QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



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quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Para Teresa

Hoje, início de primavera, faz cinco anos que minha irmã morreu. E ainda sinto um desejo infinito de contar-lhe minhas dúvidas, ouvir sua voz calma, ver seu sorriso. Minha confidente, minha melhor amiga se foi. Tanta coisa vivemos juntas! Recebi o telefonema às seis e meia da manhã, e ouvi de minha sobrinha Antônia a terrível notícia. Na véspera, em uma ambulância, eu a havia acompanhado ao hospital, onde ela ficaria na UTI até que conseguisse (?) vencer a infecção que se alastrara por seu corpo desprovido defesas, devido à quimioterapia. Beijei-a pela última vez, ainda na esperança de que não fosse um adeus definitivo. Três anos e meio haviam decorrido desde aquela tarde em que, após uma cirurgia de sete horas, os médicos entraram no quarto, balançaram a cabeça, e cortaram minha esperança. Mas, durante três anos e meio, vivemos da melhor forma o que eu sabia que ainda restava. Tinha esperança. É ela que salva a gente. Mas meu coração ficava apertado quando a via fazer planos para dali a meses. Teresa estava certa de que havia vencido a doença. Então, a partir do momento em que se constatou a reincidência, as coisas se precipitaram. Um mês, nada mais. Sei que foi melhor assim, e cada dia agradeço a Deus.


Sou uma sobrevivente. Perdi meu pai de uma terrível cardiopatia. E Deus me deu forças para cuidá-lo. Perdi minha mãe, vítima de profunda depressão depois da partida de seu grande amor. Seis anos de sofrimento, confinada a uma cama, decidida a morrer, sem que a morte chegasse. E, mais uma vez, Deus me deu forças para acompanhá-la até o momento derradeiro. Chorei sua partida, mas consolei-me, pois sabia que era sua libertação, aquela que tanto esperava. Cuidei de meu irmão, com problemas psíquicos, e acompanhei-o até o dia de sua morte, um ano e meio depois de minha mãe. Grande dor, uma vida, uma inteligência superior, desperdiçadas. Olho suas fotos de criança, lindo, sorridente. Ninguém jamais imaginaria o que estava por acontecer na adolescência.

Aí, ficamos Teresa e eu, remanescentes. Até aquele dia de início de primavera, quando beijei seu rosto gelado, sentindo meu peito estraçalhado de dor. Foi então que me tornei uma sobrevivente. Mas sei que sou guerreira, que não nasci para me deixar vencer. E continuo amando a vida. Só não tenho mais com quem dividir minhas lembranças, tirar alguma dúvida sobre o passado.

Há quinze dias, Ricardo e eu nos separamos, após vinte e um anos de união. Fizemos aquilo que muita gente não tem coragem de fazer: recomeçar sobre novas bases. Como dizia Vinícius “O amor é eterno enquanto dure.”. Vivemos momentos de intensa felicidade, tivemos nossos arrufos, mas nossa vida foi muito boa. E antes que o amor que acabou se transformasse em hostilidade, dissemos adeus. Mas não me sinto só. Olho meu passado e me sinto orgulhosa de tudo que tive a coragem de enfrentar e fazer. Continuo minha ginástica diária, cuido-me, gosto de mim e por gostar de mim posso viver sozinha e feliz.

E viva a vida porque ela é um dom maravilhoso que Deus nos deu, e eu sei que jamais estarei solitária, porque o terei sempre ao meu lado.

sábado, 18 de setembro de 2010

“HUIS CLOS” no abismo

No rosto do mineiro estampado na capa da “Veja”, há um olhar vazio, como se olhasse para o nada. E olha. Olha para paredes úmidas, frias, escuras. Falta-lhe esperança? Não se pode dizer. Há um vazio que domina toda a foto. Mas o que espera ele, enterrado vivo, com um socorro incerto, a centenas de metros de profundidade? Ele e mais trinta e dois homens, isolados do mundo. Falta-lhes a claridade do sol, seu calor.  Falta-lhes oxigênio, o mínimo de conforto, mas, acima de tudo, falta-lhes liberdade. Este tesouro que nos permite determinar nosso destino, que nos faz humanos. Quanto desejo deve haver de dizer a uma mulher amada “Eu te amo”, de acariciar um filho, de abraçar o pai, mãe, um amigo, de lutar por um projeto. De pedir perdão.  
Ao ver aquele rosto, solitário, com mais trinta e dois, lembrei-me da peça de Jean-Paul Sartre, “Huis Clos”. Li-a várias vezes, mas na generosidade de emprestar livros, o perdi. No entanto, até hoje ainda está gravada na minha memória. Numa sala, são confinadas três pessoas, três mortos que acabam de chegar ao inferno: Inès, Estelle e Garcin. Neste inferno não há espelhos, nem janelas, a luz nunca se apaga.  Uma porta se abre e fecha à sucessiva entrada de cada morto. Até que se fecha definitivamente e eles se vêem confrontados uns com os outros. Não há fogo, nem tridente, nem diabo. Cada um deles finge não saber por que está lá, até que não resistem e contam a verdade. Inès é uma lésbica, que ajudou a matar o marido de uma prima, e matou-se em seguida levando ao suicídio a amante. Garcin é desertor, e foi fuzilado. Durante anos torturou a mulher com suas amantes. Inés matou o próprio filho, produto de um amor proibido. Não me lembro bem, mas acho que levou o amante ao suicídio. Olham-se o tempo todo já que não podem fechar os olhos, e acabam odiando-se. Estelle, vaidosa, quer se olhar em algum espelho, mas só lhe resta o espelho dos olhos de Inès, e ao olhá-la, sente sua culpa estampada nos olhos da outra. “O inferno são os outros”. Sartre fazia questão de assinalar que sua frase não significa que as relações humanas são tão dolorosas, mas que situações limite levam a este inferno. Mortos, nada podem mudar. Como os mineiros do abismo.
 Estelle, Inès, Garcin, precederam décadas aqueles mortos-vivos. Mas quantas vezes, vivos, não experimentamos situações, solitários com quem nos acompanha, engessados, abrindo mão de nossa liberdade?
O que será desses pobres homens, confinados a uma estreita sala, olhando-se uns aos outros, infinitamente, na semi-escuridão que os cerca? Já não se fala neles, os esquecemos como esquecemos tantas outras tragédias. Até um dia em que verão novamente a luz do sol, ou sucumbirão seja por razões físicas ou porque o inferno dos outros se tornou grande demais