QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



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sexta-feira, 12 de abril de 2024

 Após a Guerra, a reconstrução

Na história da Humanidade, sempre se considerou o mais fraco inferior. Desde já há muitos anos, a Igreja Católica, que se diz cristã, sendo Cristo aquele que andava com ladrões, prostitutas, cobradores  de impostos,  e todos que tinham o dedo da sociedade apontado para si, que me nos deixou uma única oração : "O pai nosso" , ou seja, pai de TODOS, sem excluir ninguém, considerou normal a escravização de negros. Assim como os negros, judeus, não tinham pátria e se encontravam disseminados pela Europa. A teoria da tal raça ariana não tem nenhuma comprovação científica. Como explica Demétrio Magnoli no seu magnifico "Uma gota de sangue" (que só por esta magnífica obra já mereceria ser membro da Academia Brasileira de Letras), adeptos desta teoria da raça superior andaram pelo mundo buscando a raça que se enquadrasse aos princípios do tal arianismo, mas as características se sobrepunham. 
Judeus sempre foram acusados de tudo, até da Peste Negra. São Luís de França, que, pela força de sua posição, foi santificado, beato, que misturava água à comida para evitar o prazer da alimentação, mandou torturar, e matar na fogueira muitos "hereges". Muitos se convertiam ao Cristianismo, para evitar a morte. Sendo que Jesus nasceu judeu. Daí o termo "cristão novo". No nazismo, a fim de não degenerar a "raça", era proibido o casamento entre judeu e ariano. Também havia o principio da eugenia, em que pessoas com alguma deficiência física ou mental, deveriam ser eliminadas. Da mesma forma que os homossexuais. 
Grupos já simpáticos às ideias da chamada Social Democracia dos Trabalhadores Alemães, posteriormente Partido Nazista, atuavam durante a República de Weimar, que seguiu ao fim da Primeira Guerra. Para eles, os principais inimigos eram os judeus e os comunistas. Após haver lutado na 1a. Guerra, Hitler havia tentado a carreira de pintor, mas foi reprovado num exame na Escola de Arte de Viena, seu país natal. Depois da Guerra, viveu em imensa pobreza, sendo obrigado a viver de uma sopa comunitária e morando em um albergue, onde, conta-se dava migalhas de pão aos ratos.
Já na Alemanha, infiltra-se no pequeno partido DAP, de ideias já antissemitas. Torna-se líder do partido, escreve seu estatuto, (e é preciso notar que, além dos judeus, eram considerados inferiores os eslavos, o que acontecia desde os Reis Merovíngios, da primeira dinastia da França). Foi por esta época que se tornou proibido o casamento entre "arianos" e judeus, tendo havido assassinatos de miliares de alta patente, que não obedeceram às ordens. Em 1923, ocorre o Putsh de Munique, quando, indo com seus militantes para uma cervejaria, Hitler tenta dar o golpe, considerando que teria o apoio das Forças Armadas, o quê não aconteceu. Houve troca de tiros e cerca de 20 mortos. Entre os feridos, encontrava-se Hermann Goering, que fora herói na 1a. Guerra. Gravemente ferido, com dores atrozes, foi-lhe aplicada morfina. Conta-se que se viciou, mas não há provas. Quanto a Hitler, foi preso e condenado a 5 anos. Foi durante este período que escreveu "Minha luta", onde expõe suas ideias.
E então, pouco a  pouco, foi aumentando a perseguição aos judeus. Primeiro, perderam a cidadania, logo após foram proibidos de comerciar, e muitos eram comerciantes. E finalmente, ocorreu a terrível "Noite dos Cristais", em que todas suas lojas foram depredadas e Sinagogas incendiadas. É chamada "Noite dos Cristais" pela quantidade de vidro quebrado das vitrines. Em seguida foram identificados por cruz amarela , que devia ser presa á sua roupa.  E foram surgindo das trevas figuras como Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda, autor da célebre frase "Uma mentira a força de ser infinitamente repetida ganho foro de verdade." Ele nascera com um defeito na perna e era manco. Por esta razão, não havia sido aceito como soldado na Primeira Guerra, mas mentia e dizia que o defeito provinha de uma batalha na Guerra. Seu sonho era ser escritor e fracassara, apesar de uma sólida cultura literária. Como havia muitos editores judeus desenvolveu-lhes ódio mortal , considerando-os culpados de seu fracasso.
Em 1933, com os membros comunistas no Reischstag,  o Marechal Hindenbourg, herói na 1a. Guerra e Presidente da Republica de Weimar, decide convidar Hitler para ser seu Chanceler. Afinal, seu pequeno partido vinha crescendo. Logo depois, o Reichstag é, providencialmente, incendiado. O responsável teria sido um piromaníaco comunista holandês. É então que Hitler convence Hindenburg da necessidade de prender comunistas e todos os demais opositores. Seu poder era agora absoluto. Mas era preciso dar ordem ao governo. E assim, foi convencido de que os membros da SA, chamados "Camisas pardas", que antecederam os SS, eram um obstáculo, já que eram desorganizados e promoviam brigas. Em 1934, no que se chamou "A noite das longas facas" seus líderes foram presos e imediatamente fuzilados. Logo  depois, em 1934,  Hindenbourg morre e então Hitler realiza seu sonho ditatorial. 
Os campos de concentração, inicialmente construídos para comunistas, expandiram sua clientela com homossexuais, e judeus. Em 1941, com o bombardeio da base americana de Pearl Harbor, pelos japoneses, os Estados  Unidos entram na Guerra. A decisão americana, levou Hitler a decisão de eliminar  TODOS os judeus da Europa. Estima-se que seis milhões de judeus tenham sido eliminados.
Os soviéticos, que haviam atravessado toda Europa do Leste, com milhões de vidas perdidas, ao chegar em Berlim, tiveram autorização do comandante de fazer o quê quisessem. E as mulheres foram as maiores vítimas. Há tempos, li o relato de uma mulher que fora estuprada dezenas e dezenas de vezes, até que seu pai pedisse autorização para amamentar o filho. Certos de que o IIIo. Reichchegar chegara ao fim, temos que lembrar o caso tenebroso de Magda Goebells, esposa de Joseph Goebells. O casal tinha seis filhos, lindas crianças, todas com nome começado por H, em homenagem ao Fuhrer. Logo após o suicídio de Hitler, ela envenenou as crianças com capsulas de cianeto, alegando que o mundo não valeria a pena sem o Líder. Em seguida, ambos se suicidaram. 
Mas ainda tenho que lembrar Reinhard Heydrich, o "Açougueiro de Praga", responsável pelo extermínio de mais de 2 milhões de judeus. Vinha de uma família culta e católica. Era um homem instruído .que gostava  de música clássica. Em 1942, foi executado por dois agentes treinados pelos britânicos, um techo e um eslovaquo. Em represália à sua execução Hitler ordenou que não fossem poupados esforços para encontrar os assassinos. Eles acabaram se suicidando numa Igreja Ortodoxa, certos que não sairiam vivos. Pouco tempo depois, foi encontrada uma carta de amor suspeita, endereçada a um habitante de um vilarejo. Como castigo, todos os homens do vilarejo, que chamava-se Lidice, foram executados. As mulheres e crianças foram enviadas a um  Campo de Concentração, onde certamente morreram.
Ainda  há muito mais coisa para contar, mas o quê pesquisei me rendeu pesadelos, sobretudo neste momento em que meu luto ainda dói muito.
Mas de qualquer jeito, dou viva à  "Operação Antropoide" , que fez descer ao inferno, Reinhard Heydrich , este ser monstruoso.      

































































































































sexta-feira, 29 de março de 2024

 Os anos 40. Destruição e reconstrução

"Mais do que qualquer outra década do século, os anos quarenta se compõem de duas partes diametralmente opostas. Até 1945, tudo foi guerra e destruição. A reconstrução do pós-guerra que se segue foi uma obra admirável" Nick Yapp

Mas, estamos falando do esforço de recompor tudo aquilo que o horror nazista havia destruído. Na verdade, neste fantástico esforço, havia falta de alimentos, de vestimentas, de casas, as pessoas haviam perdido tudo. E ainda a luz era escassa. Segundo alguns relatos, comia-se o que se encontrava, desde cavalos até ratos, como sucedâneo de proteína. Foi, sem dúvida uma época de heroísmo e de brutalidade, de coragem e de covardia (covardia não só durante a guerra). Foi neste pós-guerra que o mundo veio a conhecer o Holocausto, a "solução final", que visava a exterminação de todo um povo coisa, jamais vista na História da Humanidade. Foi aí que se criou a palavra "genocidio". Mas ainda havia coisa por vir, a Bomba atômica, que, a mando do Presidente americano, Harry Truman, reduziu a cinza duas cidades japonesas - Hiroshima e  Nagasaki. E foi o momento do nascimento da Guerra Fria, que dividiu o mundo em dois, sendo o Leste, intitulado pelo Primeiro Ministro Inglês,  Winston Churchill, a "cortina de ferro".

Por outro lado, havia um mundo que renascia. A moda, desaparecida nos anos de Guerra, sobretudo por falta de material, que fora substituído preferencialmente pela sarja, renascia com costureiros como Jacques Fath, prematuramente  falecido em 1954, Christian Dior e Pierre Balmain. E o mundo conheceu tecidos como nylon, hoje fora de moda. Na literatura, o mundo leu o trágico diário de Anne Frank, a menina judia holandesa, que durante anos viveu com sua família escondida no sótão de  uma casa, até ser denunciada, transportada para um campo de concentração, onde morreu com toda sua família. O escritor inglês , Georges Orwell, lançava obras memoráveis como "A Revolução dos Bichos", que li há muitos anos e não me lembro mais. "1984", fantástico e inesquecível  romance, cujo fundo é um libelo contra ditaduras. Este  li e reli várias vezes. É interessante que o escreveu em 1948, o quê é o contrário de 1984. Suas perspectivas eram sombrias.  E  Gandhi, ainda vivo , responde o quê pensava da "civilização ocidental": "Penso que seria uma ótima ideia." Ele, que vivia  sob o domínio inglês e que experimentaria na própria carne a barbárie desta dita civilização.

Glenn Miller e toda sua orquestra desaparecem numa viagem de avião sobre o Oceano Pacifico, em 1942. Sua finalidade era distrair tropas americanas. Lembro-me de um filme que vi quando criança, chamado "Músicas e Lágrimas", que relembra este trágico acontecimento. Os atores são James Steward e June Allyson. Na França, é descoberta, por quatro garotos, a caverna de Lascaux, considerada obra prima da arte rupestre. Alguns a chamam a "Catedral gótica de Lascaux". Evidentemente, hoje interditada ao público.

E quanto ao povo alemão, francês, inglês, dos países nórdicos, e dos países baixos? Sem esquecer os russos! Lembrando que entre oficiais, civis, mulheres, velhos e crianças, somam a monstruosa quantidade de 20 milhões de russos! E estes, que perderam tudo na aventura nazista? E os judeus, que sobreviveram, sem família, sem esperança de futuro, depois do quê haviam passado? Muitos eram rejeitados em seus próprios países de origem, onde disputavam os raros empregos. Sem ter para onde ir, muitos optaram pelos Estados Unidos, que não saíra falido da Guerra. A princípio, ainda atordoados pelo  que acabara de acontecer, os alemães não tinham noção da real proporção da monstruosidade nazista. Mulheres transportando seus haveres em carros de bebê, ou nas costas. E foi nestas condições, há quase 80 anos, que no Palácio de Nuremberg, onde Hitler tantas vezes comemorara seu triunfo, que se reuniram os lideres das potências vencedoras: Estados Unidos, Inglaterra, Rússia e França. O objetivo do Tribunal era não somente condenar os carrascos, mas também mostrar ao povo alemão o quê havia de fato acontecido durante aqueles anos. Aos alemães foram mostrados os objetos de ouro roubado dos judeus, alianças, anéis e até dentes. A grande finalidade do Tribunal era,  além de punir, mostrar a morte definitiva da Alemanha nazista. 

Entre 20 de abril de 1945 e 1o. de outubro de 1946, foram julgados os principais lideres do nazismo, como Joachim Von Ribbentrop, Herman Goering, General Wilhem Keitel, que assinara a rendição total da Alemanha, General Alfred Jodl, Alfred Rosenberg, Rudolf Hess, entre outros. Aos criminosos foram mostrados filmes dos campos de concentração, com os prisioneiros esquálidos, montes de cadáveres esqueléticos, amontoados em valas.  As cenas eram tão horrendas que muitos deles tiravam o microfone de tradução simultânea (que fora criada e ensinada para o Tribunal), ou desviavam o olhar. Muitas conferências já haviam sido realizadas, ainda durante a vida de Roosevelt (falecido em 1945), para que fosse resolvido o que fazer após a evidente queda do nazismo. Após o julgamento, condenado a forca Hermann Goering, escapou, cometendo suicídio, com uma capsula de cianeto, que lhe fora misteriosamente passada. Martim Bormann, foi  condenado a revelia, já que havia fugido. Mas não conseguiu. Seus restos mortais foram encontrados, algum tempo depois, perto do Bunker, onde Hitler se escondera com outras figuras proeminentes do nazismo, e se suicidara com sua amante, Eva Braun. Interessante notar que contraíram matrimônio poucas horas antes do suicídio, ela com uma capsula de cianureto, ele com um tiro na têmpora. Heinrich Himmler, comandante das SS - tropa de elite no governo nazista - homem de confiança de Hitler, no momento da prisão, também cometeu suicídio, engolindo uma capsula de cianureto. Ao todo, foram condenados a forca 10 carrascos nazistas, três à prisão perpétua. Entre estes estava Rudolf Hess. Décadas depois, muito velho e sozinho na prisão de Spandau, acabou por suicidar-se, o quê é contestado por seu filho, com quem conviveu  somente um ano, que afirma que seu pai foi assassinado pelos britânicos receosos de que revelasse segredos. Albert Speer, arquiteto de Hitler,  Ministro dos armamentos de 1942 até o fim da Guerra, e também  responsável pelo trabalho escravo de prisioneiros para produção de armamentos , estava presente no Tribunal. Ali, mostrou alto nível intelectual e não  procurou fugir à sua culpa.  No entanto, sua condenação a somente vinte anos provocou revolta, sobretudo na França onde muitos membros da Resistência foram explorados, assassinados ou torturados por sua ordem. Tenho um livro seu, que herdei de meu pai, intitulado "Por dentro do IIIo. Reich - A derrocada" Além deste, publicou outros, e ganhou muito dinheiro. Certa vez, já em liberdade, tentou entrar na Inglaterra, mas foi impedido. No dia seguinte, foi mandadode volta para a Alemanha. Seu filho, também arquiteto, Albert Speer Jr. não se preocupou com o nome, e se tornou um dos maiores arquitetos do país, acumulando prêmios e deixando para trás o repugnante  passado de seu pai. Morreu em 2017. O filho de Joseph Mengele, chamado "O Anjo da Morte" nasceu um ano antes da fuga de seu pai. Chamava-se Rolf e, pelo que se sabia, não  lhe tinha nenhum afeto. E nem podia! Correspondia-se com o pai, que usava nome falso. Em 1977, resolveu conhecê-lo. Convencido de que ainda mantinha os ideais nazistas, Rolf voltou para a Alemanha e viveu uma vida tranquila, no ramo da farmácia. Nunca mais teve qualquer contato com o pai, que morreu de um infarto fulminante na praia Atibaia.  Hans Frank, o "carniceiro da Polônia", executado em Nuremberg, teve um filho, Nikolas. Este tornou-se jornalista e escritor. Não negava a vergonha que tinha de sua ancestralidade, chegando a escrever um livro em que não poupava sua mãe, sobre a qual escreveu um livro "Minha mãe alemã".  E o mais impressionate, o filho de Martin Borman, braço direito de Hitler, chamado Adolf, talvez em homenagem ao Furer. Adolf, quando adolescente participou dos grupos hitleristas. Após a derrota, fugiu. Dizem que foi adotado por uma família italiana. Convertido ao catolicismo, tornou-se padre foi morar no Congo, onde dizem rezava todas as noites pelas vítimas do Holocausto. 

Bem , ainda há tanto a falar desta Guerra e do horror jamais visto!  Em um só texto não há espaço para tanto. Segurei na próxima semana. Até lá!    

segunda-feira, 18 de março de 2024

 Os Anos Loucos

Os chamados "Anos Loucos" são aqueles que seguiram a 1a. Grande Guerra. Foram loucos, como a vida, repletos de coisas boas e péssimas. As mulheres se libertaram dos espartilhos e das longas cabeleiras. Cabelos curtos, calças compridas, cigarros. Depois dos horrores desta Guerra, todos sabiam que nada mais seria como antes. Ela deixara profundas cicatrizes. Muitos soldados voltavam desfigurados, mutilados, com graves  problemas psicológicos . E foi em 1917 ou 18 que ocorreram os primeiros casos da pandemia chamada "gripe espanhola", e se espalhou rapidamente pelo mundo através de uma mutação do vírus "influenza". Não se sabe onde surgiu, mas, certamente, não na Espanha. O nome "gripe espanhola" veio da grande divulgação dada pela imprensa espanhola. Calcula-se que mais de 500 milhões de pessoas sucumbiram. Há alguns anos, vi uma foto  terrível, nos Estados Unidos, de crianças abandonadas  na varanda de casa. Toda a família havia morrido. Uma cunhada de meu pai, esposa de seu irmão mais velho, faleceu e deixou órfã uma criança de dois anos, que foi criada por minha avó. No Brasil, morreram figuras importantes como o recém reeleito Presidente Rodrigues Alves. Foi por esta época que começaram a despontar nomes como Hitler, Mussolini, Stalin, Hiroito. Mas o mundo ainda não sabia o que viriam a  significar. 

Mas como não se podia prever nada, o melhor era viver este presente que parecia tão radioso. Surgem figuras importantes, como Coco Chanel, que reinventa a moda, o genial compositor russo, Igor Strawinsky, refugiado, e ,futuramente, um dos inúmeros amantes de Chanel. Surge o Ballet Russo, sob a direção de Serge Daighlev, e  com a icônica figura de Nijinsky, considerado o maior bailarino todos os tempos. Foi em 1921, ou 22,  que  Nijinsky, com coreografia creio de Daighlev, dança no Thèâtre de l'Elysée a genial obra de Debussy, "Prélude à l'après midi d'un faune", inspirado  no poema simbolista de Stéphane de Mallarmé. A peça não pode ser apresentada inteiramente, por causa da vaia dos espectadores, que não haviam entendido nada da coreografia inovadora. Foi uma época também marcada pela morte da bailarina americana Isadora Duncan, enforcada por sua echarpe, que se enrolara nas rodas de seu carro. 

Na música popular, surgem dois compositores genais; George Gershwin e Irving Berlin. E na ciência, Einstein, recebe o Prêmio Nobel de física e Alexander Fleming descobre a penicilina. E na arqueologia, Howard Carter e Lord Carnarvon, abrem a tumba de Toutankhamon, que ali repousava há milhares de anos. Foi nas minhas constantes visitas ao Louvre quando criança, a que me levava meu pai, que me apaixonei pela Arqueologia e sonhei, desde minha infância até a idade adulta, em ser arqueóloga, da mesma forma que meu irmão sonhava em ser paleontólogo. Em 1927, o piloto americano, Charles Lindenberg, atravessa sem escala o Oceano Atlântico.

Para as mulheres, era a libertação. De agora em diante, podiam, dirigir carros, fumar em público, dançar, movendo o corpo como quisessem. O trabalho feminino, que já fora admitido desde  a guerra, por falta de mão de obra masculina, torna-se  frequente e, afinal, significa uma libertação da mulher do macho protetor. E muitas passaram a frequentar Universidades e a se qualificar profissionalmente.

No cinema, Chaplin, Stan Laurel e Oliver Hard, a notar que Stan Laurel foi para os Estados Unidos na trupe de Chaplin. E havia também Harold Loyd e Buster Keaton. Todos eles fizeram a alegria de minha mãe e de minha tia Aracy. E só para lembrar, muitos e muitos anos depois, eu não podia ver as deliciosas comédias do Gordo e do Magro, sem chorar. Eu morava em Paris e nas tardes de quinta feira (ou seria quarta?), em que, sem ter aula, eu podia assistir a sessão infantil. Minha mãe sempre me dava um trocado para comprar meu chocolate preferido. Naquele momento, de dor, faziam-me crer que eu JAMAIS voltaria a andar normalmente! Felizmente, isto já passou! E estou andando normalmente, ainda que tenha medo das calçadas! Mas voltando para os anos 20, foi o momento do surgimento do Surrealismo e do Dadaismo, que pretendiam desconstruir  a linguagem. 

Grandes grandes escritores americanos escolheram Paris para viver,  sendo, Ernest Hemingway, o mais apaixonado pela cidade. Disse ele "Se você, quando jovem, teve a sorte de viver em Paris, então a lembrança o acompanhará pelo resto da vida, onde quer que você esteja, porque Paris é uma festa ambulante." Eu tive esta experiência na infância, e esta lembrança me acompanha até hoje. Infelizmente, hoje, Paris não é mais a mesma. Muita coisa desapareceu, coisas fantásticas, como Les Halles Centrales, construído por Napoleão III, e que inspirou a Emile Zola o fabuloso "Le ventre de Paris". A destruição ocorreu sobretudo durante  o nefasto governo de Georges Pompidou, político corrupto e megalomaníaco. Hoje no lugar de Les Halles , há um certo Centre Georges Pompidou. Vice de De Gaule, chegou ao poder pela morte do titular. Certa vez, fui ver uma exposição que tratava do "Inicio de tudo",  e, logo na entrada, havia uma pintura, não me lembro de quem, que mostrava uma enorme vagina. Achei a ideia inteligente. Aliás, a única coisa que achei especial, nas poucas vezes que fui lá. 

No Brasil, 1922, marca a Semana de Arte Moderna, com a intenção de fugir dos paradigmas europeus e marcar nossa brasilidade. Vale lembrar Mário de Andrade, Anita Malfatti, Oswald de Andrade. Já na Alemanha vencida, assinado o Tratado de Versalhes, com todas suas exigências,  instalou-se a maior inflação da História. Um livro de Eric Maria Remarque, chamado "Obelisco Negro",  retrata esta miserabilidade do povo alemão. Pessoas acordavam de madrugada para comprar pão, pois uma hora depois estaria mais caro. As notas serviam para cobrir as paredes. É aí que surge o Expressionismo alemão, que retrata através do monstruoso esta catástrofe da chamada República de Weimer.  O filme "Nosferatu" mostra bem este movimento. Ainda por volta de 1923 ou 24, surge, como salvador da pátria, o "Nacional Socialismo", mais tarde rebatizado por Hitler como "Partido Nazista".

1938- Tratado de Munique, em que parte da Tchecoslováquia, região dos Sudetos, é dada de presente a Hitler, já Ditador, com a morte de Hindenburg.  Responsáveis: o Presidente do Conselho de Ministros da França,  Edouard Daladier e o chanceler da Inglaterra Neville Chamberlain, para sempre marcados na História como covardes. Há sobre este triste evento um livro de Jean-Paul Sartre, escrito na época, mas creio que publicado posteriormente, chamado "Sursis", que, impressionada, li há anos, e que faz parte de uma trilogia chamada "Os caminhos da liberdade". O segundo livro tenho, e também li: "Com a morte na alma". O terceiro, não conheço, "A idade da razão". Creio que todos publicados após a 2a. Guerra, lembrado que a França foi invadida em 1940  e permanecendo invadida até 1944.    

1939- Os Nazistas invadem a Polônia. ...O resto já conhecemos. 

A verdade é que os ANOS LOUCOS terminaram tragicamente.

Para conhecer, de maneira genial, o que foram estes anos, aconselho " Meia-noite em Paris" , do sempre surpreendente Wood Allen.   



segunda-feira, 4 de março de 2024

 O Terror e os " sans culottes"

Minha relação com a Revolução Francesa vem de muitos anos. Desde os meus 10 ou 11 anos, quando morava na França, mas precisamente em Paris, e fui assistir, com minha mãe e minha irmã, um filme intitulado "Marie Antoniette". Fazia o papel da Rainha , a lindíssima Michele Morgan e um ator irlandês , Richard Todd, o  de Axel de Fersen, Embaixador da Suécia, que parece ter sido o grande amor da Rainha. A verdade é que ele se preocupava com o futuro da Família Real, tendo sido o preparador da célebre fuga interceptada na cidade de Varennes. Apaixonei-me por ele, quando num baile de máscaras, se conhecem, ele massageando o pé que a Rainha havia torcido, ajoelhado diante dela. De repente, ambos tiram  as máscaras e mostram seus belíssimos olhos azuis! Que emoção! Coup de foudre! Em 1989, durante a comemoração do bicentenário da Revolução e da Inconfidência, o assisti novamente, em Belo Horizonte. E a mulher adulta, vivida, com tantas experiências, sentiu emoção semelhante à da criança de 10 ou 11 anos!

Desde aquele longínquo dia de minha infância, já fui monarquista, jacobina, dependendo do momento de minha vida e de minhas ideias. Hoje, faço uma consideração mais racional deste fantástico movimento de massas, o primeiro da História da mundo, e me coloco em situação diferente. Depois, das reações adversas do Clero e da Nobreza, o chamado Terceiro Estado (Thiers Etat) abandona os Estados Gerais e passa a se denominar Assembleia Nacional Constituinte, e seus membros deputados. Para impedir a reunião, Luís XVI manda fechar o local onde deveriam se reunir, mas eles se reúnem em outra sala e juram não se separar até que tenha havido a elaboração de uma Constituição. 

Mas estes deputados também divergem. Pertencem todos ao Terceiro Estado, mas há os ricos burgueses, chamados Girondinos, e que, em sua maioria, representavam a Gironda, uma região situada no sudoeste da França,  que pretendem uma Monarquia Constitucional e os Jacobinos, radicais que pretendem o final da monarquia. Girondinos tomam assento à direita e Jacobinos, nome tomado de um café, antigo convento, por eles frequentado, à esquerda, donde veio a dominação direita e esquerda.  Aliás, a notar que o último Monarca absolutista foi o Tzar Nicolau II, cujo reinado teve fim em 1918, sendo toda a família dizimada. A notar igualmente que este é o segundo movimento de massas, e que cerca de um século e meio separam estes dois marcos, que mudaram a História do mundo, sendo que o legado de um deles já desapareceu. Foi, portanto, da Revolução Francesa o mais importante legado. A Declaração dos Direitos Humanos e do Cidadão, direitos válidos em qualquer tempo e em qualquer país. Artigo primeiro : "Todos os  homens  nascem  livres e iguais em direito. As destinações sociais só pode fundamentar-se na utilidade  comum..." Esta Declaração teve inspiração na Guerra de Independência Americana, nas ideias Iluministas, e sobretudo no filósofo inglês John Locke  que falava dos Direitos Naturais, aqueles que já nascem com o indivíduo. Esta Declaração tem inspirado todas as demais, inclusive a de 1948, no Pós-Guerra. No entanto, esta notável Declaração colocava de lado as mulheres e a escravatura nas colônias. A escravatura mexia nos interesses dos ricos burgueses, geralmente Girondinos, proprietários de terras nas colônias. Quanto às mulheres, que haviam participado ativamente da deposição do Rei, que haviam marchado de Paris até Versalhes, obrigando a família real a exilar-se no Palácio das Tulherias (posteriormente incendiado pela Comuna de Paris no século XIX), foram esquecidas. Eram quase todas vendedoras de peixes nos mercados de Paris. Este "esquecimento" mostra a importância que estes revolucionários davam às mulheres. 

É aí que surge, e não podemos esquecê-la, a atriz, dramaturga, jornalista e ativista, Olympe de Gouges, uma das mais notáveis feministas de todos os tempos, pois pagou com a vida sua audácia. Em 1791, publica a "Declaração dos direitos dos Direitos da Mulher e da Cidadã " , contrapondo-se à Declaração anterior que falava nos Direitos dos Homens e dos Cidadãos. Reivindicava também uma educação de qualidade para as mulheres.  Segundo consta, chegou a mandar uma cópia à Rainha Maria Antonieta. Além disto, foi uma ardente defensora do fim da escravidão. Mas, por incrível que pareça, Olympe pareceu revolucionária demais para os próprios revolucionários, era preciso que as coisas fossem postas nos seus devidos lugares. Aliás, é bom lembrar não haver na Assembleia Constituinte nenhuma mulher. EGALITÉ, LIBERTÉ, FRATERNITÉ, afinal não era para todos. Olympe subiu ao cadafalso no dia 3 de novembro de 1793 Ao subir, ela teria dito: "Se uma mulher tem direito de subir ao cadafalso , deve também ter o direito de subir à tribuna." 

Voltando um pouco no tempo, não se pode esquecer o mês de setembro de 1792, marcado por uma série de  execuções sumárias nas prisões de Paris. Nobres, homens, mulheres, criminosos comuns, todos foram alcançados pela fúria dos  chamados "sans culottes". Uma das melhores amigas de Maria Antonieta, a Princesa de Lamballe, que estava numa das prisões invadidas, teve seu corpo dilacerado e profanado, e sua cabeça enfiada numa estaca. Os revoltosos dirigiram-se, então, até a Prisão do Templo, onde estava presa a família real, e mostraram, por uma janela, a cabeça decepada da mulher. Consta que Maria Antonieta desmaiou, outros dizem que se encontrava em outro aposento. Também, alguns historiadores afirmam que o massacre foi comandado por Georges Danton, que terminou seus dias na guilhotina, condenado por seu antigo amigo Maximilien Robespierre. 

O Terror       

Em 1793, o poder  está com os Jacobinos com o apoio dos chamados "sans culottes", ou seja, aqueles que não usavam os calções da  monarquia.  Cerca de 40 mil pessoas são executadas, em curto período, sendo a maioria  de deputados Girondinos. Há também ricos burgueses e nobres. É o quê o grande estudioso Albert Soboul, chama de Despotismo da Liberdade. Só para assinalar, conheci, sem querer seu túmulo, simples, no Cemitério de Père Lachaise. onde também estão os despojos de Chopin, Alfred de Musset, e de meu querido amigo Hippolyte Léon Denizard Rivall, conhecido como Alan Kardec, por ter sido em outra encarnação um druida gaulês.

Mas, enfim, o quê nos interessa agora, é esta época sombria, em que cabeças de inimigos e amigos rolaram. Segundo diz um de seus maiores biógrafos, o esloveno Slovoj Zozek:"A imagem que se formou de Robespierre - um dos principais ideólogos da Revolução Francesa- é a de um homem polido que escondia uma cruel e gélida determinação. Todos concordam, contudo que ele foi um político integro e se dedicou totalmente à causa da Revolução."  Justamente por isso, era chamado L'incorruptible. É interessante notar que a princípio, teria sido contra a pena de morte. Vivia, absolutamente, de acordo com as suas convicções. Ao contrário de Danton, que havia se envolvido em negócios escusos. Danton, advogado brilhante, seguramente mais inteligente do que Robespierre. Preso por conspiração, tornou-se quase impossível julgá-lo. Fouquier-Tinville, advogado incumbido de condenar não sabe mais o quê fazer. Assinalando que, uma vez tomado o poder, Fouquier-Tinville foi mandado para a guilhotina pelos Girondinos.

Durante o Terror,  hospitais, escolas, tudo era esvaziado para receber novos presos, ou novos condenados. A lista esta lida na véspera. Cortou-se toda comunicação com o mundo exterior. O famigerado "Comitê de Salut Publique" ultrapassou qualquer limite. Somente Robespierre tinha real noção do que poderia acontecer. E seus embates com os radicais eram frequentes. Banqueiros como os irmãos Frey foram mandados para a guilhotina, o quê era muito perigoso. A própria execução de Danton, poderia levar contra eles o grande capital da época. Danton, o jornalista Camille Desmoulin, Hérault de Sechelles, Philippeaux (um humilde "sans culotte"),   Basire, todos deputados, são condenados à guilhotina. Todos fazem parte do grupo chamado de "Indulgentes", aqueles que sabiam que era necessário acabar com a carnificina. A carroça que os conduz à guilhotina é povoada por pessoas que mal se conhecem , que cultivam ideias muitas vezes diferentes. Mas todas acusadas de querer destruir a Convenção e restabelecer a Monarquia. No momento em que passa diante da residência de Robespierre, Danton grita com sua voz tonitruante : "Robespierre tu me seguirás!" Ele sabia o que dizia, da mesma forma que Robespierre também o sabia.     

E exatamente três meses depois, durante a madrugada, a sala do Comitê de Salut publique é invadida por tropas ordenadas por Girondinos, ou deputados exaustos dos intermináveis banhos de sangue. Alguns tentam escapar, um se joga pela janela, e Robespierre tenta o suicídio, atingindo o maxilar. Sangra intensamente, e ,segundo os guardas, urra de dor. Ao amanhecer, todos são levados à guilhotina. Alguns são deputados, dentre eles destaca-se o belo jovem , Saint-Just, deputado, talvez, o mais fanático. Um retrato seu no Museu Carnavalet, da cidade de Paris, mostra um belo rosto quase juvenil. Durante o trajeto, a multidão se acumula e janelas e sacadas são alugadas para o espetáculo. A perseguição aos seguidores prossegue durante vários dias.

E assim, termina o Terror, ao qual segue o chamado Diretório, seguido do Consulado, tendo como Consul um genial jovem militar, nascido na Córsega. Até que se faz Imperador, ele próprio coroando-se, e à  sua esposa, Josefina, deixando para trás o Papa. Sobe ao trono Napoleão I.

Interessante notar que me lembro de meu pai dizer que Saint-Just havia sido seu ídolo de juventude. E lendo a escritora  belgo-americana,  Margherite Youcenar, em um livro que muito me impressionou, chamado "Souvenirs Pieux", ela diz a mesma coisa. Margherite e meu pai nasceram no mesmo ano, e às vezes me pergunto se esta geração não terá amado seu idealismo, ainda que fanático, mas sincero.

Sem resposta!!!

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

 A Revolução que mudou o mundo

A princípio , fiquei em dúvida se devia, ou se seria capaz, de associar pontos em comum e pontos divergentes entre estes dois movimentos de massa que mudaram, cada um a seu jeito, a História do Mundo.  Movimentos nunca vistos anteriormente. Mas aí me dei conta de que são grandes demais. Assim, resolvi falar de alguns aspectos particulares da Revolução Francesa.

No dia 21 de janeiro de 1793, cerca de nove horas da  manhã,  num dia frio, o carrasco Sanson,  mostrando ao povo, uma cabeça decapitada, não sabia que se iniciava ali  um novo período na História. Era o primeiro dia do que chamamos de História Moderna. Um silêncio sobreveio, até que o povo compreendesse o quê significava  aquele sangue que jorrava. E, depois, como num uivo coletivo, gritou "Vive la République"!

Na véspera, ele recebeu calmamente a notícia de sua sentença, marcada para o dia seguinte. O  Rei Luís XVI, agora chamado de Louis Capet , dinastia à qual pertencia, e a família, composta por sua mulher, a odiada arquiduquesa austríaca, Maria Antonieta, seu filho, que deveria ser Luís XVII, sua filha, Maria Teresa e sua irmã Madame Elizabete não se viam há mais ou menos um mês.  Todos estavam na Prisão do Templo,  antigo Monastério dos Templários, ordem religiosa -guerreira, extinta pelo suplício na fogueira, justamente por Felipe, o Belo, pertencente a esta dinastia.  Luís está alojado no segundo andar e a Rainha e o resto da família no quarto.

À noite, pela última vez, a família vê Louis Auguste, como foi batizado. Sua mulher, está em desespero. Todos se abraçam, Maria Antonieta implora uma nova reunião na manhã seguinte. Esta promessa ele não manterá. Precisa de se preparar.   

Pela manhã, bem cedo, calmamente, Luís Augusto, prepara-se.  Pouco depois,  chega seu confessor, um padre refratário (que se negou a jurar fidelidade à Constituição vigente), fecham-se durante cerca de uma hora. Conta-se, (mas será verdade?) que Luís XVI, ainda pergunta ao padre sobre uma expedição científica, que ele próprio patrocinara : -Têm- se noticias da Perouse?  A cerimônia prevista para as oito horas, só acontece às nove. O Rei mostra-se extremamente calmo. Sobe na carruagem, que dirige-se à Praça da República, atual Praça da Concordia. Olha a guilhotina erguida sobre o pedestal desmantelado, onde havia antes uma estátua de Luís XV. Justamente onde  hoje se encontra o Obelisco.

Seu avô é Luís XV, aquele que , diante de tantos problemas na França, via depois dele o Dilúvio :"Aprés  moi, le déluge". Duque de Berry, futuro Luís XVI, foi o segundo filho do delfim Luís Ferdinando e da delfina Maria Josefa da Saxônia. Profundamente religiosos, o delfim e sua mulher mantinham-se afastados da corte, descontentes com a influência da favorita, Madame de Pompadour, e com vida dissoluta do Rei. Sendo o segundo filho de Luís Ferdinando, não caberia a ele o trono. O Delfim Luís Ferdinando e sua mulher tratavam de ensinar ao futuro Delfim, duque de Borgonha, princípios religiosos, mas também a igualdade entre os homens. Isto teria sido impossível imaginar para o seu tataravô, Luís XIV, que havia governado entre 1643 e 1715, ou seja, 72 anos, tendo sido o mais longo reinado da História europeia, mais longo mesmo do que o da Rainha Elizabete. Luís XIV era aquele que dizia "L'Etat c' est moi!" ou seja, não admitindo nenhuma separação entre Estado e Governo. A França era propriedade sua. E ele tinha a convicção de que seu poder vinha de uma resolução de Deus.  É o quê se chamava  Droit Divin.

O primogênito, do delfim Luís Ferdinando, é uma criança ousada, ciente de seus deveres e direitos, mas também brutal com os subalternos, a seu ver natural na sua condição. Mas uma queda de  um cavalo de papelão, denuncia uma tuberculose óssea na coxa. Ele começa a mancar e sentir fortes dores, seu estado piora dia a dia. Mesmo assim, exige a presença do irmão mais jovem a quem ministra aulas. Mas nada detém a visível piora de seu estado e os médicos se preparam para comunicar aos pais e ao Rei que o desenlace está próximo. E no dia 16 de março de 1761, lhe é administrada a extrema-unção. O defunto ainda não tem dez anos. A dor corrói o coração do pai e da mãe.

"Pra o delfim e a delfina , bem como para o rei,  no fundo está claro que a morte  enganou-se de presa" ( Bernard Vincent- Louis XVI). Tempos difíceis para o Luís Augusto. Seu pai instala-o no quarto do falecido, e aqui comparece todos os dias, declarando querer guardar para sempre na memória a imagem do filho preferido. Mas,  como lembrara muito anos antes, o duque de Montausier , muitas crianças especiais na infância deixam de sê-lo ao chegar à idade adulta. O desprezado duque de Berry, futuro Luís XVI, por ocasião de uma visita do grande historiador escocês, David Hume, amigo dos Iluministas, é o único a dirigir-lhe a palavra e se interessar pelas ideias do historiador e  filósofo. 

Quatro anos após a morte do duque de Borgonha, o delfim Luís Ferdinando, sucumbe, provavelmente vítima de tuberculose, aos 36 anos. A data é 20 de dezembro de 1765. A principio, tomada de profunda melancolia, a viúva parece se recuperar após algum tempo. Mas a melancolia a submerge novamente, e no início de maio de 1767, sinais de tuberculose se apresentam. Ela passa a cuspir sangue, e sua debilidade é evidente. Provavelmente, contraíra a doença enquanto estava à cabeceira do marido.  Dia após dia, o menino- delfim assiste à agonia de mais um ente querido. O ano é 1767. O delfim tem onze anos!

Os interesses maiores da coroa

Mas interesses da coroa exigem que o delfim se case. Depois de várias conversações, entre o Rei da França e a Imperatriz Maria Teresa da Áustria, chega-se à conclusão de que uma aliança entre  Bourbon e Habsbourg, poderá ser do interesse de ambos. Os  noivos têm, respectivamente, quinze anos e quatorze anos e meio. Segundo seu biógrafo, Stephan Zweig, Maria Antonieta guarda sentimentos contraditórios; agrada-lhe ser Rainha da nação mais poderosa do mundo, mas há também um sentimento de tristeza  ao saber que deixará, talvez para sempre, todos aqueles lugares onde passou sua feliz infância. Enfim, ao longo de negociações, a aliança é firmada. Estranho ritual;  ao chegar à fronteira há uma complicada cerimônia, em que se despoja de tudo que é austríaco, desde suas vestimentas,  até  sua cachorrinha, indicando, desta forma  que abandona a sua nacionalidade austríaca para tornar-se francesa. A jovem delfina  é jovem e bela, e o frescor  de sua juventude, conquista o povo. 

No dia 27 de abril de 1774, uma grande surpresa! Durante uma caçada, o Rei sente-se mal. É transportado para o Petit Trianon, que havia mandado construir para Madame de Pompadour. Logo é acometido de terrível dor de cabeça, e transportado para Versalhes. Médicos, apoticários (farmacêuticos), cirurgiões, são chamados. Também é chamada Madame du Barry, sua nova amante. O Rei piora cada vez mais! A noite, um lacaio levanta um candelabro e percebe horrorizado marcas vermelhas no rosto do Rei. É a  terrível varíola! Logo formam-se pústulas, o mal cheiro é insuportável. Ninguém poderia supor: tratava-se de uma reincidência. Seu corpo apodrece! Horrorizado com a ameaça do Inferno pelos  seus pecados, chama um confessor. A extrema-unção lhe é dada, e ele ainda agoniza durante dias 

LE ROI EST MORT! VIVE LE ROI! 

Maria Antonieta teve um destino maior do que ela 

Segundo seu biografo, Stephan Zweig, ela seria somente uma placa em um cemitério qualquer, como tantas Marie-Adelaide, ou Adelaide-Marie, Anne-Catherine ou Catherine-Anne. Seria um nome. Afinal, foi seu trágico destino que a deixou para sempre na História!
No entanto, havia tudo para dar certo. Um jovem Rei, aberto às novas ideias, uma linda Rainha. E então, quê pode haver acontecido? Em primeiro lugar, é preciso assinalar que esta é uma sociedade de ORDENS, não aquilo à que estamos acostumados, chamada sociedade de classes. A Primeira Ordem é constituída pelo Clero, e para complicar mais deve-se distinguir o Alto e o Baixo Clero. Depois vem a Segunda Ordem constituída pela Nobreza . Por fim, vem o resto da população, o Terceiro Estado, o Thiers Etat, cujo papel será  fundamental na Revolução. Este incluía camponeses, cidadãos da cidade, ou seja trabalhadores, patrões, comerciantes bem sucedidos, profissionais liberais, médicos e advogados entre outros.  O Thiers Etat incluiria eu e Jaime, o faxineiro de meu prédio. 
O Primeiro e o Segundo Estados somam 3% da população e possuem 30% das terras francesas. São sustentados pelo dinheiro público e pagam pouquíssimos impostos. Estes impostos são pagos pelos outros 97% da população, ou seja aqueles que não são do Clero nem da Nobreza.  Muitos membros o Terceiro Estado são mais ricos do que os nobres ou o clero, mas não têm poder político. E muitos conhecem as ideias Iluministas, que pregam a igualdade, condenam a mistura do Clero com políticas palacianas (sendo que muitos Clérigos tinham amantes públicas) e exortam a liberdade de expressão, entre outras ideias. O Iluminismo, pode-se dizer, foi o combustível da  Revolução Francesa.
Enquanto isto, na corte, vivia uma nobreza ociosa, na dependência do Rei. Luís XVI  e Maria Antonieta, que à principio haviam significado um sopro de esperança para o povo, foram pouco a pouco perdendo credibilidade. O envolvimento da França na Revolução Americana, arrasa as finanças da França. E há necessidade de aumento de impostos, para o povo.  Também há de se notar as extravagâncias da Rainha, severamente censuradas por sua mãe, uma verdadeira Estadista. Aos poucos, Maria Antonieta passa a ser odiada, e acaba sendo responsabilizada por tudo. Para o povo é Madame Déficit. 
E Luís XVI acaba por dispensar Ministros importantes, como Necker, cidadão suíço, protestante, que desagrada Clero e Nobreza por sua austeridade. Ministros posteriores seguem os preceitos das duas primeiras Ordens. Enfim, em 1789, sem saber o quê fazer, Luís XVI convoca os Estados Gerais, Assembleia que reúne os três Estados, e que não ocorria desde o tempo da Rainha Catarina de Médici, no século XVI. A seu lado, em profundo abatimento, a Rainha procura disfarçar sua dor. Seu filho primogênito acaba de morrer de tuberculose.
O Clero e a Nobreza, sem querer abrir mão de seus privilégios, convencem o povo de que não há solução. É então que o Terceiro Estado declara não fazer mais parte dos Estados Gerais.  Abre-se  uma Assembleia Constituinte, com deputados do Terceiro Estado, que exigem mudanças. Luís XVI manda fechar os portões do local onde deveriam se reunir. Tiro no pé. Aqueles que agora se chamam Deputados se reúnem na Salle du Jeu de Paume, que durante muito tempo abrigou o Museu dos Impressionistas.
Em Paris, a fome cresce a cada dia. Em 14 de julho , o povo invade o arsenal dos Invalides, construído por Luís XIV para os inválidos de guerra. Sem pão, destroem o grande símbolo do poder do rei. Os seis ou sete prisioneiros são soltos e o  Governador, não podendo avaliar a fúria do povo faminto, é massacrado e sua cabeça espetada numa pedaço de pau. Conta-se que sem saber de nada, o Rei anota no seu diário, no dia 14 de julho de 1798: NADA. Conta-se ainda que alertado por seu camareiro pergunta-lhe : " C'est une révolte?" Ao que responde: "Non, Sire, c' est une Révolution!!! " Conta-se, mas há um fundo do verdade, o Rei jamais avaliou a grandeza do movimento que logo o envolverá. 
Alguns dias depois, mulheres vindas de Paris, e possivelmente homens vestidos de mulher, infiltram-se no Palácio, aterrorizando e matando os que tentam detê-los. E obrigam o Rei, a Rainha e sua família a irem para Paris, onde devem se alojar no sinistro Palácio das Tulherias, mandado construir por Catarina de Médici. Acabaram-se as festas, os cortesãos ameaçados fogem. Eles agora são prisioneiros da Assembleia Constituinte, que está dividida entre burgueses ricos e a baixa burguesia que inclui os interesses do povo. E aí, mais um tiro no pé. Disfarçada, a família real tenta fugir . mas é descoberta por um guarda, que reconhece o Rei. Passam a  noite numa cidade chamada Varennes. A propósito se fez um filme  "La nuit de Varennes", excelente, com atores do gabarito de Marcelo Mastroiani
A família é recebida em Paris com frieza. O Rei perde seus poucos apoiadores. Depois,  disto é a prisão do Templo,   o julgamento e a guilhotina para o Rei. Maria Antonieta, agora chamada de Veuve Capet, apesar de suas súplicas, é afastada de seu filho, que será  entregue a um sapateiro. Conforme conta seu grande biógrafo, Stephan Zweig, ela procurava ver, através de frestas, seu único filho, já que o outro havia morrido.
Durante seu julgamento, as mais sórdidas acusações, são lançadas  contra Maria Antonieta e sua cunhada. Acusações de incesto com seu pequeno filho, admitidas por ele mesmo, devidamente instruído por seus preceptores. E neste momento, que ela se levanta e lança a célebre frase : "J'en apppelle à toutes les mères de France!" (Suplico a todas as mães da França) Esta  acusação havia sido lançada pelo detestável Herbert, ele próprio guilhotinado meses depois, junto com sua mulher. Há meses, Maria Antonieta já está confinada na Fortaleza da Conciergerie, em cubículos cada vez menores. Em seus últimos dias, ela mal  consegue levantar a cabeça.
"Os setenta dias passados na Conciergerie fizeram  de Maria Antonieta uma mulher velha e doentia. As lágrimas avermelharam    
e inflamaram seus olhos que perderam completamente o hábito da luz do dia. Seus lábios são de uma palidez extrema em vista das constantes hemorragias de que ela vem sofrendo nos últimos dias." Este é o retrato que nos mostra Stephan Zweig da mulher que enfrenta aquele tribunal hostil, de onde ele sabe que sairá condenada. 
Em 16 de outubro, o povo e a rainha estão frente a frente pela  última vez. Ela foi acordada ainda pela madrugada, cortam-lhe os cabelos embranquecidos. Ela tem trinta e sete anos. Esperava que fosse conduzida por uma carruagem, como seu marido, ao lugar do suplício, mas é sentada em uma carroça que atravessa o percurso. "Esta última vestimenta, estas pobres roupas de prisão dão-lhe uma nova majestade que ela não tivera em Versalhes" Pierre de Nolhac. A agora Veuve Capet mantém a dignidade, parece indiferente aos impropérios que lhe são dirigidos. Chegando ao destino, sobe as escadas até o cadafalso. Tendo pisado no pé de um guarda, dirige-se ele e diz "Excusez-moi, monseigneur, je n'ai pas fait exprès"  Alguns minutos depois sua cabeça é mostrada ao povo. O sangue inunda a palha do cesto. O corpo da supliciada, é jogado numa carroça, a cabeça entre as pernas. A multidão se dispersa, e muitos já se perguntam de que valeu submeter esta mulher a tanto sofrimento. 
Depois, foi o TERROR e o famigerado "Comitê de Salut  Publique." Como disse certa vez Robespierre: "A Revolução é como Saturno, que devora seus próprios filhos".
Há muito mais a falar sobre a Revolução Francesa, talvez algum dia eu retome este assunto que sempre me fascinou. Sobre O TERROR , há um filme extraordinário, que já assisti várias vezes. Lembro-me que em 1984, eu estava em Paris quando o vi pela primeira vez. Havia uma grande quantidade de emigrantes poloneses, que já anteviam a queda do Comunismo. O diretor é polonês, assim como vários atores. O filme chama-se DANTON.   
 

segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

 O cinema 

A invenção do século

Já no século XVIII, a lanterna mágica encantava espectadores. Mas tratava-se somente de uma maquininha composta de algumas placas de vidro pintadas, projetadas sobre uma parede branca com o auxílio de uma vela. A verdade é que a imagem surgida do nada sempre encantou os homens e lhes fez medo. Nas feiras eram comuns as caixas com orifício,  por onde se podia ver cenas desenhadas , que o operador puxava por meio de um fio. Tudo iluminado por velas. 

De  1892 a 1900, espectadores se exprimiam para ver, no Musée Grévin, em Paris as chamadas pantomimas luminosas, o quê chamavam Théâtre  Optique, cuja engrenagem é bastante complicada. O importante é que a confecção é mais complicada ainda, devendo cada cena ser desenhada para ser posteriormente exibida. Seu inventor Emile Reynaud, notável desenhista, deve desenhar milhares de figuras para que haja movimento. A lâmpada elétrica havia sido inventada em 1879, e tinha a duração de 40 horas.  O problema é que o calor, racha a gelatina sobre a qual são  feitos os desenhos. Assim, o espetáculo fica suspenso por mais de um ano. Emile Reynaud ainda tenta produzir dois filmes, até que em 1900, superado pelo cinema, tendo sido expulso do Musée Grévin, arruinado, joga suas fitas no rio Sena e morre em 1918, em um asilo.

A primeira filmagem , feita pelos Irmãos Lumiére, Louis e Auguste, ocorre em 1895 e mostra a chegada de um trem numa estação. Esta  projeção provoca pânico no público, aterrorizado ao ver a aproximação do trem. Acontece numa saleta do Grand Café, situado no Boulevard des Capucines, ainda hoje existente. Cinematographe Lumière .Nesta primeira apresentação, somente estão presentes 33 espectadores. Mas aos poucos, sobretudo no boca a boca, a frequência vai aumentando. A princípio, são filmadas cenas banais, como de amigos tomando café , ou de uma uma brincadeira  com uma mangueira. Em seguida, começam a filmar documentários. Apesar de um pequeno embaraço na Rússia, logo depois lhes é permitido exibir filmagens e filmar. É interessante notar uma observação do grande escritor  Tolstói , referindo-se àquela cena do trem entrando na gare : ""Quando , do horizonte , um trem inteiro vem em nossa direção, , quando ele parece furar a tela , nosso espírito imediatamente evoca a mesma cena em Ana Karenina"".  Lembrando sua monumental obra, em que abandonada pelo amante por quem tudo perdera, Ana Karenina joga-se nos trilhos de um trem. Mas bem diferente é a  opinião de outro grande da literatura russa, Máximo Górki :""Ontem à  noite, estive no Reino das Sombras. Se vocês pudessem imaginar a  estranheza desse mundo! Um mundo sem cores, sem som. Tudo nele - a terra,  a  água e o ar, as árvores , as pessoas-, tudo é feito de um cinzento monótono. Raios de sol cinzentos num céu cinzento, olhos cinzentos num rosto cinzento, folhas de árvores que são cinzentas como a cinza. Não a vida, mas uma espécie de espectro mudo""

Nesta primeira apresentação, estava presente um jovem mágico. Com sua sua parte na herança familiar, ele havia comprado o teatro Houdin, que havia pertencido ao célebre magico Robert-Houdin, cujo nome veio a inspirar outro célebre mágico. Naquele tempo os ilusionistas produziam verdadeiras peças de teatro. Assim, Méliès adquiriu grande performance como ator, diretor e cenógrafo. Ao assistir aquela primeira sessão veio-lhe a mente que se poderia fazer muito mais com aquele instrumento. Já que os  Lumière não haviam querido vender-lhe o aparelho, vai a Londres e compra um genérico, que desmonta e remonta com grandes melhorias. Mas o quê trouxe a grande descoberta foi um pequeno incidente. Ele estava filmando a Place de l'Opéra , quando a máquina deu um defeito,  sacudiu-a e ao revelar o filme verificou que o ônibus que estava filmando havia se transformado em outra coisa. E sua mente genial logo descobriu o que poderia fazer com este recurso. E foi com este recurso que ele fez nascer a SÉTIMA ARTE. Ou seja, utilizar para contar histórias.  Impossível descrever tudo que conseguiu. Imagens duplas, mesmas pessoas no mesmo lugar.  Sua cabeça cortada que se alinhavam sobre fios, enquanto ele mesmo se desenvolvia em cena. Criara-se a magia do cinema, que tanto nos encanta e sempre nos encantará.

Para suas filmagens, construiu um estúdio de vidro para melhor aproveitar a luz e criou sua companhia a STAR FILM. Seu grande sucesso, com truques inacreditáveis, foi "Viagem a Lua", baseado no romance de Jules Verne, "Da terra à Lua". Seus filmes coloridos eram pintados a mão, com cada quadro com cores exatamente iguais às anteriores. Empresas se organizaram para este fim, com funcionárias especializadas em cada cor. Charles Chaplin, grande admirador seu se referia a ele como o "alquimista da luz". Influenciou John Ford  e Orson Welles, que diziam tudo dever a Méliès.

Mas em 1914, o mundo entra numa fase sombria. Méliès é artista  e não um homem de negócios. Para estes, é um momento de enriquecer Neste período difícil, acaba falindo, obrigando-o a  desmontar seu estúdio. Logo depois, o exército francês confisca seus filmes para serem derretidos e servirem para fazer solas para as botas. A falência definitiva vem em 1923. Desesperado, coloca fogo em vários filmes. Dos quinhentos que havia produzido, felizmente, ainda restaram duzentos. Foi então que ele se retirou em definitivo e abriu uma modesta lojinha de doces e brinquedos na Gare de Montparnasse. 

Em 1929, jornalistas, diretores e produtores procuraram saber  por onde andavam aquele homem genial, que transformara o cinema documentário breve em ARTE O verdadeiro criador da SÉTIMA ARTE. E então o encontram, na sua modesta lojinha da Gare  Montparnasse, que conheci quando criança, sem conhecer a história de Méliès. Neste mesmo ano, diante de uma plateia cheia os grandes diretores, produtores e atores da época, ele recebe a Legião de Honra da França, o maior título do país. 

Viveu o resto de seus dias tranquilamente, em condições confortáveis, recebendo uma mais do que merecida pensão. Faleceu em 1938. 

Se você quiser conhecer mais sobre Méliès, aconselho um dos mais belos filmes que vi em minha vida: " A invenção de Hugo Cabret" de Martin Scorsese, um hino à SETIMA ARTE.

quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

  Feminismo através dos tempos

""Este sexo envenenou nosso primeiro pai, que era também o seu marido e pai, estrangulou João Baptista, entregou o corajoso Sansão à morte. De uma  certa maneira,  também, matou o Salvador, porque, se a sua falta não o tivesse exigido, o nosso Salvador não teria necessidade de morrer. Desgraçado sexo em que não há nem temor, nem bondade, nem amizade e que é mais de temer quando amado do que quando é odiado." Godofredo de Vandoma por volta de 1095.""

"No século X, Odão de Cluny (+942), retomando as advertências de João Crisóstomo (+407)contra Eva, inspirava aos seus monges os mesmos temores salutares: " A beleza do corpo não reside senão na pele.  Com efeito, se os homens vissem o que está debaixo da pele,  a vista das mulheres dar-lhes-ia náuseas...Então, quando nem mesmo com a ponta dos dedos suportamos tocar um escarro ou um excremento, como  podemos desejar abraçar esse saco de excremento?" "

Trechos extraídos de "História das Mulheres- A Idade Média"

Georges Duby e Michele Perrot 

Daí pode-se ver o quê pensavam o religiosos na Alta Idade Média. Assim, falavam aqueles que se diziam seguidores de Cristo. Daquele Cristo que andava com as prostitutas, mendigos e ladrões. Enfim, todos os excluídos. Que terrível deformação da mensagem do Messias!

Vagarosamente, no começo da Baixa Idade Média, tudo começa a  mudar.  Há alguns anos, comprei na  França um livro de uma historiadora, Régine Pernoud, que me encantou de tal modo de não parei de lê-lo até terminar. O título: "Alienor D´Aquitaine". Rainha de  dois países diferentes, governou um ducado em seu próprio nome, foi mãe de dois reis famosos e participou de uma Cruzada. Nasceu, supõem-se, em 1122, primeira filha do Duque de Aquitânia. Hoje a Aquitânia é uma região ao Sudoeste, mas na época era um país independente, ainda que vassalo do rei da França.  Em 1137, no dia 25 de julho, aos 15 anos, Alienor casa-se com o herdeiro do Rei da França, Luís VII. Cerimonia grandiosa, com o povo aglomerado até o espaço onde se encontram dois tronos. Conta-se que era uma linda mulher, de cabelos ruivos, de uma fantástica personalidade, e grande cultura, conforme os padrões da época. Ao contrário do marido, que mais parecia um garotão.

Somente bastante  depois, o casal tem uma filha, a quem chamam de Maria. Mas a rainha era inquieta e com o marido "toma a cruz" o significava participar da luta contra os sarracenos que haviam invadido a Terra Santa. Este movimento resulta  em enorme fracasso, e um culpa o outro. Aí as coisas pioram entre os dois e cogitam de pedir a anulação do casamento, o que o Papa rejeita. Alienor engravida novamente, e dá à luz a uma menina, Alice. Como o reinado exigia um varão, o Papa, finalmente concorda em anular o casamento. A notar que, oito semanas depois da anulação de seu primeiro casamento, ela casa-se com Henrique II, rei da Inglaterra, seu verdadeiro amor. Henrique e Alienor tiveram ao todo oito filhos , dentre os quais se encontra o conhecido Ricardo Coração de Leão. Mas, apesar da paixão, as brigas eram frequentes, por questões políticas sobretudo

Por quê incluir esta mulher como, talvez,  a primeira feminista? Ela foi a mulher audaciosa que não teve medo de participar de uma Cruzada, nem se submeteu às convenções ao  casar-se com aquele que considerava seu grande amor, foi uma grande estrategista, foi audaciosa mantendo a qualquer preço seu Reinado da Aquitânia. Há  vários anos atrás, fui a Fontevraud, na Vallée de la Loire, convento onde ela, já idosa, se refugiou. Lembro-me de seu túmulo e de seu marido e acho que o de Ricardo. Ouvia-se pelos corredores, com arcos que davam sobre o jardim, bem ao estilo medieval, o som de um órgão, procuramos e achamos um organista, que nos vendeu um CD. Tentarei postar a foto de  seu túmulo. 

Outras mulheres, valentes e independentes surgiram posteriormente, e até antes, mas o quê me fascina nesta mulher é sua luta para manter aquilo que considerava seu, a sua coragem em viver um grande amor. Numa época em que as mulheres ainda eram desprezadas como filhas de Eva, aquela que fizera a traição da serpente e levara o homem a ser expulso do paraíso. Mulheres duplamente pecadoras, por terem duas zonas erógenas. Como diz o historiador George Duby, em sua magnifica obra "Dames du XIIe.  Eve et le prêtres".  "O quê é o corpo da esposa? Um objeto, uma espécie de feudo análogo àqueles bens  que o senhor concede a seus vassalos sob certas condições , uma  terra a laborar e semear." Enfim, pode-se imaginar o quê poderia ser esta sociedade se, ainda no século XXI, vivemos um patriarcado em que, muitas vezes, o macho manda e a mulher obedece. 

Mas, agora, vamos dar um enorme salto na História , para falar de uma grande filósofa e feminista; Simone Signoret, eterna companheira de Jean- Paul Sartre. Dentre suas obras, talvez a que mais me influenciou foi "Le Deuxième Sexe" , que ainda bem jovem li avidamente. Foi-me indicada por um companheiro francês, meu professor na URGS, como um aprendizado do "ser mulher". Hoje relendo-o, acho-o importante como uma introdução à emancipação feminina, mas alguns aspectos me parecem exagerados, como ela pretendia que fossem para o ano de 1947, quando foi publicado. Deveria ser uma verdadeira explosão! A tal ponto que o  grande Albert Camus declarou que ela havia desmoralizado o macho francês. Mas há coisas interessantes, ela comenta o fato de que as fábricas, os escritórios e até as faculdades estão abertas às mulheres. "...mas continua-se a considerar que o casamento é para elas uma das carreiras mais honrosas, que as dispensa de qualquer outra participação à vida coletiva." O resultado é que elas são menos especializadas, e menos preocupadas na sua profissão. E fala ainda do mito de Cinderela que só encontra salvação no seu Príncipe Encantado. Lembro-me de que, os cursos que preparavam professoras na Faculdade eram chamados "espera marido". Os homens deviam seguir profissões em que ganhavam mais do que as mulheres; médicos, engenheiros, e, quem sabe, até economistas. Uma colega chegou a fazer uma exposição de enxoval! A mulher que não se casava era chamada pejorativamente de "solteirona".

Mas, se para Simone "não se nasce mulher, faz-se mulher" e a única diferença entre um homem e uma mulher é a genitália, surge, em meados dos anos 60 ou 70,  um jovem filósofo, chamado Gilles Lipovetskky, que coloca este princípio absolutista em questão. Seu principal livro "La troisième femme. Permanence et révoltion du féminin." causa grande celeuma entre as feministas radicais, como a falecida Rose Marie Muraro, mulher admirável, que nasceu quase cega e conseguiu vencer barreiras que pareciam intransponíveis. O  filósofo afirma que muito mudou, mas que, infelizmente, muita coisa permanece. E ainda que há grandes diferenças, além da genitália entre homens e mulheres. São pormenorizadas estas diferenças, e não cabem no espaço de meu texto. Em certo capítulo, lembra o "belo sexo", que, apesar de todos os avanços, continua sendo uma inexpugnável barreira das velhas convicções. Lembro-me de uma de uma amiga que dizia: "se uma mulher não casou é porque ninguém a escolheu e se ninguém a escolheu é porque ela deve ter algum problema, é inferior às outras." Ou seja, para casar, a mulher não pode ter defeitos, e o pior, ela jamais escolhe, é escolhida. Seu livre-arbítrio é nulo!!!

Até a Primeira Guerra, o mito de beleza restringia-se a uma certa parte da sociedade. Ou seja, era propriedade da elite. No meio rural, não tinha a menor importância, e podia até ser mal vista, já que a poderia distanciá-la do labor. Após, com a invenção do cinema,  a visão das primeiras estrelas, daquele mundo feérico da beleza, as coisas começam rapidamente a mudar. Lembro de minha mãe, que contava que ela, e minha tia Aracy, faziam álbuns com retratos de artistas que recortavam de revistas. E procuravam imitar as que achavam mais belas. Por sorte, eram ambas bonitas. Isto acontecia nos anos 20. "O consumo cosmético aumenta moderadamente até a Grande Guerra  e acelera-se nos anos 20 e trinta e 30. O batom conhece um grande sucesso a partir de 1918; os óleos solares e esmalte provocam furor nos anos 30". Minha mãe contava que, sem recursos, colocava na água papel crepom vermelho e com a tinta pintava seus lábios carnudos, tão em moda hoje.  

Tinturas de cabelo, cremes para o rosto, para o corpo, cremes de todos os tipos. Para quem quer cabelos lisos, há as famosas escovas inteligentes, que incluem nutrientes (veganas, de leite, etc) e que substiuem as toucas de minha  juventude. Com a nova tecnologia, não precisamos mais correr para casa ao menor sinal de uma nuvem. Novos tipos de profissionais como, esteticistas, massagistas, manicures, abundam. Os procedimentos estéticos, como botox e preenchimentos são agora praticados até por dentistas. E para ser justa, homens fazem reflexos, pinçam as sobrancelhas e até lhes fazem desenhos geométricos, como João, filho de minha sobrinha, Alice. E isto não põe em dúvida a sua masculinidade. E este é o lado bom, que , infelizmente, só existe nas novas gerações.  

A beleza da esbeltez, do corpo perfeito (nem sempre conseguido, já que provém de uma certa estrutura corporal), tudo faz da mulher não mais a descendente maldita de Eva, mas  certamente escrava da eterna beleza e da eterna juventude. É verdade que muita coisa mudou nos últimos 10 ou 20 anos. Desde que o livro de Lipovetsky foi editado na França, em 1997.  Mas muita coisa permanece igual. No entanto, não podemos esquecer as mulheres em igualdade de posição com homens: professoras, médicas, advogadas, dentistas.

Estamos num momento em que tudo pode valer, desde a beleza erigida durante a Renascença, pelos grandes mestres, até a célebre Garota de Ipanema,  Helô Pinheiro , que diz sem problemas a sua idade,  festeja alegremente seus 80 anos, e faz propaganda de aparelho para surdez! O quê seria impossível de imaginar há poucos anos. Surdez é coisa de velho! 

E assim, la nave va!!!  

Não posso deixar de mencionar duas professoras de francês ,Regina Paschoalino e Sylea Souza,  que comigo se reuniam todas as quintas- feiras para estudar a fundo a Idade Média (Alta e Baixa) e a Renascença. Conquistamos um grande conhecimento destas duas fases da História do mundo ocidental, em que uma faz renascer valores tão importantes esquecidos pela anterior. Teríamos continuado se acontecimentos em nossas vidas não nos tivesse tirado de rota.