QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



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sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

AFRODITE, NEFRITE, NEFERTITE.

Eu era ainda bem pequena, quando meu irmão, Sérgio, desde cedo intelectualizado, leu-me “A história do mundo para crianças” de Monteiro Lobato, assim com toda a série dos “Doze trabalhos de Hércules” do mesmo autor. E também muito mais coisas, livros de títulos já esquecidos, mas cujo conteúdo permanece na minha mente. Devo a estas sessões de leitura, como ouvinte atenta, e também às nossas conversas, importante parte de minha formação intelectual. Deliciavam-me as histórias da mitologia grega, com deuses tão humanos, assim como as aventuras dos heróis e os monstros. E também toda a riqueza da civilização helenística, que eu nem entendia muito bem, e que ele, pacientemente, procurava explicar-me. E ainda a história do antigo Egito com seus faraós, rainhas, múmias. Enfim um mundo fascinante, cujas portas me foram abertas por meu saudoso irmão.
Mas alguns anos depois, um choque! Ouvindo conversas, soube que uma amiga da família tinha Nefrite! Estarrecedor! Uma doença com nome de deusa grega, ou seria de rainha do Egito? Porque, agora, confusa, já não conseguia identificar uma e outra. Personalizei o mal que acometia a amiga, dei-lhe cara de mulher, igual as que via nos livros. E teria feito qualquer coisa para ver a doente, saber como estava, como se parecia. Até que recorri a meu irmão, que, depois de rir, explicou-me tudo. E hoje, tantos anos depois, nefrite ainda tem para mim cara de mulher, nobre, linda, deusa ou rainha.
E também há a história de Augusto da Paz, ou melhor, Doutor Augusto da Paz, aquele vetusto senhor, de grandes bigodes, jaquetão, e cabelo partido no meio! Descobri quem ele era, um certo dia, quando ainda era criança, assistindo a uma entrevista com Doutor Campos da Paz (naquele tempo as crianças assistiam a entrevistas com médicos!!!!!). Veio-me então à mente uma informação simples: este deve ser parente do Augusto da Paz, quem sabe, neto ou bisneto. Porque eu sabia que, tendo em conta o seu visual, parecido com o de meu bisavô, o Doutor Augusto era antigo. Somente anos mais tarde descobri a letra do Hino à bandeira (“Salve símbolo augusto da paz...”) e, conseqüentemente, a verdadeira identidade do augusto. Mas para mim, e para sempre, este hino trará a imagem indelével do Doutor, de bigodão, jaquetão e cabelo partido no meio.
E em meio a tantas lembranças antigas, não é possível desconhecer aquela do Hino à Independência, que nos faziam cantar na Semana da Pátria:
“Os grilhões que nos forjaram
De perfídia astuto ardil,
Houve mão mais poderosa,
Zombou deles o Brasil.
Houve mão mais poderosa
Zombou deles o Brasil.
Não temeis ímpias falanges,
Que apresentam face hostil
Nossos peitos nossos, braços,
São muralhas do Brasil.
Nossos peitos, nossos braços
São muralhas do Brasil”.
E vejam que de tanto “cantar” o hino, tantos anos depois, ainda o guardo intacto na memória.
Mas alguém se habilita a decifrar?
De quem, afinal, o Brasil zombou?
E quem seriam as “ímpias falanges, que apresentam face hostil”?
Tenho algumas idéias a respeito, e disto falaremos mais tarde.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Detalhes

Tudo passou tão depressa! E com esta celeridade o tempo nos dá a sensação, sobretudo para nós, maiores de 50 anos, de que escorre através de nossos dedos, como água, e que, infelizmente, jamais será possível diminuir sua marcha. Mas, ainda que o tempo nos pareça água que se vai sem que possamos impedir, há ainda muita coisa a fazer. Ainda que tenhamos mais de 50. É novamente o começo, em que estamos tentando acertar, jogando fora o que não prestou nestes anos que já vivemos. E é preciso a coragem de dizer NÃO ao que já foi e que embolorou, morreu de velho, e ao qual muitas vezes permanecemos fiéis, até sem perceber.
Percorrendo o tempo, mudei. Não sei fiquei melhor, ou pior. Mas mudei. Não tenho saudades do passado, do já vivido, embora haja por lá muita coisa boa. Lembro-me dele com carinho, mas, quase sempre, ando por lugares já percorridos sem compreender o que havia ali de atraente. Afinal, fui eu que mudei, ou o lugar, ou as coisas, ou pessoas? Na verdade, fomos nós, foi tudo. Pequenos detalhes foram se acumulando em minha vida, trazendo pequenas mudanças, levando-me a perceber, pouco a pouco, o que não havia percebido antes, a amar o que não me seduzia, ou até me aborrecia. Pior ainda, até o que chegava a odiar. E também a desprezar o que me parecia tão bom. A abandonar velhas crenças. Estes detalhes, pequenos, que pareciam insignificantes, acumulados, transformaram-me ao longo dos anos. Nunca houve uma mudança conclusiva, que trouxesse em si uma carga de repúdio ou aceitação radical.
Amores, amigos, projetos, revejo-os com olhos de uma mulher madura, que já viveu muito, amou, sofreu, chorou, riu de felicidade, rejeitou. E também que foi amada e rejeitada. É a vida. Guardo fotografias de meus afetos que se foram, e também daqueles que já foram meus afetos e perderam-se pelas estradas, que nem sequer sei se ainda vivem. Tudo mudou no percorrer do caminho, sem que eu percebesse, gostos, modas, hábitos, amigos, amores, desafetos, crenças, projetos. Sinto-me como a fênix que se extingue no fogo e renasce das próprias cinzas.
Vivi intensamente meu tempo, acreditei nele, fui totalmente honesta. Hoje tantos anos após aqueles de minha juventude, sinto renovada, pronta a começar mais uma caminhada. Meus acompanhantes não são os mesmos daqueles tempos, minha família de então já partiu, mas não estou só. A caminhada continua e estou certa de que pequenos detalhes irão, cada dia, acrescentar, ou anular, alguma coisa em mim, e estarei em constante mudança. Até o dia em que, completada a travessia, eu possa dizer como o poeta: “Confesso que vivi!”

sábado, 15 de dezembro de 2007

De volta ao cotidiano

Aleluia!
Tilinha já voltou a dar seus passeios diários. Está feliz!
E eu também.
Agora já posso novamente olhar vitrines, entrar nas lojas, conversar sem temor – nego-me a explicar minhas desventuras passadas – comprar enfeites para o Natal, freqüentar minha academia, preocupar-me em estar elegante, voltar ao restaurante. E ainda falar mal do Lula, do Chavez, e outros. Recobrei minha preciosissíma independência e transito sozinha por onde quero. Minha casa está decorada para a grande festa, linda! Nada mais de compressas geladas, tornozeleiras fedorentas, antiinflamatórios, espera por alguém que me leve e traga. Posso tomar meu vinho nos fins-de-semana, e minha pinga dominical. Retornei à vida. Eu, Ricardo, Tilinha, Boris, o gato, meu pé esquerdo, e também o direito, que mostrou o quanto é imprescindível e solidário, e com o qual fui injusta. É verdade que sinto um pouquinho de saudades de meus amigos, conquistados nas sessões de fisioterapia. Discorríamos sobre torsões, ligamentos, tendões, fraturas, cirurgias, etc. Conversa pra lá de excitante. Mas devo dizer que, inegavelmente, aqueles longos dias de tédio foram melhor suportados com a convivência dos que sofriam parecido comigo. Meu pé esquerdo ainda dá sinais de que não está totalmente recuperado, mas sei que vai passar. Tenho confiança nele. Sinto-me imensamente agradecida a todos, médico, fisioterapeuta, companheiros de caminhada, ou “não-caminhada”, mas nego-me terminantemente a sequer pensar em novas sessões.
Minha semana de memoráveis alegrias começou quando o fisioterapeuta me deu alta, prolongou-se com a derrota de Chavez, e foi fechada com chave de ouro ao receber de presente uma fantástica cama “queen size”. Em relação à derrota de Chavez, devo dizer que, se meu pé esquerdo ainda estivesse doente, eu já me sentiria restabelecida só com esta maravilhosa notícia. Continuo afirmando que Chavez é um atentado a tudo que há de decente. É o governante mais desclassificado de que tenho lembrança. E olha que eu já vivi muito e sempre me interessei por política. Acho que afinal quem tem razão é aquele pastor americano que ofereceu dinheiro a quem o matasse. Como não me importo com o “politicamente correto”, vou continuar do lado do pastor. Em relação à cama, tivemos um sério temor. Quem sabe Tilinha, impedida de alcançar a altura da cama, não iria reclamar? Ouvi-la chorar a noite toda seria um tormento que não suportaríamos, mas a bichinha, ela também trazida de volta aos prazeres cotidianos, dormiu tranqüila. E desde então tem sido assim. Ou seja, tudo voltou ao normal, e até está melhor do que antes.
E assim são as coisas, afinal meu pé esquerdo me deu uma bela lição. Com ele aprendi a ter paciência, a suportar o incômodo, a conformar-me com as limitações. Até a tirar prazer do ruim. Vi incontáveis filmes, enquanto colocava incontáveis compressas de gelo e olhava incontáveis vezes o relógio esperando os vinte minutos recomendados. Mas consegui vencer tudo isso sem perder o bom humor, rir das brincadeiras de Ricardo acerca de minhas pretensões atléticas, e esperar a hora certa de recomeçar. Como dizia minha mãe, mesmo no ruim a gente pode achar um lado bom e aprender.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Morte na aurora

ARACY E MARIA

Tudo na vida tem princípio, meio e fim, inclusive ela própria. Disso todos sabemos. Mas há algumas que, de tão curtas que são, parecem ter suprimido o “meio”. São vidas nem ainda começadas e já terminadas. Lembro-me de “A peste” de Camus, onde o absurdo da vida e da morte é mostrado de forma tão dramática, sendo as mortes de jovens e crianças as mais absurdas das absurdas, ocorridas aos montes.
Minha tia Aracy morreu jovem, muito jovem. Tinha quinze ou dezesseis anos. Naqueles longínquos anos 20, quando tanta patologia ainda não havia sido diagnosticada, dizia-se que tinha temperamento difícil. Na realidade, pela descrição que dela fazia minha mãe, sua irmã, Aracy sofria de distúrbio bipolar, alternando momentos de euforia à extrema depressão. Numa de suas crises, suicidou-se. Já havia tentado antes. A família ocultou o suicídio, evitando que seu corpo fosse impedido, pela Igreja Católica, de ser enterrado em “campo santo”.
Também minha tia Maria, irmã de meu pai, morreu na aurora, ainda mais jovem do que Aracy. Tinha 12 anos. Foi vítima da peste bubônica. O ano era 1922. Supõe-se que um navio, atracado no porto do Guaíba, tenha trazido os primeiros ratos infectados. Logo as pulgas se espalharam pela cidade, onde não se cogitava de higiene publica. Governado por Borges de Medeiros, o Rio Grande do Sul era um Estado atrasado, à mercê de uma equipe de ignorantes que se dizia Positivistas. Maria morreu e logo foi seguida por sua melhor amiga, criança como ela. E tantos outros morreram!Velhos, jovens, crianças. Minha mãe contava-me o que foram aqueles tempos de medo, em que perdeu alguns de seus melhores amigos.
Tenho sobre minha mesa de trabalho, uma bela foto de Aracy. Tem a cabeça ligeiramente inclinada, com uma coroa de flores. Uma blusa drapeada deixa a mostra parte do colo e ombros. É linda, mas o que impressiona é o olhar, cheio de melancolia. Linda, mas muito triste. A foto foi tomada pouco antes de sua morte. Aracy é uma companheira que não conheci, mas que sempre esteve presente em minha vida. De Maria só tenho uma foto ainda neném. Sorridente, alegre, como diziam ser os que a conheceram. Deixou em todos a saudade de seu riso, de suas brincadeiras e traquinagens.
Aracy e Maria são para mim as mais claras representações do que há de absurdo, de incompreensível, na vida, e na morte. Aracy e Maria mal haviam começado e já partiram. Viveram o que vive uma rosa. Mas deixaram por aqui o perfume de sua presença. É assim que eu, mais de oitenta anos depois, falo delas e procuro transmitir a emoção que sempre despertaram em mim.

sábado, 1 de dezembro de 2007

Meu pé esquerdo

Há um filme com este título. Vi-o há anos, mas lembro-me de que conta a história de um rapaz tetraplégico que descobre, não me lembro como, que poderia vencer sua terrível limitação se aprendesse a utilizar seu pé esquerdo. Assim, ele impõe-se à família que o desprezava, consegue viver vida quase normal, e ainda conquista o amor de uma mulher.
Eu também tenho vivido minha história com meu pé esquerdo. Minha dependência não tem origem em grandes limitações, mas me fez compreender a sua importância em minha vida. Conclui que, sem meu pé esquerdo, meu pé direito é quase um zero, não à direita, mas à esquerda. Sem ele, ou com ele lesado, foram cortados - pequenos e grandes - prazeres. Nunca mais pude ir à academia, às compras, ao restaurante – meu pé pendente dói e pesa. Nem mesmo pude dar meu habitual passeio pelo bairro com minha cadelinha, admirando as vitrines de Natal. Tentei, algumas vezes, dar uma voltinha por perto de casa, mas desisti após a centésima explicação da causa de meu deplorável estado – a gente encontra montes de conhecidos e também de esquecidos (o que foi mesmo que aconteceu?). Isto sem falar na constante ameaça dos pares de pés alheios. Passei novembro colocando bolsas de gelo, fazendo fisioterapia, tomando antiinflamatórios. Estourei o estômago e tive que abdicar de meu vinho nos fins de semana. E também de minha pinga dominical. Parei de ler, de escrever, esqueci o Lula, o Chavez, desinspirei.

Fiquei impossibilitada de percorrer distância maior do que a da esquina de minha casa. Tornei-me dependente, logo eu que toda vida lutei pela minha independência. Fiquei muitas vezes esperando que Sicrano ou Beltrano me levasse à fisioterapia, meu único “passeio” durante o mês. Voltei à infância. Tive que usar, e ainda uso, tornozeleira e tênis, único calçado que suporto, e, nos dias quentes, quando coloco saia, faço um conjunto horroroso. Mas já decidi abandonar, pelo menos temporariamente, qualquer aspiração à elegância.
Na quinta-feira, tive alta. Disse-me o médico, e também o fisioterapeuta, que se a dor não passar, terei de voltar a fazer nova série. Estou de olho nele, no meu pé esquerdo. À noite acordo e acho que a dor está aumentando. Pela manhã, renasce a esperança de que tudo esteja terminado. Afinal, ele não pode fazer isto comigo! Por causa dele, abdiquei de meus melhores possíveis momentos deste lindo mês de novembro. Logo eu, que adoro os preparativos de Natal, a decoração da casa, a festa, os amigos! Mas alguma coisa, lá dentro de mim, talvez meus ligamentos estourados, me diz que tudo já está sarado. E então, logo que volte à minha vida normal, quero falar da alegria de retomar estas simples atividades do dia-a-dia, aquelas que nos permitem gozar de pequenos prazeres indispensáveis.