QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



Seguidores

quinta-feira, 28 de maio de 2015

A explosão da beleza
“Espelho, espelho meu, diga se há no mundo mulher mais bela do que eu.”
Mas nem sempre foi assim. No decorrer dos séculos e mesmo dos milênios, a estética feminina foi somente algumas vezes colocada como grande atributo. Na pré-história, nossas ancestrais eram representadas com imensos seios, ventres descomunais, ancas enormes, denunciando sua função procriadora. As cabeças diminutas, sem feições. Foram chamadas pelos arqueológos de “venus esteotopígeas” significando acúmulo de gordura nas nádegas.
Esta visão da mulher como fecundidade prolongou-se nos meios rurais até o início do século XX. Nestas sociedades, a beleza feminina, ainda que notada, era vista como um mal, do qual deviam fugir os rapazes. O fato é que, para que a beleza feminina tivesse seu lugar de destaque, foi preciso que surgisse o Estado e com ele se estabelecesse uma sociedade em que a hierarquia social distinguisse mulheres trabalhadoras e mulheres isentas do trabalho, ou seja, pobres e ricas. E às ricas, ociosas, era permitido cuidar de si – mesmas, para deleite de seu homem. Na Grécia antiga, malgrado a homossexualidade masculina, legítima e , digamos, quase oficial, a beleza feminina foi amplamente homenageada. Assim como em Roma. Já a tradição judaico-cristã colocou-a no fogo, e, durante toda a Idade Média, a mulher foi considerada a filha maldita de Eva, a que provocou a queda de Adão e sua expulsão do Paraíso.
Mas a Renascença, trazendo de volta os valores da tradição greco-romana, trouxe também de volta o culto da beleza feminina. E basta olharmos as obras dos grandes artistas da época, como Leonardo da Vinci, Giotto, e outros. E este culto nunca mais cessou. Mas, então, este é o final da “história da beleza”? Não, pois se o olhar fascinado sobre a mulher ressurgiu na Renascença, ele limitou-se a uma classe social, aquela mais rica. A “história da beleza” toma novos rumos, evolui, a partir dos fins do século XIX, quando ela torna-se, pouco a pouco acessível a todas nós. No século XX, imprensa, cinema, publicidade, pela primeira vez dizem, para que todo mundo ouça, que todas podem ser belas. Após a Primeira Guerra – 1914-1918- o consumo de cosméticos acelera-se, tornam-se populares os esmaltes e os batons. Mas é a partir dos anos 50 que o consumo dispara, multiplicando a indústria de cosméticos e perfumes, que se eleva a somas  de bilhões. E também a moda, o prêt-à-porter. Enfim a beleza torna-se artigo de consumo corrente. E o mais surpreendente, o interesse desloca-se da beleza puramente facial para sua conservação na totalidade. Cuida-se do corpo, mantendo-o livre de flacidez, esbelto e saudável. Não mais a “camuflagem” das maquiagens enganadoras, mas uma pele e um corpo mais jovem. Práticas de esportes, academias, salões de massagens, novas técnicas estéticas, fizeram surgir nos últimos quarenta anos uma mulher diferente, aquela da geração “sem idade”. E o mais importante, sem que  isto que seja privilégio de uma só classe social.

Texto baseado no livro do filósofo francês Gilles Lipovetsky – “La troisième Femme – Permanence et révolution du féminin. Paris Gallimard - 1997



quinta-feira, 7 de maio de 2015

Duas mulheres de verdade

Meu coração acelerava. Durante meses! Era desesperante ouvir o telefone tocar sem nenhuma resposta! Sabia que alguma coisa havia acontecido, e temia o pior! Mas como? Neste caso, teriam desligado. Foi uma das primeiras coisas que fizemos quando minha irmã morreu. Não havia mais necessidade dele! Mas era claro que alguma coisa havia acontecido! Lembro-me da última vez em que nos falamos. Lembro-me de sua voz meiga, seu jeito calmo de falar, não importava o que fosse: “Lúcia, olha tu sabes o que me aconteceu...?” A princípio queria ter notícias, depois a simples ausência de sua voz me apertava o coração.
Conheci Marizza há mais de quarenta anos, éramos bem jovens. Eu tinha meus sonhos, aqueles que todos temos na juventude. Minha amiga já lidava com a dura realidade. Seu tempo de chorar e gemer havia chegado cedo. Mas ela suportava estoicamente. No auge dos meus anos, meus sentimentos por ela eram um misto de piedade e admiração. Durante anos, apesar de morarmos longe, mantivemos contato. E quando estava em Porto Alegre ia sempre à sua casa. Lembro-me dos lanches que me preparava com tanto cuidado. E sempre foi assim! Depois fui estudar na cidade, e continuei freqüentando  sua casa e me deliciando com seus lanches. Apesar de tudo, Marizza e Arminda, sua mãe, faziam bom o ambiente. Era aconchegante! Apesar de tudo! Não pretendo escrever um romance policial, obrigando meus amigos a adivinhar o que havia de trágico nesta família. Sua irmã mais velha, Clarisse, ensandecera, aos vinte e dois anos.
Clarisse era uma linda mulher. Loira, alta, belos olhos azuis amendoados. Como é comum no sul, era uma mistura de alemão e italiano. Culta, tocava flauta, piano, tinha uma linda voz. Era o orgulho da família. Mas ninguém ainda conhecia a força moral daquela garota chamada Marizza. Olho uma foto de sua família, pai, mãe, irmão, irmã e ela própria,  e sinto que para todos nós há um tempo na vida. “ Tempo de nascer,e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar a planta.” “ E tudo que ele fez é apropriado em seu tempo. “ Olho a foto de minha família reunida, também pai, mãe, irmão,irmã e eu ainda neném no colo de minha mãe . “Observo a tarefa que Deus deu aos homens para que dela se ocupem: tudo que ele fez é apropriado em seu tempo.” Até pouco tempo éramos as duas sobreviventes. Meu tempo havia chegado, sem que eu me desse conta!
Neste drama familiar, com três criancinhas, uma mãe totalmente ensandecida, um pai aterrorizado que não conseguira suportar a trágica história da mulher que amara, para a família era tempo de construir. E unidos começaram a dura tarefa de construir dentro da destruição. Orlando morreu alguns anos depois. O irmão caçula, Sérgio, seguiu seu caminho. Coube, então, a tarefa inteiramente à avó e à tia. E quanta coragem! E como é possível educar três crianças vendo a mãe naquelas condições? Mas não foi um tempo de guerra, foi um tempo de paz, não foi um tempo de odiar, foi um tempo de amar, não foi um tempo de destruir, foi um tempo de construir! Quanta beleza na história destas duas mulheres guerreiras! Quantas serão as mulheres capazes de trazer em si tanta luz, capaz de iluminar os caminhos de três crianças?
Formaram homens. Fortes como elas, que viam a mãe sem revolta, mas com carinho, com amor filial. Capazes de rir com suas maluquices, sem jamais escarnecer. Lembro-me de algumas passagens engraçadas de Clarisse, como no dia em que cismou que Ricardo, meu companheiro de então, estava com o nariz sujo. Repetia-lhe: “ Vai limpar o nariz, porcalhão!” Até que alguém, ou ele próprio, a fez parar. Ou do dia em que chegamos, Teresa e eu, e contamos uma viagem que havíamos feito a Roma. Ouvindo, perguntou Clarisse “E viram o titio?” Era o  Papa João Paulo, que ela havia cismado ser seu tio.  “Não é mãe, ele é nosso tio!”. Arminda confirmava, ria e abanava a cabeça.
Arminda cumpriu seu tempo há alguns anos, já estava bem velhinha. Mas antes de partir viu, com a coragem de sempre, partir sua filha doente e seu filho caçula, ainda jovem. Estoicamente. E se foi com a tranqüilidade de quem cumpriu uma missão suprema. Com Marizza formou homens de bem, profissionais respeitados, pais de família.
Lendo, como sempre faço, nas minhas também inúmeras dores e perdas, encontro um trecho que bem se adapta ao momento de dor que vivo: “Também colocou no coração do homem o conjunto do tempo, sem que ele possa atinar com a obra que Deus realiza desde o princípio até o fim.”
Marizza cumpriu seu tempo. Partiu. Foi feliz? Muito! Talvez a mais feliz de todas minhas amigas. Soube como ninguém saborear seus tempos de rir, de bailar, de construir. Lembro-me de um dia, pouco antes daquele silêncio, em que me queixava da chatice dos domingos, ao que ela retrucou: “Mas para mim é tão bom! Vou ao cinema no shopping com uns amigos e depois tomamos um cafezinho com alguma coisa Bah! É tão bom!” Bela Marizza que aprendeu tão bem aproveitar seus bons tempos.
Até qualquer dia! Agradeço o exemplo que me deixou!