QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



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sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

AFRODITE, NEFRITE, NEFERTITE.

Eu era ainda bem pequena, quando meu irmão, Sérgio, desde cedo intelectualizado, leu-me “A história do mundo para crianças” de Monteiro Lobato, assim com toda a série dos “Doze trabalhos de Hércules” do mesmo autor. E também muito mais coisas, livros de títulos já esquecidos, mas cujo conteúdo permanece na minha mente. Devo a estas sessões de leitura, como ouvinte atenta, e também às nossas conversas, importante parte de minha formação intelectual. Deliciavam-me as histórias da mitologia grega, com deuses tão humanos, assim como as aventuras dos heróis e os monstros. E também toda a riqueza da civilização helenística, que eu nem entendia muito bem, e que ele, pacientemente, procurava explicar-me. E ainda a história do antigo Egito com seus faraós, rainhas, múmias. Enfim um mundo fascinante, cujas portas me foram abertas por meu saudoso irmão.
Mas alguns anos depois, um choque! Ouvindo conversas, soube que uma amiga da família tinha Nefrite! Estarrecedor! Uma doença com nome de deusa grega, ou seria de rainha do Egito? Porque, agora, confusa, já não conseguia identificar uma e outra. Personalizei o mal que acometia a amiga, dei-lhe cara de mulher, igual as que via nos livros. E teria feito qualquer coisa para ver a doente, saber como estava, como se parecia. Até que recorri a meu irmão, que, depois de rir, explicou-me tudo. E hoje, tantos anos depois, nefrite ainda tem para mim cara de mulher, nobre, linda, deusa ou rainha.
E também há a história de Augusto da Paz, ou melhor, Doutor Augusto da Paz, aquele vetusto senhor, de grandes bigodes, jaquetão, e cabelo partido no meio! Descobri quem ele era, um certo dia, quando ainda era criança, assistindo a uma entrevista com Doutor Campos da Paz (naquele tempo as crianças assistiam a entrevistas com médicos!!!!!). Veio-me então à mente uma informação simples: este deve ser parente do Augusto da Paz, quem sabe, neto ou bisneto. Porque eu sabia que, tendo em conta o seu visual, parecido com o de meu bisavô, o Doutor Augusto era antigo. Somente anos mais tarde descobri a letra do Hino à bandeira (“Salve símbolo augusto da paz...”) e, conseqüentemente, a verdadeira identidade do augusto. Mas para mim, e para sempre, este hino trará a imagem indelével do Doutor, de bigodão, jaquetão e cabelo partido no meio.
E em meio a tantas lembranças antigas, não é possível desconhecer aquela do Hino à Independência, que nos faziam cantar na Semana da Pátria:
“Os grilhões que nos forjaram
De perfídia astuto ardil,
Houve mão mais poderosa,
Zombou deles o Brasil.
Houve mão mais poderosa
Zombou deles o Brasil.
Não temeis ímpias falanges,
Que apresentam face hostil
Nossos peitos nossos, braços,
São muralhas do Brasil.
Nossos peitos, nossos braços
São muralhas do Brasil”.
E vejam que de tanto “cantar” o hino, tantos anos depois, ainda o guardo intacto na memória.
Mas alguém se habilita a decifrar?
De quem, afinal, o Brasil zombou?
E quem seriam as “ímpias falanges, que apresentam face hostil”?
Tenho algumas idéias a respeito, e disto falaremos mais tarde.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Detalhes

Tudo passou tão depressa! E com esta celeridade o tempo nos dá a sensação, sobretudo para nós, maiores de 50 anos, de que escorre através de nossos dedos, como água, e que, infelizmente, jamais será possível diminuir sua marcha. Mas, ainda que o tempo nos pareça água que se vai sem que possamos impedir, há ainda muita coisa a fazer. Ainda que tenhamos mais de 50. É novamente o começo, em que estamos tentando acertar, jogando fora o que não prestou nestes anos que já vivemos. E é preciso a coragem de dizer NÃO ao que já foi e que embolorou, morreu de velho, e ao qual muitas vezes permanecemos fiéis, até sem perceber.
Percorrendo o tempo, mudei. Não sei fiquei melhor, ou pior. Mas mudei. Não tenho saudades do passado, do já vivido, embora haja por lá muita coisa boa. Lembro-me dele com carinho, mas, quase sempre, ando por lugares já percorridos sem compreender o que havia ali de atraente. Afinal, fui eu que mudei, ou o lugar, ou as coisas, ou pessoas? Na verdade, fomos nós, foi tudo. Pequenos detalhes foram se acumulando em minha vida, trazendo pequenas mudanças, levando-me a perceber, pouco a pouco, o que não havia percebido antes, a amar o que não me seduzia, ou até me aborrecia. Pior ainda, até o que chegava a odiar. E também a desprezar o que me parecia tão bom. A abandonar velhas crenças. Estes detalhes, pequenos, que pareciam insignificantes, acumulados, transformaram-me ao longo dos anos. Nunca houve uma mudança conclusiva, que trouxesse em si uma carga de repúdio ou aceitação radical.
Amores, amigos, projetos, revejo-os com olhos de uma mulher madura, que já viveu muito, amou, sofreu, chorou, riu de felicidade, rejeitou. E também que foi amada e rejeitada. É a vida. Guardo fotografias de meus afetos que se foram, e também daqueles que já foram meus afetos e perderam-se pelas estradas, que nem sequer sei se ainda vivem. Tudo mudou no percorrer do caminho, sem que eu percebesse, gostos, modas, hábitos, amigos, amores, desafetos, crenças, projetos. Sinto-me como a fênix que se extingue no fogo e renasce das próprias cinzas.
Vivi intensamente meu tempo, acreditei nele, fui totalmente honesta. Hoje tantos anos após aqueles de minha juventude, sinto renovada, pronta a começar mais uma caminhada. Meus acompanhantes não são os mesmos daqueles tempos, minha família de então já partiu, mas não estou só. A caminhada continua e estou certa de que pequenos detalhes irão, cada dia, acrescentar, ou anular, alguma coisa em mim, e estarei em constante mudança. Até o dia em que, completada a travessia, eu possa dizer como o poeta: “Confesso que vivi!”

sábado, 15 de dezembro de 2007

De volta ao cotidiano

Aleluia!
Tilinha já voltou a dar seus passeios diários. Está feliz!
E eu também.
Agora já posso novamente olhar vitrines, entrar nas lojas, conversar sem temor – nego-me a explicar minhas desventuras passadas – comprar enfeites para o Natal, freqüentar minha academia, preocupar-me em estar elegante, voltar ao restaurante. E ainda falar mal do Lula, do Chavez, e outros. Recobrei minha preciosissíma independência e transito sozinha por onde quero. Minha casa está decorada para a grande festa, linda! Nada mais de compressas geladas, tornozeleiras fedorentas, antiinflamatórios, espera por alguém que me leve e traga. Posso tomar meu vinho nos fins-de-semana, e minha pinga dominical. Retornei à vida. Eu, Ricardo, Tilinha, Boris, o gato, meu pé esquerdo, e também o direito, que mostrou o quanto é imprescindível e solidário, e com o qual fui injusta. É verdade que sinto um pouquinho de saudades de meus amigos, conquistados nas sessões de fisioterapia. Discorríamos sobre torsões, ligamentos, tendões, fraturas, cirurgias, etc. Conversa pra lá de excitante. Mas devo dizer que, inegavelmente, aqueles longos dias de tédio foram melhor suportados com a convivência dos que sofriam parecido comigo. Meu pé esquerdo ainda dá sinais de que não está totalmente recuperado, mas sei que vai passar. Tenho confiança nele. Sinto-me imensamente agradecida a todos, médico, fisioterapeuta, companheiros de caminhada, ou “não-caminhada”, mas nego-me terminantemente a sequer pensar em novas sessões.
Minha semana de memoráveis alegrias começou quando o fisioterapeuta me deu alta, prolongou-se com a derrota de Chavez, e foi fechada com chave de ouro ao receber de presente uma fantástica cama “queen size”. Em relação à derrota de Chavez, devo dizer que, se meu pé esquerdo ainda estivesse doente, eu já me sentiria restabelecida só com esta maravilhosa notícia. Continuo afirmando que Chavez é um atentado a tudo que há de decente. É o governante mais desclassificado de que tenho lembrança. E olha que eu já vivi muito e sempre me interessei por política. Acho que afinal quem tem razão é aquele pastor americano que ofereceu dinheiro a quem o matasse. Como não me importo com o “politicamente correto”, vou continuar do lado do pastor. Em relação à cama, tivemos um sério temor. Quem sabe Tilinha, impedida de alcançar a altura da cama, não iria reclamar? Ouvi-la chorar a noite toda seria um tormento que não suportaríamos, mas a bichinha, ela também trazida de volta aos prazeres cotidianos, dormiu tranqüila. E desde então tem sido assim. Ou seja, tudo voltou ao normal, e até está melhor do que antes.
E assim são as coisas, afinal meu pé esquerdo me deu uma bela lição. Com ele aprendi a ter paciência, a suportar o incômodo, a conformar-me com as limitações. Até a tirar prazer do ruim. Vi incontáveis filmes, enquanto colocava incontáveis compressas de gelo e olhava incontáveis vezes o relógio esperando os vinte minutos recomendados. Mas consegui vencer tudo isso sem perder o bom humor, rir das brincadeiras de Ricardo acerca de minhas pretensões atléticas, e esperar a hora certa de recomeçar. Como dizia minha mãe, mesmo no ruim a gente pode achar um lado bom e aprender.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Morte na aurora

ARACY E MARIA

Tudo na vida tem princípio, meio e fim, inclusive ela própria. Disso todos sabemos. Mas há algumas que, de tão curtas que são, parecem ter suprimido o “meio”. São vidas nem ainda começadas e já terminadas. Lembro-me de “A peste” de Camus, onde o absurdo da vida e da morte é mostrado de forma tão dramática, sendo as mortes de jovens e crianças as mais absurdas das absurdas, ocorridas aos montes.
Minha tia Aracy morreu jovem, muito jovem. Tinha quinze ou dezesseis anos. Naqueles longínquos anos 20, quando tanta patologia ainda não havia sido diagnosticada, dizia-se que tinha temperamento difícil. Na realidade, pela descrição que dela fazia minha mãe, sua irmã, Aracy sofria de distúrbio bipolar, alternando momentos de euforia à extrema depressão. Numa de suas crises, suicidou-se. Já havia tentado antes. A família ocultou o suicídio, evitando que seu corpo fosse impedido, pela Igreja Católica, de ser enterrado em “campo santo”.
Também minha tia Maria, irmã de meu pai, morreu na aurora, ainda mais jovem do que Aracy. Tinha 12 anos. Foi vítima da peste bubônica. O ano era 1922. Supõe-se que um navio, atracado no porto do Guaíba, tenha trazido os primeiros ratos infectados. Logo as pulgas se espalharam pela cidade, onde não se cogitava de higiene publica. Governado por Borges de Medeiros, o Rio Grande do Sul era um Estado atrasado, à mercê de uma equipe de ignorantes que se dizia Positivistas. Maria morreu e logo foi seguida por sua melhor amiga, criança como ela. E tantos outros morreram!Velhos, jovens, crianças. Minha mãe contava-me o que foram aqueles tempos de medo, em que perdeu alguns de seus melhores amigos.
Tenho sobre minha mesa de trabalho, uma bela foto de Aracy. Tem a cabeça ligeiramente inclinada, com uma coroa de flores. Uma blusa drapeada deixa a mostra parte do colo e ombros. É linda, mas o que impressiona é o olhar, cheio de melancolia. Linda, mas muito triste. A foto foi tomada pouco antes de sua morte. Aracy é uma companheira que não conheci, mas que sempre esteve presente em minha vida. De Maria só tenho uma foto ainda neném. Sorridente, alegre, como diziam ser os que a conheceram. Deixou em todos a saudade de seu riso, de suas brincadeiras e traquinagens.
Aracy e Maria são para mim as mais claras representações do que há de absurdo, de incompreensível, na vida, e na morte. Aracy e Maria mal haviam começado e já partiram. Viveram o que vive uma rosa. Mas deixaram por aqui o perfume de sua presença. É assim que eu, mais de oitenta anos depois, falo delas e procuro transmitir a emoção que sempre despertaram em mim.

sábado, 1 de dezembro de 2007

Meu pé esquerdo

Há um filme com este título. Vi-o há anos, mas lembro-me de que conta a história de um rapaz tetraplégico que descobre, não me lembro como, que poderia vencer sua terrível limitação se aprendesse a utilizar seu pé esquerdo. Assim, ele impõe-se à família que o desprezava, consegue viver vida quase normal, e ainda conquista o amor de uma mulher.
Eu também tenho vivido minha história com meu pé esquerdo. Minha dependência não tem origem em grandes limitações, mas me fez compreender a sua importância em minha vida. Conclui que, sem meu pé esquerdo, meu pé direito é quase um zero, não à direita, mas à esquerda. Sem ele, ou com ele lesado, foram cortados - pequenos e grandes - prazeres. Nunca mais pude ir à academia, às compras, ao restaurante – meu pé pendente dói e pesa. Nem mesmo pude dar meu habitual passeio pelo bairro com minha cadelinha, admirando as vitrines de Natal. Tentei, algumas vezes, dar uma voltinha por perto de casa, mas desisti após a centésima explicação da causa de meu deplorável estado – a gente encontra montes de conhecidos e também de esquecidos (o que foi mesmo que aconteceu?). Isto sem falar na constante ameaça dos pares de pés alheios. Passei novembro colocando bolsas de gelo, fazendo fisioterapia, tomando antiinflamatórios. Estourei o estômago e tive que abdicar de meu vinho nos fins de semana. E também de minha pinga dominical. Parei de ler, de escrever, esqueci o Lula, o Chavez, desinspirei.

Fiquei impossibilitada de percorrer distância maior do que a da esquina de minha casa. Tornei-me dependente, logo eu que toda vida lutei pela minha independência. Fiquei muitas vezes esperando que Sicrano ou Beltrano me levasse à fisioterapia, meu único “passeio” durante o mês. Voltei à infância. Tive que usar, e ainda uso, tornozeleira e tênis, único calçado que suporto, e, nos dias quentes, quando coloco saia, faço um conjunto horroroso. Mas já decidi abandonar, pelo menos temporariamente, qualquer aspiração à elegância.
Na quinta-feira, tive alta. Disse-me o médico, e também o fisioterapeuta, que se a dor não passar, terei de voltar a fazer nova série. Estou de olho nele, no meu pé esquerdo. À noite acordo e acho que a dor está aumentando. Pela manhã, renasce a esperança de que tudo esteja terminado. Afinal, ele não pode fazer isto comigo! Por causa dele, abdiquei de meus melhores possíveis momentos deste lindo mês de novembro. Logo eu, que adoro os preparativos de Natal, a decoração da casa, a festa, os amigos! Mas alguma coisa, lá dentro de mim, talvez meus ligamentos estourados, me diz que tudo já está sarado. E então, logo que volte à minha vida normal, quero falar da alegria de retomar estas simples atividades do dia-a-dia, aquelas que nos permitem gozar de pequenos prazeres indispensáveis.

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Por que no te callas?

Viva o Rei! Até que enfim alguém disse ao Chavez o que tantos têm vontade de dizer. Chavez é uma pornografia ambulante. È um atentado à estética, aos valores morais, aos bons costumes. Devia ser proibido para menores, e maiores, de 16 anos. Não me lembro de nenhum chefe de estado tão desclassificado. E Lula, ao defende-lo, expõe sua verdadeira face, que não tentamos não ver porque nos assusta.
Quantas vezes não tivemos vontade de soltar um “cala boca”? Quantas vezes ouvimos sandices, que agridem nossa inteligência, e temos que engolir? Quantas vezes somos obrigados a sorrir, quando a vontade é exatamente o contrário? A “boa educação”, ou talvez o “politicamente correto”, muitas vezes nos converte em ouvintes excessivamente tolerantes, inertes. E sempre me pergunto se isto é bom. Dizem que a incapacidade de reagir pode desencadear doenças graves ou nos transformar em “neuróticos tolerantes”.
Basta ligar a televisão que damos de cara com o Lula falando mal da “zelite”, dizendo que tudo está ótimo, que jamais houve um Presidente tão honrado quanto ele. E tudo dito num português capenga e naquela voz, que temo ainda termos que ouvir por muito tempo. Nestes momentos, vem, lá do fundo da alma, aquela vontade quase selvagem de repetir a ordem do Rei. E tem mais, muito mais. Qual de nós não teve vontade de soltar um “cala boca” quando aparece na tela o Galvão Bueno, a Marta Suplicy, a Xuxa, a Ideli Salvati, o Mercadante, e tantos outros? E ainda que recorramos ao recurso do MUTE, ainda fica a imagem, que nos lembra a realidade em que vivemos. E não tem sentido a gente, ao ligar a televisão, por medida preventiva, fechar os olhos e tapar os ouvidos.
Uma vez revistas nossas escassas possibilidades de fugir da negra realidade que assola o país, talvez nos reste imitar Pangloss e cultivar nosso jardim. A falta dele, podemos tomar um avião e tomar ares alhures, mas aí nos deparamos com os aeroportos. E nada lembra mais o caos em que mergulhamos do que eles. Então, sem jardim, sem aeroportos, sem estradas, talvez, como última solução, quem sabe, possamos escrever alguma coisa que ponha para fora nossa indignação, e nos evite adoecer.
É o que tenho tentado fazer.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

O mais sublime

Não se pode falar de amor sem referir-se ao belíssimo poema de São Paulo na Primeira Epístola aos Coríntos. Fala ele de caridade mas, conforme identificaram vários místicos, dentre eles Santa Teresa do Menino Jesus, refere-se ao amor, o mais sublime de todos os sentimentos.

Ainda que eu falasse línguas,
as dos homens e as dos anjos,
se eu não tivesse amor,
seria como bronze que soa
ou como címbalo que tine.
Ainda que eu tivesse o dom da profecia,
o conhecimento de todos os mistérios
e de toda a ciência,
ainda que eu tivesse toda a fé
a ponto de transportar montanhas,
se não tivesse amor,
nada seria.
Ainda que eu distribuísse
todos meus bens aos famintos,
ainda que entregasse
meu corpo às chamas,
se eu não tivesse amor,
isso de nada adiantaria.
O amor é paciente,
o amor é prestativo,
não é invejoso, não se ostenta,
não se incha de orgulho.
Nada faz de inconveniente,
não procura seu próprio interesse,
não se irrita, não guarda rancor.
Não se alegra com a injustiça,
nem se regozija com a verdade.
Tudo desculpa, tudo crê,
tudo espera, tudo suporta.
O amor jamais passará.
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AMOR- 1


Il passa!
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Il parla:
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Il m'aima:
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Il partit: je devrais peut-être
Ne plus l'attendre et le vouloir;
Mais demain l'avril va paraître,
Et, sans lui, le ciel sera noir.

Lindo poema de Hélène Vacaresco, romena mas com grande produção em francês.
Aqui a mulher fala do homem que passa diante de sua casa, que lhe fala, que a ama, e que um dia parte. Ela sabe que não deveria estar tão aberta ao seu amor, que as belas palavras podem esconder o vazio,mas o que fazer se há sempre uma razão para amar?

E assim é o amor. Nós, mulheres, somos historicamente, reféns deste sentimento, que nos homens é ,digamos, mais racional. No seu livro “ La troisième femme- Permanence et révolution du féminin”, diz Gilles Lipovetsky, citando Nietzsche : “Le même mot “amour” signifie deux choses différentes pour l'homme et pour la femme.” E prossegue dizendo que enquanto para a mulher o amor significa renúncia, doação absoluta de corpo e alma, o mesmo não acontece em relação ao homem. Na verdade, ele quer possuí-la, a fim de enriquecer e aumentar seu poder. “ La femme se donne, l'homme s'augmente d'elle.”
Também Simone de Beauvoir falou sobre a disjunção dos sexos em relação ao amor, sobre a desigual significação deste sentimento maior para o homem e a mulher. E diz Lipovetsky : “Au masculin, l' amour ne se donne pas comme une vocation, une mystique, un idéal de vie capable d'absorber le tout de l'existence: il est plus un idéal contingent qu'une raison exclusive de vivre. Tout autre est l'attitude de la femme amoureuse, laquelle ne vit que pour l'amour et ne pense qu'à l'amour, toute sa vie se construisant en fonction de l'aimé, seul et unique but de son existence. “
E ele prossegue, citando Simone de Beauvoir, dizendo que, para muitas mulheres, o amor torna-se mais importante do que os filhos, a vida profissional e os deveres domésticos. Na verdade, a mulher é mais doadora, mais generosa, e daí se justifica a última estrofe do poema de Hélène Vacaresco: ele partiu mas eu o esperarei porque, afinal, o que significa a primavera sem ele?
No decorrer de minha vida, nas histórias que assisti se desenrolarem diante de meus olhos, nas que ouvi contar, há sempre aquelas de mulheres que se perderam de amor, que tudo arriscaram, que, destemidas, enfrentaram preconceitos e crueldades. Há sempre aquelas que tendo tudo arriscado, perderam e perderam-se nas trilhas obscuras traçadas por sociedades perversas e avessas ao amor. Lembro-me de histórias de romances como a de Ana Karenina, de Emma Bovary, e de Ana de Assis, paradigma real das outras duas, que viveu uma grande história de amor, em que ela foi a grande perdedora. Todas estas mulheres, Anas, Emmas, e tantas outras, jamais foram perdoadas,e passaram à história como traidoras, adúlteras, indignas.
Para todas estas mulheres, as que souberam amar, houve sempre o olho julgador da sociedade “ bem constituída”, formada por atores que desprezavam a vida, o prazer, a beleza, a alegria, enfim, gente que não sabia amar. Juízes incapazes de perceber a grandeza deste sentimento maior, que pode ter arrastado muitas de nós à ruína mas que sempre trouxe em si a marca de uma imensa capacidade de doação.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

O bem-te-vi e a menininha

“E então o bem-te-vi passou em vôo rasante sobre minha cabeça e me senti penetrada pela sua presença”. Estávamos, minha prima Maria Helena e eu, na sala de café de um hotel em Paris. Fiquei emocionada ao ouvi-la e procurei na minha memória velhas fotos amarelecidas de nosso álbum de família. E lá estavam elas, mostrando uma mulher morena, de cabelos cacheados, olhos negros, linda, sedutora. Tinha um sorriso aberto, de alguém que ama profundamente a vida. Sim, ela poderia ser comparada a um bem-te-vi. Que lindo! Gostaria, depois que partisse, que alguém me comparasse a um pássaro, daqueles que nos falam de carinho, doçura, alegria. Sim, provavelmente, ela viera acariciar a filha, tão querida, trazendo consigo o prazer de sua inesquecível presença.
Pensei em minha mãe e procurei com qual imagem ela se identificava. Veio-me logo à mente a figura de uma menininha a procura de afago. Imagem cheia de fragilidade e timidez. Como sempre foi Alice. Minha Alice era grande demais, tinha mais de 1,70, numa época em que as mulheres deveriam ser pequenas, calçava 40, quando os pés femininos deviam ser pequenos. Tinha lábios excessivamente grossos, quando o bonito eram aqueles finos e delicados. Além do mais, era “filha natural... de pai desconhecido”. Nas fotos com as primas, sempre aparece sentada, evitando destoar do conjunto homogêneo de mulheres diferentes dela. Alice nasceu em época errada, e por isso tornou-se tímida, insegura. E até seu último dia conservou a alma de criança. Desde bem cedo, vi nela esta criança e, durante os muitos anos que a tive comigo, cuidei-a como uma filha muito amada.
Fico imaginando que lá de cima, Zaíra e Alice, o bem-te-vi e a menininha tímida, estejam nos olhando. O bem-te-vi voa faceiro de um lado para outro, cantando a sua canção inimitável, e a menininha corre atrás dele, tenta alcançá-lo numa brincadeira cheia de risos. Por vezes param e, numa espécie de dança infantil, giram os corpos e olham para um mesmo ponto, talvez para aquele pequeno hotel, em Paris, onde Maria Helena e eu falávamos delas, do quanto significaram para nós, do quanto as amamos e amaremos para sempre.
Maria Lúcia – abril de 2007

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Sexo, drogas e Rock and Roll

Alguém sabe quem é Christine Keller? E o doutor Ward? E um certo John Dennis Profumo? E Eugene Ivanov? Personagens reais ou fictícios? Acho que muito pouca gente vai poder responder. Uma trama fantástica mistura um ministro conservador de sua Majestade, um adido militar soviético, uma prostituta e um médico homeopata, o preferido da família real, além de personagens secundários, como o proxeneta que comanda um pequeno exército de “horizontales”. Mistura mais do que explosiva, naqueles anos 60, em plena Guerra Fria. Romance policial, de espionagem? Na época, estourou em bancas de jornal, revistas traziam a foto de todos os personagens, a cores. Mas foi há tanto tempo, que praticamente caiu no esquecimento. O título: “Escândalo Profumo”. Profumo, homem íntegro, um certo dia, não se sabe porque, vale-se dos serviços do tal proxeneta. A escolhida é Christine Keller, de 19 anos, que também presta serviço ao Adido Militar soviético. O intermediário entre o Ministro e o proxeneta é o tal Ward, que, por sinal, é amigo do soviético. Descoberta a trama, Christine Keller é suspeita de passar para seu amante soviético segredos de Estado, colhidos durante seus encontros com o Ministro inglês.
Bem, tudo isto estava esquecido, ou melhor, guardado, na memória de meu computador natural, aquele com que nascemos. E foi reativado a partir da leitura de um artigo de Arthur Xexéo, sobre Mônica Velloso, que a revista Playboy tenta comparar a Christine Keller, já começando com uma foto idêntica. E por que esta tentativa? Espertamente, a revista procura identificar Mônica Velloso como a mulher que abalou os alicerces da República brasileira! Mas tudo isto é puro besteirol. Mônica é uma espertalhona, que usou fatos de sua vida privada para se dar bem. Fato corriqueiro, insignificante, sobretudo com personagens tão essencialmente secundários.
Resolvi escrever para lembrar alguns fatos extremamente intrigantes naquele já histórico “Escândalo Profumo”. Eu ainda patinava na adolescência, mas, como muitos dos jovens daquele tempo, lia intensamente e interessava-me por tudo o que acontecia. Assim, li e reli tudo que se referia àquele romance policial da vida real. O final é evidente, Profumo foi exonerado, depois do escândalo e da derrota de seu Partido Conservador, o soviético desapareceu, assim como os demais personagens. Mas a partir daí, sutilmente, sem que quase ninguém tenha se dado conta, mudanças foram ocorrendo. Até que, ao final de alguns anos, a sociedade havia sofrido enorme transformação. E o palco primordial desta mudança foi exatamente a terra de sua Majestade Elisabeth. Logo depois, o mundo assistiu, impotente, ao boom das drogas, estranhamente glamourizadas por parte da imprensa. Revistas mostravam, em Londres, jovens totalmente destruídos. Ao consumo das drogas, quase simultaneamente, veio juntar-se o mundo do rock, a descoberta e ascensão meteórica dos Beattles (ainda que o grupo tenha sido extraordinário e, certamente, ignorasse o que poderia se esconder por trás daquele sucesso). A cada aparição, multiplicavam-se as cenas de histeria, tudo, é claro, embalado pelo consumo de drogas. Sempre com o cenário inglês. Nesta altura, o mundo já havia mergulhado nas drogas, os grupos de Rock se sucediam numa clara apologia ao consumo. Depois foi Woodstock, o movimento hippie, etc, etc. E sempre muita, muita droga.
Há alguns anos, em conversa com um cientista político de renome, ouvi dele esta mesma dúvida, que sempre foi a minha: teria sido tudo isto engendrado a partir daquele aparentemente simples caso extraconjugal? Teria sido uma hipótese que eu jamais havia levantado, uma estratégia da Guerra fria, aquela de destruir pelo nariz, como já disse Fidel? Desiludidos, sem o respaldo secular do respeito e admiração a seu maior símbolo de autoridade, teriam as novas gerações inglesas, sob o impacto da denúncia, sido vítimas de um plano altamente sofisticado, no qual o objeto não era uma arma mas o nariz? O país escolhido, e seus valores nacionais, não poderiam ser mais adequados. Nestes tempos pós-Guerra Fria, ficamos conhecendo planos que nos parecem ridículos, como aquele em que a CIA pensou fazer cair a barba, e creio que também o cabelo, de Fidel. Pode parecer ridículo, mas é altamente sofisticado: o que poderia ter acontecido com um Fidel, líder revolucionário, repentinamente carecão? Ou com as sempre instáveis e ridículas, cabeleira e barbas postiças?
Pode ser que para alguns de nós, que conhecemos aquela trama de intrigas internacionais, permaneça uma dúvida. Para outros, minha hipótese pode parecer esdrúxula, totalmente absurda. Quem sabe afinal? Ou quem saberá algum dia? Mas para nossos filhos e netos, permanecerá seguramente, e para sempre, a constante ameaça das drogas.

domingo, 7 de outubro de 2007

Sonhos e pesadelos

Quem é este homem sujo, descalço, decrépito, cabelos emaranhados, olhar meio esgazeado, levado pelo agente da CIA? Não pode ser o Che, não aceito! O Che que iluminou meus sonhos de jovem, herói da causa da justiça, é aquele que olha arrogante para frente, lindo, cabelos revoltos, barba rebelde, a boina, a estrela. Ou então aquele que, morto, nos sorri como se o martírio fizesse parte de sua história, já escrita de antemão! Não aceito este Che derrotado, sujo, fedorento! É contra tudo aquilo em que sempre acreditei! Como pode ser que ele tenha se transformado em um pequeno ser humano, frágil, doente, sem nenhum charme? Olho novamente a foto, sim é ele. O comandante, já sem nenhum dos elementos que fizeram dele a figura mítica que povoou sonhos daqueles jovens lá dos anos 60 e 70, que acreditavam que um mundo melhor poderia existir.
Derrubado o comunismo, rompida a cortina, pudemos ver que aquele mundo ideal não era nada do que havíamos imaginado. Hoje, tantos anos depois, sabemos que nossos ídolos eram de barro. Fidel é um velho ditador moribundo, metido num ridículo uniforme de ginástica, mal podendo manter-se em pé. Che começa a mostrar uma face que não gostaríamos de conhecer, aquela de sua real dimensão. Depoimentos de velhos companheiros mostram um homem fanático, cruel, sem o menor sentido de justiça. Mas eu reluto, não quero abdicar do meu velho mito. Quero aquele Che de minha juventude, belo, jovem, idealista, totalmente devotado à justiça social! Não posso aceitar que possivelmente ele nunca tenha existido e foi simplesmente produto de nossas quimeras! Dizem que foi um comandante desorientado, não conhecia nada de nenhumas das funções que desempenhou, que, nas selvas bolivianas, jamais conseguiu conquistar a simpatia daqueles que dizia querer defender. Gostaria de poder dizer que conservo meu cândido ideal de jovem, que ainda acredito naquilo tudo que discutíamos nas mesas dos bares, mas confesso que, balanço feito, não restou quase nada. Gostaria de, como minha velha prima Zaida, conservar até o fim da vida a ilusão de meus sonhos do passado. Da mesma forma que ela acreditava na imagem daqueles atores e atrizes, que a fizeram sonhar até o final, gostaria que na minha, permanecessem meus velhos heróis. Gostaria de poder afirmar, como o Che, que ainda que a gente acabe se endurecendo no decorrer dos anos, jamais perderemos a ternura, aquela de nossos sonhos juvenis. Como fez Zaida

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

CARTA ÀS CINQUENTONAS -3

Quando entrei na Faculdade, nos anos 60, encontrei boas amigas. Com algumas delas ainda guardo amizade, e peço que me perdoem se sentirem-se atingidas. Primeiramente, procuramos um curso “ feminino” : Letras. Cursos machos eram Medicina e Engenharia, prioritariamente. Depois vinham outros, como Odontologia, Economia e Direito. Ciências Humanas eram considerados preparatórios para o casamento e os homens que os freqüentassem não tinham nem a quarta, ou quinta, parte do prestígio daqueles primeiros. Minhas colegas sentiam-se mais, ou menos, valorizadas pela escolha de que tinham sido objeto. Quase nenhuma pensava em tornar-se profissional, ganhar seu sustento. As que tinham este projeto eram consideradas frustradas, ou coisa pior (...), já que mulher que pensava em carreira não pensava no casamento. Uma fulana bem sucedida era “ bem casada”, e a “bem casada” era aquela sustentada por um marido, pelo menos, em vias de enriquecer, ou seja “ bem de vida”. E, em muitos casos, pouco importava se ele a amava de fato, se havia entre eles harmonia e respeito. Conheci casamentos que me aterrorizavam e eram apontados como exemplares. “Casamento bom é aquele que tem futuro”. É claro que falo da mentalidade da classe média brasileira, sempre ávida daquilo que considera ser bem sucedido.
E ainda havia o tal de “ homem da minha vida”, que, em geral, era o “ primeiro”. No seu magistral livro “ O Segundo Sexo”, Simone de Beauvoir explica de onde surgiu a imagem do “primeiro homem” - o que desbrava a floresta e colhe a flor - de onde vem o termo deflorar e deflorador. Estou certa que, para muitas daquelas mulheres, a imagem do deflorador sempre esteve ligada a do “homem de minha vida”. Ou talvez seja o contrário. Mas o casamento da classe média, em decorrência dessa mentalidade, tinha um outro ingrediente, o aparato, que começava com o enxoval. Assisti a verdadeiras disputas pelo mais belo enxoval, com direito até a exposição! Convidada, não ousei recusar, de medo de ser taxada de invejosa.
Nestes dias já de crepúsculo, tive esta imensa vontade de contar aquilo a que pude assistir, sejam as crenças preconceituosas que arrastaram tantas vidas à infelicidade, anularam tantos talentos, criaram tantas frustrações e arrependimentos, sejam nossos sonhos de jovens, que fugiam ao que estava decidido há muito tempo pelas gerações passadas, e que também tiveram um preço a pagar. Muitas mulheres, presas daquele primeiro modelo, tão útil a este mundo masculino, conseguiram salvar-se, outras afundaram na obscuridade e passaram a contar a história dos filhos e netos, já que a sua havia se transformado em um livro em branco. Nos nossos dias, a “mulher bem sucedida” não é forçosamente a casada, mas aquela que ganha seu sustento. E se está ao lado de um homem é porque assim o quer. A “mulher bem sucedida” é aquela que conta sua história com a sua vida, e acha graça de tudo que relatei aqui. O caminho da mulher nos anos do terceiro milênio não passa por um marido “bem de vida”, mas passa pelo seu trabalho, empenho, desejo de vencer. A caminhada é mais difícil do que a daquelas que nos antecederam, mas certamente é mais feliz e dignificante.

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Afinal...

Há algum tempo, quando escrevi “O politicamente correto”, eu catalogava, entre as posturas “cult”, a negação veemente de que, algum dia, até sem querer, o Bush acertasse. Pois bem, ontem na ONU ele afirmou: “A mais velha ditadura do mundo está por desaparecer”. Não sei se estas foram exatamente suas palavras. Retirou-se imediatamente a delegação cubana. E se não o tivesse feito, teria sido retirada do mundo.
Há, portanto, duas conclusões óbvias:
1-Bush acertou pela primeira vez.
2-A delegação concorda que o regime cubano é uma ditadura já caduca de tão velha e Fidel está preste a desencarnar.
Agora só falta esperar um pouco.

O “Samba do crioulo doido”

Alguém se lembra daquele samba, já bem antigo, de Sérgio Porto, chamado o “Samba do crioulo doido”? Era uma sátira aos sambas-enredo das Escolas de Samba, que falavam da História do Brasil. Todos rimos com a letra maluca que contava nossa história na “visão” dos sambistas do morro. Lembro-me de algumas estrofes esparsas: “Foi em Diamantina, onde nasceu JK, que a princesa Leopoldina, arresolveu (sic) se casar. A Chica da Silva tinha outro pretendente e obrigou a princesa a se casar com Tiradentes...” E assim por diante.
Pois neste domingo, li no Globo um artigo que pode rivalizar em matéria de asneirice com a samba gozador do velho Ponte Preta. Só que quem a assinava não pretendia fazer gozação! Era de arrepiar os cabelos! E assinado pelo Senador Mercadante. E é de arrepiar não só pelo arrazoado, que agride nossa inteligência, mas, acima de tudo, pelas bobagens históricas que o ilustre parlamentar escreve ou assina, o que afinal, dá no mesmo.
Para ilustrar sua defesa, ele começa falando do filme “Danton” do cineasta polonês Wajda. E aí começa a torrente de bobagens. São tantas que talvez não haja espaço para comenta-las. Mas vamos lá. Logo de cara cita Danton como chefe dos Girondinos. Ora, Danton jamais fez parte do grupo dos Girondinos - na verdade, eram inimigos - e se o tivesse feito não estaria vivo para brigar com Robespierre. Girondinos foram TODOS guilhotinados, acusados de contra-revolucionários, algum tempo antes da execução de Danton. É claro que o Senador não tem obrigação de conhecer a história da Revolução Francesa, o que se pede é que não publique inverdades. Continuando, ainda mais estarrecedor, diz: “(Danton) é transparente, corajoso e conciliador... Robespierre é, ao contrário, personagem opaco, intransigente, pusilânime...” Aí não dá pra segurar, o ilustre Senador não entendeu nada do filme. Talvez, se fosse mais, só um pouquinho mais, perspicaz, ele veria que, ao longo do filme, Danton mostra-se um sujeito ardiloso, um populista inescrupuloso, confiante na sua inteligência superior e no seu poder de tribuno. Aliás, estava mais do que comprometido com negócios escusos da Companhia das Índias. E Robespierre, que passou à história como o “Incorruptível” virou um sujeito tacanho, covarde, ressentido. Ao invés de “Incorruptível” foi transformado pela debilidade mental deste petista em Robespierre “O Pusilânime”, segundo as próprias palavras do dito cujo Senador. E Danton, que promoveu matanças indiscriminadas, antes de querer a conciliação, por pura espertice, virou “transparente, corajoso, conciliador”.
E pasmem, comparou aquele achincalhe de qualquer principio moral a que assistimos estarrecidos naquela fatídica quarta-feira à condenação dos dantonistas! Até tentando comparar Danton a si mesmo ou a Renan! E continuando o samba do crioulo doido, justifica a sua abstenção indecorosa, que ajudou a absolver o bandido, com o fato de que há outros três processos contra Renan. Ou seja, se um bandido é julgado por estupro e há ainda outros processos contra ele, digamos, pedofilia e assassinato, ele deve ser absolvido do primeiro e esperar que os outros aconteçam. Ou seja, o bandido foi absolvido do primeiro crime porque tem outros! Se fosse acusado SÓ de estupro, teria sido condenado! O que mostra claramente que vale a pena ser bem bandido no Brasil do Lula. E termina: “... no necessário combate à impunidade, não podem prevalecer os linchamentos e os julgamentos políticos, típicos da intransigência irracional de Robespierre, mas sim a racionalidade e o respeito aos direitos e garantias individuais presentes na coragem cívica de Danton”. (Socorro mamãe!!!!!!!!!!!!!!)
Aliás, é bom notar que Danton tinha na sua retaguarda todo o mundo financeiro da época, o que é dito no filme, e que este mundo endinheirado vingou-se três meses depois de sua execução, levando à guilhotina, sem julgamento, todo o “Comité du Salut Public”. Então, Senador, leia mais, informe-se, cultive-se e, quando o filme for mais intelectualizado, peça a alguém para lhe explicar.

O ilustre Senador ouviu cantar o galo e não sabe onde, mas, na sua ignorância, acabou acertando: comparou-se ao mais safado dos grandes revolucionários: Danton.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Boas, boazinhas e boazudas.

Madre Teresa de Calcutá foi uma santa mulher. Mas nem é preciso ir à quase santidade. Há mulheres boas, boníssimas, que conhecemos ao longo da vida. Há guerreiras, que acreditam na justiça e não têm medo de arriscar-se. Abrem portas fechadas, enfrentam o escuro, não temem por si mesmas. Mas há também aquelas que, mesmo não sendo guerreiras, passam pela vida distribuindo amor. Umas e outras serão para sempre lembradas, e esta lembrança será repleta do amor que distribuíram. Conheci guerreiras, conheci conciliadoras, conheci abnegadas, todas mulheres com ilimitada capacidade de amar. E não as esqueci, ainda que algumas tenham partido há muito tempo. Minha avó era uma dessas. Teve a coragem de “seqüestrar” uma criança maltratada pela madrasta, e quase sofreu processo. Defendeu uma mulher surrada pelo marido e, por incrível que pareça, impôs-se ao agressor, que fugiu. Mas minha avó estava longe de ser boazinha e, ao contrário, infringiu os mandamentos da época. Joana era justamente o oposto da boazinha.
Boazinhas pululam no mundo, infelizmente para elas e para nós. São muito mais numerosas do que as boas. Boazinhas são como aquelas personagens da fantástica canção “Mulheres de Atenas” de Chico Buarque, que “... não têm gosto ou vontade, nem defeitos nem qualidades, têm medo apenas. Não têm sonhos só têm presságios...” e assim por diante. Como na Atenas clássica, são mulheres vivas não em função de si mesmas, mas sim de um outro, pai, marido, família. Tudo nelas é gentil, dócil, “inquestionador”. Passam a vida procurando agradar ao próximo, ainda que muitas vezes estejam longe de amá-los. Boazinhas não abrem a porta fechada, não entram no escuro, não se despem. São como açúcar cândi, mel, perfume de violeta, musiqueta da Sandy. E já vi boazinhas - mazinhas- que tentam passar para outra, não boazinha, a sua própria imagem, que no fundo as desagrada. E contam da “antagonista” alguma história de boazinha, que é mentira. Se as mulheres fossem na sua maioria como elas, continuaríamos a sofrer todo tipo de discriminação, e talvez, quem sabe, ainda estivéssemos sendo puxadas pelos cabelos. Boazinhas pululam no mundo porque é menos perigoso acatar o que está pronto do que perguntar se está certo. Assim, aceitam o que vem e dizem amém.
E as boazudas? São aquelas que fazem os homens sonhar com uma noite de amor. Trazem em si esta fagulha de vida, que se traduz na sensualidade que despejam à sua volta. Até podem ser burras, mas não passam desapercebidas. Boazudas deixam loucas as boazinhas, que, quase sempre, gostariam de ser como elas. Mas jamais uma poderá ser como a outra. Há entre uma e outra categoria uma intrínseca incompatibilidade. Nenhuma verdadeira boazinha pode ser boazuda, já que isto exigiria um certo comportamento que a primeira não poderia ter, sob pena de deixar de ser boazinha. Enquanto a boazinha é a musiqueta da Sandy, a boazuda é uma rumba, rebolada e cheia de libido. Enquanto a boazinha é bananinha com aveia, a boazuda é uma refeição completa, cheia de bons aromas. Boazuda é a morena da cerveja, que rebola o traseiro e faz os homens delirarem, sobretudo sendo brasileiros. E ainda que a gente diga que é de mau gosto, que a cultura brasileira faz o culto da parte posterior, que se trata de desvalorização da mulher, etc, etc, não se pode negar que Juliana Paes é vida, beleza, alegria. E é disso que estamos precisando nestes tempos antiéticos e antiestéticos.

E no Senado, precisamos de mulheres como minha avó Joana e não de Idelis Salvati.
Aliás, Ideli não é boa, nem boazinha, nem boazuda. Ela pertence a uma outra categoria!

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Não nos cabe questionar

“O Senado tomou uma decisão política, que não nos cabe questionar. Mas as investigações sobre Renan Calheiros devem prosseguir”. Fiquei perplexa, assustada, ao ouvir esta frase de uma líder estudantil, membro da diretoria da UNE. O PT conseguiu corromper até a juventude! O que vimos naquela histórica 4a. feira é o cúmulo do deboche, do desrespeito, o total achincalhe de qualquer princípio moral. Como não questionar? E já está claro, para qualquer um que queira enxergar, o que vai acontecer com as outras investigações. E, mais uma vez, ainda que se prove com clareza meridiana a patifaria, sendo uma decisão do Senado, não há o que questionar! Pelo menos este é o raciocínio da tal líder estudantil.
Lembrei-me dos meus tempos de juventude, quando questionávamos tudo. É claro que havia gente que não questionava nada, por várias razões, mas a parte mais sadia de nossa geração jamais aceitou as coisas prontas. Assim, questionamos a ditadura, e muitos até se imolaram na luta armada. Mas eles criam nos seus ideais. Questionávamos os preconceitos e foi assim que foram jogados por terra os mitos da virgindade, do casamento, da mulher feita para o lar e a maternidade. Questionávamos o preconceito contra o homossexualismo, contra os negros, contra os pobres. Éramos essencialmente honestos e repudiávamos qualquer tipo de corrupção. Nós tínhamos a convicção de que um mundo melhor poderia existir e, cada um a seu modo, lutava por isso. Tínhamos um principio, que hoje até pode parecer meio infantil, “é proibido proibir”. Graças à nossa geração, aquela que nasceu após a 2a. Guerra, os jovens de hoje desfrutam de liberdade, podem escolher seu caminho, sem culpa e sem medo.
Então, quando vi aquela moça dizendo, com toda naturalidade, que aquela patifaria era inquestionável, senti uma imensa dor. Todos já lemos sobre as benesses distribuídas pelo governo a lideres estudantis. Até um Ministério, o dos Esportes, foi entregue a um antigo presidente da UNE, de quem, aliás, ninguém tinha ouvido falar. Para nós, aqueles da geração que repudiou o que estava estabelecido, que não aceitou a desonestidade, a má fé, fica a terrível convicção de que o sonho, aquele com que sonhamos, acabou. Ou, pior ainda, sempre foi uma mentira, o mundo não melhorou em nada. E que, agora, o “coisa ruim” se instalou justo daquele lado que um dia foi nossa utopia.

terça-feira, 11 de setembro de 2007

CARTA ÀS CINQUENTONAS – 2

(Dando prosseguimento às minhas reflexões, aqui vai a continuação da 1a. parte- já publicada aqui)Em outras conversas, sorrateiramente escutadas enquanto fingia brincar, ouvi menções à “mulher” e à “moça”. Ouvia dizerem que fulana já era “mulher” e sicrana ainda era “moça” e ficava procurando a diferença visível entre uma e outra. Consegui descobrir que minha mãe era “mulher”, mas sua amiga Alzira, ainda que já fosse velha, era “moça”. Minha dinda Lígia, jovem, era “mulher” e a matrona que morava no fim da vila era “moça”. Que lógica estranha! Mas logo pude concluir que “moça” era virgem e “mulher” era não-virgem. Ou seja “mulher” era aquela que algum macho escolhera e “moça” era a pobre coitada que ninguém quisera. Tive pena das “moças” velhas e jurei que não aconteceria comigo. Mas a pior era a qualificação de “mulheres da vida” , que, naturalmente, opunha-se a ”mulheres da morte”. Imaginem, como deveria ser triste a vida das “mulheres da morte”! E ainda havia as “mulheres livres”, opostas às “mulheres escravas”! Pode? Ao tocar neste ponto reporto-me à minha amiga Cré, que recrutou a alguém que falava de “mulheres fáceis”: “Fácil eu também sou, com um homem que me agrade. E ainda faço de graça.” E quando lembro-me de tudo que ouvi e que constituiu , e ainda constitui, as crenças profundas de muitas mulheres – e também de muitos homens-, tenho este mesmo impulso de dizer uma “ besteira”, uma deliciosa necessidade de “ épater les bourgeois”. Gosto de demolir este velhos valores, rabinhos da sociedade patriarcal do século 19.

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

O coisa ruim

Ultimamente, tenho me lembrado muito de meu velho líder, Brizola. Ninguém como ele sabia definir, com poucas palavras e tão claramente, o que via surgir na vida política brasileira. Todos nos lembramos dos “irmãos merdinha”, da “UDN de macacão”, “da esquerda de que a direita gosta”, entre tantos outros. E como tinha razão! Mas havia uma definição de que eu havia esquecido e que, ao ligar a televisão um desses dias, logo me veio à lembrança: “o coisa ruim”. “O coisa ruim” era progenitor, juntamente com alguma outra coisa, também horrível, que seria a “progenitora”, de algum desses espécimes que infestam a vida política brasileira. “O coisa ruim” era tão ruim que não havia como qualifica-lo. Era único na sua essência horrível, por dentro e por fora. Agora, proponho uma adivinhação: Se “o coisa ruim” tem essa essência e aparência horripilante e se é ao ligar a televisão que vejo algo que me faz lembrar dele, quem poderia ser?
É evidente que não se trata do Fábio Assunção, nem do malvado inimigo dele. Nem do safado do Antenor, ou seja, do Tony Ramos. Nem da prostituta Bebel, que, aliás, é linda. É bom que se note que o “coisa ruim” é macho. A bem da verdade, não há ninguém, ator ou jornalista, que se enquadre na sua definição. No mundo político, até poderíamos supor alguns: o Lula, por exemplo, que apesar dos botox, etc. e tal, não é lá uma beldade, mas tampouco é tão horripilante. Há alguns até feiosíssimos, mas não como “o coisa ruim” exigiria. Há seres horrendos por dentro mas com aparência normal, como Renan. “O coisa ruim” de que falo é um ser único, confesso que nunca vi nada parecido, e creio que tampouco algum de vocês. Nestes tempos de imundice, ele surgiu das trevas, onde havia estado desde sempre, enfeiando nossa visão e emporcalhando mais ainda o que já estava sujo. Não conseguiram adivinhar? Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três. Nada? Pois vou dizer: chama-se Wellington Salgado, do PMDB mineiro. Se já o viram, estou certa de que me dão razão. Se não, quando se falar sobre o “escândalo Renan”, respirem fundo, segurem e olhem corajosamente a tela da televisão. Lá está ele, sempre, digno defensor do acusado.
E viva a Mônica Velloso! Êta mulher esperta!

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Carta às cinqüentonas - 1

Amigas,

Há momentos na vida da gente que parecem mais importantes, decisivos, outros que nos fazem rir, chorar, ter crise existencial, e tantas outras coisas. Na minha vida, este tem sido o momento de rever o passado, esmiuçá-lo, tentar compreendê-lo, procurar descobrir o que deu certo, e o que não deu. É o tempo de fazer um balanço para avaliar o presente e prosseguir. Não sei se todos de minha geração têm esse desejo, se é coisa de mulher coroa, ou se é uma idiossincrasia minha.
Um dia, na minha longínqua infância, pensei que no ano 2000 teria mais de cinqüenta anos. Como estaria velha! Mas lembro-me de que não me passou pela cabeça que algum de meus parentes houvesse morrido. E até imaginei meu pai e minha mãe bem velhinhos. Foi tão marcante esta expectativa que nunca a esqueci. Hoje, em 2007, tantos anos depois, na terceira idade, já perdi todos aqueles que constituíam minha família de então. Não me casei, nem procriei. Já fiz lifting, pelling, botox, preenchimento, apliquei ácidos, silicone. E ainda pretendo fazer mais. Faço ginástica diariamente, tenho alimentação balanceada, há muitos anos parei de fumar. Quem me vê pensa que sou muito mais jovem – não direi minha idade de maneira nenhuma – e isto me deixa felicíssima. Mas tenho colesterol alto, tomo medicamentos diários, etc, etc. Como diz meu companheiro, Ricardo, é questão de DNA. Quem não sabe o que é isso, procure descobrir. Em 2006, o que a gente pode enunciar daqueles anos que ficaram perdidos no passado? Todos conhecem a história do Brasil, os anos dourados, os de chumbo, a redemocratização, etc. Não é disso que quero falar - já chega-, o que me interessa é aquilo que estava dentro dos lares, incrustado na cabeça das pessoas. Quero falar de suas crenças, daquilo que as movia na vida. Minhas lembranças mais antigas, como não poderia deixar de ser, estão ligadas à minha mãe. Escutava sorrateiramente suas conversas com as amigas e registrava tudo, acho que já com a inconsciente intenção de contar mais tarde, quando o mundo houvesse mudado. E uma das que mais me marcaram foram as histórias das mulheres que haviam se “perdido”. Pensava em como deveria ser terrível “perder-se”, e imaginava a fulana no meio de uma rua – da amargura - escura e deserta. E havia sempre o macho, secretamente admirado, que, “fazendo mal” à fulaninha, exercia sua virilidade . Com o correr dos anos, já na adolescência, passei a admirar a coragem de uma mulher que se “perdia” e que estava destinada a eterna execração. Anos depois, convenci-me de que este pequeno detalhe não mudava nada em mim, e passei a achar graça desta, e também de outras bobagens. Lembro-me que logo que comecei a viver com Ricardo, minha mãe, já doente, aconselhou-me: “Minha filha, tome cuidado! Depois eles vão embora e a moça fica perdida.” Ah minha mãezinha, eu já estava “perdida” há muito tempo, mas agora havia encontrado o “ meu homem”!

sábado, 1 de setembro de 2007

Zezé e os excluídos

- Mas que diabo de lugar é esse?
Olhou para os lados, girando estabanado o corpo. Esticou o pescoço e teve vontade de gritar “Hei, tem alguém aí?” Mas como não conhecia e achava o lugar pra lá de estranho, sentiu o natural acanhamento. Aliás, desde o começo tudo estava muito estranho. Lembrava-se que, de repente, se vira diante de uma escada imensa, meio em curva, que se perdia lá pra cima. E o pior é que não tinha corrimão. A princípio, sentiu um pouco de medo, mas, sem entender porque, havia começado a subir, como se alguma força o impelisse pra cima. E agora constatava, perplexo, que apesar do corpanzil, não havia feito nenhum esforço para galgar aquelas centenas de degraus, e que, incrível, não sentia nenhum cansaço. Esticou mais uma vez o pescoço, jogando para frente o corpo, olhou pra direita, pra esquerda. Coçou a cabeça. “Afinal, o que está acontecendo?” Não sentia medo diante daquele lugar desconhecido e inusitado, mas queria saber onde estava. Foi então que ouviu um som, semelhante àquele que indica o número das senhas nos locais de atendimento público. Assustado, procurou o mostrador indicativo do número da senha, mas não havia nada. Olhou para trás, procurando os outros clientes, mas estava sozinho.

Subitamente, vi, surgindo lá adiante um vulto que parecia aproximar-se. Forçou a vista, tentando ver quem era. “Tolice, é claro que não conheço. Qual parente, amigo ou conhecido estaria num lugar esquisito como esse?” O homem afinal fez-se mais nítido e ele pode ver que se tratava de alguém jovem, vestido com uma espécie de túnica. Zezé olhou-o, sacudiu a cabeça: “Será que já o vi em algum lugar?“ O homem aproximou-se até poder ser tocado, o que, evidentemente, o outro não fez. “Mas que diabo, quem pode ser ele? Talvez um funcionário de alguma repartição. Repartição pública?” Olhou à volta, não, aquele lugar não podia ser uma repartição. Não havia mesas, nem cadeiras vazias, nem funcionários conversando, tomando cafezinho, nem um público paciente e tolerante. Além disso, era claro, bonito luminoso. É verdade, só agora ele percebia que havia uma linda luminosidade que resplandecia em cada recanto do lugar. E então recordou- se que também na escada que o conduzira até lá fora iluminado por esta magnífica luz. É que estava tão surpreendido que só agora tomava tardio conhecimento do fenômeno. Olhou novamente para o homem diante dele, que o observava com um ligeiro sorriso. Aí tomou coragem e, balançando o corpo para frente, abrindo os braços numa grande indagação, soltou: “Que diabo de lugar é esse?”
“Mas Zezé, você ainda não percebeu?” Desanimado, balançou a cabeça. Olhou para os lados e voltou a fitar o homem diante dele. Então, viu, extasiado, que ele parecia resplandecer. Olhou para si mesmo e viu que seu próprio corpo também resplandecia. Aproximou as mãos do rosto e sentiu que sua pele parecia fina, delicada, macia como de uma criança. Apalpou-se e então percebeu que aquela luz que o iluminava começava a penetrar em seu corpo, que se tornava pouco a pouco etéreo. Até que se transformou em pura luz.
Zezé havia abandonado definitivamente o corpo doente e transformara-se naquela luz divina que o havia iluminado.

Foi então que tomou consciência do que havia acontecido. Não sentiu medo nem tristeza, mas sim uma grande curiosidade.Foi aí que ele ouviu seu interlocutor, que ele até agora não sabia quem era, dizer-lhe: ”Você está no céu”.

E seguiu-se, então, o seguinte diálogo:
- Eu no céu, mas como?
- Por merecimento.
- Mas..... (engasgou sem saber como se dirigir ao outro – doutor, mestre, cara, amigo, camarada) eu sempre fui de gênio ruim, diziam que eu não suportava nada......
- Diga-me, você conviveu com os excluídos?
- Com quem? (Seguiu-se um silêncio, Zezé refletiu e por fim explodiu): Olha, meu amigo, não sou teólogo, nem padre, nem sociólogo, nem nada disso. Esse negócio de excluídos é coisa do Papa e eu não sou religioso.
O outro riu discretamente.
- Mas você não conviveu com eles, não conversou, não lhes deu roupas, alimento?
- Aí sim. Mas não estava pensando em excluídos. Gostava deles, tinha pena. Procurava ajudar. Mas isto, muita gente faz. E, pelo visto, aqui em cima está deserto. Não posso acreditar que sou o único merecedor do céu.
- Nós não estamos tratando dos outros. Estamos falando de você. Responda minhas perguntas e depois dou algum tempo para as suas.
Zezé concordou. Fez o gesto afirmativo com a cabeça, mas uma pergunta estava martelando lá dentro, e isto o atormentava: Quem é esse sujeito que parece ter tanta autoridade aqui no céu? Será São Pedro? Mas ele era velho, assim como o próprio Deus, velho como a eternidade. Teve que morder os lábios, ou o que ainda tinha como representação de seu corpo, para não soltar a pergunta.
- Zezé, preste atenção. Depois eu respondo a todas as suas perguntas. Afinal, porque você se reunia aos excluídos?
- Eu já disse, doutor (estava danado com aquela pergunta recorrente e resolvera cortar o “amigo”) É PORQUE EU GOSTAVA DELES. Como gosto ainda. Como gosto de meus irmãos, e eles não são excluídos, de minha família, de meus amigos, e de muitos outros. Também gosto de cachorros, e pode ser de rua ou de madame, gosto do mesmo jeito.
- Você ia à igreja?
- Bem..... muito pouco. Ultimamente,... bem,... não. E isto conta ponto contra? Olha, moço (agora já estava mais amigável), se rezar muito vale ponto, estou fora. Não vou mentir.
- Mas Zezé, você não sentia uma certa repugnância no contato com aqueles paus d´água? Afinal, eles eram sujos, cheiravam mal.
- Olha, tem muita gente rica que fede pra caramba. Conheço muito rico que fede mais que gambá. Eles fedem porque não têm água, nem sabão, nem banheiro.
- Zezé, você acredita na Virgem?
- Quê?...Olha, minha família sempre acreditou, ou melhor, minha mãe acreditava, e eu nunca achei isso muito importante.
- E no Papa?
- Também não pensei.
- E no Espírito Santo.
- Também não pensei.
- E na castidade?
- O quê? O que tem a castidade?
- Você foi casto?
- Olha, doutor (o tratamento mudava de acordo com a irritação que as perguntas produziam nele), fui casado duas vezes. O que diriam minhas mulheres se eu resolvesse ser casto?
- Quero dizer, você foi casto ao tornar-se fiel às suas sucessivas esposas?
- Doutor, isso é assunto particular. Não admito que queira interferir na minha vida. Ora essa! E tem mais uma coisa, se continuar perguntando, e eu respondendo, como deve ser, vou acabar no inferno. É melhor parar por aí, e me mandar para um lugar intermediário. Quem sabe o purgatório de que falavam quando eu estudava com os padres?
- Diga-me, você já pensou que muita gente passa fome no mundo?
- Já pensei sim. Aí, como eu não podia fazer nada pra terminar com a fome, ajudei os famintos que estavam perto.
E iam ainda continuar a conversa quando, subitamente, o homem calou-se, olhou para frente, atrás de Zezé. E sorriu largamente. Zezé também se virou e, surpreendido, reconheceu seu amigo Getúlio.
- Mas quando eu morri, ele ainda estava lá!
- É que ele morreu logo depois. E como é bem magrinho, veio mais rápido. E já se acostumou com a vinda para o céu.
Com um gesto de amigo, chamou Getúlio, que surpreendentemente, não estava atônito como estivera Zezé ao chegar.
- Getúlio venha abraçar seu amigo.
- Meu amigo! Mas então tenho amigos no céu?
Aproximou-se e, tendo reconhecido o velho companheiro, abraçou-o ternamente. E neste abraço fraterno ficaram durante algum tempo, o burguês e o pobre diabo, alcoólatra, assassinado pela mulher. Queimado.
- Doutor, com todo respeito, esse homem merece o céu.
Com os olhos marejados, Getúlio abraçava o amigo, companheiro de jornada, que partira pouco antes dele e que agora acabara de reencontrar no céu. E aos poucos foram chegando outros, pobres, paus d´água, sujos e maltrapilhos. Mas tudo isto, bebedeira, pobreza, sujeira, fome, abandono, tudo era coisa do passado. Transfigurados pela luz divina que habita cada um deles, foram formando a volta do recém-vindo, ele próprio transfigurado, um círculo. E foram se aproximando cada vez mais, até que seus corpos diáfanos se uniram num só e, irradiando uma luz cada vez maior, elevaram-se ao infinito, onde brilhava a Via Láctea, e nela se integraram.

Mas, agora, podem vocês perguntar, com a mesma curiosidade que martelou o coração de Zezé: “Afinal, quem é este jovem que tantas perguntas colocou para o homem que acabara de chegar?” Esta resposta só poderemos obter quando chegarmos, nós também, ao céu. E podem crer, pela experiência de Zezé, não vai ser fácil obter a resposta. Mas que importa?

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

O capitão do mato de Fidel

Maria Lúcia Viana


Primeiro ato.
Eu estava certa de que os campeões cubanos, Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara, estavam morrendo de saudades da ilha, do Fidel, do regime. Pediram para voltar, depois de terem fugido da concentração, iludidos por dois agentes do capitalismo, decididos a desmoralizar o regime. “Eles quiseram voltar e o governo brasileiro não poderia, como querem alguns – oposicionistas – mantê-los em cárcere”. Foi mais ou menos isto que ouvimos, eu e todos os outros brasileiros. Eu, pobre inocente, acreditei na história que contava o nosso Ministro Tasso Genro, olhando nos olhos, com seu olhar azul e transparente, a população brasileira: “Não pode ser mentira, afinal o homem é ministro!” Ainda que seja do governo Lula.
Segundo ato
Depois, logo depois, fiquei em dúvida, ao lembrar-me de uma matéria, lida há muitos anos, sobre Rudolph Nureyev, o dançarino que fugiu para o Ocidente. Ali se contava que sua família havia sofrido todo tipo de ameaça do regime, que pretendia leva-lo de volta, certamente não para que continuasse dançando no Kirov, mas para que dançasse de outra forma. Afinal, não sei como se resolveu, mas Nureyev acabou morrendo do lado de cá. E, apesar dos olhos azuis transparentes do ministro, que nos falava com tanta serenidade, comecei a raciocinar e me perguntei por que os dois atletas só haviam sentido tanta falta quando foram encontrados pela polícia. E aí me lembrei das explicações: foram drogados, engordaram e foram dispensados, estavam bêbados, acompanhados de prostitutas, logo incapazes de pensar. Quando a polícia os alcançou, PIMBA-bateu a saudade, o remorso.
Terceiro ato.
Leio no jornal: “Chanceler do governo Fidel Castro reconhece que houve coordenação com o Brasil para a expulsão dos desertores”. Afinal, o que significa esta “coordenação”? Mas nem precisa explicar: o ditador pediu a seus amigos brasileiros que deportassem os dois. O governo colocou em ação a Polícia Federal, sem dar a mínima ao direito internacional de asilo. E ainda diz o cubano que os fugitivos não sofrem qualquer tipo de punição legal, levando vida normal. Mas que jamais poderão deixar seu país. Ele não considera isto punição! Ou seja, a restrição ao direito fundamental de ir e vir não é para o ilustre Chanceler cubano uma punição, uma violação de direitos fundamentais.
Quarto ato.
O ilustre ditador moribundo, outrora meu grande ídolo, crê, como tem acontecido ao longo da história com outros ditadores, que é imortal. Fidel é hoje uma figura arqueológica, um espécime em vias de extinção, graças a Deus. Só esperamos que vá embora logo para que os campeões não percam a forma, e que o regime que implantou desapareça com ele.
Quinto ato.
Mergulhados neste mar de lama, nossos representantes, ou melhor, aqueles que têm um pouco de vergonha na cara, já nem se lembram mais em convocar o ministro para esclarecimentos no Senado, como haviam cogitado a princípio. Agora, ou melhor, ainda, temos o Renan, o julgamento da quadrilha do mensalão, a quebra do sigilo de tudo da Denise Abreu, o Zuanazzi, o medo dos aeroportos. Sim porque agora estamos no perigo em terra e no ar. E vamos nos esquecer dos dois pobres diabos que só queriam ganhar dinheiro com seu talento.
Sexto ato.
E pode ser que, ainda, haja mais perigo. Tenho visto um 3 em algumas propagandas do Banco do Brasil. Já me disseram que é subliminar para nos induzir a um terceiro mandato. Será que merecemos tanto? Mas afinal, um quarto da população brasileira tem a Bolsa Família, e Lula já nos ameaçou com sua tropa de choque.
Sétimo Ato.
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sábado, 18 de agosto de 2007

MEIO GRÁVIDA

Maria Lúcia Viana
Professora de Francês.
Mestre em Lingüística Aplicada pela PUC-RS.
Membro do Núcleo de Estudos sobre Madame de Staël e o Romantismo, da UFJF.
E-Mail: marialucia.viana@gmail.com



“Eu acho que o caos aéreo está resolvido em parte”. Ou está ou não está! Não há meio termo. “Resolvido” briga com “em parte”. Para um doente não se pode dizer que está curado em parte, que uma mulher está grávida em parte, que uma ferida está cicatrizada em parte, que alguém é alfabetizado em parte. O comportamento maluco de não querer assumir nada leva o Presidente a dizer mais esta barbaridade: está resolvido, mas não totalmente, uma parte já está, mas algumas outras não, mas tudo vai ficar bem, o resto será logo resolvido, eu não sei de nada, quem manda é o Jobim, etc, etc. Mas afinal, qual parte está resolvida? As pistas? Os controladores? Os aviões superlotados? A ANAC? Zuanazzi? Denise Abreu? E o que não está? São Pedro? A fatalidade? O mau tempo?
Será que não há ninguém capaz de dizer-lhe que seu comportamento irresponsável e covarde, incapaz de assumir os fatos que insistem em nos ofender cada dia, está se tornando uma grande e trágica piada de mau gosto? Não seria melhor que Lula dissesse, com sinceridade, deixando de lado o palanque, que seu governo assumiria suas responsabilidades e tudo faria para que nunca mais se repetissem tragédias e tampouco as cenas a que assistimos durante tantos meses? Não seria muito mais digno se o Presidente confessasse que nada foi resolvido ainda? Todos nós, por mais ingênuos que sejamos, temos consciência de que, infelizmente, continuamos no escuro do apagão, e que se não há tanta espera é porque depois da tragédia ninguém ousa “brincar” tanto com os pobres passageiros. Mas se, por enquanto, não há atrasos de horas, há pistas cheias de ameaças, controladores ineptos, mal pagos, monoglotas, descontentes, agências cheias de gente incompetente, superfaturamentos, relações promíscuas com as companhias, abusos de todo tipo. Não seria mais confiável um Presidente que assumisse seu posto de chefe, ao invés de entregar o “abacaxi” para um novo ministro, que ele espera operar o milagre e deixa-lo de fora, mais uma vez? Será que não há ninguém, que o ame de verdade, talvez dona Marisa, que tenha a coragem de aconselha-lo a abandonar toda esta dubiedade que agride nossa inteligência cada dia?
CANSEI! Cansamos todos nós, sobretudo aqueles que, como eu, esperavam. Mas não adianta chorar sobre o passado. O que devemos temer agora é o futuro. Aliado ao que há de mais retrógrado e totalitário na América Latina, apoiado por milhões de eleitores incapacitados para qualquer reflexão, e também os fanáticos, que talvez sonhem com uma América Latina bolivariana, e os incorrigíveis “politicamente corretos”, o Presidente pode, quem sabe, sonhar com um prolongamento ao estilo Chavez. E aí, que Deus nos acuda!

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Viva a Gisele

Levi–1 ano e oito meses, Maria Isabel-10 anos, Rebecca – 14 anos, Renan – 13 anos, Raquel -19 anos, Rafaella-17 anos, Thaís-14 anos, Bruno-3 anos, Caio Augusto-12 anos, Caio Felipe-13 anos, Alanis-2 anos, Ana Carolina-10 anos, Larissa-13 anos, Júlia-14 anos.

Não teria sido mais justo se o Lula tivesse morrido, ou o Renan, ou o Dirceu, ou o Marco Aurélio?

Diz a psicóloga Rosa Reis, em artigo publicado no Globo de 29 de julho: “De repente, como se acordássemos de um sonho, a realidade se impôs mais uma vez: um avião explode, levando quase 200 vidas. Não importa se foi falha mecânica, a chuva, a pista. Só podemos falar em tragédia quando um fato acontece inesperadamente. Não podemos admitir como tragédia algo que vinha se anunciando. Por se anunciar, ela está nos dando chance de evita-la, clamando por ações”.

Trinta e sete vítimas tinham entre 20 e 30 anos. Quarenta tinham mais de 50. Quase todos os demais tinham trinta e poucos anos.

Ivanaldo morreu com toda sua família, esposa e um casal de filhos. Wilma e seu filho Bruno também se foram. Márcio, que estava voltando de uma temporada de trabalho e férias, morreu acompanhado da mulher Melissa, da filha Allanis, de 2 anos, e do jovem cunhado de 24. Jamille, de 21, estava com o filho Levi, o marido os esperava no aeroporto. Maria Elisabeth morreu com as duas netas de 14 e 10 anos. Caio Augusto de 12 anos e sua irmã Raffaella de 17, únicos filhos, eram esperados pela mãe no aeroporto. O que podemos dizer diante de tanta dor?

E se não se trata de uma tragédia, o que foi então? Se sabemos que havia tanta gente que tinha consciência da iminência de uma catástrofe, e se nada foi feito, foi um assassinato. De 200 pessoas. Todos nos lembramos da bravata de Lula, há meses: “Quero dia, hora e mês para solucionar o problema”. Realmente, não há um culpado, há vários: as companhias ávidas por lucro, o que, afinal, não é tão anormal, os pilotos, que podem ter errado, afinal eram seres humanos, a manutenção, que não levou em conta o tal de reverso, o piso, o tempo, São Pedro, até o destino. Mas, acima de tudo, há um, que é impossível eximir de culpa, ANAC, o órgão fiscalizador. Caberia a ela fiscalizar as companhias aéreas, a manutenção, a sobrecarga de trabalho. De todos os possíveis culpados, talvez só lhe escapassem o santo, e o destino. Isto se não houvesse sido loteada entre companheiros e ex-colegas. Gente inepta até para dirigir um condomínio, gente cujo único objetivo é tirar o máximo proveito do cargo, pouco se incomodando com a sorte daqueles por quem deveriam zelar. Mas há ainda a INFRAERO, cujo presidente teve, como única iniciativa, nos aconselhar a ter calma. E o Ministério da Defesa, dirigido pelo sonolento Waldir, cuja “história” justificaria toda incapacidade.
E Lula o que fazia ele enquanto se preparava este espetáculo inigualável de morte e dor? Falava mal da zelite, tendo a seu lado Sarney, Maggi, o Inimigo No. 1 do Pantanal, Jader Barbalho, de quem, aliás, beijou as imaculadas mãos, banqueiros empanturrados de lucros,etc, etc. Já esquecido do caos aéreo. E depois? Depois nos informava de que tem duas orelhas, que não tem medo da zelite e que ninguém melhor do que ele pode colocar seu povo na rua. Mas afinal que espécie de democracia é essa em que o Presidente ameaça com sua tropa de choque aqueles que não concordam com ele? Que diabo de Presidente é esse que não sabe sequer que há uma crise tão grave que há dez meses quase paralisa o tráfego aéreo? Que espécie de sujeito é esse, que escrevia em 2002, que nosso sistema aéreo agonizava, e que em 2007 diz que não sabia de nada, ou não sabia que era tão grave. Que droga de sujeito é esse, que se encarrapitou no poder sem ter nenhuma idéia do que se passa a seu redor?
Lula é a grande mentira, que embalou nossos ideais de juventude, e que teremos de engolir por, no mínimo, ainda três anos e meio. Se quando jovem odiei o golpe que derrubou Jango, já no crepúsculo espero, em respeito a tudo aquilo em que tenho acreditado ao longo da vida, sinceramente, que termine seu mandato. Porque sou democrata, de fato. O que todos nós que lutamos pela liberdade exigimos é que haja jogo limpo, que a corrupção não seja tão debochada, que haja justiça, que nossos direitos sejam respeitados, que os homens a quem confiamos os destinos de nosso país não sejam tão ordinários.
Como dizia o âncora de um telejornal, a única coisa que temos de que nos orgulhar para o resto do mundo é a Gisele Bünchen.

ANOS DE SEDA

Para Zaida


Lembro-me bem dos “Anos de chumbo”, fazem parte de minha história. “Anos dourados” percorrem minha infância e início da adolescência. Anos de seda, estes não vivi. Mas gostaria de tê-los vivido, eram ainda mais lindos que os dourados. Afinal, o que foram estes “Anos de seda”? Penso neles com especial carinho, olho suas fotos, amarelecidas nos álbuns da família, admiro as mulheres, os vestidos, os homens sedutores, como não se vê mais. Foram os anos de juventude de meus velhos afetos, como os “Anos Dourados” enfeitaram a juventude de meus irmãos. Os de chumbo, infelizmente, marcaram minha geração.
Anos 20 foram os “Anos Loucos”, dos cabelos e vestidos curtos, do charleston, da liberação da mulher de velhos tabus herdados do século anterior. Eram os anos de “revolta”. Foi então, no início dos anos 30, que no mundo que ditava a moda, descobriu-se uma nova fórmula, ou uma nova estratégia. O cinema, já falado, despejou pelas telas sua imagem carregada de sedução. E os astros e estrelas encheram de fantasia a imaginação de mulheres, ávidas por viverem aqueles intensos amores. Até os homens se deixavam enredar nesta trama urdida com sedas, plumas, olhares lânguidos. Os ambientes eram acetinados, havia cortinas brilhantes, espelhos emoldurados de arabescos, colchas que faziam nascer o desejo de enroscar-se, de acariciar e ser acariciada, de amar e ser amada. Tudo numa cor meio acinzentada, meio azulada, que caracteriza os filmes daquela década.
Podem criticar-me, afinal nestes anos, justamente, fortalecia-se o Nazismo, com a ascensão de Hitler ao poder. O Fascismo instalava-se em definitivo na Itália, e Franco sairia vencedor na Espanha. E ainda havia todas as barbaridades do camarada Stalin. Mas não é de política que quero falar. Pela primeira vez, incorro no pecado de me fazer alienada e gozar o belo, procurando esquecer o feio.
“Anos de Seda”, trazem-me a imagem de Zaida, com seus “tailleurs” impecáveis, chapéus de infinita sedução, saltos altos, sobrancelhas arqueadas, lábios carmim. Ou seus vestidos de baile, feitos de cetim, que modelavam seu corpo esguio. Ao lado, seu homem, também incrivelmente sedutor. Vendo estas velhas fotos, chego a sentir um cheirinho de perfume francês no ar. Quanta coisa Zaida me contou destes anos! Lembro-me de seu entusiasmo ao narrar-me minuciosamente a sua primeira sessão de “O Tempo e o Vento”. E também as demais, porque todas as moças e senhoras apaixonavam-se secretamente por Clark Gable e viam o filme várias vezes. Lembro-me, como se tivesse participado, de seus lanches nas elegantes casas de chá de Porto Alegre dos anos 30, ao lado de suas amigas, todas fumando, já que era tão chique e todas as estrelas tinham este mau hábito. Mas naquele tempo não se tinha consciência do perigo do tabagismo. Lembro-me do enredo de muitos outros filmes, que ouvi enlevada, há tanto tempo atrás. E não esqueci. Ainda hoje, vendo canais especializados em filmes antigos, recupero imagens que imaginei naqueles tempos que já vão longe, mas que ficaram de tal modo gravadas em minha memória que tenho a impressão de estar revendo-os. E sinto uma especial emoção. Lindos tempos, aqueles de minha tia-prima Zaida. Prima de minha mãe e de meu pai, eles próprios primos, amiga inesquecível, uma mulher especial. Talvez por não haver tido o ônus, e também a alegria, da maternidade. Conservo dois de seus chapéus, lindos! Coloco-os, por vezes, em ocasiões especiais, e além do sucesso que fazem, sinto-me um pouco transportada para aqueles tempos. Tempo de glamour, de uma certa “insouciance”, de um gozo especial da vida. Talvez, quem sabe, já antevendo o que viria justo no último ano da década, e todos os horrores da guerra.
Zaida tornou-se uma velha diferente, que gostava de bom uísque e uma cervejinha, que muitas vezes nos acompanhava nos nossos bate-papos. Gostava da vida, do amor, que viveu em toda sua intensidade. Falava de sexo sem falsos pudores, mas ainda jovem viúva ficou eternamente fiel ao seu homem. Sim, era diferente e poderia ter tido um fim de vida mais feliz. No entanto, como muitas mulheres daqueles anos sedutores, decidiu não se tornar totalmente adulta, ou não conseguiu. Eram anos de cetim, de plumas, de corpos modelados através da doçura do tecido, mas ainda era a mulher a eterna menor de idade. Ainda que fossem lindos seus “tailleurs”, seus chapéus, seus longos e lustrosos vestidos de baile. Linda época, sim era linda, mas ainda havia muito a caminhar. E na sua súbita orfandade pela morte do marido, Zaida optou errado. Mas esta história conto depois.
“Anos de Seda”, que precederam “Anos de Horror”, permanecerão para sempre na minha imaginação como o conto de fadas de minha juventude. Terminado o maravilhoso dos contos infantis, pude perpetuar um pouco em mim a magia da beleza daquilo com que sonhamos candidamente e que sabemos não existir, ou não existir mais, mas que foi tão lindo. E ainda que a tenha conhecido já velha, Zaida será para sempre na minha história e na minha imaginação a viva imagem daqueles anos de glamour de há tanto tempo.

domingo, 5 de agosto de 2007

Tudo que me contaram

Maria Lúcia Viana

A escolha deste “título” refere-se a um livro que escrevi, há alguns anos, sobre a história de minha família, desde lá bem longe, ainda no século XIX. Acumulei, pela vida afora, todas as histórias ali relatadas, como ouvinte atenta de minha mãe, tias, primas, e até de meu pai, sempre mais reservado. Muitas foram vidas vividas ainda muito antes de meu nascimento, algumas outras pude acompanhar, há aquelas quase totalmente esquecidas e as que serão ainda por longo tempo lembradas. Há vidas felizes, trágicas, longas, breves. Vidas vividas em épocas distantes, de um tempo que entrou para a história. Sei que todas as famílias têm seus segredos, mistérios, dramas e comédias, mas as outras não são a minha, e só dela posso falar. Um dia, quem sabe, publicarei tudo isto que guardei na minha memória e, porque não dizer, também no meu coração.

Pode ser até que eu coloque neste blog, inspirado naquele livro já escrito há alguns anos, algumas destas histórias. Sem censura, e sem culpa.

sábado, 4 de agosto de 2007

O politicamente correto

Maria Lúcia Viana
Há algum tempo tenho pensado nesta espécie de aberração social, de que fui, eu própria, vítima, que se chama o “politicamente correto”. Pode ser que alguém, sobretudo os mais jovens, não saiba exatamente o que isto quer dizer, já que as novas gerações não dão a mínima bola para o que dizem os outros. Ser “politicamente correto” é “estar antenado” é ser cult, moderno, anti-reacionário. Aliás, Luís Fernando Veríssimo, segundo li, saiu-se com uma jóia ilustrativa do “politicamente correto”: “não faço críticas ao Lula para não ser confundido com reacionário”. Ou seja, mais importante do que qualquer valor moral é a imagem que os outros possam ter dele. Fiquei perplexa! Aliás, este tem sido um estado permanente em mim nos últimos tempos. Pensando nisso, resolvi fazer uma lista inicial do que consegui catalogar até agora como “politicamente correto”. E estou aberta a inclusões ou a revisões.
Mas vamos lá.
Ser “politicamente correto” é:
1- Ser da esquerda, abdicando de qualquer princípio crítico ou ético.
2- Ser antiamericano e dizer que somos o que somos, por culpa dos EU. Como se não fossemos competentes para isso.
3- É não aceitar os números que indicam que a direita matou menos (cerca de 65 milhões) do que a esquerda (cerca de 200 milhões), ao longo do século XX. Aliás, a direita não alcançou o recorde da esquerda, não por bondade, mas porque não teve tempo para completar o número. (Senão vão dizer que tenho simpatia pelo Nazi-Fascismo)
4- É dizer que Cuba é uma maravilha e que é a propaganda capitalista que pinta a ilha como uma droga.
5- É defender o Chavez e acha-lo um grande líder - já que fala mal do Bush - ainda que o ditador venezuelano seja um desclassificado.
6- É não admitir que, algum dia, por acaso, talvez até sem querer, o Bush acerte. O que, realmente, ele não fez até agora.
7- É achar que o Chico Buarque ainda é um tesão, lindo e maravilhoso, quando, de fato, ele “escorreu”.
8- É partir do princípio de que TUDO que ele faz é fantástico, até cantar.
9- É achar que qualquer coisa da família Buarque de Hollanda é extraordinária. Até a Miúcha.
10- É ler o caderno MAIS da Folha.
11- É ter votado pelo SIM no plebiscito sobre o desarmamento, considerando ser “direitaço” quem votou pelo NÃO.
12- É achar que o cinema americano é uma droga, não importando qual seja o filme.
13- Não assistir nunca a nenhuma novela e não conhecer nenhum ator. E, se possível, telefonar para um amigo, suspeito deste mau hábito, no horário em que se supõe que ele esteja cometendo o delito.
14- É adorar Bossa Nova, considerando-a a melhor música – popular ou até erudita – que já se fez no mundo.
15- É ser contra qualquer mudança no Estatuto do Menor e do Adolescente, mesmo sabendo que aos 16 anos todo brasileiro é considerado apto para votar.
16- É a-do-rar a Bahia.
17- É querer discutir a questão, já superada, – salvo para alguns doentes mentais – do homossexualismo.
18- É ser absolutamente favorável ás cotas raciais, sendo que na UNB foi formado um “tribunal racial”, cuja última execrável aparição remonta à Alemanha nazista.
19- É malhar quem malha.
20- É ser favorável à Reforma agrária, sem colocar nenhuma questão, mesmo que seja para aperfeiçoa-la.
21- É declarar-se agnóstico ou, melhor ainda, ateu, e, simultaneamente, admirar profundamente Boffs e Betos.
22- É defender o Movimento Negro, até quando ele se mostra intolerante e racista.
23- É considerar o Mel Gibson um fascista assassino.
24- É declarar-se feminista “enragée”, e odiar Lipovetsky, autor de “La troisième femme”, tido como reacionário. Ainda que não se tenha lido a obra.
25- É dizer que odeia atividades domésticas, como fazer comida, cuidar da casa, das plantas, etc. Atividades consideradas antiintelectuais.
26- É odiar passear no Shopping, lazer pequeno-burguês, ainda que a própria pessoa pertença a esta classe social.
27- É ser contra a cobrança de matrícula nas Universidades públicas, embora elas sejam, majoritariamente, freqüentadas por filhos da burguesia (vide os estacionamentos).
28- É odiar Paulo Coelho, mesmo sem ter lido nenhum de seus livros. Eu também não gosto, mas li (com inegável sofrimento) “O Alquimista”.
29- É admirar profundamente Paulo Freire, mesmo sem conhecer nada de sua obra.
Estou tentando lembrar-me de mais características do “politicamente correto”. Caso você se lembre de alguma(s) outra(s) não deixe de enviar-me. Como disse no início, estou aberta a sugestões e também a revisões. Quem sabe, todos juntos, não possamos mais tarde publicar “O manual do politicamente correto”? E talvez a gente até possa convidar o Luís Fernando Veríssimo para escrever o prefácio! E também para o lançamento! Mas é para ninguém tomar como exemplo!
E se você se encontrou em muitas das características que enumerei aqui, sugiro que faça como eu e tente rever seus conceitos. Quem sabe eles já estão defasados? Desculpem-me as indelicadezas.
Beijos a todos meus queridos amigos e amigas.

“Este país é uma galhofa.... Ou uma tragédia”

Maria Lúcia Viana
Estou lendo no jornal esta declaração - “este país é uma galhofa” - de Miguel Falabella, que, atônito, não sabe o que fazer para cumprir compromissos entre São Paulo e Rio. Aliás, atônitos estamos todos nós. A cada nova aparição de um dos dirigentes deste governo desgovernado, nos deparamos com alguma coisa chocante. Já faz parte do passado o “relaxa e goza”, largamente suplantado por Marco Aurélio, o Pornô, a condecoração de Zuanazzi, por “relevantes serviços prestados à Aeronáutica”, justo no auge da crise, alguns dias após a tragédia, o sorriso debochado do indigitado – Zuanazzi - quando questionado por deputados, o Lula fazendo piadinhas na posse do Jobim, como se nada estivesse acontecendo. É incrível a inconsciência, a irresponsabilidade desta gang que, infelizmente, foi reconduzida ao poder.
Um dia desses vi uma mulher ter uma crise histérica num aeroporto, após uma semana de tentativas para chegar em casa. Depois, caiu estatelada no chão, sendo socorrida por alguém, possivelmente médico, que lhe aplicou respiração boca a boca. Nem sabemos se ainda está viva. E não foi só no transporte aéreo que se perdeu o rumo, também não há estradas, quase todas em estado lastimável. E, já que as ferrovias foram desativadas há muito tempo, talvez devamos começar a cogitar de circulação marítima, em cruzeiros do tipo que se faz pelos rios da bacia amazônica. E dizer que há um tal PAC, que pretende acelerar o crescimento!
Na saúde, que Lula já classificou como “quase perfeita”, o que vemos, pelos jornais ou assistimos nos noticiários, são cenas africanas. Sendo que lá há, pelo menos, entidades filantrópicas, do tipo Médicos sem Fronteiras. Aqui o que temos são médicos sem salário, ou com salários baixíssimos, hospitais sem remédios, sem macas, sem curativos. E há também a segurança, e os impostos, que a gente não sabe para onde vão (ou melhor, sabe muito bem), e o ensino – nem dá para falar-, e agora a censura que se tenta reimplantar. Este país é uma galhofa para quem não vive aqui, para os gringos que vêem no Brasil um “paraíso tropical”, cheio de mulheres “gostosas”, com bundão, seminuas ou nuas. Mas eles podem se safar quando a coisa fica preta. Para nós é uma tragédia que se repete cada dia, que nos ameaça constantemente, que nos desrespeita, mas Lula e sua gang sabem que somos “um povo ordeiro” e que jamais (?) reagiremos. Para nós é uma tragédia que não podemos suportar, até por uma questão de dignidade. Mas afinal o homem foi reeleito, e grande parte de seu eleitorado é constituída por aqueles que lotam os hospitais e sofrem calados, incapazes de reagir, considerando-o até uma espécie de paizão, vítimas de sua ignorância. Mas há também os safados, tipo Sarney ou Renan, os fanáticos, e os “politicamente corretos”. Estes são os maiores responsáveis e deles será cobrado um dia o preço daquilo que o país deixou de fazer