“Contei
meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que
já vivi até agora.
Tenho
muito mais passado do que futuro.
Sinto-me
como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas...
As
primeiras, ele chupou displicentemente, mas percebendo que faltam poucas, rói o
caroço...”
Se
viro a cabeça e olho para atrás, vejo um longo caminho, onde fui jogando as
sementes das cerejas. Alguns caroços ainda trazem vestígios de cor esmeralda da
fruta, estes estão mais distantes. À medida que se aproximam de mim, tornam-se
mais limpos. Neste longo caminho posso perceber os que me precederam, e cujos
cestos já se esvaziaram há tempos. Eles são muitos e sinto saudades. Dou-lhes adeus. Até qualquer dia.
Viro-me para frente, meu cesto está pousado no
chão. Quantas cerejas haverá nele? Não me importo em contar. Vejo que restam
ainda algumas. Preciso preservá-las? Ou não seria melhor saboreá-las
tranquilamente, sem pressa. Faço as contas da média da idade de meus irmãos,
que me disseram adeus. Já ultrapassei o limite. Estou em débito! E de quanto
poderá ser meu débito? Bem, minha mãe viveu muitas décadas a mais do que sua
única irmã, que se foi aos dezessete anos. Mas há uma vantagem para minha tia; continua linda e jovem, no retrato que tenho diante de mim. Minha mãe
envelheceu, engordou, teve artrose, osteoporose!
Viro a
cabeça e constato que há um longo caminho. Cada porção de caroço deixado no
chão, como numa trilha, representa um momento, de tristeza ou alegria neste
passado que pouco a pouco marcou meu rosto, e orgulho-me de cada uma dessas
marcas. Há tanta história! Meu primeiro amor, meu primeiro beijo, meu primeiro
contato sexual. Tive os amores que quis ter, as viagens que me fascinavam, a
liberdade que construi e que curto a cada momento de minha vida. Enfim, só
quero lembrar-me do bom... Como se isso fosse possível!
Meu
débito, se assim eu fizer meus cálculos já está grande. Economizo minhas
cerejas? Faço pilates, musculação, cuido da pele, do cabelo. Mas sinto que não
há como economizar. Mudanças foram aos poucos me transformando. Tenho pequenos-
felizmente pequenos- problemas de saúde. Não gosto mais de cidades grandes, de barulho, de muita gente
ao meu redor. Eu, que passava as noites de sábado dançando! Não consigo mais, e
nem quero.
Não me
importa mais a opinião dos outros, minha personalidade amadureceu. Vivo como
gosto. Não estou a procura de nenhuma honraria. Aprendi a fugir de gente chata,
e não tenho medo de ser, se for preciso, indelicada. Como disse Jane Fonda,
estamos no Terceiro Ato e não há o Quarto! Vou esvaziar tran-qui-la-men-te
minha cesta, e quando chegar ao fim, vou poder dizer como Neruda: “Confesso que
vivi!”.
Esta é
uma homenagem a Mário de Andrade ou a Rubem Alves, ou seja ele quem for, que nos deu de presente um dos mais belos e
profundos textos que já li. Obrigada, amigos.
Um comentário:
Lindo texto, parabéns!
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