QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



Seguidores

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Feios e fedorentos

Estávamos, Ricardo e eu, degustando um vinho chileno, com queijos, e outros petiscos. Nossa saleta de jantar estava iluminada com velas nos castiçais vermelhos, que fazem os meus encantos. A televisão estava ligada, mas conversávamos distraídos. De repente, minha atenção desperta. Surge na tela uma cena cinzenta, uma mulher cinzenta, árvores cinzentas, casas cinzentas. Um mundo cinza, feio, sem graça, infeliz. Senti-me como o escritor russo, Máximo Gorki, ao ver pela primeira vez uma filmagem, em 1896. Odiou-a. Odiou aquele mundo em preto e branco, sem som, sem vida. E descreveu-o: “Ontem à noite, estive no Reino das Sombras. Se vocês pudessem imaginar a estranheza desse mundo! Um mundo sem cores, sem som. Tudo aqui - a terra, a água, o ar, as árvores, as pessoas-, tudo é feito de um cinza monótono. Raios de sol cinzentos, num rosto cinzento, folhas de árvores que são cinzentas como a cinza. Não a vida, mas a sombra da vida.” E assim prossegue descrevendo aquele espectro de vida que a tela lhe mostrava. Não poderia supor que assistia ao início de uma coisa maravilhosa, que todos os dias nos encanta.
Mas ao ver aquelas cenas, de um mundo cinzento – não me lembro se havia algum som –, além de Gorki, me vieram à lembrança meus antigos anos 70, ou mais precisamente meu namorado Robert, que, afinal, tornou-se para mim símbolo daquela época. Da mesma forma que ao ler o texto de Gorki, há algum tempo, lembrei-me dele. Francês, parisiense, conheci-o durante um Congresso. Èramos jovens. Por coincidência ele morava em Porto Alegre, onde ainda mora, cidade para onde eu me mudaria logo depois para fazer meu Mestrado. Com ele aprendi a descobrir do que não gostava, e também do que gostava. Aprendi que não queria viver à chinesa, ao estilo Mao, com roupas cinzas, como as da moça da propaganda. Descobri que não queria ser igual a todo mundo. Descobri que gostava de saltos altos, de cabelos cuidados, com estilo. Descobri, como a moça, no final da propaganda, que gostava de batom, de perfume, de roupas elegantes, de riso, de alegria, de beleza. Descobri que gostava do conforto, do aconchego do lar. Enfim, descobri que gostava de tudo aquilo que ele considerava “da burguesia decadente”. Aprendi que adorava, e adoro, ser burguesa.
Robert foi minha primeira experiência com o mundo triste do socialismo real. Ou será que ele fazia confusão entre feiúra, sujeira, fedor, e revolução? Ao ver, nas Olimpíadas, a beleza de espetáculos que nos ofereceram, o sorriso esfuziante dos chineses, imagino que vivem um momento de quase transfiguração. Mas quando vi os pobres camponeses, trabalhadores braçais que não receberam seus salários, que não sabem como voltar para suas miseráveis aldeias, que não podem siquer sentar nas calçadas, imagino o mundo cinza com que sonhava meu amigo Robert para concretizar a sua tão sonhada revolução socialista. Que afinal, não tirou ninguém da miséria. Muito pelo contrário.
Uma candidata, no seu programa, apresentou-se como contemporânea dos Tupamaros, também sou. Somos daqueles tempos já antigos. Hoje quase ninguém mais sabe quem foram. E, se algum dia sonhei em ser companheira daqueles rebeldes, o sonho começou a se extinguir com o mundo cinza que me apresentava meu namorado francês. Mas se sonhamos o sonho errado, o sonho de um mundo melhor, mais justo, este não acabou.
Como é bom ser burguês! E tenho certeza de que, a julgar pela sua elegância, sempre que o encontro em algum Congresso, Robert, hoje, também pensa assim. Aliás, basta ver alguma cena de Cuba para constatar que não deu certo. E que, apesar da beleza tropical, tudo é feio, sujo, parece fedorento...e cinza. Mas quem sabe, como na história do cinema, alguma coisa maravilhosa está prestes a acontecer por lá?
Um esclarecimento, tratava-se de uma propaganda de “O Boticário”, loja pra lá de burguesa.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Esteja onde estiver.

“Esteja onde estiver, em outros espaços, em outros tempos, ou em outras dimensões, lá estará ele, livre de todas as servidões, nos esperando, para, juntos, fazermos parte do infinito”.

Esta foi uma homenagem que meu amigo Waldyr prestou a meu cunhado. O ano é 2005. Foi enviada a um jornalista que a publicou agora, em 2008, quando chegou a vez de Waldyr partir. José Carlos, meu cunhado, advogado, jornalista, escritor, poeta, foi um de seus melhores amigos. Waldyr, médico, amava as letras, tinha grande sensibilidade e talento, e era um ótimo “causeur”. Em um jantar em nossa casa, distraiu-nos, a mim e a Ricardo, com as velhas histórias de sua família, originária do Líbano. Waldyr partiu, Zé partiu, como é o normal da vida. Mas partiram quando ainda havia muita coisa a fazer e aproveitar. Partiram também alguns de seus melhores amigos, nenhum deles na velhice, e imagino que devam, agora, juntos, participar desse insondável infinito, que nos espera a todos.
Imagino que Waldyr, com seu riso tonitruante, que se anunciava ainda de longe, tenha provocado grande alvoroço entre os amigos que talvez já o esperassem. Não posso saber o que têm a se dizer, mas posso apostar que o papo vai ser longo, cheio de saudade. Ele, o recém-chegado, com a sensibilidade à flor da pele, ao revê-los, deve ter chorado e feito chorar. Posso apostar que chorou por ter sido obrigado a deixar aqui aqueles que amava intensamente, mas também creio que suas lágrimas vieram daquela emoção que sentimos ao reencontrar alguém que amamos e que não vemos há muito tempo.
Há alguns dias falei da espuma dos dias, do imperceptível fio do presente, da incerteza do amanhã. A morte de meu amigo me traz novamente à lembrança tempos antigos, contemporâneos daqueles de que falei então. Caxambu era o palco de encontro de nossas famílias. Eu tinha com meus pais uma negociação tácita de leva-los a passear e, depois, seguir meus próprios programas. Afinal, eu era bem jovem! Havia muita gente, além das crianças. Dos adultos, sobramos Marlene, viúva de meu amigo, sua velha mãe e eu. Aos poucos, a vida foi levando, levando para este insondável infinito, quase todos. Risos, brincadeiras, na hora do almoço, no jantar, foram se extinguindo. Caxambu foi esquecido, as crianças tornaram-se adultas, e há hoje outras crianças. Os jovens de então, nós, ficamos órfãos já há tempos. Hoje, os novos órfãos são aquelas crianças de então. Velhas fotos mostram flagrantes de amigos, de brincadeiras, de momentos de felicidade compartilhada. Jamais vamos esquecer aqueles dias. Mas o “futuro” daquele “presente” já antigo, insondável como o infinito, provou, mais uma vez, a sua total imprevisibilidade. Meu irmão Sergio partiu, ainda tão jovem! Partiu Zé, Teresa, minha inesquecível irmã. Quem poderia supor que um dos mais velhos os sobreviveria? Dos adultos, estamos aqui, Marlene e eu, para relembrar, rir e chorar.
Waldyr foi o amigo fiel que nos acompanhou em nossas sucessivas perdas, até que, tendo perdido todos os que comigo escreveram minha história mais antiga, senti sua mão amiga, seu abraço, que me dizia “Pode contar comigo”.
Obrigada, meu amigo. Um dia, não sei quando, sei que poderei falar-lhe de minha gratidão.
E até Deus sabe quando.

sábado, 16 de agosto de 2008

Quem se habilita?

“Quem se habilita a despachar Chavez para o outro mundo?”
É uma pergunta cruel, uma proposta indecorosa, vale uma punição de Deus, afinal o homenzinho é filho Dele. Será? Para mim, Chavez nasceu de um incesto do demônio com alguma demônia irmã. Procuro no que conheço de governantes desclassificados, corruptos, ordinários, feios, nojentos, e não encontro nada parecido. Somoza, Stroeesner (?), Pinochet, e tantos outros rebentos horrendos surgidos, por esta América Latina, parecem gente melhor perto dele. Os grandes monstros da História contemporânea, Hitler, Mussolini, Mao, Stalin, e aqueles de nome arrevesado lá do Extremo Oriente, tinham, pelo menos, um pouco mais de compostura. E afinal, já foram varridos do convívio humano, por decisão da vida. Porque Chavez tem a compostura de um dono de bordel. E olhe lá!
Perto dele Lula parece um Churchill, um Roosevelt, toma ares de estadista. O índio fica parecendo um refinado galã de cinema. Rafael Correa, do Equador, aliás, o mais cultivado de todos, parece Dom Quixote ao lado de Sancho Pança. Só se compara a ele, o tal de Ortega, figurinha mais do que subalterna, acusado de haver estuprado a enteada, com ou sem a conivência da mulher, durante anos. Aliás, de tão subalterna, pensei que houvesse morrido, e levei um susto quando apareceu como Presidente. Ou seja, trocaram Somoza por Ortega, e tudo ficou na mesma podridão, só que agora à esquerda. Isto sem esquecer a patética figura de Cristina Kichner, tentando repetir Evita, sem ter nenhum de seus atributos, a começar pela inteligência e carisma. Ah! E ainda tem um ex-Bispo, oriundo da Teologia da Libertação, que, é claro, se alinha com todos estes e está tentando, em nome de uma ideologia que não deu certo em lugar nenhum, extorquir dinheiro do companheiro Lula. E pairando sobre todos o morto-vivo, Fidel. Ou será que já desencarnou e a gente nem ficou sabendo? Porque, nos regimes totalitários, tudo é mantido em segredo.
Não temos, e continuaremos a não ter, nenhuma importância no cenário mundial. Nossos povos vivem, em sua maioria, em condições precaríssimas. A corrupção grassa. Antes era a direita que nos infelicitava, mas havia esperança. Hoje somos assolados pela ideologia do fracasso, aquela que afundou todos os países onde se estabeleceu. E tem produzido para o mundo capitalista um exercito de prostitutas e proxenetas. Afinal, é preciso sobreviver. Tenho medo do que está por acontecer, aqui, no Brasil, tenho medo do MST, da Via Campesina, da Teologia da Libertação, que se perdeu nos descaminhos do marxismo.
É preciso lembrar que os Bárbaros invadiram o Império Romano não para destruí-lo, mas, sobretudo, porque queriam usufruir dos benefícios de uma civilização que oferecia aos cidadãos aquilo com que eles, Bárbaros, sonhavam. Porque, afinal, como já descobriram os chineses, lá ao jeito despótico deles, o que todo mundo quer é poder viver bem, confortavelmente, com segurança. E para nós, que não temos cultura despótica, com liberdade.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

A espuma dos dias

Já é chavão dizer que não há nada mais incerto do que o amanhã. O amanhã pode me trazer coisas boas ou más, ótimas ou péssimas: ganho na Loteria, recebo uma linda declaração de amor, sou vítima de bala perdida, descubro que tenho um câncer, perco inesperadamente um ente querido, sou chamada pela Receita Federal. A incerteza do amanhã, de cada momento além deste fiozinho invisível do presente, chama-se vida. É não conhecermos o amanhã que nos impulsiona, ainda que isto possa parecer absurdo. É como na novela das nove, onde, uma vez que já se sabe quem é a assassina, espera-se, sem poder saber de antemão, o desenrolar do drama. E é o não-saber que torna tudo interessante. Como na vida, onde, é claro, não podemos esquecer a variável fundamental da liberdade humana.
Não sei o que me acontecerá dentro de poucos minutos: saio com minha cadelinha e um carro em alta velocidade nos atropela e nos leva para o outro mundo, eu abraçadinha a ela, toda trêmula. E se, como estou pensando em coar um cafezinho, o gás explode, ou deixo cair a cafeteira e provoco queimaduras? Minha mão pode tremer, uma barata passar, e a água fervente cair impiedosamente sobre mim. Enquanto falo, aquele fiozinho de presente já se transformou em passado, e este novo presente imediatamente será um passado. Mas afinal, se o presente é tão fugaz e o futuro é uma incógnita, o que nos resta?
A constatação da fascinante incerteza do amanhã, e da quase invisibilidade do presente, a única que me assegura alguma coisa de “palpável”, aprendi com a vida. Resolvi falar dela, quando a morte de uma amiga me trouxe a lembrança de velhos tempos, de imagens antigas quase esquecidas, ainda que seus protagonistas estejam para sempre presentes na minha história. Reuníamos, uma vez por semana, para um lanche noturno, na casa de minha irmã, Teresa. Éramos quatro mulheres de idades bem diferentes, e eu era a mais jovem. Minha mãe, minha irmã, e a amiga de quem falei há pouco. Por vezes, meu cunhado aparecia para tomar um cafezinho de boca-de-pito. Conversamos até lá pelas dez. Em casa, minha mãe e eu encontrávamos invariavelmente meu pai e meu irmão. Havia, na chegada, recriminações de meu pai, e uma invariável lamúria de minha mãe, o que fazia seu jeito de ser. Mas se entendiam bem, lá do jeito deles. Este era um presente meio chato por vezes, mas que me parecia sólido, quase permanente. O que não percebi é que, a cada dia, pouco a pouco, coisas foram acontecendo, e tudo foi se transformando. Teresa mudou-se. Meu pai acusou doença cardíaca, mudei-me para meu apartamento, ele piorou, trouxe-o para junto de mim. Nossas relações se inverteram e passei trata-lo como filho. Morreu. Pouco tempo depois, minha mãe fez uma queda, caiu em depressão, passou na cama seis anos. Virou minha filha. E morreu. Morreu meu irmão Sérgio, sem que tivéssemos tempo de nos dar conta de que estava doente. Foram algumas horas. Também morreu meu cunhado, inesperadamente. Morreu Teresa, vítima de um câncer, logo ela que sempre pareceu ter saúde perfeita. E agora se foi a amiga Cecília, de quem, malgrado eu, estava afastada há bastante tempo. Tomando um cafezinho entre duas aulas, encontrei Ricardo e, finalmente, conheci o verdadeiro amor. Dia a dia, a vida foi se transformando, até que daquele tempo só sobraram eu e minhas recordações. E até estas já estavam quase esquecidas. Este “amanhã”, que vivo hoje, daquele “presente” antigo é tão inesperado quanto o desenrolar da novela das nove.
Mas, como tenho dito, a vida me ensinou muita, muita coisa, e uma das mais importantes é saber alargar a fugacidade do presente, por pelo menos vinte e quatro horas, e se não houver um grande incêndio a vista, aproveitar ao máximo esta dádiva divina. Afinal, como será o amanhã?
Isto é saber ser feliz.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

“La p... respectueuse”

Sartre certamente não se inspirou nela. Sua peça é bem antiga, ainda que a p... a que me refiro também seja antiga. Aliás, muito mais do que a obra de Sartre, que, se não me engano, data de 1947.
A p... a que me refiro não é francesa, certamente nunca saiu do Brasil. Não é famosa, e tenho certeza de que jamais freqüentou uma sala de teatro. Nunca ouviu falar de Jean-Paul Sartre. E sua história, real, não tem nada a ver com a peça. A p... a que me refiro é uma velhinha, toda vestida de preto, tênis brancos, como seus cabelos, puxados para trás num coque desajeitado. O rosto é marcado por rugas profundas, as faces encovadas, a boca murcha, os lábios quase invisíveis, denunciando total, ou quase total falta de dentes. Nossa p... brasileira não pode andar rápido, já que lhe falta o ar.
Ao vê-la transitar pela praça, durante o dia, caso nos passe pela cabeça alguma associação, podemos pensar numa vovó que se dirige para casa a fim de preparar o almoço da família. Se for à noite, ficaremos surpreendidos ao vê-la sozinha em lugar ermo e perigoso. Chama-se “Rosinha”, ou “Dona Rosinha”, nome de guerra que assumiu desde os 17 anos, ao tornar-se prostituta. Era o ano de 1953. Ou seja, está nas ruas há cinqüenta e cinco anos! Nossa p... não é “respectueuse”, é uma pobre mulher, gasta pela vida, e, provavelmente, pela sua falta de inteligência. Conta ao repórter que a entrevistou que durante algum tempo foi faxineira e abandonou a vida “fácil”. Mas voltou. Talvez por ganhar mais. Diz serenamente que faz programas por necessidade. “Dona Rosinha” não tem nada, jamais terá aposentadoria, vive num casebre com uma cadelinha vira-lata. No meio da bagunça e sujeira, há, jogados pelo chão e atrás de arruinados móveis, velhos retratos de família amarelecidos pelo tempo, retratos de uma família que provavelmente nem existe mais. Ou se ainda existe, já a esqueceu há muito. Só Deus como acabará seus dias.
Tranqüilamente, conta como aborda os possíveis clientes, que muitas vezes não compreendem a princípio o que ela lhes propõe. Muitos se compadecem e aceitam, pagando-lhe trinta reais. Não consigo imaginar que tipo de homem poderá manter relações sexuais com a velha senhora. Estarrece-me pensar que, durante pelo menos trinta anos, jamais lhe tenha passado pela cabeça a idéia de progredir, de aprender um ofício. Mas os tempos eram outros, e prostituta era considerada um ser inferior, criado para o pecado, sem possibilidade de redenção. Não havia programas de recolocação social, e, francamente, não sei como funcionam hoje. Dona Rosinha, a puta velha brasileira, seguramente, precederá no céu muita gente bem comportada, que bate no peito, que vai à missa ou ao culto, que tem poder. Deputados, religiosos, socialites - muitas delas caras prostitutas disfarçadas -, banqueiros, Ministros, mensaleiros, amigos do homem, e, certamente, ele próprio.
Não foi Jesus que disse aos fariseus:
“As prostitutas vos precederão no paraíso.”?

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Ecos do MEU passado

Há algum tempo, falei em ecos do passado, referindo-me à minha avó paterna. Ainda pretendo escrever sobre minha avó materna, figura inesperada naquela sociedade brasileira, conservadora. Mas agora, estes ecos referem-se a mim mesma, ao meu passado e ao que ele representa hoje para mim.
Durante este mês de férias estive em Florianópolis, linda cidade, e, é claro, fiquei o máximo que pude com minha prima, e amigona, Maria Helena. Nativa da ilha, ela conhece recantos deliciosos, onde se vê um pôr-do-sol inigualável, onde se pode comer os mais deliciosos frutos do mar, onde o mundo infestado de poluição – que cada dia mais se parece com aquele de Pequim – está tão longe quanto Urano. Encontrar Maria Helena me trás sempre recordações, boas, longínquas, mas sempre saborosas. Ouvir seu suave sotaque, típico da ilha, com algo de lusitano, mas muito mais doce, quanta recordação me trás!
Falo do passado sem nostalgia, da mesma forma que falo e brinco com a passagem do tempo, com a perda da juventude, com a inexorável aproximação do desfecho. Para quem, como eu, já sofreu tantas perdas, esta convicção não deixa nenhum laivo de dor ou angústia. Vejo tudo com naturalidade, procurando viver os anos que me restam da melhor forma possível. Revejo meus velhos conceitos, minhas expectativas e sinto-me recompensada, porque afinal, consegui o fundamental. Muita coisa deixei pelo caminho, e não arrependo-me. Estar com Maria Helena, e nem preciso expressar-me verbalmente, produz em mim uma espécie de reminiscência profunda, como se nos déssemos as mãos e olhássemos em silêncio tudo que já fomos e sonhamos. Falo por mim, e não posso saber o que significam para ela estes contatos. Mas cada um de nós é um, único, e sentimentos são unipessoais e intransferíveis. Muitas vezes, sinto-a mais ligada àqueles sonhos que, felizmente ou infelizmente, já abandonei há muito. Fossem eles ideológicos ou não.
Estar com minha “velha” prima, é um mergulho numa época de sonhos, de quebra de tabus, de conflitos familiares, de paixões efêmeras. É relembrar um tempo em que todos estavam por aqui, os que amamos e foram partindo pouco a pouco, mas que um dia, nós duas, resgatamos, uma ao lado da outra, sem que fosse preciso palavras, suas presenças, nossos sonhos, e nossos vinte anos.