QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



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quarta-feira, 14 de maio de 2008

Meu amigo Kiko.

Kiko se foi, que pena! Não posso pensar nele sem tristeza, sem me lembrar de sua patinha esquerda - acho que era canhoto - estendida para mim, cumprimentando-me alegremente. Kiko me reconhecia, saltava à minha volta, feliz, sabia o quanto eu havia feito para salvá-lo da maldade dos outros e me agradecia. Depois daqueles anos de rua, onde possivelmente sofrera o que sofre todo pobre cachorro de rua, Kiko foi amado. Meu amiguinho se foi, e imagino que deva estar ao lado São Francisco, estendendo a patinha esquerda para todos, Santos e animaizinhos que cheguem perto de seu grande amigo.
Foi há alguns anos. Teresa, minha irmã, e eu o encontramos numa noite fria. Cachorro de porte médio, pelo cor de mel, meio escasso. Deitava-se de forma estranha como se quisesse cobrir uma parte do corpo que lhe fazia mal. Cuidadosamente, para que não se assustasse, acariciamos sua cabeça, e seu olhar carinhoso nos impressionou. Mas percebemos um pedido de socorro, que só aqueles que amam os animais conseguem ver. Aos poucos, fizemos com que se virasse um pouco e constatamos, horrorizadas, que a parte direita de seu corpo estava coberta por uma só chaga, uma bicheira havia tomado conta de forma assustadora. Não podíamos voltar para casa, sem fazer nada. Com a ajuda do celular, localizamos um amigo que o levou para uma clínica, a única que o aceitou já naquela hora tardia. E naquelas condições! Kiko passou várias semanas em tratamento, teve que sofrer uma pequena cirurgia. Quando saiu, estava completamente restabelecido. Lindo, feliz! Foi adotado por uma família, que lhe deu o nome de Kiko. Gente simples, mas com imensa grandeza de alma, coisa que não se encontra facilmente.
E Kiko foi levando aquela vidinha de cachorrinho feliz. Seu maior amigo era Michael, filho menor da família. Mas também era amigo de todos os outros meninos da rua, com quem brincava. Conhecido por crianças e adultos. A todos estendia a patinha, seu sinal de amizade. Era como se dissesse: “Olá, amigos, como estão? Eu me sinto na melhor das formas”.Às vezes fugia, ia para casa de vizinhos, ou dava passeios mais longos. Mas logo voltava para a família que, afinal, era a sua.
Kiko morreu, como morrem todos os seres vivos. A família humilde tentou salvá-lo. Telefonaram-me logo que deu sinal de estar doente. Afinal eu era madrinha e sempre me encarregara de cuidar da saúde de meu afilhado. Mas meu telefone nunca respondeu, caindo sempre na secretária eletrônica. Pensaram que eu viajara. Em casa, misteriosamente mudo durante quinze dias, sem que conseguíssemos qualquer explicação. Desta vez não foi o destino (ou quem sabe nossas escolhas), que marca nossa partida, que deu fim à vidinha de Kiko. Foi uma tal de OI, aquela que deu milhões a Lulinha, aquela que pertence à família do Presidente do PSDB, o mais importante partido de oposição. Aquela cujo Presidente, irmão do Presidente do partido da oposição, foi um dos maiores financiadores da campanha de Lula. Afinal, quem sou eu para reclamar? Uma simples cidadã servida por uma servidora, que pela importância de seus chefes e apaniguados tem crescido desmesuradamente e que, para facilitar as coisas, até provocou mudanças na legislação.
Kiko é a primeira vítima de que tenho notícias de toda esta sem-vergonhice. A família, desolada, ainda não se acostumou com sua ausência. Seu “enterro” foi acompanhado por todos seus amiguinhos que deixavam as lágrimas correrem livremente. Como eu própria no dia em que soube que nunca mais ele me estenderia a patinha, nem saltaria à minha volta, naquele gesto de “Obrigado!”.

Adeus, Kiko! Quem sabe a gente se encontre algum dia lá do outro lado?

terça-feira, 6 de maio de 2008

“O mundo como vontade e representação”

Mãe coruja olha o gavião e implora-lhe: “Por favor, não devore meus filhinhos!” “Mas então, dona Coruja, como vou identifica-los? Minha natureza é de devorar presas fracas!” Ao que responde a mãe: “São lindos! Tenho certeza de que vai reconhece-los e encantar-se” E o gavião, no seu vôo à procura de presa, encontra um ninho, onde se acotovelam bichinhos horrendos: “Estes não podem ser os filhos de Dona Coruja!”. Ao voltar, a mãe desespera-se encontrando o ninho vazio. Procura, inconsolável, o gavião, chora, lamenta-se: “Como foi capaz de fazer isto?” E o gavião defende-se: “Mas dona Coruja, a senhora havia me dito que eram lindos!”.
“O mundo como vontade e representação” é uma grande obra de Arthur Schopenhauer, filósofo alemão (1788-1860). Foi publicada em 1818, e consta de quatro volumes. Confesso que não li, mas pretendo faze-lo logo que outras tarefas forem cumpridas. Interessei-me desde o título, e minha curiosidade ficou maior ainda ao saber da primeira frase com que Schopenhauer inicia sua obra filosófica: “O mundo é minha representação”.
Dona Coruja, se houvesse sido um pouquinho mais objetiva, teria salvado as vidas dos filhotes. Dizia um velho amigo, ateu, que somente um Ser seria totalmente objetivo, e este Ser seria Deus. E completava: “Como Deus não existe, a ninguém esta REALIDADE é accessível”.Para entendermos o mundo que nos cerca, o organizamos, estabelecemos valores, que são quase sempre culturais. Mas também partimos de nossa própria experiência. Resolvi falar deste princípio básico universal que rege nossas vidas, lembrando-me de uma história a que assisti há muito tempo. Um amigo muito lindo havia, segundo me contaram, encontrado uma noiva igualmente linda, modelo fotográfico, de carreira bem sucedida. Acreditei, não havia porque duvidar. Enfim, algum tempo depois, acabei conhecendo a garota. E fiz uma constatação: aqueles que a julgaram linda, modelo fotográfico, com uma bela carreira, simplesmente não a viram, mas sim “a namorada do rapaz lindão”, conseqüentemente, ela também lindona. Aos poucos a história foi sendo desmontada, até que do início não havia sobrado quase nada.
A cada momento, estamos criando sobre o mundo que nos cerca, pessoas ou objetos, alguma representação, uma imagem que obedeça a nossos valores culturais ou pessoais, às nossas expectativas, ou vontade. E ainda, estamos, permanentemente, criando alguma representação de nós mesmos. Há momentos em que somos poderosos, corajosos, transgressores, ou obedientes. Há momentos em que montamos uma imagem de vítimas. E, afinal, quem somos de fato? Os que têm poder usam estas múltiplas representações para manipular. Quando Francisco Weffort compara Lula à “metamorfose ambulante”, está expondo uma estratégia de que afinal todos nos servimos. O que choca no Presidente é que esta estratégia não obedece a nenhum princípio ético ou estético. O homem é um dia protetor do MST, e no dia seguinte abraça Blairo Maggi, Governador do Mato Grosso e maior produtor de soja do mundo, já apelidado de “Estuprador da Floresta” Ao lado do “estuprador”, Lula fala mal do Conselho Missionário Indigenista, da Pastoral da Terra, até ontem seus aliados. E é claro dos ecologistas. Um dia acha normal a “bolsa ditadura” e no outro elogia Médici. Durante anos, Lula foi o operário honesto, libertário, corajoso. Acreditamos nessa representação, não tínhamos porque duvidar. E como na história da noiva de meu amigo, descobrimos uma outra “realidade”. Mas afinal, quem é o verdadeiro Lula, ou a verdadeira noiva? Não sabemos. O que sabemos, seguramente, é que aquilo em que acreditávamos era uma imagem montada por eles, ou por outros. Quem sabe, no caso de Lula, por nós mesmos, ávidos por respirar liberdade? Se não temos acesso à realidade substancial que nos cerca, o que nos resta é optar pelo consenso, referente à parte mais esclarecida de nosso universo cultural. Hoje sabemos, que pena, que Lula não é o operário libertário em que acreditávamos, apesar de sua popularidade. E nem a noiva do bonitão é tão lindona e bem sucedida.