E Paris retomou sua vida, o mais normal
possível, ainda que muitos franceses tivessem optado por deixar a cidade, ou a
França. Na capital, pessoas comuns, intelectuais, artistas, tinham que
sobreviver, ainda que a presença do invasor estivesse em toda parte. E como
frisa a autor, a história da cultura francesa havia influenciado o mundo e era
o maior trunfo da França diante da Alemanha nazista. Paris sempre fora uma
cidade cosmopolita, onde a vida agitada, que misturava cultura e lazer, a
diferenciava das outras capitais. Aos nazistas interessava que os franceses
continuassem se divertindo, ou “chafurdando na própria decadência.” Assim
cabarés e bordéis tinham entre os alemães seus principais frequentadores. Ali
conviviam com franceses. A cidade tinha bandeiras com a suástica por toda parte,
mas, apesar disso, a velha Paris continuava fazendo sua vida encantadora. No
entanto, Goebbels – o, infelizmente, genial homem da propaganda e da informação
nazistas - tinha outra preocupação: era preciso oprimir a França, aviltá-la,
fazendo com que sua incomensurável vida cultural, vinda dos seus tempos mais
antigos, tivesse uma estagnação. O complexo de inferioridade dos alemães vinha
de muito longe, dos tempos em que a França já produzia Arte de todo tipo,
enquanto eles ainda permaneciam bárbaros. Então, de agora em diante, Paris não
mais irradiaria luzes por todo mundo. A França deveria se calar. Em uma
instrução à embaixada alemã em Paris, dizia Goebbels : “ O resultado de nossa luta vitoriosa será o fim da supremacia cultural
da França, na Europa e no resto do mundo.......Toda forma de auxílio ou
tolerância à propaganda cultural francesa será considerada crime contra a
nação.” Em contrapartida, seria dada à prioridade
à cultura alemã. Um Departamento de Propaganda, com complicada estrutura foi
criado com esta finalidade. Disseminar a cultura alemã não era difícil, já que os
dirigentes dos órgãos de propaganda franceses eram fascistas convictos, ou
queriam agradar o invasor. Alguns oficiais alemães, profundos conhecedores e
admiradores da cultura francesa, fluentes na língua, vieram a Paris a fim de criar
com franceses fascistas um Groupe de
Collaboration, cujo nome já indica a finalidade. A verdade é que os homens
enviados a Paris para este fim eram de grande gabarito intelectual. Orquestras
alemãs apresentaram concertos, muitas vezes regidos por Von Karajan, seguidos de recepções a que compareciam intelectuais
franceses. Ao fim de algum tempo, Goebbels resolveu convidar à Alemanha
artistas e intelectuais franceses.
No entanto, muitos franceses, diretores
de cinema, atores, além de intelectuais judeus, haviam deixado a França. E a perseguição
anti-semita continuava implacável. Os judeus ricos abandonavam suas mansões e
migravam para a Inglaterra ou Estados Unidos, os pobres, fugidos da invasão do
Leste europeu, serviram de gado humano para os famigerados campos de
concentração. Nas mansões abandonadas a rapina era imediata. Simone de
Beauvoir, professora, conta que foi obrigada a assinar um documento afirmando
sob juramento que não tinham nenhuma ascendência judaica nem ligação com a
maçonaria. No governo fantoche de Vichy também acontecia uma terrível
perseguição anti-semita. Judeus foram expulsos do serviço público e, se não
fugiam, eram presos e, posteriormente, enviados a campos de trabalhos ou de
concentração. E muitos franceses tiveram que exercer trabalho escravo na Alemanha.
Mas já prevendo a guerra, o governo
francês, em 1939, havia esvaziado o Museu do Louvre, retirando de suas molduras
pinturas famosas e levando-as para um castelo na região do Val de Loire. No
Museu do Jeu de Paume, onde se expunha obras dos mestres franceses
impressionistas, muitas telas foram
roubadas por Goering, pessoalmente, que vinha a Paris escolher para si ou para
Hitler. Enquanto isto, intelectuais franceses continuaram a produzir, numa
atitude que poderia parecer dúbia, já que tinham que passar pela censura alemã.
Cocteau, Satre, Guitry, por exemplo, exibiram peças, onde uma muito
significativa parte da platéia era constituída de oficiais alemães. Artistas,
como Picasso, Matisse, Bonnard, continuaram em Paris produzindo suas obras,
indiferentes ao drama político francês. Conta-se que um militar alemão ao
visitar o estúdio de Picasso, foi presenteado com um cartão postal de sua obra
Guernica, que retrata a destruição da cidade basca pela aviação alemã, com
autorização do ditador Francisco Franco. Pergunta-lhe o oficial, após observar
o postal. “Você fez isso”? Ao que Picasso responde: “ Não, você fez!”
E em Paris, continuava a festa. A
matéria-prima que faltava para a moda foi substituída por outra. As mulheres
continuaram elegantes, e, com os grandes costureiros, usaram a imaginação. Sem
haver material para a fabricação de meias, que naquele tempos tinha a famosa costura
na parte posterior, imaginou-se marcá-las com canetas. Chapéus eram feitos de
todos os tipos de materiais, inclusive papel. Mas se a comida era escassa, os
cabarés continuavam múltiplos e cheios. Muitas francesas tornaram-se amantes de
oficiais alemães, sendo que a grande musa do cinema, Arletty, aparecia
oficialmente com seu amante alemão. Ao ser presa e interrogada após a liberação
de Paris disse uma frase que ficou famosa: “Se meu coração é francês, minha
bunda é internacional.” Foi liberada e viveu até os noventa e quatro anos.
Outras, sem seu status tiveram a cabeça raspada e forma obrigadas a desfilar
nuas. Mas, enquanto Arletty dava seu “cul” ao alemão, a resistência lutava,
matava e morria. E de Londres, o General De Gaulle incitava os franceses a
defender a pátria.
Em agosto de 1944, as tropas aliadas
entram em Paris. Alemães são presos , assim como os franceses
colaboracionistas. Alguns se suicidam como Drieu La Rochelle, no entanto amigo
de muitos resistentes. Robert Brasillach, jovem e extraordinário intelectual é
fuzilado em 1945, apesar dos pedidos de clemência vindos de todos os lados.
Pierre Laval que migrara do famigerado stalinismo para o também famigerado
fascismo, Primeiro Ministro de Vichy, é fuzilado em 1945. O General Pétain, primeiramente condenado a
morte, teve sua pena convertida em prisão perpétua. Morreu em 1951, totalmente
senil, aos noventa e cinco anos. E muitos outros foram fuzilados ou relegados
ao ostracismo, como Louis Ferdinand de Céline, grande escritor, somente
reabilitado após sua morte em 1962.
E a vida na cidade luz continuou. As
marcas da guerra ainda estão presentes em muros com placas assinalando que ali
morreu um jovem resistente. França e Alemanha se reconciliaram e como dizia uma
amiga um dia desses: “Fumar, ser comunista ou nazista, está completamente fora
de moda.” O inimigo agora é outro.
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