QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



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quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Glamour e Sedução

Há alguns dias, um amigo e eu, tomando uma cervejinha neste verão antecipado, começamos a conversar sobre aquelas mulheres que, em tempos idos, fizeram sonhar homens e também mulheres, que gostariam de ter sua beleza, fama, fortuna, milhões de admiradores a seus pés. Aquelas que podiam ter amantes, casar muitas vezes, sempre com homens famosos, passear em cadilacs imensos como transatlânticos. Mulheres que viveram numa época de intenso glamour, que apareciam nas telas com peignoirs de seda, viviam em ambientes de luxo. Parece que foi Jean Harlow, que deu início a esta sedução dourada. Morreu aos 26 anos, em 1937, segundo se diz em decorrência da recusa de sua mãe, ou sua, em permitir uma cirurgia necessária, já que pertencia a uma crença religiosa denominada Ciência Cristã que proibia intervenções cirúrgicas. Outra famosa e glamorosa loura foi Carole Lombard, morta em um acidente de avião em 1942, aos 34 anos, quando fazia venda de bônus para as tropas americanas durante a Segunda Guerra. Teve um ardente romance com Clark Gable, com quem se casou. Morto em 1960, o galã, que tantas mulheres fez suspirar, está enterrado ao seu lado. E mais recentemente, mas não tanto, o mundo da sedução perdeu a belíssima dominicana Maria Montes, morta de um ataque cardíaco em uma banheira. O ano é o já longínquo 1951.
Mas estas já estão num passado muito remoto. Ava Gadner, que o poeta e pintor francês, Jean Cocteau, classificou como o “mais belo animal do mundo”, teve uma vida amorosa tumultuada. Foi casada com Frank Sinatra, que, fascinado por sua beleza, abandonou a mulher, com quem fora casado desde a juventude. No filme “O Poderoso Chefão” (o primeiro), com Marlon Brandon no papel de Don Corleone, este romance, e posterior divórcio de um cantor, protegido pela Mafia, é comentado e censurado. No casamento da filha do chefão, ele canta para a noiva e é clara a alusão a Sinatra. O ano do casamento é 1951 e Frank era seu terceiro marido. Como tudo na vida dela, foi tumultuado, incluindo uma tentativa de suicídio dele, acabou em 1953.
 Era fascinada por toureiros, e manteve um arrebatador romance com o mais famoso de todos, Luís Miguel Dominguin. Conta-se que, certa noite, em um hotel em Roma, durante uma briga, tentou suicídio, atirando-se de uma sacada. Para sua sorte, a roupa enganchou numa grade e a grande star teve de ser resgatada pelos bombeiros. Alguns anos antes de sua morte, em 1990, a atriz confidenciou a um jornalista que, logo após a Revolução, foi a Havana, hospedando-se na casa do escritor americano Ernest Hemingway. Lá conheceu Fidel Castro, então jovem, e herói ,o que a encantou. Sem dizer claramente, deu a entender que mantiveram um romance. Pela biografia amorosa de ambos, pode-se crer ser verdade. E também, talvez, com Juan Domingo Perón. No Brasil, provocou escândalos, com bebedeiras e quebradeiras no Copacabana Palace.
 E também Rita Hayworth , ou melhor, Rita Margarita Cansino. Vinha de uma família de dançarinos ciganos. Seu avô era considerado o maior dançarino de flamenco da época. Rita aprendeu dança desde os três anos, tornando-se parceira de seu pai nas exibições. Ao ser descoberta, trocou o sobrenome pelo de sua mãe, de origem irlandesa. Sua beleza foi aprimorada por longas e dolorosas sessões de eletrólise que lhe descobriram a testa. Pintou os cabelos de ruivo e tornou-se a inesquecível “Gilda”. Foi mulher de Orson Welles, com quem teve uma filha, Rebecca, que faleceu em 2004, aos sessenta anos. Seu terceiro marido, foi o célebre play-boy, Ali Khan, com quem teve a segunda filha, Yasmin. Ali Khan, nasceu em Turim de mãe italiana e morreu em Paris, em 1960. Creio que jamais foi ao Paquistão, ainda que tenha sido seu representante na ONU! Pertencia a uma dinastia muçulmana, descendente de um certo rei de nome complicado. A ignorância do povo paquistanês fez dos Aga Khan, e toda sua família, uma das mais ricas do mundo.
Ainda na década de sessenta Rita deu os primeiros sinais de uma doença que a aniquilaria até a morte. O terrível mal de Alzheimer. Conta-se que certa noite, seu vizinho, Glenn Ford, com quem havia filmado o célebre “Gilda”, telefonou à sua filha Rebecca relatando que a mãe passava as noites caminhando pelos jardins na mansão, ao que ela respondeu : “É bebedeira”. Em 1987, já totalmente lesada, morreu no apartamento de sua filha Yasmin. Tendo assistido todo o horror por que passara ela própria e sua mãe, Yasmin organizou uma Fundação que ajuda as vítimas da doença. Acerca disso, vi uma entrevista sua há alguns anos.  Rita casou-se cinco vezes e para justificar seus múltiplos casamentos dizia: “Os homens vão para cama com Gilda, mas acordam comigo.”.
      Liz Taylor, o mais belo rosto do cinema. Ou um dos mais belos. Foi estrela desde a infância. Sua beleza percorreu sua carreira, encantando o mundo. Foi também a campeã de casamentos, oito ao todo. Com Richard Burton, grande ator, oriundo do teatro, tornou-se uma atriz respeitada pela critica, e não somente aquela dos “olhos violeta”. Relação conturbada, que incluiu dois divórcios e dois casamentos, muitos diamantes, brigas e muito álcool. De dois dos seus casamentos teve três filhos, mas nenhum seguiu a carreira cinematográfica. Morreu em 2011, vítima de uma grave cardiopatia. Não caminhava mais, sendo conduzida numa cadeira de rodas. Mas conservou a sua beleza, já madura. Disse-me na época uma amiga em tom de brincadeira: “É, todo mundo morre mesmo!  Até a Liz Taylor!”
E Marilyn Monroe ou, mais prosaicamente, Norma Jean. Antiga, operária durante a Guerra, filha de mãe esquizofrênica e pai desconhecido, criada em lares adotivos. Tornou-se célebre por sua foto nua, para um calendário, em que expunha seu corpo escultural. Neste tempo ainda tinha a cor natural dos cabelos e era Norma Jean. Seu terceiro e último marido, Arthur Miller, é um dos grandes teatrólogos americanos, sendo autor de peças célebres como  “As bruxas de Salem” e “ A morte do caixeiro viajante”, dentre outras . Foi um casamento intrigante, pois se juntavam um intelectual do mais alto nível e o grande símbolo sexual. Para casarem-se, Marilyn converteu-se ao judaísmo. Arthur Miller teve grande influência em sua vida e foi o único de seus maridos a engravidá-la. Abortou durante uma filmagem, cujo roteiro era do próprio Miller. O casamento durou cerca de seis anos.
 Sua morte ficou para sempre envolta em mistério. Como havia sido amante de Bob e John Kennedy, foi levantada a hipótese de que fora vítima de homicídio, o que é muito pouco provável.  O mais verossímil  é que tenha sido vítima de uma overdose de barbitúricos, sendo que a hipótese de suicídio está praticamente descartada. Recentemente, uma revista americana classificou-a como a mulher mais sexy de toda a história do cinema.
E há também as européias, como Sofia Loren, atualmente com oitenta e um anos. Sua beleza selvagem encantou platéias durante anos. Teve um único marido, o diretor Carlo Ponti, feio, baixote e careca, e dois filhos. Sempre levou uma vida discreta. Dela nunca se soube de escândalo, álcool, amantes. Hoje, já velha, ainda é uma bela mulher, possivelmente pela vida tranqüila que sempre levou. E Gina Lollobrigida, hoje com oitenta e oito anos. Casou-se duas vezes, teve um único filho, com o primeiro marido, um médico iugoslavo. Foi a grande musa do neo-realismo italiano e seus filmes desta fase tornaram-se ícones do cinema. Ainda hoje conserva traços de sua inesquecível beleza. E Silvana Mangano. Esposa do diretor Dino de Laurentis, atriz inesquecível de “Ulysses”, onde atuou como a feiticeira Circe e a esposa que o espera , Penélope. E muitas outras, lindas, mas que não cultivaram aquele glamour hollywoodiano.
Hoje tudo mudou. Muitas atrizes, cantoras, e até princesas, estão engajadas em ações sociais. A mais conhecida é Angelina Jolie, Embaixadora da Boa Vontade da ONU e que ainda coordena projetos políticos em países como a Etiópia e Camboja. Gisele Bünchen é Embaixadora da ONU para causas ambientais. E cantoras como Madonna, que trata de uma ONG que visa a inclusão social de crianças pobres e ainda “Raising Malawi”, que trata de órfãos e crianças com AIDS no miserável país africano. Há alguns anos, adotou duas crianças no país, que são criadas com seus filhos. E tantas outras, como a cantora Shakira, que tem uma ONG que provê alimentação e educação para crianças pobres na Colômbia.
Podemos compreender que o mundo mudou, mudamos nós, mulheres. Não nos basta mais ser belas, temos projetos profissionais, queremos liberdade, independência. Queremos respeito pelo que conquistamos. Temos compromissos com nossa sociedade. Ava Gardner, Rita Hayword,  Marilyn Monroe, Liz Taylor e tantas outras, ainda que admiradas pela sua beleza, morreram sem deixar nada além de suas cascas, e com o passar dos anos serão totalmente esquecidas.










sexta-feira, 31 de julho de 2015

O cinema, a invenção do século -2

Inventado pelos irmãos Lumière, o cinema mostra, a um público ávido por novidades, cenas da vida cotidiana. São operárias saindo da fábrica Lumière, “A chegada do trem à estação Ciotat”, amigos jogando cartas no jardim, e o cômico “L´arroseur arrosé”. A primeira sessão deu-se no "Grand Café", 14, Boulevard des Capucines, no dia 28 de dezembro de 1895.  Um cartaz exibia: “CINEMATÓGRAFO LUMIÈRE, entrada 1 franco” A arrumação da sala sumária: uma tela, uma centena de cadeiras, um aparelho de projeção em cima de uma escadinha Foram exibidos dez filmes documentais, cada um com duração média de dois minutos. O público parece não haver se interessado muito, nesta primeira sessão foram registrados somente trinta e três espectadores.  A imprensa, convidada, não compareceu. Mas a propaganda  boca a boca faz afluir o público. Em poucos dias, formam-se filas, onde ocorrem brigas, tendo a polícia que intervir. Estava nascendo a grande invenção do século, que hoje, passados mais de cem anos, ainda nos seduz.
 Pode-se dizer que a primeira sala de cinema do mundo, ainda existe, chama-se Eden, é uma saleta situada no subsolo do Grand Café. Na época chamava-se Salão Indiano. Posteriormente, foi comum a exibição de filmes de curta metragem, cerca de oito minutos, nos parques de diversão, ou nos museus temáticos, do tipo Grévin, em Paris, ou Egyptian Hall, em Londres. É a partir de 1905, que, nos Estados Unidos, surgem as primeiras salas de cinema, tal como a concebemos hoje.
E pouco a pouco, o cinema, nosso velho conhecido, foi surgindo, contando histórias, inventando truques. Georges Méliès, prestigiditador famoso, é convidado pelos irmãos Lumière  e se encanta. Sai sonhando em fazer a aliança do que acaba de ver com a mágica. Genial, ele, vai pouco a pouco, desenvolver o drama, a comédia, a aventura, a magia. Conta-se que um dia, estando a filmar diante da Opéra, em Paris, a película fica presa. Ao soltá-la e continuar a filmagem, produz-se um acontecimento mágico: uma carruagem converte-se em um bonde, uma mulher em um homem, um cavalo em um cachorro. Então não será mais preciso utilizar milhares de artimanhas em suas mágicas, o cinema se encarregará disso.
Em 1897, constrói no jardim de sua mansão em Montreuil, nos arredores de Paris, o primeiro estúdio cinematográfico, adaptando-o às necessidades de suas criações. Foi o inventor e um mestre dos efeitos especiais. Pela superposição de filmagens, consegue criar múltiplas imagens duplas, em atitudes e expressões diversas, entre muitos outros truques. É considerado, ainda hoje, o maior cineasta do mundo, sendo chamado por Chaplin de “Mestre da luz”. Fez mais de quinhentos filmes de curta duração. Os atores eram amigos, vizinhos, empregados. Somente sua esposa, Jeanne Dalcy, era atriz profissional. O mais célebre de seus filmes “ Voyage dans la lune” realizado em 1902, permanece célebre e é considerado um prodígio de efeitos, tendo em vista a época. Os filmes em preto e branco eram minuciosamente coloridos, quadro a quadro por grande número de mulheres coloristas. Trabalho incansável e perfeito , que podemos ainda hoje admirar.
Pensou-se em utilizar o extraordinário invento para mostrar cirurgias, e chegou-se à filmagem da separação de duas irmãs siamesas em 1902, apesar dos protestos da sociedade médica francesa contra esta prática. Afinal, tal proeza acabou exibida em parques de diversão. E então surgem outras sociedades como a Pathé, produzindo filmes dirigidos por um jovem corso, funcionário da casa, Ferdinand Zecca, que inicia sua carreira em 1901 com o filme “Histoire d´un crime”. E a  industria cinematográfica expande-se, é preciso mais aparelhos para os compradores de filmes. Léon Gaumont põe no mercado um projetor destinado tanto à filmagem quanto à projeção. E algum tempo depois, outro aparelho de projeção mais silencioso: o Chronophotographe Gaumont. Confia a realização das obras, pequenas “sainetes” à sua jovem assistente Alice Guy, considerada a primeira cineasta feminina do mundo.  Mademoiselle Guy revela-se uma grande realizadora, que de 1897 a 1906, produzirá mais de 200 filmes. E realiza filmes de enorme sucesso, como “La vie du Christ” em 1906, sua obra mais importante. Não se trata mais de uma “sainete” ingênua, mas de um verdadeiro drama com trezentos figurantes e vinte e cinco cenários, uma verdadeira epopéia.
A França possui três competidores Méliès, Pathé e Gaumont, que se vigiam. Nos Estados Unidos também progride a indústria cinematográfica. Thomas Edson e outros pesquisadores constroem outros aparelhos com o mesmo fim. As exposições universais de 1889 e 1900 são ocasião para exibição de novos aparelhos. Outros produzem e dirigem filmes. As reportagens mostram cenas da guerra dos bôeres na Africa do Sul em 1899, a coroação do Tsar Nicolau II em 1896, onde aparece a Tsarina e suas fillhas Olga, Tatiana, Maria , Anastácia e o pequeno Alexei. Todos fusilados pelos Bolcheviques em dezessete de julho de mil novecentos e dezoito. E também filmam banalidades, já que não tinham nenhuma formação jornalística. Reportagens aconteciam dos dois lados do mundo e igualmente cativavam o público.


Na França, pouco a pouco, as filmagens e truques de Méliès perdem o interesse. Ele acaba vendendo seu estúdio e mais tarde perde toda sua fortuna. No final da vida, tinha uma banca de brinquedos e doces na estação de metro de Montparnasse. Já bem no fim, foi devidamente reconhecido e homenageado, passando a receber uma pensão do governo francês por serviços prestados à cultura. Morreu em 1938. Alice Guy passou parte de sua vida nos Estados Unidos, onde morreu em 1968. Ferdinand Zecca, Charles Pathé , considerado o pai da industria cinematográfica, também já se foram há muitos anos. Mas de todos eles restou a beleza, o lirismo e a nostalgia de um tempo lindo, em que a fantasia da nova arte iluminava com sorrisos ou  lágrimas os rostos de nossos antepassados.    

domingo, 5 de julho de 2015

“Cinema , a invenção do século” - Parte 1

“Ontem à noite, estive no Reino das Sombras. Se vocês pudessem imaginar a estranheza desse mundo! Um mundo sem cores, sem som. Tudo aqui – a terra, a água e o ar, as árvores, as pessoas – tudo é feito de um cinza monótono. Raios de sol cinzentos num rosto cinzento, folhas de árvores que são cinzentas como a cinza. Não a vida, mas a sombra da vida. Não o movimento da vida, mas uma espécie de espectro mudo . (...) Os veículos que estavam no fundo da tela vêm direto em nossa direção. Em algum lugar no fundo, umas pessoas aparecem e quanto mais se aproximam, maiores ficam(...) Tudo isso se mexe, tudo isso transpira  vida e, súbito, ao chegar à beira da tela, desaparece, sabe-se lá onde(...) E tudo é estranhamente silencioso. Tudo se desenrola sem que ouçamos o barulho das rodas, o ruído dos passos ou uma palavra. Nem um som;nem uma só nota da sinfonia complexa que sempre acompanha o movimento da multidão. Sem o ruído, as folhagens cinzentas como a cinza são agitadas pelo vento e as silhuetas cinzentas das pessoas condenadas a um perpétuo silêncio, cruelmente punidas pela privação de todas as cores da vida , essas silhuetas deslizam em silêncio no chão cinzento (...)”
Assim escreveu o grande escritor russo Máximo Gorki, em um artigo publicado no jornal Nijegorodskilistok, em 4 de julho de 1896. E ele também prossegue fazendo algumas ponderações sobre a provável importância desta invenção, e a pertinência das cenas mostradas – vida burguesa em família e também a saída de operárias de uma fábrica.
Na verdade, este mundo visual vinha sendo perseguido desde muito antes. No século XVIII, a Lanterna Mágica já mostrava, sobre uma parede branca, cenas com monstros horrendos, que sobrevoavam os espectadores, iludidos de que se tratava de alguma mágica. E havia também o “teatro em caixa” apresentado nas ruas e feiras. Já no século XIX, o público buscava o espetáculo visual mais sofisticado, de várias formas. Como em espetáculos de prestigiditação. Mágicos eram artistas muito prestigiados e muitos teatros se especializaram neste tipo de espetáculo.
Em Paris, o Museu Grévin, fundado em 1883, ainda hoje, associa um célebre museu de cera onde estão representados personagens famosos e cenas da história da França, e um teatro bem  ao estilo da época. Até hoje os visitantes podem assistir a espetáculos fascinantes de mudanças de ambiente, sentindo-se no Oriente, por exemplo, dentro de uma fabulosa mesquita, ou num palácio chinês. Era o que pedia o público da época, ávido por experiências “exóticas”. Lembro-me da primeira vez que visitei o museu de cera. Estava com meu pai. Eu tinha dez anos e vi cenas “horripilantes” como a cabeça de Mademoiselle de Lambert , amiga de Maria Antonieta, espetada num pau, mostrada, através de uma janela, à família real, na Prisão do Templo. Túneis escuros onde se encaixam nichos de luminosidade mínima. Para uma criança, todas aquelas cenas faziam medo. Cheguei em casa e desmaiei. Até hoje, quando vou à França, não deixo de visitar o Musée Grévin. E confesso que sinto um certo medo. E sempre lembro-me de meu pai, a quem devo uma experiência fantástica: a de, ainda criança, viver uma cultura diferente, que tanto me ensinou.
O teatro foi palco de algumas das primeiras experiências “cinematrográficas”. Ali se apresentou um pioneiro, Emile Reynaud, com seu Teatro-Optico. Desenhava, ele próprio cada figura, com as minúsculas diferenças na movimentação. Eram várias centenas de figuras, que, infelizmente com o correr das apresentações se deterioravam , sendo necessário refazer outra história, o que levava anos. Reynaud, afinal foi vencido pelas novas invenções, desistiu e, miserável e doente, jogou suas fitas no Sena. Morreu em um asilo em 1918.
Mas ainda há tanta coisa!!! Conto na parte 2.

quinta-feira, 28 de maio de 2015

A explosão da beleza
“Espelho, espelho meu, diga se há no mundo mulher mais bela do que eu.”
Mas nem sempre foi assim. No decorrer dos séculos e mesmo dos milênios, a estética feminina foi somente algumas vezes colocada como grande atributo. Na pré-história, nossas ancestrais eram representadas com imensos seios, ventres descomunais, ancas enormes, denunciando sua função procriadora. As cabeças diminutas, sem feições. Foram chamadas pelos arqueológos de “venus esteotopígeas” significando acúmulo de gordura nas nádegas.
Esta visão da mulher como fecundidade prolongou-se nos meios rurais até o início do século XX. Nestas sociedades, a beleza feminina, ainda que notada, era vista como um mal, do qual deviam fugir os rapazes. O fato é que, para que a beleza feminina tivesse seu lugar de destaque, foi preciso que surgisse o Estado e com ele se estabelecesse uma sociedade em que a hierarquia social distinguisse mulheres trabalhadoras e mulheres isentas do trabalho, ou seja, pobres e ricas. E às ricas, ociosas, era permitido cuidar de si – mesmas, para deleite de seu homem. Na Grécia antiga, malgrado a homossexualidade masculina, legítima e , digamos, quase oficial, a beleza feminina foi amplamente homenageada. Assim como em Roma. Já a tradição judaico-cristã colocou-a no fogo, e, durante toda a Idade Média, a mulher foi considerada a filha maldita de Eva, a que provocou a queda de Adão e sua expulsão do Paraíso.
Mas a Renascença, trazendo de volta os valores da tradição greco-romana, trouxe também de volta o culto da beleza feminina. E basta olharmos as obras dos grandes artistas da época, como Leonardo da Vinci, Giotto, e outros. E este culto nunca mais cessou. Mas, então, este é o final da “história da beleza”? Não, pois se o olhar fascinado sobre a mulher ressurgiu na Renascença, ele limitou-se a uma classe social, aquela mais rica. A “história da beleza” toma novos rumos, evolui, a partir dos fins do século XIX, quando ela torna-se, pouco a pouco acessível a todas nós. No século XX, imprensa, cinema, publicidade, pela primeira vez dizem, para que todo mundo ouça, que todas podem ser belas. Após a Primeira Guerra – 1914-1918- o consumo de cosméticos acelera-se, tornam-se populares os esmaltes e os batons. Mas é a partir dos anos 50 que o consumo dispara, multiplicando a indústria de cosméticos e perfumes, que se eleva a somas  de bilhões. E também a moda, o prêt-à-porter. Enfim a beleza torna-se artigo de consumo corrente. E o mais surpreendente, o interesse desloca-se da beleza puramente facial para sua conservação na totalidade. Cuida-se do corpo, mantendo-o livre de flacidez, esbelto e saudável. Não mais a “camuflagem” das maquiagens enganadoras, mas uma pele e um corpo mais jovem. Práticas de esportes, academias, salões de massagens, novas técnicas estéticas, fizeram surgir nos últimos quarenta anos uma mulher diferente, aquela da geração “sem idade”. E o mais importante, sem que  isto que seja privilégio de uma só classe social.

Texto baseado no livro do filósofo francês Gilles Lipovetsky – “La troisième Femme – Permanence et révolution du féminin. Paris Gallimard - 1997



quinta-feira, 7 de maio de 2015

Duas mulheres de verdade

Meu coração acelerava. Durante meses! Era desesperante ouvir o telefone tocar sem nenhuma resposta! Sabia que alguma coisa havia acontecido, e temia o pior! Mas como? Neste caso, teriam desligado. Foi uma das primeiras coisas que fizemos quando minha irmã morreu. Não havia mais necessidade dele! Mas era claro que alguma coisa havia acontecido! Lembro-me da última vez em que nos falamos. Lembro-me de sua voz meiga, seu jeito calmo de falar, não importava o que fosse: “Lúcia, olha tu sabes o que me aconteceu...?” A princípio queria ter notícias, depois a simples ausência de sua voz me apertava o coração.
Conheci Marizza há mais de quarenta anos, éramos bem jovens. Eu tinha meus sonhos, aqueles que todos temos na juventude. Minha amiga já lidava com a dura realidade. Seu tempo de chorar e gemer havia chegado cedo. Mas ela suportava estoicamente. No auge dos meus anos, meus sentimentos por ela eram um misto de piedade e admiração. Durante anos, apesar de morarmos longe, mantivemos contato. E quando estava em Porto Alegre ia sempre à sua casa. Lembro-me dos lanches que me preparava com tanto cuidado. E sempre foi assim! Depois fui estudar na cidade, e continuei freqüentando  sua casa e me deliciando com seus lanches. Apesar de tudo, Marizza e Arminda, sua mãe, faziam bom o ambiente. Era aconchegante! Apesar de tudo! Não pretendo escrever um romance policial, obrigando meus amigos a adivinhar o que havia de trágico nesta família. Sua irmã mais velha, Clarisse, ensandecera, aos vinte e dois anos.
Clarisse era uma linda mulher. Loira, alta, belos olhos azuis amendoados. Como é comum no sul, era uma mistura de alemão e italiano. Culta, tocava flauta, piano, tinha uma linda voz. Era o orgulho da família. Mas ninguém ainda conhecia a força moral daquela garota chamada Marizza. Olho uma foto de sua família, pai, mãe, irmão, irmã e ela própria,  e sinto que para todos nós há um tempo na vida. “ Tempo de nascer,e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar a planta.” “ E tudo que ele fez é apropriado em seu tempo. “ Olho a foto de minha família reunida, também pai, mãe, irmão,irmã e eu ainda neném no colo de minha mãe . “Observo a tarefa que Deus deu aos homens para que dela se ocupem: tudo que ele fez é apropriado em seu tempo.” Até pouco tempo éramos as duas sobreviventes. Meu tempo havia chegado, sem que eu me desse conta!
Neste drama familiar, com três criancinhas, uma mãe totalmente ensandecida, um pai aterrorizado que não conseguira suportar a trágica história da mulher que amara, para a família era tempo de construir. E unidos começaram a dura tarefa de construir dentro da destruição. Orlando morreu alguns anos depois. O irmão caçula, Sérgio, seguiu seu caminho. Coube, então, a tarefa inteiramente à avó e à tia. E quanta coragem! E como é possível educar três crianças vendo a mãe naquelas condições? Mas não foi um tempo de guerra, foi um tempo de paz, não foi um tempo de odiar, foi um tempo de amar, não foi um tempo de destruir, foi um tempo de construir! Quanta beleza na história destas duas mulheres guerreiras! Quantas serão as mulheres capazes de trazer em si tanta luz, capaz de iluminar os caminhos de três crianças?
Formaram homens. Fortes como elas, que viam a mãe sem revolta, mas com carinho, com amor filial. Capazes de rir com suas maluquices, sem jamais escarnecer. Lembro-me de algumas passagens engraçadas de Clarisse, como no dia em que cismou que Ricardo, meu companheiro de então, estava com o nariz sujo. Repetia-lhe: “ Vai limpar o nariz, porcalhão!” Até que alguém, ou ele próprio, a fez parar. Ou do dia em que chegamos, Teresa e eu, e contamos uma viagem que havíamos feito a Roma. Ouvindo, perguntou Clarisse “E viram o titio?” Era o  Papa João Paulo, que ela havia cismado ser seu tio.  “Não é mãe, ele é nosso tio!”. Arminda confirmava, ria e abanava a cabeça.
Arminda cumpriu seu tempo há alguns anos, já estava bem velhinha. Mas antes de partir viu, com a coragem de sempre, partir sua filha doente e seu filho caçula, ainda jovem. Estoicamente. E se foi com a tranqüilidade de quem cumpriu uma missão suprema. Com Marizza formou homens de bem, profissionais respeitados, pais de família.
Lendo, como sempre faço, nas minhas também inúmeras dores e perdas, encontro um trecho que bem se adapta ao momento de dor que vivo: “Também colocou no coração do homem o conjunto do tempo, sem que ele possa atinar com a obra que Deus realiza desde o princípio até o fim.”
Marizza cumpriu seu tempo. Partiu. Foi feliz? Muito! Talvez a mais feliz de todas minhas amigas. Soube como ninguém saborear seus tempos de rir, de bailar, de construir. Lembro-me de um dia, pouco antes daquele silêncio, em que me queixava da chatice dos domingos, ao que ela retrucou: “Mas para mim é tão bom! Vou ao cinema no shopping com uns amigos e depois tomamos um cafezinho com alguma coisa Bah! É tão bom!” Bela Marizza que aprendeu tão bem aproveitar seus bons tempos.
Até qualquer dia! Agradeço o exemplo que me deixou!


sábado, 7 de março de 2015

Mulheres de Atenas

No dia 8 de março de 1857, nos Estados Unidos, operárias, reivindicando melhores condições de trabalho, foram covardemente trancadas numa fábrica que foi incendiada. Muitas morreram carbonizadas. Em 1910, instituiu-se, na Dinamarca, o oito de março como Dia Universal da Mulher. Esta é a história, que quase todo mundo conhece. Neste passado de mais de um século podemos avaliar de que valeu o holocausto destas heroínas.
Sou uma pessimista! Sempre fui. O que vi e ouvi ao longo de minha vida, me faz crer que ainda há muita, muita, coisa a fazer! Não acredito, acho ridícula a tal lei que considera crime hediondo o terror contra a mulher. É crime hediondo o sofrimento ou morte infringido a qualquer ser vivo, homens, mulheres, idosos, crianças, jovens, e animais, sim animais! E nada vai ficar resolvido! Mulheres continuarão a ser supliciadas, escravizadas, assassinadas! É como tirar o sofá da sala!
E neste momento, vem-me à lembrança a belíssima criação  de Chico Buarque : “Mulheres  de Atenas”. Baseou-se na condição servil das mulheres atenienses, condenadas ao gineceu, local que só elas podiam freqüentar, e seus maridos, pais e filhos. A letra é uma belo poema, mas não é somente um poema que fale de mulheres gregas! Fala de nós, mulheres de todos os séculos! Fala de mulheres a quem foram abertas as portas de Universidades, mulheres cientistas, donas de casa, mulheres escritoras, mulheres politicamente corretas, profissionais liberais, mulheres políticas, mães de família devotadas. Enfim, fala de mulheres .... Neste ano de 2015, quantas de nós, profissionais ou não, são mulheres de Atenas? Lembro-me de uma amiga que descobrindo a traição do marido, aconselhada por um padre (só podia ser), arrumou um belo jantar e convidou o marido para uma noite de amor. E pergunta ao final: “ O que ela tem que eu não tenho?” Ou seja, disputamos umas com as outras as benesses do macho! Como diz Chico, “E quando eles se entopem de vinho, costumam buscar o carinho de outras falenas. Mas no fim da noite aos pedaços, quase sempre voltam pros braços de suas pequenas, Helenas.” São os guerreiros, orgulho e força da raça. E nós, o que somos?
Conheço mulheres que foram abandonadas, expostas publicamente ao escárnio, à maldade, e que, no momento em que seus guerreiros decidiram voltar, os receberam de braços abertos, felizes! “ E quando eles embarcam, soldados, elas tecem longos bordados, mil quarentenas. E quando eles voltam sedentos, querem arrancar violentos, carícias plenas, obscenas!” Sei de mulheres que foram traídas a vida inteira, que conheciam o homem a quem “entregariam suas vidas”. Casadas geraram filhos, sempre traídas. Humilhadas, não choraram, não desabafaram! Não se indignaram e mandaram embora o patife!  Vergonha, medo de enfrentar a vida? E morte pela  angústia e humilhação vividas durante anos! E também aquelas que lutaram “bravamente” pelo seu homem apaixonado por outra mulher! “Quando fustigadas não choram, se ajoelham , pedem imploram, mais duras penas, cadenas.” São as Penélopes  à espera de seus Ulysses.
Quando Ricardo e eu nos separamos, sentimos que tudo havia acabado. Era o acerto final! Senti-me feliz de haver colocado um basta em algo que não me trazia mais felicidade.  E tampouco a ele. Não tenho vocação para “pequena Helena”, nem ele para “poder e força de Atenas”. Era uma relação igualitária. Tínhamos opiniões políticas diferentes, e quando encontrei, no Galeão, meu eterno namorado, Leonel Brizola, corri para abraçá-lo. Ricardo veio atrás e também o cumprimentou afetuosamente. E também me preparei para comparecer a uma cerimônia monarquista. Queria acompanhá-lo e solidarizar-me com ele. Infelizmente, não me lembro porque a cerimônia não aconteceu! Tive outros amores, em iguais condições. Uma vez, disse-me uma amiga: “A mulher que não se casou foi porque ninguém a escolheu, e se ninguém a escolheu, é porque ela é inferior às demais. As casadas!” Repetia o que disse Simone de Beauvoir no seu magistral “ Le deuxième Sexe”: “A mulher casada tem mais prestígio do que a solteira”. Mas isto foi em 1947.
Mulheres de Atenas , gregas ou contemporâneas, “não têm gosto ou vontade, nem defeitos nem qualidades, têm medo apenas, não têm sonhos, só têm presságios , o seu homem, mares naufrágios,lindas sirenas, morenas.” São mulheres neutras, e abundantes! Sempre com medo de serem traídas, trocadas! Hoje evito dizer qualquer coisa que se relacione com minha saúde: se tenho dor de cabeça, é por causa da separação de Ricardo, se tenho tontura, se tenho dor nas costas, se emagreço, se engordo. Depois de quase 5 anos, esta situação ridícula perdura. Hoje me faz rir, mas já me irritou e muito! É difícil, numa sociedade machista, dizer que minha opção foi esta. Ela foge tanto da “normalidade”! Briguei com meu pai, com minha mãe, vim morar sozinha, viajei muitas vezes , ainda bem jovem, sozinha, ao exterior. Adoro minha liberdade!
Não quero ser Helena, não quero ser a mulher de ninguém, quero ser eu, Maria Lúcia. Quero pertencer-me a mim mesma! Conquistei quase tudo que queria. Com o meu esforço, e me orgulho disso! Na vida só dependi, ainda jovem demais, de um homem , meu pai. E apesar de todos os tombos que a vida me deu, venci!


terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Esta usina de força

Estávamos reunidas, as professoras aposentadas ( só foi a equipe feminina) do Departamento de Letras Estrangeiras da UFJF, para comer e beber alguma coisa. Num repentino silêncio que se estabeleceu, ouvimos uma frase mais ou menos assim:”.....meu pai vai.....” Não importa qual seja o verbo, mas o tempo presente. Gilda, minha colega, como eu professora de francês, explode espantada: “ Mas eu pensava que aqui éramos todas órfãs totais!” Rimos! E esta foi uma verdade que explodiu da garganta de minha colega.....”órfãs totais” . O tempo havia obrado no seu vôo rasante, que arrasta, para não sei onde, nossos pais e mães! E continuamos nosso encontro sem pensar mais naquele momento.
Somente mais tarde, eu, não sei se mais alguém refletiu sobre a “orfandade total”, que, afinal, faz parte  da marcha da vida. Pensei em quantas de nós haviam perdido irmãos, irmãs, amores, maridos... Muitas eram as histórias, cada qual com a sua. Eu havia acompanhado os seis anos da lenta agonia de minha mãe, a súbita morte de meu único irmão, a angústia indescritível de um câncer que se espalhara pelo corpo de minha única irmã!Meu pai morreu de uma grave cardiopatia que havia herdado de seu pai, morto aos trinta e três anos. Ele e seus três irmãos. Mas, se nestas perdas súbitas ou lentas, consegui vencer o intenso sofrimento , e se consegui continuar a cultivar esperança, a ter Projetos, é que o desejo de vida foi ainda mais forte. Vida! É o conjunto de fatos, bons ou maus que se desenrolam ao longo do tempo. E com eles vamos rolando, meio sem sentir. As coisas vão acontecendo e nós continuamos no nosso Projeto. Diz Sartre que o homem é um PROJETO , que é por esse Projeto que nos tornamos humanos. Com meu irmão aprendi o gosto pela leitura, e lhe serei eternamente grata.Com meu pai o gosto pelo conhecimento.E também lhe serei eternamente grata.
Tive muitos  Projetos, nas diferentes fases de minha vida. Dos onze aos dezesseis anos, queria ser arqueóloga. Quando morei na França, meu pai, querendo estimular o desejo de cultura em mim, levou-me sempre a museus, exposições. Impressionaram-me as culturas antigas. Li sobre a Mesopotâmia, Grécia, Egito... Há alguns anos encontrei-me com Maria Beltrão, mãe da jornalista, a maior arqueóloga brasileira e uma das maiores do mundo. Conheci-a através de meu ex-companheiro, Ricardo. Contei-lhe este meu sonho longínquo, estimulou-me a ler sempre sobre o assunto, o que faço regularmente. E mandou-me de presente sua Tese de Doutorado feita em Paris, sob a orientação do grande Claude Lévi-Strauss. Que orgulho, que alegria!
Mas, por motivos alheios à minha vontade, tive que renunciar a este Projeto, pensei em tornar-me advogada. Renunciei. Pareceu-me uma carreira tediosa. E, afinal, eu falava francês desde a infância. Foi assim que, desde os 17 anos, comecei minhas primeiras aulas para meus colegas. Cheia de medo, não fazia a menor idéia de como se ensinava uma língua estrangeira!E fui indo; Faculdade, colégios particulares, concurso ...E virei professora de uma Universidade. E como professora tive sempre o Projeto de ser cada vez melhor. Ganhei bolsas, durante anos fui anualmente à França. A vida pulsa, uma força me empurra. Sem ser crente, sem ir à missa, sem acreditar em milagres, não tendo certeza de vida após a morte, sei que há em mim uma força vital. Relembrando John Lennon, lembro-me da usina de força que é Deus.
Dois anos depois de meu concurso, fui fazer o Mestrado de Lingüística  em Porto Alegre. Encontrei-me com uma prima vinda de Floripa. Com o namorado, ela faria o Mestrado em Planejamento Urbano. Éramos da mesma idade. Este foi um período especial em minha vida. Troquei muitas vezes de namorado, discuti política (eu era da extrema esquerda e vivíamos sob a ditadura), dancei até de manhã, e estudei de segunda a sexta das sete da manhã  às cinco horas da tarde. Tinha o fôlego dos  meus vinte e poucos anos. Um de meus namorados, morto há muitos  anos  em um desastre, buscava-me em casa às sextas  feiras. Dançávamos até o amanhecer. Meus heróis eram paradoxais, indo dos Bee Gee, Beatles, Elvis, passando por Fidel, Che Guevara, e até aqueles feiosos da União Soviética. Acreditava que poderíamos mudar o mundo! Eu era jovem, fazia sucesso com os homens, ia bem no meu Mestrado, fora escolhida por um professor, vindo da Universidade de Colônia na Alemanha, como sua orientanda! Enfim , o mundo era praticamente meu! As dores, perdas, angústias, noites em claro em hospitais, eram inimagináveis! Que bom!
Mas , anos mais tarde, quando elas foram chegando, pouco a pouco, fui encontrando esta usina de força, que é meu Deus. Sinto saudades dos que partiram! Sinto saudades dos meus sonhos, mas fico feliz de tê-los tido! Hoje, depois de tantas horas sofridas, sinto-me mais forte. Às vezes, tenho a nítida impressão de que minha mãe está aqui, em minha casa, onde moro sozinha com meus dois cachorros. Muitas vezes tenho vontade imensa de conversar com minha irmã, mas ela não está mais aqui. Saudades! Grandes! Mas, neste terceiro ato da vida, há em mim uma força vital tão grande que só posso acreditar que venha de Deus. Para mim, ele nos dá esta força e a liberdade de fazermos com ela o que quisermos.



segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

JE NE SUIS PAS CHARLEI

“Uma noite, em 1958, minha amiga Jo Menell estava no Pont Neuf ( a mais antiga ponte de Paris) e viu formas misteriosas que pareciam toras de madeira flutuando às dúzias na correnteza rápida. A França estava em guerra com a  Argélia para mantê-la sob suas asas, e as formas eram argelinos assassinados por fanáticos franceses, que compensavam o terror na Argélia com terror em Paris. Os corpos, como mandava a tradição eram jogados no rio”
Rosenblum, Mort. A vida secreta do Sena. Paris, Edições Rocco. 1998.
Os primeiros prenúncios do que viria a ser a guerra da Argelia com a França começa em 1950, provocados por atentados de colonos direitistas franceses. Muitos nascidos na Argélia, e chamados “pieds noirs”. O grande escritor Albert Camus era um “pied noir”, sem ser nem colono nem direitista. Em 1954, surge a contrapartida árabe com a criação do “Front de Libération National” –FLN, cujo líder era Ahmed Ben Bella, nome histórico e venerado na libertação dos povos oprimidos. A Argélia fora dominada pela França e considerada território francês de 1848 até sua liberação em 1962. Antes disso, em 1956, é dada independência à Tunísia e ao Marrocos. Hoje estes três países situados ao norte da África são chamados conjuntamente de “Magreb”, que é o ponto de maior fluxo de imigração para Europa, sobretudo para a França.
Durante a colonização, qualquer ato considerado de rebeldia era severamente punido, a tal ponto que alguns franceses, como o antigo guerrilheiro antinazista, Jacques Vergès , compararem a Resistência Argelina contra a ocupação francesa , à própria Resistência Francesa contra a ocupação nazista. Militares franceses , como Paul Aussaresses, morto recentemente, defendiam abertamente a tortura. Em 1973 (!!!!), foi nomeado Adido Militar no Brasil! O governo era de Georges Pompidou. Por tudo isso, podemos supor que as relações Argélia /França nunca foram das melhores.   
Mas, o que acontece com os descendentes dos “magrebiens” hoje em Paris? Muitos progrediram, conseguiram construir seu próprio negócio. A maioria das lojinhas que vendem comestíveis – épiceries - , segundo pude notar, pertencem a tunisinos. Não consigo distinguir um tunisino, de um marroquino ou de um argelino!!! Mas, a verdade é que a grande maioria vive em subúrbios distantes, em favelas de concreto chamadas “bidonvilles”. Muitos filmes já foram feitos nestes “bidonvilles” , onde a promiscuidade e a sujeira nos mostram suas condições de vida. Os jovens, netos e até bisnetos de árabes, não são considerados franceses por grande parte da população. E muitas vezes nem falam mais a língua de seus antepassados! Conheci uma francesa, colega de um curso, que me disse que jamais iria a um médico árabe! No metro é perigoso circular à noite, pois há bandos de delinqüentes, a maior parte árabes, que ameaçam e roubam. Enfim, são párias de uma sociedade que, sem dúvida, passa por grave crise.
Neste campo minado, sem perspectivas de futuro, estes jovens, muitos deles se sentindo sem pátria, encontraram no fanatismo religioso sua esperança! Ontem dizia na televisão francesa, Daniel Cohn- Bendit, líder das lutas de 68, que jamais, NENHUM governo, de esquerda ou de direita preocupou-se com aqueles deserdados. Em 2012, a Ministra da Justiça, do governo Sarkozi, Rachida Dati (uma árabe que conquistou seu lugar e hoje é membro do Parlamento Europeu) , considerando a caricatura do Profeta nu, com a bunda levantada e dizendo alguma besteira comentou “Eu não acho engraçado. Foi uma jogada de marketing na hora errada” . Com ela concordou Cohn-Bendit, chamando os editores de “idiotas e masoquistas”.
É claro que NADA pode justificar o que fizeram os fanáticos, mas o que fizeram os cartunistas não foi liberdade de expressão. Para tudo na vida há limites, que neste caso não foram respeitados. O que fizeram foi, o que eles próprios chamaram de “humor irresponsável” . Irresponsável para eles e para inocentes que nada tinham a ver com a história.
Como disse , se não me engano, Clemenceau, político francês: “ Quero guiar minha vida com a cabeça acima do coração e o coração acima do estômago”JE NE SUIS PAS CHARLEI