QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



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sábado, 7 de dezembro de 2013

As múltiplas faces de Eva- I

Eva, imagem da mulher, tentadora, feiticeira, serpente, peste, caruncho, prurido, veneno, chama , embriaguês, raiz do mal, renovação de todos os vícios” 1098.”  DUBY, Georges, PERROT, Michelle. História das Mulheres- A idade Média . Ed. Afrontamento, Porto, 1990.

Eu tinha cerca de oito anos. Estávamos minha irmã, Teresa, e minha dindinha Lygia. Já faz muito tempo e não me recordo bem do que se tratava. Estávamos em um auditório, e no palco eram chamadas mulheres que recebiam  algum tipo de diploma. Não sei por que assistíamos à cerimônia. Eu me entediava, mas de repente comecei a prestar atenção na conversa entre Teresa e minha didinha. Teresa perguntava cada vez que uma mulher subia ao palco: “E esta?” Ao que dindinha respondia, rindo : “É ona”  Ou por vezes: “Esta não.” Curiosa quis saber o que era aquilo, ao que minha madrinha respondeu:”Ona quer dizer solteirona!” Ou seja, era uma mulher que não havia casado, e  que não havia casado por ninguém a escolhera. Francamente, não sei o que pensei daquilo. Provavelmente, nada. Ou, então,  quem sabe, rememorei o que ouvia sempre, e pensava: esta é moça, apesar de ser velhusca, esta é mulher, apesar de ser jovem. Estranho, aquele estranho mundo de Eva. E mais estranho ainda porque jamais ouvi dizer que um homem fosse rapaz porque fosse solteiro, e tampouco que fosse homem caso fosse casado. Aos oito anos, para mim, minha mãe era velha, casada e mulher. Meu pai, velho, casado e homem. E assim  devia ser.
Anos mais tarde, já na adolescência, vivendo meu primeiro, e talvez único grande amor, não pensei mais na moça/mulher nem na velha/moça. Não me sentia enquadrada em nenhuma destas categorias, mas já sentindo os primeiros desejos, jamais realizados. No fundo, éramos herdeiras de uma geração que nos deixara profundas marcas. Mas como era gostoso aquele despertar! Ainda continuava a ouvir bobagens , mas nunca dei muita bola, eu estava feliz e isto é que contava.
Mulheres da geração de minha mãe, de minha irmã, haviam evoluído pouco, desde os tempos de nossas ancestrais. Casavam-se virgens, não aspiravam a nada mais além da maternidade, deixavam-se engordar, tornavam-se matronas ainda jovens. Tenho fotos de minha mãe aos vinte e poucos anos, mãe de dois filhos, gorda sem nenhuma sedução, ela que havia sido uma sedutora morena. Todas aspiravam por um marido-pai , que as poupasse de qualquer decisão, que as deixasse fora do esforço de pensar, que as transformasse em seres incapazes, que as vezes as traísse, mas que continuasse no comando da nau. Elas no lar, encontravam as amigas, tomavam lanches (e iam engordando), procriavam. Tinham uma fidelidade canina ao seu senhor.  As que fugiam a este modelo eram execradas, mas, infelizmente, em geral, trocavam um senhor por outro.
Eram mulheres que nunca aspiraram à liberdade, à sua própria identidade. Viviam à sombra, como aquelas mulheres de Atenas de que fala Chico, “ que não têm gosto ou vontade, nem defeitos, nem qualidades. Têm medo apenas. Não têm sonhos, só têm presságios.....” Genial, Chico, que descreveu tão lindamente as mulheres de Atenas que pouco se diferenciavam de nossas ancestrais. Filhas de Eva, pecadoras por natureza, tinham que expiar seus pecados na infidelidade ou na autoridade do macho. Devo dizer que meu pai não tinha o perfil do infiel, mas do senhor. O modelo da mulher-mãe, mulher-esposa, somente este tinha valor. Mas minhas duas avós, que haviam fugido a este modelo, pagaram caro pelo “desvio”.
As mulheres intelectuais, profissionais, eram temidas e, sobretudo em países periféricos como o Brasil, não eram “escolhidas” e  em geral, ficavam solteironas . E a interpretação era de que se tornaram intelectuais, profissionais, justo porque não haviam sido escolhidas!! Eu observava as amigas de minha irmã, que era bem mais velha do que eu, e as achava  chatíssimas, caretas.  Até que se ouviu falar de uma certa intelectual francesa chamada Simone de Beauvoir. Seu livro “O Segundo Sexo” havia sido lançado na França em 1947, mas tenho certeza que quase ninguém no Brasil prestou atenção a ele. As filhas de Eva, então, nem se diga! Simone era companheira do filósofo Jean- Paul Sartre, e com ele vivia uma relação aberta, o amor sem censura. Barbarizou a própria França, mas foi ela quem começou a expor ao mundo o que significava SER MULHER.


domingo, 17 de novembro de 2013

Jango – o retorno fúnebre

Quando acendi a televisão devia ser meio-dia. Imediatamente vi a cara de Collor falando com a pessoa que estava a seu lado. Era o Ministro da Justiça, e notei que não lhe dava muita atenção. Imediatamente, a jornalista faz alguma alusão à chegada dos restos mortais de Jango à Brasília para autópsia que deverá constatar se foi assassinado ou não. O ambiente era de luto. Antes que chegasse a viúva, Maria Teresa, e alguns membros da família, mostrou-se a platéia. Senti um arrepio, como já havia sentido quando vi Collor. Ali estava Dilma, a Presidente, acompanhada dos ex- Presidentes ainda vivos. Faltava Fernando Henrique, que se trata de uma diverticulite. Faltava Itamar. Fiquei imaginando as voltas que o destino dá. Afinal, por uma questão  protocolar estavam ali dois homens que em nada honravam o Presidente deposto por um golpe militar, que nos jogou durante vinte e um anos nas trevas de uma ditadura. Sarney e Collor, que, sinceramente, não sei por que figura sempre entre os ex-Presidentes. Afinal o homem foi enxotado da Presidência por corrupção. Mas faz parte da base aliada, como noventa e cinco por cento do Congresso. E havia ainda Renan, Lobão, e certamente muitos outros que sempre defenderam a ditadura e que agora são Ministros ou ocupam outros postos de destaque. Fiquei enojada. Na primeira fila, Dilma, sem dúvida era a pessoa mais digna. E Lula, apesar do meu anti-petismo deveria sentir alguma emoção ao ver chegar os restos mortais do homem cujo grande crime foi querer mudar um pouco este país de coronéis, que lutou pelas reformas de base, e ingenuamente se deixou arrastar numa cilada armada pelos inimigos.

O tempo que vivemos nos faz testemunhas de velhas histórias que os mais jovens não podem contar. Lembro-me de que há alguns anos, estava jantando com alguns amigos de Ricardo, meu ex-companheiro, e uma jovem disse: “ Não guardo nenhum sentimento em relação ao “período militar” (é a forma como a direita, que me cercava, chama, eufemisticamente, a ditadura). Imediatamente retruquei: “Mas a minha geração guarda  grande ressentimento contra a ditadura!”E guardamos porque vivemos nossa juventude sob o seu tacão, porque vivenciamos mortes e desaparecimentos, porque a única e maravilhosa coisa que nos restava era a esperança! Creio que os longos períodos de governos autoritários , como a República Velha, ou ditatoriais como o Estado Novo e a ditadura militar , aliados à absoluta falta de formação, não permitiram que o brasileiro aprendesse a votar. Depois de Juscelino, Presidente democrático, progressista, colocaram no governo um maluco, cujo objetivo era instalar no país uma ditadura.Renunciou por razões ainda obscuras. Era o momento do golpe, não concretizado graças a Brizola e às forças progressistas. Aí começaram as estratégias para enfraquecer o vice que tomara posse, Jango. Até que uma cilada fatal, que colocava em cheque a hierarquia militar derrubou-o. Hoje conhecemos melhor o período e sabemos o papel que desempenhou cabo Anselmo, que, por incrível que pareça, andou querendo receber dinheiro por perseguição política!!!! Mesmo generais amigos de Jango o abandonaram, como Amaury Kruel, que o considerava como um filho. Foi a partir daí que mergulhamos nas trevas.Lembro-me de Jango, ao lado de Maria Teresa, linda, no célebre discurso de 13 de março na Central do Brasil. A sua figura me passava uma tragicidade, que guardo na mente e  no coração até hoje. No dia primeiro de abril, ou seja vinte e quatro dias depois, deu-se o golpe. O posto de Presidente foi considerado vago, anunciado por um tal de Ranieri Mazzini, que creio era Presidente do Congresso. Lembro-me de Jango embarcando para o exílio. Para sempre.

Jango queria fazer o que é absolutamente necessário ao país. Revoltou-me ver aquelas figuras asquerosas na sua última e devida homenagem. E uma última lembrança, esta não tão antiga: a última vez que meu pai, general, saiu à rua, por absoluta necessidade burocrática, comigo e com Teresa, cerca de uma semana antes de sua morte, passamos por um sujeito que disse a seguinte frase: “ Se os militares não tivessem impedido,nós estaríamos no comunismo.” Ao ouvi-lo, meu pai retrucou, com voz forte: “Quanta burrice!” E viva o velho Felippe, que não abandonou, até seus últimos dias, os ideais socialistas de justiça social e nunca se curvou! Sinto imenso orgulho dele!




segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Mes temps révolus

Quando me olho no espelho, vejo no meu rosto marcas inevitáveis do tempo e de minha história. Elas não me trazem tristeza, nem a angústia de saber , como diz Mário de Andrade, que tenho mais passado do que futuro e meu cesto de jabuticabas está ficando meio vazio. Além da saudade dos que se foram, cumprindo seu tempo, uma pontinha de saudosismo gostoso de uma época que desapareceu. Tempos de brincadeiras já esquecidas no passado. Naquele tempo, morava numa vila quase exclusivamente de militares. Meus amiguinhos vinham de lugares diferentes, mas tínhamos em comum a infância colorida. Nossos pais tratavam a nós, como ao resto da família, como um regimento de recrutas. Em minha casa só uma pessoa se insurgia, minha avó materna, Joana, sogra e tia de meu pai, que exigia um tratamento pelo menos de 1º. Tenente. Era a querela das patentes. Meu tio Armando, também militar, usava do mesmo rigor. E afinal, aquela disciplina nos foi benéfica. A noite, brincávamos de roda, de esconde-esconde, de chicotinho queimado, de estátua, que eu sempre perdia, pois jamais consegui parar momentaneamente  à ordem: “ estátua”. Aí emburrava e não queria mais brincar. Em compensação, era a campeã da corda, pulava com até duas e nunca deixava de levar minha amiga para o colégio. Mas, houvesse o que houvesse, às oito e meia ou nove horas, não me lembro bem, como um regimento obediente, voltávamos todos para casa.
E havia também código referente ao sexo, que devia ser mantido em segredo. Eu devia ter uns cinco ou seis anos. Ouvindo aqui e ali conversas de minha mãe, não podia compreender como minha Dindinha, que era jovem, não era “moça” e Alzira, que era velha era “moça”. Curiosa, perguntei a minha mãe o porquê e ela simplesmente me respondeu: “Porque Dindinha é casada”. Fiquei ainda mais confusa, sem conseguir estabelecer a relação entre uma coisa e outra. E falava-se também da mulher que havia se perdido. Eu a imaginava perdida numa rua escura, sozinha, com medo. E jurei que nunca me perderia. A mulher que havia se perdido era vítima de uma homem perverso que lhe fizera “mau”. Um dia vi um homem que diziam haver feito “mau”, a uma moça, e olhei-o com um misto de medo e respeito. Tudo que envolvia estas histórias excitava nossa sexualidade nascente. Não nos instruíam acerca de nada e formávamos idéias escabrosas, que nos amedrontavam e fascinavam acerca da sexualidade. E havia ainda a história da “mulher livre”, que , evidentemente, se opõe a “mulher escrava”. Muitos anos depois fui acusada de ser uma “mulher livre”, e gostei! Nunca suportaria ser escrava! E tantas outras bobagens que ouvíamos e que só serviam para alimentar nossas fantasias!

Mudou o mundo, mudei eu! Podemos ser amantes, perdidas, não existe mais o homem que nos tenha feito “mau”, não há a dicotomia moças /mulheres, somos todas mulheres, com plenos direitos sobre nossa sexualidade. Foi-se a roda, a corda, o chicotinho queimado, o esconde-esconde. Chegamos à era cibernética, meus netos ririam se eu lhes contasse todas estas histórias. Mas, afinal, perdemos ou ganhamos? Drogas rolam soltas, estupros aos montes, assaltos a todo instante! E a obesidade que atinge até crianças com colesterol alto! Exercitávamos-nos nas brincadeiras, e assim crescemos mais saudáveis. Francamente , aquele mundo reacionário não me seduz, mas , como já disse, aquela   pontinha de saudosismo nunca desaparecerá.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

As mulheres nos tempos do Feudalismo


Nestes tempos de século XXI, muitas de nós já conquistaram poder. Existem mulheres como Angela Merckel, Madame Thatcher, que, ainda tendo sido uma figura polêmica, foi uma mulher admirável, Michelle Barchelet , ex- Presidente do Chile, presa e torturada, e tantas outras. Pena que exista uma tal de Cristina Kirchner, aquela “velha, mais mentirosa do que o caolho” como disse seu “amigo”, Presidente do Uruguay. A meu ver Dilma situa-se dentre as que tiveram um destino maior do que elas, e que serão esquecidas. Como não estou entre os 110% que admiram a Presidente, prefiro continuar nosso bate-papo sobre o Feudalismo.
Meu conhecimento destes tempos deve-se aos quase cinco anos de grupo de estudos que formamos, três amigas professoras de francês e eu. Pude assim satisfazer, já quase no outono da vida, um sonho de primavera: ser arqueológa. E verdade que o período que me interessava naqueles anos que já vão longe – mas que ainda não são arqueológicos- são muito anteriores à Idade Média. Quando, aos 10 anos, fui morar na França , onde meu pai, engenheiro militar, havia ido estudar, freqüentei museus, ruínas, ouvi-o falar daqueles tempos, pois era homem de grande cultura. Apaixonei-me. Infelizmente, revezes do destino me levaram a uma carreira tão diferente. Mas para falar da mulher na Idade Média, é preciso remontar ao Império Romano, e dar uma olhada nas condições de nosso gênero. Se na Grécia antiga, a situação era ainda pior, em Roma mulheres eram consideradas objetos sobre as quais o pai tinha direito de morte. Tinha ele o direito de matar sua filha recém-nascida, e em muitas famílias somente a primogênita sobrevivia. O marido era escolhido pelo pai, ao qual deveria ser passada a tutela. A virgindade era  objeto de respeito e uma virgem jamais poderia sofrer pena de morte. Assim, antes de estrangular uma menina, filha de um certo personagem, o carrasco se vê na obrigação de violá-la.
Dois foram os fatores que contribuíram para uma mudança nestes prolegômenos do Feudalismo. As invasões Bárbaras e , sobretudo, as predicações do Evangelho. Quanto aos Bárbaros, vindos do norte da Europa, tinham em relação á mulher um comportamento bastante aberto. Em contato com a decadente civilização romana, fundiram-se costumes opostos, o que já abriu, caminho para uma maior emancipação da mulher. Mas o fator realmente preponderante foi o Cristianismo, mesmo antes de ser adotado por Constantino como religião do Estado. São Paulo havia dito: “ Não há mais grego, nem judeu, nem homem nem mulher” O que passa a valer é a pessoa. Assim, o Cristianismo operou, sem nenhuma ação violenta, mas, pelo contrário, sofrendo todo tipo de violência, a maior revolução da História da humanidade. Colocando todos, pretos, brancos, escravos, senhores, mulheres, homens, crianças, como criaturas de Deus, o Evangelho lançou todos os homens na sua real condição de seres livres, capazes de escolher seu destino. Criou-se a noção de pessoa. Não importa o que fizeram os homens depois, e o que ainda fazem, a semente estava lançada, e para sempre.
As primeiras mulheres a se distinguir foram as religiosas, que puderam, além da meditação, ilustrar-se. Ao contrário dos primeiros monastérios masculinos, onde o objetivo primeiro, e único, era a meditação. Foram as religiosas, que, votadas ao silêncio da meditação e à leitura, iniciaram o hábito da leitura puramente intelectual, ou seja, sem o auxílio da voz. Um fato importante foi a conversão da rainha burgúndia (atual Borgonha) Clotilde, no século V, mulher do rei franco Clovis, e a influência exercida sobre ele, que o levou à conversão, assim como às suas tropas e enfim à quase todo o território francês. Viúva, Clotilde, como muitas outras rainhas destes primórdios de Feudalismo, recolheu-se a um convento. Mas um acontecimento sumamente  importante colocou a mostra o valor da mulher,  a defesa de Paris, que se chamava então Lutécia, e se  resumia quase exclusivamente à uma ilha do rio Sena ( Ile de La Cité). Ameaçada pelos Hunos, que já haviam provocado a construção da Grande Muralha da China, como meio de proteção, e que haviam posto em fuga  os povos Barbaros que se espalharam por todo território da Europa Ocidental, tal sua fúria, a pequena Lutécia encontrou numa mulher de vinte e oito anos, Geneviève, uma vitoriosa que, com o auxílio dos bispos de duas outras cidades estratégicas, os venceu definitivamente na batalha de Méry-sur-Seine.  O ano é de 451, época da primeira dinastia de reis francos: os Merovíngeos.
E outras mulheres extraordinárias surgiram, como Dhuoda, mãe de família, que escreveu entre 841 e 843, o primeiro tratado de educação: “Manuel pour mon fils” . E tantas religiosas, que seria difícil enumerá-las. Citamos como exemplo Hildegarde, mulher de extraordinária cultura e autora de várias obras. E chegando já ao definitivo estabelecimento do Feudalismo, encontramos as que se fizeram notáveis, como Alienor d`Aquitaine, nascida em 1122, mulher de Luís VII, rei da França, do qual se divorciou para casar com seu grande amor Henrique II, rei da Inglaterra, da dinastia dos Plantagenetas. Eram os  Plantagenetas oriundos da região de Anjou na França. Alienor foi uma rainha atuante, que, vestida de homem, lutou contra o próprio marido e acabou presa durante vários anos. Foi mãe do célebre Ricardo Coração de Leão. Outra mulher de fulgurante personalidade foi  Adèle de Blois, filha de Guilherme o Conquistador, que, apesar de francês, chegou a ser rei da Inglaterra.  Adèle casou-se com Etienne, conde de Chartres. Quando o marido partiu para uma Cruzada, Adèle assumiu inteiramente os negócios de seu feudo, tratando de problemas econômicos e políticos. No entanto, o marido não mostra em batalha o valor que se espera de um Senhor Feudal guerreiro, empenhado em resgatar das mãos dos infiéis o Santo sepulcro. Diante do cerco a Antioquia pelos turcos otomanos, tendo que enfrentar uma batalha sangrenta, Etienne acovarda-se, foge e retorna à França. Recebido com desprezo pela mulher, resolve retornar e só é perdoado quando encontra a morte no campo de batalha.
Mas há ainda muitas mulheres notáveis daqueles tempos tão longínquos. Mas a mais notável, a mais admirada e falada mundo afora, foi uma camponesa, de dezenove anos, analfabeta, que conseguiu com sua coragem e talento, comandar homens e expulsar os ingleses. Joana D`Arc , heroína de todos os tempos
Nossa história é longa, muitas de nós rejeitamos somente o papel de filhas, esposas, mães de alguém. Mas quantas o aceitam e desejam ainda?

sábado, 6 de abril de 2013

O prazer nos tempos do Feudalismo I

Já que vamos falar de uma época considerada a escuridão da História humana, seria interessante que vissem numa das últimas “Veja” a imagem do matadouro do qual é um dos sócios o Ministro da Agricultura da Dilma. Será que com 10 anos de PT no governo  voltamos aos horrores medievais? E somente uma voz se levantou no Congresso, a do líder do PPS. Prometo que vou tentar mandar o foto,  mas infelizmente, este não é meu forte.
Idade Média, escuridão, peste, sujeira, maldade. Contam que o Rei Felipe Augusto (1165-1223) desmaiou, estando próximo a uma janela do seu palácio em Paris,  no momento em que  uma carroça que passava pela rua  remexeu a imundice, espalhando um tal fedor que  o rei não resistiu. Os porcos andavam soltos nas ruas, e os dejetos, humanos ou não, eram despejados pelas janelas. Azar de quem passasse embaixo. E um dia foi o rei Luís XIX – Saint Louis – ( 1214-1270)  que recebeu, sobre sua capa bordada a ouro, as fezes de um urinol, jogadas por um estudante. Mas como era Santo (?) perdoou o sacrílego. Aliás, Paris continuou suja até a reforma de Haussmann, em meados do século 19.
Mas do que quero falar é dos “prazeres” na Idade Média, que começa com a decadência do Império Romano, lá pelo século 5 - chamada Alta Idade Média – e termina lá pelo ano 1000. A Baixa Idade Média se estende até o século XV , com o surgimento da burguesia, do capitalismo, do primeiros passos em direção ao centralismo governamental.  Mas aqui nos interessa , sobretudo, a Alta Idade Média.
Para começar, nós, mulheres independentes, podemos dar uma olhada no que pensavam  os clérigos destes tempos. Afinal, somos descendentes de Eva, e” É pela mulher que o pecado começou e é por causa dela que todos morremos”. Como castigo Jeová – Antigo Testamento- nos deu os sofrimentos da gravidez e as dores do parto.  Tudo isso, ainda que no “Cânticos dos Cânticos” chegue-se ao erotismo: “...em teu élan, tu te assemelhas à palmeira e teus seios são os frutos....”. Já no século X, dizia um monge: “ A beleza do corpo não reside senão na pele. Com efeito, se os homens vissem o que está debaixo da pele, a vista das mulheres dar-lhes-ia náuseas...” Dentre as mulheres só se salvava Virgem Maria, que havia concebido sem pecado. Não sei do que diziam de Maria Madalena.
No Cristianismo daqueles tempos primordiais prevaleceu o desprezo do mundo, e a vida considerada somente como uma passagem para eternidade. Para atingi-la, todos os prazeres deveriam ser banidos, a começar pelo sexual. E aí começa o grande imbróglio, como alcançar aquele princípio do Antigo TestamentoCrescei e multiplica-vos “? A Idade Média encontrou , sobretudo, nos escritos de São Paulo , elementos hostis à mulher e ao casamento. Mas como procriar? Se  o coito interrompido havia sido severamente condenado pelo Antigo Testamento, o ato sexual deveria ser o menos prazeroso possível. Buscou-se a “Etreinte reservée , onde o casal une-se pelo sexo sem permitir o prazer, sendo o órgão retirado logo que ele se  anuncia. Para a procriação, recomendava-se que ,enquanto  praticava o ato sexual, a  mulher orasse e recitasse para seu parceiro textos sagrados. Além do mais, havia os dias proibidos para o sexo, e eram tantos que, afinal, pouco sobrava para este ato. O sexo conjugal só tornou-se aceitável através de São Tomas de Aquino, pelas leituras aristotélicas.
E quanto aos demais prazeres? Nenhuma mulher devia esconder sua imperfeições, nem a passagem do tempo. A beleza seria um caminho do pecado  e a juventude logo se transformava em decrepitude. Toda vaidade era ofensiva a Deus. Jovens se encarceravam e passavam a vida orando e alimentando-se de menos do que o estritamente necessário. A tal ponto que o simples odor de um alimento levava-as ao desmaio. São Estevão, de família de posses, renuncia a todo prazer e leva ao extremo seu suplício. Todos os prazeres são banidos, seu pão embebido em lágrimas pelos pecados do mundo substitui os alimentos , usa cilício sobre a pele todo o tempo, no inverno mergulha em um lago gelado e ali permanece até que o frio o tenha penetrado totalmente. E ainda conta-se que São Luís de França, derramava água sobre os pratos que mais apreciava para não haver prazer na mesa.
Bem, mas afinal, não foi só de desprezo ao mundo que se fez a Idade Média. Houve mulheres como Alienor d`Aquitaine, mãe do célébre Ricardo Coração de Leão, Branca de Castela, sua neta e muitas outras de que falarei proximamente. É verdade que houve sempre mulheres que lutaram pela contra a soberania masculina, que brigaram pela sua liberdade. Creio que esta luta começou com nossas antepassadas, ainda nas cavernas, é muito antiga, e muitas de nós já conseguiram. Considero-me uma dessas. Também tive dificuldades, e muita luta. Mas não me deixei curvar. Infelizmente, a mentalidade de muitos homens continua tacanha, como daquele meu ex-namorado, que me encontrando na rua, e ficando sabendo de minha separação e de que toda minha família havia morrido, perguntou: “Mas como é possível? Você vive sozinha? Pelo menos freqüenta baladas? “ Tive vontade de perguntar-lhe: "E você, freqüenta? Somos contemporâneos, olhe-se e veja se dá para baladas.  Mas afinal, há também aqueles que evoluíram. E olhe há quanto tempo estamos lutando. E ainda há tanto a fazer.

quinta-feira, 21 de março de 2013

Morreu o Coronel

Herança sombria”, “ A maldição da múmia” , “A morte do caudilho”, etc, etc. Tudo é verdade. Saiu nas revistas, em manchetes garrafais. Tudo que havia para se conhecer do coronel com suas idéias bolivarianas já foi lido, analisado, revisado pelos especialistas. A mim não cabe dizer mais quase nada. Mas, convenhamos, o que há de novo em  morrer?  Morreremos todos, como disse Caetano “...de susto, de bala ou vício”. Morre-se de qualquer coisa. Conheci uma mulher que morreu falando ao telefone, um homem que morreu dançando ( que bonita morte!) Chavez  morreu de câncer como milhões de pessoas cada dia no mundo inteiro. Minha irmã morreu de câncer, minha avó paterna, amigos, amigas. Para mim, com a morte do coronel o mundo não ficou pior, ao contrário, acho que ficou um pouquinho melhor. Para seus afilhados , Carreras, Kichner, Morales, Mujica, Ortega e, principalmente, a gerontocracia cubana formada pelos irmãos Castro, esta morte tem significado especial. Para os Castros representa uma dúvida cruel, já que privados do dinheiro soviético, se abasteceram do petróleo venezuelano. E não podem contar com os outros, pobres coitados. Lula, um grande amigo, anda se debatendo com uma incipiente, mas visível, inflação. E ainda tem outros problemas internos, como a reeleição de sua pupila.
O Coronel foi tratar-se em Cuba, com aparelhos totalmente obsoletos, alguns apelidados de “Frankstein” pois são contituídos de peças descartadas por países desenvolvidos. Não veio ao Brasil, apesar do convite do governo, para que não fosse divulgado seu verdadeiro estado de saúde. Não sinto sua morte, e acho lamentável transformá-lo em múmia, no mais descarado culto à personalidade. Está, aliás, em boa companhia: Mao, Lenin e um tal de Titov, que após a guerra, implantou o  comunismo na Bulgária. Francamente, não sei se Stalin também está mumificado. Conheci a história de Titov quando, em um curso na França, fiz amizade com Svetla, uma bela búlgara loira  de olhos azuis. Foi então que pude avaliar o que deveria ser o regime comunista. Porque sou da geração que amou Guevara, Fidel, e até aqueles gordos feiosos que governaram a União Soviética depois de Stalin. Lembro-me de detalhes do comportamento de Svetla e sinto pavor em ver um José Dirceu (ainda que seu comunismo tenha muito do capitalismo, já que está muito rico) , e muitos outros que sonham com um Brasil que chamam de “socialista”. Svetla tinha medo de todo mundo, todos podiam ser alcagüetes do regime. Gostou de ouvir uma fita de Gal Costa, e quando quis dar-lhe de presente recusou apavorada. Contei o fato a Guy, um professor de francês que morava na Bulgária, e lembro-me de como ele riu. Disse-me que se a pegassem no aeroporto com uma fita com musicas cantadas numa língua totalmente desconhecida, iriam certamente supor que se tratava de alguma mensagem secreta e subversiva. Instruiu-me também para que não lhe mandasse nada em língua portuguesa, pois teria os mesmos problemas e poderia acabar presa. Aí foi minha vez de ficar assustada. Minha colega convidou-me a ir a Sofia, dizendo-me que conheceria a múmia de Titov !!!! Sua pobreza era tão extrema que notei que em todas as refeições jogava dentro da sacola pedaços de pão. Um dia não me contive e perguntei-lhe porque fazia isto, ao que respondeu: “E que devo esperar no aeroporto em Paris durante bastante tempo e assim como o pão e tomo água”. Pobre Svetla de quem fora confiscado o apartamento da família, que tinha medo e nenhuma esperança.
Acho que temos motivos para temer. Ao ver a população desesperada com a morte do coronel, e mesmo em ocasiões anteriores, achei-os muito parecidos com os lulistas que ovacionam o chefe. Lideres carismáticos, uma oposição fraca , e um povo pouco esclarecido – os esclarecidos ou acham que é bacana ser da esquerda radical , ou querem o regime totalitário ou são simplesmente vigaristas em busca de dinheiro fácil, o que é o mais comum -  são os ingredientes ideais para a instalação de regimes autoritários ou totalitários. Da mesma forma que na minha juventude odiei as ditaduras de direita que se espalhavam pela America Latina, temo sinceramente o que pode acontecer num futuro não distante. Nossos países não têm tradição democrática. O que vivemos agora no Brasil não foi conquista de guerrilheiros, mas a vitória  de uma parcela mais esclarecida do povo diante de um regime apodrecido.
E prestem atenção, se contarmos quantos anos tivemos de democracia fica muito pouco. O Antigo Regime, após o Império, não tinha nada de democrático, com o voto aberto, perseguições, eleições marcadas, impedimento das mulheres ao voto. A Revolução de 30, que prometia democracia, acabou por implantar o Estado Novo, ditadura getulista, em que morreram muitos opositores. Após a queda de Getúlio e um precioso período de cerca  de 19 anos de democracia, migramos para uma nova ditadura, comandada pelos militares. Ou seja, foram 20 anos de democracia. Hoje já contamos mais 28 anos de liberdade, mas será que não a estamos pondo em risco ?
Meus heróis não morreram de overdose, morreram quando descobri a verdade.