QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



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quinta-feira, 25 de outubro de 2007

O bem-te-vi e a menininha

“E então o bem-te-vi passou em vôo rasante sobre minha cabeça e me senti penetrada pela sua presença”. Estávamos, minha prima Maria Helena e eu, na sala de café de um hotel em Paris. Fiquei emocionada ao ouvi-la e procurei na minha memória velhas fotos amarelecidas de nosso álbum de família. E lá estavam elas, mostrando uma mulher morena, de cabelos cacheados, olhos negros, linda, sedutora. Tinha um sorriso aberto, de alguém que ama profundamente a vida. Sim, ela poderia ser comparada a um bem-te-vi. Que lindo! Gostaria, depois que partisse, que alguém me comparasse a um pássaro, daqueles que nos falam de carinho, doçura, alegria. Sim, provavelmente, ela viera acariciar a filha, tão querida, trazendo consigo o prazer de sua inesquecível presença.
Pensei em minha mãe e procurei com qual imagem ela se identificava. Veio-me logo à mente a figura de uma menininha a procura de afago. Imagem cheia de fragilidade e timidez. Como sempre foi Alice. Minha Alice era grande demais, tinha mais de 1,70, numa época em que as mulheres deveriam ser pequenas, calçava 40, quando os pés femininos deviam ser pequenos. Tinha lábios excessivamente grossos, quando o bonito eram aqueles finos e delicados. Além do mais, era “filha natural... de pai desconhecido”. Nas fotos com as primas, sempre aparece sentada, evitando destoar do conjunto homogêneo de mulheres diferentes dela. Alice nasceu em época errada, e por isso tornou-se tímida, insegura. E até seu último dia conservou a alma de criança. Desde bem cedo, vi nela esta criança e, durante os muitos anos que a tive comigo, cuidei-a como uma filha muito amada.
Fico imaginando que lá de cima, Zaíra e Alice, o bem-te-vi e a menininha tímida, estejam nos olhando. O bem-te-vi voa faceiro de um lado para outro, cantando a sua canção inimitável, e a menininha corre atrás dele, tenta alcançá-lo numa brincadeira cheia de risos. Por vezes param e, numa espécie de dança infantil, giram os corpos e olham para um mesmo ponto, talvez para aquele pequeno hotel, em Paris, onde Maria Helena e eu falávamos delas, do quanto significaram para nós, do quanto as amamos e amaremos para sempre.
Maria Lúcia – abril de 2007

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Sexo, drogas e Rock and Roll

Alguém sabe quem é Christine Keller? E o doutor Ward? E um certo John Dennis Profumo? E Eugene Ivanov? Personagens reais ou fictícios? Acho que muito pouca gente vai poder responder. Uma trama fantástica mistura um ministro conservador de sua Majestade, um adido militar soviético, uma prostituta e um médico homeopata, o preferido da família real, além de personagens secundários, como o proxeneta que comanda um pequeno exército de “horizontales”. Mistura mais do que explosiva, naqueles anos 60, em plena Guerra Fria. Romance policial, de espionagem? Na época, estourou em bancas de jornal, revistas traziam a foto de todos os personagens, a cores. Mas foi há tanto tempo, que praticamente caiu no esquecimento. O título: “Escândalo Profumo”. Profumo, homem íntegro, um certo dia, não se sabe porque, vale-se dos serviços do tal proxeneta. A escolhida é Christine Keller, de 19 anos, que também presta serviço ao Adido Militar soviético. O intermediário entre o Ministro e o proxeneta é o tal Ward, que, por sinal, é amigo do soviético. Descoberta a trama, Christine Keller é suspeita de passar para seu amante soviético segredos de Estado, colhidos durante seus encontros com o Ministro inglês.
Bem, tudo isto estava esquecido, ou melhor, guardado, na memória de meu computador natural, aquele com que nascemos. E foi reativado a partir da leitura de um artigo de Arthur Xexéo, sobre Mônica Velloso, que a revista Playboy tenta comparar a Christine Keller, já começando com uma foto idêntica. E por que esta tentativa? Espertamente, a revista procura identificar Mônica Velloso como a mulher que abalou os alicerces da República brasileira! Mas tudo isto é puro besteirol. Mônica é uma espertalhona, que usou fatos de sua vida privada para se dar bem. Fato corriqueiro, insignificante, sobretudo com personagens tão essencialmente secundários.
Resolvi escrever para lembrar alguns fatos extremamente intrigantes naquele já histórico “Escândalo Profumo”. Eu ainda patinava na adolescência, mas, como muitos dos jovens daquele tempo, lia intensamente e interessava-me por tudo o que acontecia. Assim, li e reli tudo que se referia àquele romance policial da vida real. O final é evidente, Profumo foi exonerado, depois do escândalo e da derrota de seu Partido Conservador, o soviético desapareceu, assim como os demais personagens. Mas a partir daí, sutilmente, sem que quase ninguém tenha se dado conta, mudanças foram ocorrendo. Até que, ao final de alguns anos, a sociedade havia sofrido enorme transformação. E o palco primordial desta mudança foi exatamente a terra de sua Majestade Elisabeth. Logo depois, o mundo assistiu, impotente, ao boom das drogas, estranhamente glamourizadas por parte da imprensa. Revistas mostravam, em Londres, jovens totalmente destruídos. Ao consumo das drogas, quase simultaneamente, veio juntar-se o mundo do rock, a descoberta e ascensão meteórica dos Beattles (ainda que o grupo tenha sido extraordinário e, certamente, ignorasse o que poderia se esconder por trás daquele sucesso). A cada aparição, multiplicavam-se as cenas de histeria, tudo, é claro, embalado pelo consumo de drogas. Sempre com o cenário inglês. Nesta altura, o mundo já havia mergulhado nas drogas, os grupos de Rock se sucediam numa clara apologia ao consumo. Depois foi Woodstock, o movimento hippie, etc, etc. E sempre muita, muita droga.
Há alguns anos, em conversa com um cientista político de renome, ouvi dele esta mesma dúvida, que sempre foi a minha: teria sido tudo isto engendrado a partir daquele aparentemente simples caso extraconjugal? Teria sido uma hipótese que eu jamais havia levantado, uma estratégia da Guerra fria, aquela de destruir pelo nariz, como já disse Fidel? Desiludidos, sem o respaldo secular do respeito e admiração a seu maior símbolo de autoridade, teriam as novas gerações inglesas, sob o impacto da denúncia, sido vítimas de um plano altamente sofisticado, no qual o objeto não era uma arma mas o nariz? O país escolhido, e seus valores nacionais, não poderiam ser mais adequados. Nestes tempos pós-Guerra Fria, ficamos conhecendo planos que nos parecem ridículos, como aquele em que a CIA pensou fazer cair a barba, e creio que também o cabelo, de Fidel. Pode parecer ridículo, mas é altamente sofisticado: o que poderia ter acontecido com um Fidel, líder revolucionário, repentinamente carecão? Ou com as sempre instáveis e ridículas, cabeleira e barbas postiças?
Pode ser que para alguns de nós, que conhecemos aquela trama de intrigas internacionais, permaneça uma dúvida. Para outros, minha hipótese pode parecer esdrúxula, totalmente absurda. Quem sabe afinal? Ou quem saberá algum dia? Mas para nossos filhos e netos, permanecerá seguramente, e para sempre, a constante ameaça das drogas.

domingo, 7 de outubro de 2007

Sonhos e pesadelos

Quem é este homem sujo, descalço, decrépito, cabelos emaranhados, olhar meio esgazeado, levado pelo agente da CIA? Não pode ser o Che, não aceito! O Che que iluminou meus sonhos de jovem, herói da causa da justiça, é aquele que olha arrogante para frente, lindo, cabelos revoltos, barba rebelde, a boina, a estrela. Ou então aquele que, morto, nos sorri como se o martírio fizesse parte de sua história, já escrita de antemão! Não aceito este Che derrotado, sujo, fedorento! É contra tudo aquilo em que sempre acreditei! Como pode ser que ele tenha se transformado em um pequeno ser humano, frágil, doente, sem nenhum charme? Olho novamente a foto, sim é ele. O comandante, já sem nenhum dos elementos que fizeram dele a figura mítica que povoou sonhos daqueles jovens lá dos anos 60 e 70, que acreditavam que um mundo melhor poderia existir.
Derrubado o comunismo, rompida a cortina, pudemos ver que aquele mundo ideal não era nada do que havíamos imaginado. Hoje, tantos anos depois, sabemos que nossos ídolos eram de barro. Fidel é um velho ditador moribundo, metido num ridículo uniforme de ginástica, mal podendo manter-se em pé. Che começa a mostrar uma face que não gostaríamos de conhecer, aquela de sua real dimensão. Depoimentos de velhos companheiros mostram um homem fanático, cruel, sem o menor sentido de justiça. Mas eu reluto, não quero abdicar do meu velho mito. Quero aquele Che de minha juventude, belo, jovem, idealista, totalmente devotado à justiça social! Não posso aceitar que possivelmente ele nunca tenha existido e foi simplesmente produto de nossas quimeras! Dizem que foi um comandante desorientado, não conhecia nada de nenhumas das funções que desempenhou, que, nas selvas bolivianas, jamais conseguiu conquistar a simpatia daqueles que dizia querer defender. Gostaria de poder dizer que conservo meu cândido ideal de jovem, que ainda acredito naquilo tudo que discutíamos nas mesas dos bares, mas confesso que, balanço feito, não restou quase nada. Gostaria de, como minha velha prima Zaida, conservar até o fim da vida a ilusão de meus sonhos do passado. Da mesma forma que ela acreditava na imagem daqueles atores e atrizes, que a fizeram sonhar até o final, gostaria que na minha, permanecessem meus velhos heróis. Gostaria de poder afirmar, como o Che, que ainda que a gente acabe se endurecendo no decorrer dos anos, jamais perderemos a ternura, aquela de nossos sonhos juvenis. Como fez Zaida

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

CARTA ÀS CINQUENTONAS -3

Quando entrei na Faculdade, nos anos 60, encontrei boas amigas. Com algumas delas ainda guardo amizade, e peço que me perdoem se sentirem-se atingidas. Primeiramente, procuramos um curso “ feminino” : Letras. Cursos machos eram Medicina e Engenharia, prioritariamente. Depois vinham outros, como Odontologia, Economia e Direito. Ciências Humanas eram considerados preparatórios para o casamento e os homens que os freqüentassem não tinham nem a quarta, ou quinta, parte do prestígio daqueles primeiros. Minhas colegas sentiam-se mais, ou menos, valorizadas pela escolha de que tinham sido objeto. Quase nenhuma pensava em tornar-se profissional, ganhar seu sustento. As que tinham este projeto eram consideradas frustradas, ou coisa pior (...), já que mulher que pensava em carreira não pensava no casamento. Uma fulana bem sucedida era “ bem casada”, e a “bem casada” era aquela sustentada por um marido, pelo menos, em vias de enriquecer, ou seja “ bem de vida”. E, em muitos casos, pouco importava se ele a amava de fato, se havia entre eles harmonia e respeito. Conheci casamentos que me aterrorizavam e eram apontados como exemplares. “Casamento bom é aquele que tem futuro”. É claro que falo da mentalidade da classe média brasileira, sempre ávida daquilo que considera ser bem sucedido.
E ainda havia o tal de “ homem da minha vida”, que, em geral, era o “ primeiro”. No seu magistral livro “ O Segundo Sexo”, Simone de Beauvoir explica de onde surgiu a imagem do “primeiro homem” - o que desbrava a floresta e colhe a flor - de onde vem o termo deflorar e deflorador. Estou certa que, para muitas daquelas mulheres, a imagem do deflorador sempre esteve ligada a do “homem de minha vida”. Ou talvez seja o contrário. Mas o casamento da classe média, em decorrência dessa mentalidade, tinha um outro ingrediente, o aparato, que começava com o enxoval. Assisti a verdadeiras disputas pelo mais belo enxoval, com direito até a exposição! Convidada, não ousei recusar, de medo de ser taxada de invejosa.
Nestes dias já de crepúsculo, tive esta imensa vontade de contar aquilo a que pude assistir, sejam as crenças preconceituosas que arrastaram tantas vidas à infelicidade, anularam tantos talentos, criaram tantas frustrações e arrependimentos, sejam nossos sonhos de jovens, que fugiam ao que estava decidido há muito tempo pelas gerações passadas, e que também tiveram um preço a pagar. Muitas mulheres, presas daquele primeiro modelo, tão útil a este mundo masculino, conseguiram salvar-se, outras afundaram na obscuridade e passaram a contar a história dos filhos e netos, já que a sua havia se transformado em um livro em branco. Nos nossos dias, a “mulher bem sucedida” não é forçosamente a casada, mas aquela que ganha seu sustento. E se está ao lado de um homem é porque assim o quer. A “mulher bem sucedida” é aquela que conta sua história com a sua vida, e acha graça de tudo que relatei aqui. O caminho da mulher nos anos do terceiro milênio não passa por um marido “bem de vida”, mas passa pelo seu trabalho, empenho, desejo de vencer. A caminhada é mais difícil do que a daquelas que nos antecederam, mas certamente é mais feliz e dignificante.