento e foi beatificada como Santa Helena. A denominação Império Bizantino vem do nome  da antiga cidade-estado grega, Bizâncio, sem grande importância até aquele momento e que acabou se transformando em um Império Greco-Romano . O que chamamos de Bizâncio constitui a ponte entre a Antiguidade e a Alta Idade Média.  Constantinopla foi erguida ás margens do Bósforo, estreito entre o Mar Negro e o Mar Morto e marca a divisão entre o continente europeu e o continente asiático. Hoje, serve de leito à cidade de Istambul, capital da Turquia. Favor não confundir turco com árabe , que são etnias distintas. Os árabes que imigraram para o Brasil tinham passaporte turco, pois Líbano e Síria estavam sob o domínio dos turcos otomanos. E ao lembrar disto me vem à lembrança meu irmão, já falecido, esquizofrênico, mas de incrível inteligência e cultura, como acontece, misteriosamente, a todos os esquizofrênicos. Ficava indignado com esta confusão e dizia que os turcos pertencem à mesma etnia dos húngaros e dos finlandeses. Mas voltando à nossa história de Bizâncio e de sua Imperatriz, pouco adiantava que os seus habitantes se considerassem herdeiros da cultura greco-romana. Na verdade, na vida, nada se mantem estável e" foi ali que se formaram elementos uma nova cultura e sistema político." (Bizâncio, A ponte da  Antiguidade para a Idade Média. Angold Michael , Ed. Imago, 2002) 

Ao longo de séculos, Constantinopla torna-se uma belíssima cidade, onde impera o luxo de grandes mansões. Mas há também o lado miserável, onde se amontoam em ruas estreitas casas miseráveis. Foi numa destas que, em 497, nasceu Teodora, que desde cedo se fez notar pela extraordinária beleza. Seu pai, Acácio, que morreu cedo, cuidava dos ursos no Hipódromo, grande local de diversão da cidade, e desde então sua mãe convenceu-se de que a beleza de suas  duas filhas , dentre as quais se destacava a mais jovem, poderia trazer-lhe benefícios. A mais velha tornou-se logo comediante, ou, ao que  tudo indica, qualquer atividade  que trouxesse prazer. A mais jovem Teodora, já cedo, ainda pequenina atrai o público. Ainda que não dançasse nem cantasse, nem  atuasse , sua beleza e charme encantavam a plateia masculina.  Pouco a pouco, ela começa a se apresentar, e de forma especial, já que só vestia uma faixa preta que caia da cintura. Logo seu papel como prostituta se faz notar já que não tinha nenhum pudor e não recusava nenhum freguês.

Voltando de uma longa temporada fora,  onde fora ao início como acompanhante de um general sírio, ou talvez fenício, e após muitos amantes, ela conhece uma comunidade cristã que segue certas convicções, que não vale a pena discutir, uma vez que daí surgiu a expressão "discussão bizantina" ou que significa sem importância. Voltando a Constantinopla, ela renuncia a sua vida de atriz e prostituta e, durante algum tempo, torna-se tecelã. Foi por esta época que ela conhece Justiniano, que vinha de uma família pobre de criadores de cabras. Mas não é pelo criador de cabras que ela se apaixona, mas por homem já muito poderoso. Um tio seu, Justino, havia entrado para o exército. Sendo um homem muito talentoso acaba sendo nomeado para a guarda do Imperador Anastácio e, morto o Imperador, acaba, ele próprio, sendo nomeado Imperador. A lembrar que Justino o havia adotado, por ver  nele  muito talento político. Justiniano recebe então uma boa educação, torna-se um excelente soldado, enfim, é preparado para um dia poder substituir o tio.

Ele estava loucamente apaixonado por Teodora, mas havia uma lei que proibia o casamento entre um nobre e uma atriz. Afinal, Justiniano convence o tio a criar uma nova lei que permita tal união. Em 523, eles se casam. Poucos anos depois, o Imperador os nomeia Augustus,  ou seja, seus sucessores. Já velhos, Justino e sua mulher Eufêmia, aceitam as manobras de Justiniano e de Teodora para organizar seu poder sobre Constantinopla e sobre o Império. E as manobras são grandes, instalando um poder ilimitado sobre seus opositores. Pouco tempo depois o Imperador morre, seguido de sua mulher Eufêmia. E então, Justiniano e Teodora se casam numa deslumbrante cerimônia no Hipódromo. Juntos constroem a Basílica de Santa Sofia, que constitui um dos principais ícones da arquitetura bizantina, e que ainda existe em Istambul. A Igreja foi construída entre os anos de 532 a 537, sob o Império Bizantino, para ser a Catedral do Império. Quando da invasão dos turcos otomanos, transformou-se em Mesquita. À antiga catedral cristã, foram acrescentadas quatro torres que têm um significado no islamismo. A partir de 1935, foi transformada em lugar de visitação.  No Hipódromo, onde havia corridas de bigas, encenações e outras atrações os assistentes deviam pensar na incrível história daquela mulher que, em menos de vinte anos, se transformara da prostituta mais cobiçada daquele local e agora voltava como Imperatriz.  

Havia no Hipódromo, grupos distintos, que a falta de melhor comparação, formavam uma espécie de torcidas distintas.  Uma revolta lá surgida, entre os verdes e azuis, oferece aos opositores do Imperador a  oportunidade para uma revolta. Muita gente é executada, inclusive sacerdotes e a Igreja de Santa Sofia é incendiada. Neste momento, verdes e azuis se unem e resolvem ir até o Palácio. É a chamada Revolta de Nika. Justiniano está trancado no Palácio e prestes a aceitar a sugestão de fuga. É então que Teodora mostra o seu perfil de mulher extraordinária e, segundo testemunhas, diz-se do historiador Procópio de Cesárea,  esta que fora prostituta e que se expunha com uma simples faixa preta, verticalmente presa à cintura,  diz ao marido:  " Meu senhor, podes fugir, mas a morte é a única certeza que temos na vida. O que pode variar é como enfrentamos este episódio. Eu não vou fugir. Prefiro seguir um ditado antigo que diz que a melhor mortalha é a púrpura." A notar que a púrpura era a cor do manto dos Imperadores. Assim, arma-se uma ofensiva contra os revoltosos tendo à frente seus melhores generais. Muito sangue corre, há inúmeras execuções de insurretos, mas a paz é restabelecida.

Teodora, pode ser considerada a primeira feminista da História. Criou leis que davam à mulher direito à herança do marido em caso de morte, proibição à prostituição forçada, se um homem seduzisse uma donzela era obrigado a casar-se com ela ou a indeniza-la em dinheiro. Também mandou construir um convento para prostitutas que queriam abandonar aquela carreira, e também para mulheres que estavam em situação de risco. 

Esta mulher singular morreu em 548, segundo seu historiador Francis Fèvre, de câncer de mama. Justiniano sobreviveu-a por dezessete anos, mas fica evidente que sua força vinha da mulher. 

Esta é a história de uma mulher que veio das camadas mais baixas da população, que foi comediante e prostituta juvenil, mas que deixou seu nome na história. Não foi a favorita de um Rei ou Imperador, mas foi profundamente amada pelo homem que escolheu e a escolheu. Mas ainda há  muita coisa a contar sobre ela. E como diz o historiador Michael Angold sobre o Império Bizantino, Constantinopla é uma das mais destacadas cidades da Alta Idade Média e  desempenhou  papel crucial no surgimento da ordem medieval. Ela foi palco do surgimento de duas das três religiões monoteístas : o Cristianismo não perseguido e o Islamismo, e que  acabaram dando origem a três civilizações distintas, lembrando que o Judaísmo as precede.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                  

segunda-feira, 24 de junho de 2024

 As grande amantes reais

Disse Napoleão: " O poder é o maior afrodisíaco". 

"De acordo com Demóstenes, o homem ateniense "tinha cortesãs por causa do prazer, concubinas no interesse da saúde  diária de nosso corpo e esposas para nos proporcionar uma prole legítima e serem fiéis guardiãs de nosso lar." Citação da Princesa Michael of Kent, autora do livro "As grandes amantes da História."  Sabe-se que na Grécia a mulher era restrita ao chamado "Gineceu" e sua função era tão somente procriar. Na Alta Idade Média, durante, por exemplo, a Dinastia Carolíngea, inaugurada por Pépin le Bref, pai de Carlos Magno, era normal enviar-se para um convento pelo resto de seus dias, alguma esposa que tivesse falhado em algum de seus deveres, como dar filhos machos ao Rei. O próprio Carlos Magno cometeu este horror.   Na dinastia anterior, dos Reis Merovíngios, o normal era importar Princesas nórdicas, muito valorizadas pela sua beleza. A dinastia seguinte, aquela dos Capetinos, tem início com Hugues Capet, no ano de 987. A ela pertencem os mais conhecidos Reis da França. Luís XVI, depois de destronado foi chamado pelos Jacobinos de Luís Capet, referindo-se à  dinastia à qual pertencia.   

É verdade que durante a maior parte da Idade Média, não houve amantes. O desprezo pelas mulheres, filhas de Eva que havido produzido o pecado original, era enorme. Somente podia salvar-se Maria, mãe de Jesus. No entanto, isto não regatava inteiramente o pecado original. Segundo os historiadores Georges Duby e Michelle Perrot, " a Idade Média pensou que a lepra podia ser contraída no decurso de uma relação com uma mulher menstruada, e alguns autores afirmam que a criança concebida nessas condições pode ser leprosa."  Amantes reais eram, portanto, raras durante um longo período da História da Europa.

 Mas voltando ao assunto propriamente dito, que pretendemos abordar, a verdade é que muitas amantes reais tiveram um grande objetivo de poder ao compartilhar a intimidade de um Rei, mas há também aquelas que  o fizeram por amor. É também verdade que se sua influência era maior do que a da Rainha, sua situação era de profunda ansiedade, pois a qualquer momento seu real amante poderia se enjoar dela e trocá-la por outra. Exemplo disso é Luís XIV, que teve muitas amantes, até apaixonar-se por Madame de Montespan, que era casada e já  tinha dois filhos. Com ela teve outros seis. Na verdade, Madame de Montespan, havia sido escolhida para ser acompanhante da Rainha Maria Teresa, Infanta da Espanha. Madame de Montespan era consciente do valor da beleza e  fazia massagear-se com finos cremes. Também era motivo de valorização da beleza, que a mulher tivesse barriga e muitas colocavam enchimentos! Faço esta observação para fazer notar o quanto mudam com o tempo os conceitos de beleza.    

É preciso levar em consideração que não era nenhum sentimento amoroso que movia estes casamentos reais, mas sim políticos. Luís XIV teve três amantes oficiais, Louise de la Vallière, com quem teve cinco filhos, dos quais apenas dois sobreviveram à infância. Mademoiselle de la Vallière acabou seus dias em um Convento, no ano de 1710. Quanto à Madame de Montespan, caiu em desgraça, acusada de bruxaria, ou coisa parecida. Sua última amante, ou Rainha Consorte, por um casamento secreto, uma vez que Maria Teresa já havia falecido, foi Madame de Maintenon, que havia sido chamada para ser preceptora dos filhos de Luís XIV com Madame de  Montespan. Ela já era viúva do poeta satírico, chamado Scarron. Proveniente do Protestantismo, tornou-se uma católica fanática. Não era bela, mas pode-se dizer que foi o grande amor do Rei. Morreu 4 anos depois dele.

Mas há uma que foi amante de um Rei, na Baixa Idade Média. Chamava se Agnès Sorel. Ainda muito jovem, apaixonou-se e entregou-se de corpo e alma a Carlos VII. Era  uma linda mulher, enquanto o Rei era horrendo e fraco. Seu reinado ocorreu durante a Guerra dos Cem anos, que opunha ingleses a franceses. E foi graças ao heroísmo de uma jovem camponesa, visionária,  chamada Jeanne D'Arc, padroeira da França, que seu país venceu a Inglaterra. Ainda assim, Carlos VII, não hesitou, por razões políticas, em entregá- la  aos ingleses, que a condenaram à fogueira. 

Agnés Sorel, era ambiciosa, gostava de belas roupas, e as mais caras joias. Inovou a  moda, descobrindo a sensualidade dos decotes, que expunham parte dos seios, o quê seria impensável antes. Esta é a razão pela qual nas pinturas, um de seus seios está sempre exposto. Engravidou várias vezes, mas não sei quantos sobreviveram. A humilhação pública de sua mãe, Marie d'Anjou,  leva o Delfim, futuro Luís XI, a detestá-la. Malgrado tudo isto, o casal real tem 13 filhos. Apaixonado, o Rei dá de presente a sua amante, um "manoir" (mansão), chamado "Beauté" , donde vem a denominação, justa, para a amante do Rei, de "Dame de la Beauté" . Um canal no Youtube, chamado "Secrets d' Histoire", mostra uma experiência notável. Há alguns anos, seu túmulo foi reaberto, e descoberto em uma urna, seu crâneo. Uma incrível reconstituição facial, com técnicas modernas e artistas, foi realizada. E como diz a comentarista: " Neste momento um milagre se produz, Agnès Sorel aparece sob os nossos olhos." E o rosto que se vê é de estonteante beleza. Perfeição de traços, colocaram-lhe olhos azuis, e cabelos louros, tal como descreviam seus contemporâneos. 

Grávida, ela viajou 4 dias para encontrar o Rei. Ao voltar, após uma gravidez e parto particularmente difíceis, ela dá à luz, e morre logo depois. Suspeita-se de que foi envenenada por Luís XI, filho de Carlos VII. Durante o período Jacobino, todos os túmulos reais foram profanados, inclusive o seu. A cabeça, destacada do corpo foi colocada dentro de um pote e coberta de terra. Passado o Terror, um religioso que havia que havia testemunhado a infâmia, retira o pote e o entrega a alguma autoridade. Não sei exatamente em que data, o pote e o resto de seus despojos foram finalmente levado a um túmulo de mármore negro, de onde foi retirado já nos anos 2000, para a reconstituição facial. 

Incrível história de uma mulher que muito amou e muito foi amada, que revolucionou a moda de seu tempo, que vestiu renda e usou tecidos bordados a ouro e joias as mais lindas.

Outra amante famosa foi Diane de Poitiers. Nascida em 1499, já no alvorecer da Renascença, com o mundo emergindo das trevas medievais. O homem agora se voltava para a beleza das artes, retomando valores esquecidos da Grécia e de Roma. Por esta razão é a chamada "Renascença". Neste alvorecer de uma nova era, a criança recebe o nome de Diana, em homenagem à deusa da caça e da lua. Desde cedo, mostrou-se uma criança excepcional, cuidando de sua higiene, levantando-se cedo para banhar-se nas águas frias de um riacho. Manteve ao longo da vida o hábito de exercícios e massagens, numa época em que ainda a formosura tinha vida curta. Ainda criança, órfã de mãe, foi criada por uma tia, que cuidou de seus estudos. Conta-se que aos sete anos era capaz de ler latim e aos nove, grego. Além disto, era linda, de pele alva e cabelos vermelho dourados. 

Quando conheceu Henrique II,  Diana já era viúva de Luís de Brezé, neto de Carlos VII e da bela Agnès Sorel. E tinha duas filhas. Quando se conheceram "Henrique tinha dezessete; Diane de Poitiers trinta e cinco. O jovem tímido de olhos escuros e apertados, com um esplêndido corpo de atleta debaixo dos trajes desalinhados, que jamais se esforçara para cultivar amigos, desenvolvia agora uma nova confiança e um comportamento apropriado à sua condição"(Princesa Michael of Kent). Henrique havia sido forçado a uma casamento político com Catarina de Médicis, sobrinha do famoso Lourenço de Médicis, o Magnifico, grande incentivador das artes que embelezam Florença. Catarina era uma mulher extremamente feia, e seu marido não sentia por ela nenhum amor ou desejo. Assim, durante cerca de doze anos, não gerou nenhum filho. Quando conheceu Diana, a paixão foi fulminante. Conta-se que Diana o excitava suficientemente para que ele pudesse manter relações com a esposa. Afinal, ela deu à luz a doze filhos. Mas, também entre os dois amantes  a paixão levava-os à loucura. Foi o mais belo dos Reis da França. De origem Capetina, mas de linhagem Valois, sendo seu pai Francisco I, o primeiro da dita linhagem. Henrique II deu a sua amante todo o esplendor que o poder pode dar. Vale lembrar o célebre castelo de Chenonceau na Vallé du Loire, que visitei há anos. Henrique mandou construir uma majestosa  ponte ligando o castelo á margem. Ali, Diana realizava festas monumentais. Há incrustados nos cantos do teto, dois croissants entrelaçados (croissants significando "crescente"). E o Rei se vestia de preto e branco, cores de sua amada.  

Henrique era fascinado pela chamada "justas", em que dois cavaleiros, munidos de lança, a cavalo um contra o outro, tentavam derrubar-se. Era um esporte de alto risco e conta-se que a Rainha, Diane e todos seus familiares haviam implorado para que não se expusesse. Naquele dia fatal, o Rei entra na arena com as cores de sua amante e seu emblema do crescente. Aos quase sessenta anos, Diane parecia tão radiosa quanto aos trinta. Os cavaleiros portavam  elmos com viseiras, mas, para terror de todos a lança do adversário penetra na viseira e perfura um dos olhos do Rei e parece que atingiu seu cérebro. A desolação é total. Catarina, a Rainha, manda decapitar quatro prisioneiros para que seus cérebros fossem estudados. Mas, evidentemente, de nada adianta, ele agoniza durante dez dias e acaba morrendo em meio a terríveis dores 

Enfim, chega a hora da vingança! Ela fora humilhada, muitas vezes era Diane que estava ao lado do Rei em solenidades  oficiais. Ao saber da morte de seu amado, ela havia pensado que seria presa. Mas Catarina era muito astuta para isto. Assim, despojo-a de bens, que lhe haviam sido dados por Henrique. Seus amigos se afastaram durante algum tempo com medo de represália de Catarina. Ao fim de cerca de dois anos, voltaram. Diane refugiou-se no "manoir" de Anet, onde vivera momentos de intenso amor. Os aldeões, passaram a amá-la . Para eles, retribuindo este amor, Diane construiu um pequeno hospital , além de lares para mães solteiras, órfãos, meninas  carentes e viúvas. 

Pouco antes de morrer, em decorrência de uma fratura em uma das pernas, Diane dividiu sua enorme fortuna entre suas duas filhas, com a condição que nenhuma se tornasse protestante. "Jamais um protestante receberá um rendimento de  Diane de Poitiers".

É bom lembrar que pouco antes Lutero havia divulgado seu libelo contra as indulgências vendidas pela Igreja Católica, ou seja, o Vaticano, e começavam as guerras religiosas.

Morreu no dia 25 de abril de 1566, justamente aos 66 anos. 

Seguindo a linha do tempo, falemos um pouco de Henrique IV, que  promulgou o Edito de Nantes, que permitia aos protestantes, sobretudo calvinistas, o direito a professar  sua fé. Este  documento colocou fim às guerras religiosas, com especial referência à  Noite de São Bartolomeu, ocorrida entre 23 e 24 de agosto de 1572. A Carlos IX, filho de Catarina e Henrique, seguiria Henrique III, homossexual, sempre acompanhado de amigos com seu perfil sexual, grupo chamado de "Henri et ses mignons". Henrique III não forneceu herdeiros ao trono e seu casamento com Louise de Lorraine, constituindo o que se chama "casamento branco" Mas, naquela fatídica noite de 23 de agosto, católicos foram convocados para eliminar os chamados Huguenotes (protestantes) e o sangue correu pelas ruas de Paris. Catarina de Médici, com seu instinto político resolve então unir um huguenote, Henrique de Navarra, a sua filha Margot. Há sobre esta Rainha um magnífico filme; "La Reine Margot", que assisti em Paris em 1993, ano de seu lançamento e que, já me antecipando, compartilhei um pequeno vídeo em meu Facebook. Este casamento, puramente político, é forçado a Marguerite de Valois. E o video postado mostra  a sua relutância em dizer o "sim" , até que um de seus irmãos, creio que Carlos IX, lhe dá um murro na nuca que é reconhecido como "sim". 

Morta toda a linhagem Valois, Henrique de Navarra, da mesma origem Capetina, mas da linhagem Bourbon, resolve converter-se, por razões políticas, ao catolicismo - "Paris vaut bien une messe" e é coroado Henrique IV. Há um livro de Alexandre Dumas, chamado " La Reine Margot", de quem vale a pena falar um dia. Como esquecer esta mulher bela e culta? Obrigada a abdicar de seu verdadeiro amor, o cavaleiro de la Molle. Há em Paris, no museu de cera, Grévin, uma bela cena sua , despedindo-se de seu verdadeiro amor. Aliás, tenho duas lembranças inesquecíveis deste museu. A  primeira, quando era criança e morava na França. Uma noite, fui com meu pai visitar este museu, e fiquei impressionadíssima. Jeanne D'Arc na cela, orando, antes de ser  levada à fogueira,  Maria Antonieta, já na Torre do Templo, sendo-lhe mostrada a cabeça decapitada de sua melhor amiga, Mademoiselle de Lamballe , o quê é fato histórico. Chegando em casa, ansiosa, contando para minha mãe o quê vira, desmaiei. Lembro-me de minha mãe amparando-me e de meu pai dizendo: "Sou um homem acabado". Aliás, ouvi-o dizer em outras ocasiões esta mesma frase. Hoje, adulta, estou certa de que lembrava-se de sua meia-irmã, Maria, morta aos doze anos de Peste Bubônica, também chamada de Peste Negra. Ele jamais esqueceu esta irmã, que dizia ser linda. O ano era 1922, e a peste. transmitida pela pulga de  ratos doentes se espalhou pelo país .Ou talvez  pelo mundo. Minha mãe perdeu amigas e até um admirador (na época ela tinha 14 anos). Um Presidente brasileiro, recém eleito também foi vitimado. Os mortos eram enterrados em caixões forrados de zinco, acho eu, e não podia haver velório. A outra ocasião, bem posterior, de meu velho amigo Grévin, foi em 1981, Estava fazendo um curso sobre o Palácio de Versalhes, e fui revisitar o Museu de tantas lembranças. Lá encontrei um rapaz que era vigia, acho eu, e que era refugiado do Afeganistão, invadido pelos soviéticos. Afinal, foram eles  que começaram tudo! Hoje me pergunto qual será sua posição, ou se estará vivo.

Henrique IV foi um político genial, mas seu apetite sexual era incomensurável. Dizia-se que tinha mais amantes do que os dias do ano. Posteriormente, apaixonou-se perdidamente por uma jovem de extraordinária beleza, chamada Gabrielle d' Estrées, que vinha de uma família de cortesãs, desde sua avó. Dizem que foi sob sua influência que o Rei assinou o Édito de Nantes, de importância vital para a paz entre católicos e protestantes. Chegou ao ponto de pedir ao Papa  a anulação de seu casamento com Maria de Médicis, sua segunda mulher. Pouco antes da anulação chegar, Gabrielle d'Estrées morre em consequência de um parto prematuro.

Com Maria de Médici, Henrique IV teve vários filhos, dentre os quais o Delfim , que viria a ser Luís III. Ao contrário do  pai, era tímido e não dado a amantes. Casou-se com Anne d'Autriche,  Infanta da Espanha. Conta-se que a Rainha era infiel e que durante anos tivera vários amantes. Há também no Museu Grévin uma cena em que a Rainha passa um bilhete a seu amante. Durante a menoridade de seu filho, futuro Luís XIV, foi Regente. Já Luís XIV, herdara do avô a devoção ao sexo. Mas dele já falei bastante. 

Jeanne-Antoinette Poisson nasceu em 29 de dezembro de 1721. Foi a primeira filha de uma casal firmemente ancorado na classe média. Com casamentos baseados em finalidades políticas, todas as esposas podiam ter amantes . Segundo seus mais gentis biógrafos, sua mãe teve pelo menos doze amantes, todos ricos e influentes. 

Quando o  Rei , Luís XV, tataraneto de Luís XIV, que durante sua longa vida e seu longo reinado, havia perdido todos seus descendentes mais próximos, lembrando que naqueles tempos a expectativa de vida era curta e o Rei era longevo. Chegado o momento do casamento de Luís XV, era preciso escolher uma noiva. O Rei da Polônia, Stanislas Leczinski , era um Rei que vivia sob o protetorado de potências , como a Suécia , tendo residência na cidade francesa de Estrasburgo, e tinha uma filha disponível. Era Maria Leczinka , sete anos mais velha do que o Rei e que nada tinha a ver com a corte fastuosa de Versalhes. A futura Rainha é descrita como" profundamente religiosa, modesta, despretensiosa, bondosa, sem graça e maçante."   Princesa Michael of Kent. E relutava em deixar a vida que levava para ser Rainha da França. Mas para espanto geral, aconteceu uma irresistível atração entre eles. Luís XV era um homem de família, que não se entediava com esta vida, ou melhor, que se entediava com as regras tolas da corte de Versalhes. No entanto, seguindo a tradição de seus predecessores mantinha sempre uma amante.  Seu sogro, o Rei Stanislas, dizia que as duas mulheres mais insípidas da Europa eram sua mulher e sua filha.  

Mas voltemos à futura Madame de Pompadour. Devido à negócios escusos, ou talvez como bode expiatório, Monsieur Poisson, tem que exilar-se na Alemanha. Conhecendo os maus hábitos da esposa, pede a duas cunhadas, freiras, que tomem sob sua custódia a pequena "Reinette" ( Rainhazinha)  e seu irmãozinho. Responsáveis por Jeanne-Antoinette, as freiras cuidaram de sua saúde, já que a criança era vítima de uma persistente bronquite, que com o correr dos anos, terminaria por levá-la. E também cuidaram de sua educação levando a ler clássicos e a escrever. Assim, aliada a beleza, a "petite Jeanne" deveria encontrar um marido que  valesse a  pena. Esta era a ideia de sua mãe. E assim, preparou-a para entrar no Grand Monde. E para isto não bastava ser linda, nem culta, nem tão inteligente, era preciso ser divertida, ambiciosa, saber distrair. E para isto, levou-a a aprender clavicordio (espécie de teclado) , a cantar, a recitar. 

Em 1738, ela tinha dezessete  anos. Era alta, bem feita de corpo, cabelos castanhos dourados, rosto de oval perfeito e olhos que variavam entre o azul escuro e o violeta. Enfim, tinha tudo para entrar no Grand Monde. Este é também o ano em que o Rei se separa definidamente de sua entediosa mulher. Em 1739, aos dezoito anos,  Jeanne- Antoinette, casa-se com Le Normand d'Etioles, sobrinho do amante de sua mãe. Embora, não profundamente apaixonada, ela estava feliz. Naquele momento do século XVIII, chamado "Século das Luzes",  as mulheres da burguesia, e também  algumas da nobreza, encontravam lugar para dialogar com homens que deixariam sua marca para o futuro. Foi nestas residências da alta burguesia que se formaram os "Salons", onde Iluministas Franceses se reuniam e foi deles que partiram ideias que viriam, anos depois, a chamar a atenção da burguesia revolucionária.  E aqui podemos citar, Diderot, D'Alembert, Voltaire, Montesquieu e Rousseau, que a partir de certo momento se distanciou do grupo. Pretendiam a igualdade entre as pessoas, o fim do domínio da Igreja Católica, embora não fossem ateus, exceção feita a Diderot. Mas pretendiam também mudanças econômicas e sociais. Jeanne-Antoinette não era até então uma mulher de profunda cultura, mas com sua inteligência ágil, foi aprofundando seus conhecimentos, o quê lhe permitia  discutir qualquer assunto com homens do mais alto nível. Voltaire a chamava de "a divina Etioles", a visitava frequentemente e tornara-se seu amigo íntimo. 

Um ano após seu casamento, ela dá à luz  um menino , que morre um ano depois. Seu pesar é imenso! Mas no ano seguinte, nasce uma menina que chamou de Alexandrine, em homenagem a uma amiga. Não se sabe exatamente quando Luís XV conheceu e se interessou por sua futura amante. O que se sabe é que sua separação do marido foi mal recebida e que ele lhe escreveu uma carta pedindo a reconciliação. O que também fica claro é que Jeanne-Antoinette foi mal recebida na corte, acostumada a dividir a Humanidade em Nobres e Terceiro Estado, ou seja, não nobres. Consideravam-na uma burguesa fora de seu lugar. Por defender filósofos, como Diderot, ela foi lançada às chamas, mas conseguiu o seu intento. No auge de seu poder, sofre um duro golpe com a morte d sua filha Alexandrine de apenas nove anos. Esta burguesa, (e jamais poderiam imaginar que a Burguesia os destruiria) cria escola para crianças pobres, e  a Porcelaine de Vincennes. 

Em 1750, por razões ginecológicas, que não consegui descobrir, as relações  sexuais  terminam. Já antes, ela havia comentado em uma carta a seu irmão, que morava na Itália, seu pouco interesse pelo sexo, e que era por amor ao seu amado Rei, que ela suportava o contato sexual. Neste momento, ela passa de amante a conselheira do Rei.   Passaram os anos, com derrotas e vitórias. 

 Mas estes  anos,  arruinaram pouco a pouco sua saúde. Após vários abortos espontâneos,  a progressão de sua doença respiratória, seu corpo vai definhado. Também a higiene precária, a falta de sol em ambientes sombrios, tudo contribuiu deixá-la mas frágil. Torna-se esquelética, alimentando-se com o quê lhe prescreviam para restaurar sua saúde e sua vida sexual. E a respiração cada vez mais difícil. Nos seus últimos anos tinha constante dor de cabeça e febre. Só a morte a libertaria.

E ela chega em 15 de abril de 1764, em Versalhes, com a tuberculose. Seu corpo foi retirado coberto com um simples lençol. Ao saber de sua morte, o Rei retirou-se para seus aposentos. Dois dias depois, prestou à velha amante e amiga uma  derradeira homenagem, acompanhando de longe o cortejo fúnebre, que seguia sob uma chuva torrencial. Depois, com o rosto coberto de lágrimas disse a seus serviçais:" Foi a única homenagem que pude lhe prestar."

Ainda há muitas amantes de que poderia falar, mas estas foram a meu ver as mais interessantes. Algum dia, falarei de Teodora, Rainha de Bizâncio, que de prostituta no Hipódromo de Constantinopla, tornou-se Rainha. Mas para ela é preciso um texto inteiro.




    

quarta-feira, 15 de maio de 2024

 A Comuna de Paris - 1871

Se fizermos uma breve retrospectiva, desde o Antigo Regime, teremos, naquele 21 de janeiro de 1793, quando a cabeça decapitada de um Rei foi mostrada ao povo parisiense, que gritava: "VIVE LA RÉPUBLIQUE". Pois naquele dia simbólico, dava-se início ao que chamamos "Idade Contemporânea", ou para alguns "Idade Moderna", e uma  grande quantidade de acontecimentos que contribuíram para a formação da França atual:

- o Terror;

- o fim do poder Jacobino, com queda de Robespierre e do "Comitê de Salut Publique", e a execução de seus membros;  

- o Diretório, cobrindo o período de 4 anos, exercido pela burguesia girondina; 

- o Consulado - já na era napoleônica , de 1799 até 1804, quando Napoleão se proclama Imperador. Sobre a Coroação há um magnífico quadro do pintor David. Nele o Imperador aparece coroando sua mulher, Josefina, já havendo se coroado, enquanto o Papa, convidado para a cerimônia, assiste, envergonhado,  ao fundo.

Após a queda de Napoleão, há um período  chamado Restauração, em que ocorre a volta dos Bourbons, dois irmãos de Luís XVI, Luís XVIII e Carlos X, seu irmão mais jovem. E onde ficava nesta sucessão Luís XVII? Arrancado da mãe pelos jacobinos, morre na prisão de tuberculose, ainda criança. Necessário notar que, na Restauração, esta já era uma Monarquia Constitucional, como a Inglesa, as dos países nórdicos e também dos países baixos. 

Em 1830, ocorre uma revolução burguesa, que depõe Carlos X, tendo Luís XVIII já falecido. Esta revolução, ou talvez revolta, é cenário para o magnífico romance de Victor Hugo, "Os miseráveis". É neste cenário que aparece o moleque de rua chamado Gavroche, nome escolhido para meu teatro em francês, que me valeu uma inesquecível bolsa na linda Bretanha. Aliás, a sugestão do nome veio de minha sobrinha, Ludmila, que havia lido o romance e ficara encantada.
Após esta revolução, chega ao poder o Rei Luís Felipe, da família Orléans, filho de um certo Philippe d`Orléans, chamado Philippe Egalité. Desde o princípio, o denominado Philippe Egalité havia apoiado a Revolução Francesa, tendo votado pela execução de seu primo, Luís XVI,  e, sendo, afinal, executado pelos Jacobinos. Luís Felipe, chamado Rei Burguês, por suas ligações com a burguesia e com a nascente industrialização, comandada, evidentemente, pela burguesia. Em 1848, é publicado o Manifesto Comunista, de Karl Marx e Friedrich Engels. É justamente em 1848, que ocorre o movimento, ou revolução , que depõe o Rei Burguês. Esta é uma revolução de cunho socialista. 

É neste cenário que surge a figura de Luís Napoleão Bonaparte. Aventureiro, que, para todos os efeitos, era filho de Luís, irmão caçula do Imperador, que o fizera Rei da Holanda e obrigara a casar-se com sua enteada Hortense de Beauharnais. Uma coisa é certa, Luís Napoleão, posteriormente Napoleão III era neto da Imperatriz Josefina, da mesma forma que nossa Imperatriz, Amélia, segunda esposa de Dom Pedro I, que era filha de outro enteado de Napoleão, Eugène de Beauharnais, a quem Napoleão dera o ducado  de Leuchtenberg.

Derrubada a monarquia orleanista, instala-se uma Assembleia Constituinte, e organiza-se uma eleição presidencial. Dentre os candidatos se apresenta-se o poeta romântico Lamartine e Luís Napoleão Bonaparte, cuja história já contei. Eleito, governa durante algum tempo até que, amparado no nome do tio, dá o golpe em 1852, tendo governado como Presidente eleito durante quatro anos. Victor Hugo, que  o havia apoiado como Presidente, renuncia a  seu mandato de Senador e exila-se nas ilhas britânicas Guernsey  e Jersey. Só voltando à França após a queda de Napoleão.

A guerra franco-prussiana e suas consequências

Assinado a rendição da França, na Galeria dos Espelhos no Palácio de Versalhes, testemunha de tantas histórias, elege-se uma Assembleia Constituinte e é elaborada uma nova Constituição. A primeira sendo aquela elaborada pelos deputados  Constituintes da Revolução de 1789. A segunda, rasgada pelo golpe de Luís Napoleão. Esta terceira Constituição, chamada República, recobre todo o período que vai da queda de Napoleão III até o início da segunda Guerra, com a invasão nazista da Polônia em 1939. Seguiu-se uma quarta, que ocorre desde o fim da guerra até 1958. Hoje a França vive a  Quinta Republica.

Em fevereiro de 1871, é eleita uma nova Assembleia Constituinte e é eleito Adolphe Thiers, orleanista,  ou seja conservador. Nesta altura, o Manifesto Comunista já havia sido publicado e  o povo ansiava por reformas. Com o governo republicano as coisas não haviam mudado e as condições de vida eram péssimas. Paris é essencialmente republicana e não suporta concessões ao inimigo prussiano. Deputados republicanos se revoltam, dentre eles destacando-se Victor Hugo, de volta à França, Louis Blanc, Léon Gambetta, alguns anos mais tarde assassinado, seguramente não por razões politicas, e até um operário, membro da  Internacional Socialista.  Sem esquecer Guiseppe Garibaldi, o eterno caçador de sonhos impossíveis. Como reencarnacionista, considero Ernesto Chê Guevara, uma possível reencarnação sua.  Estabelece-se, logo, um evidente divórcio entre maioria dos deputados e o governo. Com a ajuda dos prussianos, Paris é sitiada e o governo transfere-se para Versalhes, até hoje uma cidade extremamente conservadora. Em Paris, toda a chamada Rive Gauche adere ao movimento, e também a periferia pobre. Assim, dá  início a Comuna de Paris. O movimento congrega diferentes perfis ideológicos; trabalhadores, a pequena e média burguesia, professores, desempregados, e até alguns pintores impressionistas. Todos os monumentos que lembravam o poder foram destruídos, e até a célebre Colonne Vendôme, construída no Império Napoleônico, como símbolo de suas vitórias. Foi destruído o Palácio da Tulherias, que se encontrava-se próximo ao Louvre, e para onde havia sido transferida a família de Luís XVI, após deixar Versalhes por exigência popular. O "Hotel de Ville", onde se localizava a Prefeitura da cidade, obra de arte renascentista, foi incendiado. A Butte de Montmartre, naquela época pouco habitada, serve de observatório. Alí, foi construída mais tarde a "Cathédrale du Sacre Coeur", que um amigo francês chama de Igreja dos Reacionários, mas que foi realmente mandada construir após a destruição da Comuna, em agradecimento a Deus (e me pergunto se Deus terá alguma coisa a ver com isto).

O programa da Comuna fixava pontos que não haviam sido considerados pelos Revolucionários de 1789.  O ensino passa a ser público e obrigatório, a jornada de trabalho passa de 16 para 8 horas,  o salário dos professores é aumentado, o Governo é obrigado a pagar uma pensão às viúvas, lembrando que à época as mulheres não recebiam nenhuma formação, o direito ao divórcio. Quanto às mulheres, apesar de não haverem tido  ativa participação no movimento, muito lutaram,  como haviam sido fundamentais na Revolução de 1789. Dentre elas, a figura de Louise Michel, chamada "La vierge rouge de la Commune". Havia uma ativista russa , cujo nome me escapa, além de  outras.

Thiers, cansado deste Governo paralelo, pede auxílio ao Império Alemão, e juntos derrotam este grande movimento popular, que durou de 18 de março de 1871 a 28 de maio do mesmo ano, mas que deixou raízes. Louise Michel, uma de minhas heroínas, foi deportada, junto com outros "Communards" para as ilhas da Nova Caledônia. Aprendeu o idioma nativo, e retomou a sua função de professora. De invulgar inteligência e delicadeza de alma, aprendeu a apreciar a natureza nativa e conseguiu não ser infeliz. Morreu aos quarenta e três anos. 

Gosto de comparar o movimento "Communard" a uma semente que foi plantada e desapareceu. Mas este desaparecimento durou algum tempo, ao cabo do qual surgiu, pouco a pouco, uma maravilhosa e frondosa árvore, que nos encanta, abriga e assegura tanta coisa importante na vida de cada cidadão.