QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



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segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Receita para ser feliz

É verdade que tenho estado particularmente feliz nestes últimos tempos, apesar das múltiplas preocupações. Obama venceu, os mensaleiros estão sendo julgados e condenados. Rui Falcão , aquela mistura pra lá de indigesta de Stalin com Goebbels - o ministro da propaganda nazista que dizia que uma mentira, a força de ser repetida infinitamente, acaba como verdade- está sendo denunciado, juntamente com o chefe, sobre a farsa do relatório final da CPI do Cachoeira, que deixou de lado notórios pilantras como o governador do Rio de Janeiro, um tal de Sérgio Cabral Filho. Dilma compareceu sorridente  à posse de Francisco Barbosa. E ainda umas outras pequenas cositas. Tenho a alegria de dizer que o homem mais poderoso do mundo e o mais respeitado do Brasil são negros. Negros como aquele meu antepassado lá do século 19, cuja fotografia guardo como recordação de família e como troféu de minha miscigenação. É a minha gota de sangue.
Mas, afinal, esta não é a receita para uma felicidade existencial. E ela existe? Lembrei-me disso ontem à noite, quando as nove e meia  fui me deitar para dormir daí a meia hora, já com o celular marcado para as cinco da manhã de hoje, amanhã, depois, depois e depois. Este é um dos princípios de minha receita de felicidade. Lembrei-me ao pensar em uma amiga que tem a sua e que não admite a minha. Bobagem, nós, humanos, somos tão infinitamente diferentes uns dos outros que decidi não discutir, lembrando-me de meu pai que dizia só discutir coisas inteligentes.
Houve um tempo, não muito distante, que para ser feliz uma mulher precisa casar-se. Não precisei. Outras precisaram.  Precisava procriar. Não precisei. Outras precisaram. Eu ainda não conhecia Simone de Beauvoir, mas tinha conceitos meio confusos acerca do que poderia ser a “minha” felicidade. Amei, tive paixões fulminantes, esqueci-os, ainda olho com saudades aqueles meus anos dourados, mas não quero nostalgia. Não imagino a felicidade numa cidade violenta, não imagino a felicidade baseada em constantes viagens, em compras, em luxo. Mas outras pensam assim, porque, afinal, somos infinitamente diferentes. Imagino a felicidade como uma grande, enorme liberdade. Aquela liberdade que Deus nos deu e que, mesmo que tenhamos escolhido a submissão, foi  responsável pela nossa escolha. Deixei de ter pena de fulana ou beltrana, que não deu certo na vida, tendo todos os membros no lugar, uma cabeça pensante e condições mínimas. Irrita-me ouvir “Coitada de Fulaninha!” Fiquei má. Acredito na liberdade, aquela que nos permite fazer qualquer escolha, desde que não cause dor a outro, que, aliás, tem a liberdade de defender-se. Quero ser livre, e peço todos os dias a Deus que morra no sono, como os bem-aventurados. Talvez sonhando com outro mundo, onde dizem que há uma paz tão profunda, como jamais experimentaremos aqui.
Como ser humano, posso ter o homem ( ou a mulher)  que quiser, e me quiser, sem nenhuma espécie de preconceito, mas quero a minha liberdade para escolher meu futuro e evoluir naquilo que para mim é importante. Sou uma individualidade, capaz de dar conta de minha vida, livre para viver no mato, no Rio, em Paris, livre para viver como quiser e onde quiser,... sendo feliz.
E madrugadora.  

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Requiem pour Bibi


Conheci Bibi dentro de um caixãozinho branco, recoberto de véu também branco. Ao lado do seu rosto, como se dormisse com ela, sua bonequinha de pano que a acompanhava desde sempre. Nas mãos cruzadas onde se via um terço branco, se destacavam as unhas pintadas de rosa-pink. Tive vontade de beijar seu rosto, mas senti uma censura dentro mim. Ao invés disso, beijei suas mãozinhas geladas pela morte. Meu réquiem sem música era, no entanto, verdadeiro. Havia uma criança morta, aos oito anos, feitos alguns dias antes. Não contive as lágrimas, como a maioria das pessoas que ali estavam. Abracei e beijei a mãe, que mostrava no rosto o sofrimento de mais de dois anos de luta contra um câncer que, afinal, levara sua Bibi. Seu rosto, apesar do sofrimento, sorria, e mostrava simultaneamente a dor e a serenidade de quem lutou até o fim. O pai tinha a mesma expressão de dor, mas mostrava calma. Ambos haviam, naqueles quase três anos, dedicado suas vidas à filha, que sabiam irremediavelmente condenada.
Por que aos oito anos, depois de tanto sofrimento, Beatriz partira? Inexplicável. Como diz o Eclesiastes:
Há um momento para tudo e para todo propósito debaixo do céu.
Tempo de nascer,
E tempo de morrer;
tempo de plantar,
e tempo de arrancar a planta.
................................................
Tempo de chorar,
e tempo de rir;
tempo de gemer ,
e tempo de bailar.
.................................. “

Bibi deve ter cumprido seu tempo. A plantinha tenra foi arrancada. Mas foi tão breve seu tempo! Foi arrancada dos braços amorosos de seus pais, avós, mas foi recebida nos braços de Deus, criaturinha sem pecados.
Foi aos meus oito ou nove anos,  que vi, pela primeira vez, uma criança morta. Era um menino e deveria ter cinco ou seis anos. Foi numa casa pobre num bairro popular, uma daquelas construções de duas janelas que dão diretamente sobre a rua. Havia morrido de alguma doença na cabeça, quem sabe hidrocefalia. Tinha a cabeça enorme, descomunal para seu corpo que parecia ser miúdo. Uma cor amarelada, doentia, que mesmo a mim, criança, impressionou. Ficamos debruçadas na janela olhando, minha amiguinha e eu. Alguém depois nos disse do que morrera, mas não guardei na memória, é claro. No entanto, aquela imagem da criança morta, nunca mais esqueci. Muitos anos depois, vi o neto de uma amiga dentro de um pequeno caixão, depois de uma longa luta contra a leucemia. Tinha dez anos.
E ainda diz o Eclesiastes:
“....Também colocou no coração do homem o conjunto do tempo, sem que o homem possa atinar com a obra que Deus realiza desde o princípio até o fim....”

Temos todos o nosso tempo, de chorar de rir, de gemer e de calar. E de morrer. Mas não podemos atinar com a obra de Deus.
 

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Paris: a festa continuou- II


E Paris retomou sua vida, o mais normal possível, ainda que muitos franceses tivessem optado por deixar a cidade, ou a França. Na capital, pessoas comuns, intelectuais, artistas, tinham que sobreviver, ainda que a presença do invasor estivesse em toda parte. E como frisa a autor, a história da cultura francesa havia influenciado o mundo e era o maior trunfo da França diante da Alemanha nazista. Paris sempre fora uma cidade cosmopolita, onde a vida agitada, que misturava cultura e lazer, a diferenciava das outras capitais. Aos nazistas interessava que os franceses continuassem se divertindo, ou “chafurdando na própria decadência.” Assim cabarés e bordéis tinham entre os alemães seus principais frequentadores.  Ali conviviam com franceses. A cidade tinha bandeiras com a suástica por toda parte, mas, apesar disso, a velha Paris continuava fazendo sua vida encantadora. No entanto, Goebbels – o, infelizmente, genial homem da propaganda e da informação nazistas - tinha outra preocupação: era preciso oprimir a França, aviltá-la, fazendo com que sua incomensurável vida cultural, vinda dos seus tempos mais antigos, tivesse uma estagnação. O complexo de inferioridade dos alemães vinha de muito longe, dos tempos em que a França já produzia Arte de todo tipo, enquanto eles ainda permaneciam bárbaros. Então, de agora em diante, Paris não mais irradiaria luzes por todo mundo. A França deveria se calar. Em uma instrução à embaixada alemã em Paris, dizia Goebbels : “ O resultado de nossa luta vitoriosa será o fim da supremacia cultural da França, na Europa e no resto do mundo.......Toda forma de auxílio ou tolerância à propaganda cultural francesa será considerada crime contra a nação.”   Em contrapartida, seria dada à prioridade à cultura alemã. Um Departamento de Propaganda, com complicada estrutura foi criado com esta finalidade. Disseminar a cultura alemã não era difícil, já que os dirigentes dos órgãos de propaganda franceses eram fascistas convictos, ou queriam agradar o invasor. Alguns oficiais alemães, profundos conhecedores e admiradores da cultura francesa, fluentes na língua, vieram a Paris a fim de criar com franceses fascistas um  Groupe de Collaboration, cujo nome já indica a finalidade. A verdade é que os homens enviados a Paris para este fim eram de grande gabarito intelectual. Orquestras alemãs apresentaram concertos, muitas vezes regidos por Von Karajan,  seguidos de recepções a que compareciam intelectuais franceses. Ao fim de algum tempo, Goebbels resolveu convidar à Alemanha artistas e intelectuais franceses.
No entanto, muitos franceses, diretores de cinema, atores, além de intelectuais judeus, haviam deixado a França. E a perseguição anti-semita continuava implacável. Os judeus ricos abandonavam suas mansões e migravam para a Inglaterra ou Estados Unidos, os pobres, fugidos da invasão do Leste europeu, serviram de gado humano para os famigerados campos de concentração. Nas mansões abandonadas a rapina era imediata. Simone de Beauvoir, professora, conta que foi obrigada a assinar um documento afirmando sob juramento que não tinham nenhuma ascendência judaica nem ligação com a maçonaria. No governo fantoche de Vichy também acontecia uma terrível perseguição anti-semita. Judeus foram expulsos do serviço público e, se não fugiam, eram presos e, posteriormente, enviados a campos de trabalhos ou de concentração. E muitos franceses tiveram que exercer trabalho escravo na Alemanha.
Mas já prevendo a guerra, o governo francês, em 1939, havia esvaziado o Museu do Louvre, retirando de suas molduras pinturas famosas e levando-as para um castelo na região do Val de Loire. No Museu do Jeu de Paume, onde se expunha obras dos mestres franceses impressionistas,  muitas telas foram roubadas por Goering, pessoalmente, que vinha a Paris escolher para si ou para Hitler. Enquanto isto, intelectuais franceses continuaram a produzir, numa atitude que poderia parecer dúbia, já que tinham que passar pela censura alemã. Cocteau, Satre, Guitry, por exemplo, exibiram peças, onde uma muito significativa parte da platéia era constituída de oficiais alemães. Artistas, como Picasso, Matisse, Bonnard, continuaram em Paris produzindo suas obras, indiferentes ao drama político francês. Conta-se que um militar alemão ao visitar o estúdio de Picasso, foi presenteado com um cartão postal de sua obra Guernica, que retrata a destruição da cidade basca pela aviação alemã, com autorização do ditador Francisco Franco. Pergunta-lhe o oficial, após observar o postal. “Você fez isso”? Ao que Picasso responde: “ Não, você fez!”
E em Paris, continuava a festa. A matéria-prima que faltava para a moda foi substituída por outra. As mulheres continuaram elegantes, e, com os grandes costureiros, usaram a imaginação. Sem haver material para a fabricação de meias, que naquele tempos tinha a famosa costura na parte posterior, imaginou-se marcá-las com canetas. Chapéus eram feitos de todos os tipos de materiais, inclusive papel. Mas se a comida era escassa, os cabarés continuavam múltiplos e cheios. Muitas francesas tornaram-se amantes de oficiais alemães, sendo que a grande musa do cinema, Arletty, aparecia oficialmente com seu amante alemão. Ao ser presa e interrogada após a liberação de Paris disse uma frase que ficou famosa: “Se meu coração é francês, minha bunda é internacional.” Foi liberada e viveu até os noventa e quatro anos. Outras, sem seu status tiveram a cabeça raspada e forma obrigadas a desfilar nuas. Mas, enquanto Arletty dava seu “cul” ao alemão, a resistência lutava, matava e morria. E de Londres, o General De Gaulle incitava os franceses a defender a pátria.
Em agosto de 1944, as tropas aliadas entram em Paris. Alemães são presos , assim como os franceses colaboracionistas. Alguns se suicidam como Drieu La Rochelle, no entanto amigo de muitos resistentes. Robert Brasillach, jovem e extraordinário intelectual é fuzilado em 1945, apesar dos pedidos de clemência vindos de todos os lados. Pierre Laval que migrara do famigerado stalinismo para o também famigerado fascismo, Primeiro Ministro de Vichy, é fuzilado em 1945.  O General Pétain, primeiramente condenado a morte, teve sua pena convertida em prisão perpétua. Morreu em 1951, totalmente senil, aos noventa e cinco anos. E muitos outros foram fuzilados ou relegados ao ostracismo, como Louis Ferdinand de Céline, grande escritor, somente reabilitado após sua morte em 1962.
E a vida na cidade luz continuou. As marcas da guerra ainda estão presentes em muros com placas assinalando que ali morreu um jovem resistente. França e Alemanha se reconciliaram e como dizia uma amiga um dia desses: “Fumar, ser comunista ou nazista, está completamente fora de moda.” O inimigo agora é outro.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Paris. A festa continou


Considero meu amor pela leitura uma grande benção. Quando a gente lê com amor, não interessa onde esteja, o barulho que façam a seu redor, a cachorrada que late – Tila e Charmoso estão neste momento em uma de brincadeira em que um abocanha a orelha do outro. Mas acabei de ler um livro fantástico e vim direto para o computador para contar a meus amigos o que li e aprendi. O autor é Alan Riding, nascido no Brasil de pais ingleses, com longa carreira jornalística. É também escritor. Atualmente, mora em Paris como correspondente cultural do New York Times. Conheci-o através de uma entrevista em “Conexão Roberto D´Avila”, meu programa de domingo a noite. Fiquei fascinada com sua inteligência, cultura, sua personalidade, e o assunto, que sempre foi para mim uma incógnita: o que acontecia em Paris sob a ocupação nazista, no período entre 1940 e 1944. Como estou impedida de fazer musculação com os braços, tive que optar pela bicicleta, e foi durante aqueles quarenta minutos, que se transformaram em momentos incrivelmente prazerosos, que li vorazmente o livro. Trata-se de um trabalho de pesquisa gigantesco, que contou com a colaboração de historiadores importantes deste período e também de testemunhas daqueles anos sombrios, alguns já falecidos quando da publicação do livro. Mas cabe a mim um agradecimento especial a Allan Riding, por ter permitido que um dever quase suplicial se transformasse em puro deleite.
Para melhor compreender a pesquisa é necessário um pequeno passeio pela história da França com suas múltiplas Repúblicas, ou Constituições. A primeira, elaborada pela Assembléia Constituinte Nacional em 1792, aboliu definitivamente a monarquia. A ela seguiram mais duas, surgidas por acontecimentos políticos importantes.  Depois da derrota na guerra contra a Prússia, foi elaborada a Terceira República. Foi sob ela que Paris viveu seus dias mais gloriosos, que entre 1870 e 1914 foram chamados de “Belle Epoque “. No entre- guerras (1918-1940), Paris reuniu artistas do mundo inteiro, tantos que não dá para citá-los. Foram os “anos loucos”, que Woody Allen genialmente mostra em seu filme “Meia-noite em Paris”. Todos viviam a ilusão de que o mundo girava a seu favor, que nunca mais haveria guerra, sem atentarem para o que se passava na Alemanha falida, onde um partido de extrema direita, seqüestrava e matava qualquer opositor, e onde surgia uma figura sinistra, carismática, feita no modelo exato para um povo desesperado. Da forma mais imoral, França e Inglaterra a ele foram cedendo tudo, a começar pelo vergonhoso Tratado de Munique, que entregava uma parte da Tchecoslováquia aos nazistas. Mas o que era a Tchecoslováquia? A França vivia um momento especial chamado “Front Popullaire” que durou de 1936 a 1939, cujo Primeiro Ministro era Léon Blum, socialista, judeu, posteriormente preso pelos nazistas. Foi um momento de euforia Os trabalhadores conquistaram o direito a quinze dias de férias anuais, a quarenta horas de trabalho semanal, e a um aumento de salário. Uma velha canção interpretada por Jean Gabin, cantor e galã da época, conta a perplexidade da classe operária, que não sabe o que fazer com os dias sem trabalho. No entanto, o Front Populaire era formado por uma coalisão de partidos, que jamais se entenderam. E durou até o momento em que Hitler invadiu a Polônia e começou a avançar pela Europa Ocidental,  ainda tendo seu Ministro de Relações Exteriores, Ribbentrop, firmado com a União Soviética um tratado de não agressão. A França compreende então que suas aspirações são muito maiores do que se havia imaginado.
Depois de vergonhosa derrota, que incorporou à Alemanha, duas províncias: Alsácia e Lorena, os nazista invadiram Paris e em maio de 1940 desfilaram na Avenida des Champs Elysées, tendo atravessado o Arco do Triunfo. A França despedaçada, com uma extrema direita, nazista ou não, mas profundamente anti-semita, foi dividida em duas partes, a região ocupada ao norte, incluindo Paris, e ao sul um governo fantoche comandado pelo General Pétain, herói na Primeira Guerra. Muitas famílias parisienses, crendo ser mais seguro, fugiram desesperadas para o sul, sob um governo instalado na cidade de Vichy. No entanto, este governo fantoche era quase tão perigoso quanto o dos nazistas. Mas era preciso sobreviver, ainda que não se vislumbrasse nenhuma luz no fim do túnel. A esta III Republica foi promulgada e 1945 a  IV, e , finalmente, em 1958, o General Charles de Gaulle, eleito Presidente inaugurou a V, que persiste até agora.
Mas o texto já está bem longo e tenho medo de chateá-los. Logo, estarei contando o que realmente me interessa, Paris sob a ocupação.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

O Terceiro Ato







Fiquei fora do ar por mais de três meses. Que pena! Espero que meus amigos ainda estejam fiéis a mim, apesar de meu silêncio. Mas por quê? Preguiça? Falta de assunto? Mas o mundo nunca esteve tão efervescente! Vontade de mudar um pouco minha vida? Mas ela estava tão boa! Enfim, alguma coisa aconteceu em mim. E agora não me interessa ficar tentando descobrir o que foi. Hoje acordei com vontade de voltar, não ao passado, porque este é inacessível, mas de retomar o que abandonei. É verdade que li muito, vários livros que me fascinaram e me fizeram viver vidas que não são minhas, mas tão incorporadas! Deles falarei proximamente. Hoje meu assunto sou eu mesma e todos aqueles que estão vivendo o terceiro ato, o derradeiro, mas talvez o melhor.


O título, tirei de uma palestra de Jane Fonda, que aos setenta e quatro anos mostra uma forma física admirável e uma grande alegria de viver. A inspiração, de minha amiga Walquíria para quem telefonei dando-lhe os parabéns e que me fez ver o quanto é importante ter vivido até agora com saúde e felicidade, ainda que a vida nos tenha dado muitas lambadas. Ainda sou capaz de me comover e ,como dizia Nélida Piñon numa entrevista a Roberto D´Avila , a gente envelhece quando não é mais capaz de se comover. Choro quando vejo as crianças sofredoras na África, no Haiti, na India e também aqui. Emociono-me com o sofrimento de seres humanos e dos animais. Sinto em mim ainda viva a capacidade de amar. Amar o ser humano. Depois daquela entrevista de Nélida e da observação de minha amiga, refleti o que pode significar a vida e sobretudo neste Terceiro ato, quando já passamos dos cinqüenta, dos sessenta e sentimos em nós esta semente de vida sempre florescente e se renovando.


Tive uma vida difícil, com um irmão psicótico, mas de inteligência extraordinária, um pai devotado, mas de gênio difícil, com quem, graças a Deus, tive grande embates, uma mãe amorosa mas que não suportando a separação do marido, primo e namorado desde a meninice, resolveu morrer e durante seis anos esteve na cama, em minha casa, pedindo a morte que não vinha. Depois de sua libertação, fiquei com o encargo de meu irmão até o dia de sua súbita morte. O que me causou grande dor. E enfim, perdi minha única irmã, com um câncer de ovário. Vivo sozinha e assim espero terminar meus dias. Já tive os amores que tinha que ter. Do passado sinto falta de pouca coisa, talvez daqueles longínquos anos de início da adolescência. Mas olho para frente, sei que tenho muito mais passado do que futuro, mas isto é a vida. E ter chegado até aqui, ainda me comovendo com o que vejo, com o que leio, é haver vencido uma caminhada que ainda me seduz. Quero tomar meu vinho todas as noites, comer meus quitutes naturais, sem carne, sem aditivos, minhas frutas, legumes e verduras, minhas massas integrais. Quero ouvir meus netos, Felipe e João, dizerem : “A geladeira da vovó é diferente de todas as outras. A gente abre e diz: “Ôba mamão de soja, oba, água, oba, pizza de soja.” Quero poder fazer minha ginástica diária, beijar fraternalmente meus amigos, sorrir para as pessoas que olham com simpatia meus bichinhos na rua. Quero participar deste grande espetáculo que é a vida.


E até bem breve. E desta vez pra valer.


Comunico-lhes ainda que também postarei a mensagem de novo texto no meu facebook. http://www.facebook.com/maria.viana.737448
















quinta-feira, 24 de maio de 2012

Estatuto do amor

AMAR verbo intransitivo, disse o poeta Mário de Andrade. E como ouvi dizer Dom Helder Câmara, amar a Deus é amar todas as suas criaturas. Amar incondicionalmente vale mais do que todas as missas, sermões, orações. E, parodiando Drummond, é um presente que Deus nos mandou. Mas, afinal quantos de nós somos capazes de exercer efetivamente este sentimento? Raros, mas, felizmente, existem. E muitos estarão para sempre em nossa memória despertando eterna admiração. Homens como Albert Schweitzer, médico franco-alemão, mas também teólogo, filósofo, poeta, músico, considerado na época o maior interprete de Bach, que aos trinta e poucos anos transferiu-se para África, onde dedicou sua vida aos necessitados. Lá viveu até sua morte, atendendo sem descanso os esquecidos, pregando o Evangelho e ensinando-os a apreciar a música, a mais divina das artes. Conta-se que à noite, se podia ouvir seu piano, que ressoava dentro da escuridão da savana africana. Dizia: “Quando um homem aprende a respeitar até o menor ser da criação, seja animal ou vegetal, ninguém precisará ensiná-lo a amar seus semelhantes.” Ou ainda “Felicidade é ter boa saúde e memória ruim.” Morreu em 1965, aos 90 anos.


E Madre Teresa de Calcutá, que um dia disse: “Um coração feliz é um coração ardente de amor.” Albanesa, nasceu de uma família católica, numa cidade pertencente ao Império Otomano, e estudou entre muçulmanos. Tornou-se freira aos dezoito anos e, alguns anos depois, partiu para a Índia, onde dedicou a vida aos mais miseráveis dos miseráveis. Exibia no rosto marcado a dor da compaixão, de, a cada dia, compartilhar com eles suas dolorosas chagas. E Irmã Dulce, nossa Teresa de Calcutá?

Mas há também os heróis anônimos, aqueles doam cada dia de suas vidas aos seus semelhantes. Aqueles que amam incondicionalmente, que abandonam seus países, onde usufruiriam de conforto, lazer e segurança, e optam por uma vida de sacrifícios. Entre eles muitos brasileiros como me informa a revista dos “Médicos sem fronteiras”, organização humanitária fundada em 1971 na França por jovens médicos e jornalistas. Já na capa vemos o retrato da Somália, devastada pela fome e pela violência. Uma criança esquálida é atendida por um médico. Em seu olhar e no da mãe que o carrega se vê a marca do sofrimento. Não há brilho, é o olhar de um adulto sofredor. Parece que jamais sorriu, nunca brincou, não conhece nada além da fome e do medo. Na contracapa , lemos a seguinte informação: “Em 2011, MSF-Brasil enviou 94 BRASILEIROS PARA 41 PAÍSES. São pediatras, enfermeiras, psicólogos, anestesistas, farmacêuticos , ginecologistas, cirurgiões, administradores e profissionais logísticos, que foram para países como Afeganistão, Etiópia, Moçambique, Índia, Tunísia, Sudão do Sul, Somália, Ucrânia, Haiti, Costa do Marfim, Líbia, entre outros.” A nós só cabe o orgulho de termos ainda gente deste calibre moral, ainda que haja Cachoeira, Dirceu, Demóstenes, Renan, Collor, Maluf, Jader e tantos milhares de outros. Ao longo da leitura da revista, ficamos sabendo de dois médicos assassinados na Somália. Há fotos que documentam a dor, mas também há aquelas que espelham a esperança, de crianças se alimentando e de futuras mães sendo atendidas.

Lembro-me da passagem bíblica da semente de mostarda, que sendo a menor, uma vez cultivada se torna a mais frondosa das árvores: “Se tiverdes fé como um grão de mostarda, nada vos será impossível.” Estes homens e mulheres, crentes ou não, plantaram seu grão de mostarda que tem crescido em sua fé pela vida. Graças a esta fé, seja ela religiosa ou não, crianças têm sido salvas, mães têm podido dar vida a seus filhos, amamentá-los, vê-los crescer, ainda que fanáticos se interponham em seus caminhos e rompam este ciclo de amor. Amar a Deus seguramente não significa ser religioso, mas a cada dia demonstrar seu amor ao próximo. Amar a Deus, como dizia o doutor Schwitzer, significa amar cada uma de suas criaturas. Não acredito nas religiões, mas acredito em Deus e no amor.

Se você quiser contribuir para esta entidade, basta acessar www.msf.org.br ou telefonar para 21- 2215-8688 e doar trinta reais mensais.

E por que não plantarmos nossa semente de mostarda?



quarta-feira, 28 de março de 2012

“Vergonha é roubar...

...e não poder carregar.”
Quem já não ouviu esta frase?
Ou seja, roubar é normal, mas fica chato quando a gente é pego com a boca na botija. Repetida milhões de vezes, por sucessivas gerações, que nem se dão conta do que ela significa. Nela, o que impressiona é a total ausência de sentido moral. Afinal, o que é uma afanadinha? Ou uma “afanadona”? Se ninguém vir, não há nada de ilícito. É verdade, que esta frase foi repetida até por minha mãe, que nunca roubou um fio de linha, nem jamais pensou em fazê-lo.  Mas está nas entranhas do Brasil, nas nossas origens, naqueles nobres decadentes, nos deportados, nos vagabundos que vieram para cá com a simples intenção de fazer dinheiro, não importava como. Deveria ter sido citada no magistral “Raízes do Brasil”.
O que vimos estarrecidos na televisão, em que bandidos combinam com falsos funcionários uma enorme propina com o nosso dinheiro, acontece todos os dias, e, podendo carregar, sem nenhuma vergonha. Não podendo, pegos em flagrante, também não lhes acontece nada. Vimos aqueles vagabundos negociar, rir, brincar com a safadeza. Tudo normal. Afinal, como já disse um deles, algum tempo atrás, o dinheiro não é de ninguém! Depois quando os vimos indo prestar depoimento, todos se esquivavam, contritos... não tinham podido carregar. E sabemos que a corrupção se estende a todos os recantos, a todas as esferas.
Nunca antes se viu tanta sujeira neste país, que, alías, jamais primou pela honestidade. Corromper, e se deixar corromper são um tabefe que recebemos diariamente na cara, quando lemos os jornais, assistimos à televisão. Lembro-me de Sérgio Cabral, Governador do Rio de Janeiro, pilhado utilizando um avião do bilionário Eike Batista. Poucos dias depois, baixou um decreto proibindo a autoridade pública de utilizar meios de transporte de empresários – e Eike tem interesse em um porto, se não me engano em área de preservação. O ex- Ministro dos Esportes, Orlando Silva, ia pegar o dinheiro sujo na garagem, foi trocado por outro, cujo único mérito para ocupar o cargo é ser do PCdoB. Ou alguém sabia que este partido é especializado em esportes? Mas, enfim, isto já é outra história, ainda que também caia na total falta de ética.
E até tu Demóstenes!Tu que formavas com o falecido Jefferson Perez, Cristovam Buarque, Fernando Gabeira e Jarbas Vasconcelos, o grupo dos INCORRUPTIVEIS. Pois não é que tu, justamente tu, és amigo do peito do contraventor Carlinhos Cachoeira? Recebeste presentes do dito cujo e já o achacaste em três mil reais para o aluguel de um avião. Tinhas até um celular especial, registrado nos Estados Unidos, para que ninguém descobrisse quem tu és na realidade!És um Judas que traíste todos nós!” Mas, afinal, porque tanta intransigência? Já não ouvi de uma profissional liberal, bem sucedida, que “roubar todo mundo rouba”. Ou seja, roubar se tornou um ato tão banal quanto tomar um cafezinho, comer um doce, brincar com os filhos.
Indignação, é este o sentimento que me invade quando vejo a imundice que me cerca, quando vejo o trabalho aviltado. Como dizia uma professora de canto de Ricardo, chamando seus alunos: “Depressa, depressa, porque o mundo é dos espertos.” É claro que aqui é dos Sarney, Renan, Collor, Zé Dirceu, e milhões de outros. E como dizia um comentarista na televisão, o maior aliado da corrupção é a ignorância. Quem sabe é por isso temos um Ministro da Educação chamado Aloysio Mercadante, que, aliás, já foi Ministro de Ciência e Tecnologia. Educação, Ciência, que importância têm desde que o indicado seja com o PT ou da base aliada!
E viva nós que vamos gloriosos para a Copa de 2014! Afinal roubar todo mundo rouba, e sem vergonha.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Simplesmente mulheres

Poucas mulheres ainda, no século XXI, podem dizer ”Não me diferencio pelo meu gênero, mas pelo que sou como ser humano. Venci obstáculos, enfrentei os desafios que se interpuseram à minha escalada, sofri a censura dos que obedeciam cegamente às regras, tive coragem de dizer não, como tive a coragem de dizer sim quando esperavam que dissesse não. Não me importei com o que pensassem, e foi assim que criei minha individualidade e construi minha vida”. Felizes são as mulheres que escolheram e não simplesmente foram escolhidas, que viveram a trágica dor da perda de um ente amado, sofreram profundamente, choraram, mas souberam levantar a cabeça e continuar felizes. É a vida.  Estas são mulheres que se amam.
Mas quantas de nós são capazes de dizer tudo isso? Lembro-me do que ouvi na minha infância acerca da virgindade, da “moça que se perdeu”... e ficou na rua da amargura. Lembro-me das velhas que eram “moças” e das moças que não eram mais “moças”. E o sujeito que “fizera mal” a uma desmiolada! Quanta confusão! E havia também as “mulheres livres”, o que se opõe, evidentemente, a “mulheres escravas”! E as solteironas, “moças”, e “escravas”? Pobres coitadas! A estas só restava cuidar dos sobrinhos, já que haviam ficado para “titias”. Porque, afinal, casar, procriar, era sinal de superioridade. Quem não se casava, ficava “encalhada”, já que não havia sido escolhida e, não tendo sido escolhida, tinha a marca da inferioridade em face das casadas. E enquanto eu ouvia tudo isso, já em 1947, uma grande intelectual, na França, escrevia o seu magnífico tratado sobre mulheres. Chamava-se Simone de Beauvoir e sua obra, “Le deuxième sexe” . Mas foi preciso ainda quase uma década para que seus primeiros ecos se fizessem ouvir, no Primeiro Mundo. Aqui, para nós, continuou a tronar o enxoval, o vestido de noiva, a virgindade. Mulheres continuaram a ser vistas como um pacote que se compra no Supermercado e que não deve estar violado.
Aí surgiram as feministas, que, aliás, já existiam desde o século XIX, tendo conseguido algumas conquistas, das quais a mais importante  foi o direito ao voto. Mulheres começaram já naqueles tempos a se profissionalizar, mas com salário inferior ao do macho. E parece mentira que somente agora se cogita dessa igualdade no Brasil.  Mas, enfim, chegamos ao século XXI, sem “moças” e “mulheres”, sem “mulheres livres”, sem o “sujeito que fez mal”, sem “mulheres perdidas”, sem “titias”, sem “encalhadas”, mas ainda com estupro, com violência física e psicológica, com resignação. Como diz o filósofo francês, Gilles Lipovetsky em seu extraordinário “La troisième femme- Permanence et révolution du féminin”:  Celebrando o poder do sentimento sobre a mulher, definindo-a pelo amor, os modernos legitimaram seu cerceamento na esfera privada: a ideologia do amor contribuiu na reprodução social da mulher naturalmente dependente do homem, incapaz de aceder à plena soberania de si mesma.”  É verdade que há ainda muito caminho a percorrer. Mas, felizmente, podemos concluir, como o filósofo, que a condição feminina mudou mais no decorrer da segunda metade do século XX do que nos milênios anteriores, já que uma vez livres da servidão da procriação, podendo exercer livremente sua sexualidade e escolhendo a profissão que lhes aprouver, as mulheres fazem brechas nas muralhas de cidadelas antes exclusivamente masculinas.
Quanto a mim, considero-me uma mulher plenamente realizada, sou independente desde jovem, tive os romances que tinha que ter, dirijo minha vida como quero. Já me “perdi” há muitos anos, jamais me casei, não procriei, vivo sozinha com dois cachorros e um gato. E, salvo alguns amigos especiais, não quero ninguém comigo. Não precisei dar satisfação dos meus atos a meus pais, porque sempre soube que o fundamento da liberdade é a liberdade econômica. E achei graça quando me disseram que perdia minha juventude estudando e trabalhando. Enganavam-se, eu era  e sou feliz, ...e sabia. Escolhi ser uma “mulher livre”
E viva nós mulheres, tão mais fortes do que eles!
  

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Meus anos dourados

Nestes dias em que tenho estado de repouso por causa de uma gripe, tive tempo de reviver meus anos de intensa juventude, mais precisamente meus “anos dourados”. Pude trazer à minha lembrança tudo de bom e de ruim, e sentir como se estivesse vendo um filme de mim mesma. É extraordinário  como este computador que temos em nós é capaz de armazenar informação! E, neste dia quente e ensolarado de verão, não me interessa o que não foi bom, quero fazer ressurgir a adolescente que vivia seus grandes e inesquecíveis momentos. É verdade que àqueles anos dourados sucederam os de chumbo, mas não foram estes os mais significativos. Naqueles longínquos anos de meu início de adolescência ninguém imaginava o que viria depois. E ao rever toda minha vida, conclui que jamais fui tão feliz.
Foi, assim, meio sem esperar, mas já imaginando como deveria ser bom, que descobri meu primeiro e único grande amor. Depois, tantos passaram pela minha vida! Mas hoje, repetindo a velha canção que minha mãe sempre ouvia eu poderia dizer “sua imagem permanece imaculada, em minha retina cansada... Lábios que beijei, mãos que afaguei....” Inesquecíveis momentos de êxtase, como poderão ser relembrados sem emoção? A descoberta deste sentimento superior trouxe-me uma felicidade indescritível. Eu tinha quatorze anos e ele dezessete. Era aluno interno do colégio onde fui estudar, voltando do Rio. Vinha do Triângulo Mineiro, de Araguari. Fiquei eufórica quando ele pediu, através de uma amiga comum, para “falar comigo”. Era assim que se fazia a abordagem naquele tempo. Vivemos um amor puro, com o primeiro aperto caloroso de mãos, o primeiro beijo, o primeiro desejo, nunca realizado, mas sempre sonhado. Lembro-me das partidas de futebol que ia assistir, ainda que não entendesse nada, e não gostasse do jogo, mas ele estava lá, na equipe do colégio. Eu vestia camisas de meu pai, acho que era moda, sobre calças “três quartos”, que iam até o meio da canela, bem ajustadas, com um arremate xadrez. Era minha mãe quem costurava para mim e Teresa, e gostava de nos ver bonitas. E quando eu gostava, herdava roupas de minha irmã, dez anos mais velha do que eu. Vaidosa e me achando linda, eu estava sempre inventando alguma coisa nova. E foi assim que no meu aniversário de quatorze anos apareci de cabelo vermelho cor de fogo. E hoje vejo que tive pais muito liberais, pois naquele tempo que garota ousaria tal travessura? E ainda posso ouvir minha mãe comentando, à moda gaúcha, um desfile do colégio de que participei: “Bah! De longe se via aquela fogueira!”
Minha linda Alice, que me deixava dar uma fugidinha, nas festas juninas do colégio, para uma rua mais escurinha que ficava atrás do campo. Ah, inesquecíveis festas juninas, que não se vêem mais! O campo onde se realizavam as festas com pau-de-sebo, barraquinhas e fogueira era também o lugar onde as moças tinham aulas de ginástica. Ficava defronte ao colégio e nos preocupávamos em parecer bem com nossos lamentáveis calções bufantes, que mais pareciam indumentária dos homens da Renascença. No entanto, colégio protestante, americano, era muito mais liberal que os colégios católicos, só de meninas e onde jamais pernas eram expostas. Sabíamos que éramos observadas pelos internos que se aglomeravam, escondendo-se ao máximo, por trás das janelas. Alguns mais ousados chegavam até a sacada central do prédio. Eu tinha grande preocupação em apresentar-me bem, tentando empurrar para cima o horrível calção bufante para que ele, que eu sabia que me observava, visse minhas pernas. Terrível audácia! E também havia os “arrasta-pés”, onde rapazes e mocinhas dançavam ao som da orquestra de Paul Mauriat ou Ray Connif. Hoje, pensando bem, acho que foram estas festas que, afinal, nos afastaram. É que sempre amei a vida, a festa, a dança e ele, protestante, não sabia sequer dançar. E eu era muito jovem! Vivia dramas em casa com os problemas psíquicos de meu irmão. Precisava me divertir. Assim dividida, acabei indo a “arrasta-pés” sozinha, mas sem nunca ter pensado em outro. Fui cantada, mas nunca me interessei por ninguém. No entanto, pouco a pouco nossa relação foi esfriando, até acabar, nunca soube como. Esvaiu-se. Um ano depois, ele foi embora, estudar medicina em Ribeirão Preto, procurou-me pedindo emprestado um livro de ensino de francês. Não me falou em reatar e eu não ousei tocar no assunto. E nunca mais nos vimos. Não me lembro como me devolveu.
Depois vieram os anos de chumbo e tornei-me esquerdista. Mas jamais esqueci meus anos dourados, nem o homem que me despertou para o amor. Nunca mais falei dele, mas o guardei no fundo do meu coração. Hoje vivo meus anos a caminho da velhice. Não abandonei a vaidade, já fiz plástica, o cabelo vermelho ainda me seduz. Hoje, quando não me sobram tantos anos de vida, faço ginástica diariamente com roupas charmosas, cheias de glamour. O velho calção bufante ficou no passado, mas não foi esquecido. Meu grande amor morreu há muitos anos, e fiquei sabendo pelo Google. Minha família partiu e foi substituída por outra. Mas continuo amando a vida, e sou feliz nestes anos tão vividos. 
E sempre repito que, quando chegar minha hora, poderei dizer como o poeta : “Confesso que vivi”.