QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



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sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

 A Revolução que mudou o mundo

A princípio , fiquei em dúvida se devia, ou se seria capaz, de associar pontos em comum e pontos divergentes entre estes dois movimentos de massa que mudaram, cada um a seu jeito, a História do Mundo.  Movimentos nunca vistos anteriormente. Mas aí me dei conta de que são grandes demais. Assim, resolvi falar de alguns aspectos particulares da Revolução Francesa.

No dia 21 de janeiro de 1793, cerca de nove horas da  manhã,  num dia frio, o carrasco Sanson,  mostrando ao povo, uma cabeça decapitada, não sabia que se iniciava ali  um novo período na História. Era o primeiro dia do que chamamos de História Moderna. Um silêncio sobreveio, até que o povo compreendesse o quê significava  aquele sangue que jorrava. E, depois, como num uivo coletivo, gritou "Vive la République"!

Na véspera, ele recebeu calmamente a notícia de sua sentença, marcada para o dia seguinte. O  Rei Luís XVI, agora chamado de Louis Capet , dinastia à qual pertencia, e a família, composta por sua mulher, a odiada arquiduquesa austríaca, Maria Antonieta, seu filho, que deveria ser Luís XVII, sua filha, Maria Teresa e sua irmã Madame Elizabete não se viam há mais ou menos um mês.  Todos estavam na Prisão do Templo,  antigo Monastério dos Templários, ordem religiosa -guerreira, extinta pelo suplício na fogueira, justamente por Felipe, o Belo, pertencente a esta dinastia.  Luís está alojado no segundo andar e a Rainha e o resto da família no quarto.

À noite, pela última vez, a família vê Louis Auguste, como foi batizado. Sua mulher, está em desespero. Todos se abraçam, Maria Antonieta implora uma nova reunião na manhã seguinte. Esta promessa ele não manterá. Precisa de se preparar.   

Pela manhã, bem cedo, calmamente, Luís Augusto, prepara-se.  Pouco depois,  chega seu confessor, um padre refratário (que se negou a jurar fidelidade à Constituição vigente), fecham-se durante cerca de uma hora. Conta-se, (mas será verdade?) que Luís XVI, ainda pergunta ao padre sobre uma expedição científica, que ele próprio patrocinara : -Têm- se noticias da Perouse?  A cerimônia prevista para as oito horas, só acontece às nove. O Rei mostra-se extremamente calmo. Sobe na carruagem, que dirige-se à Praça da República, atual Praça da Concordia. Olha a guilhotina erguida sobre o pedestal desmantelado, onde havia antes uma estátua de Luís XV. Justamente onde  hoje se encontra o Obelisco.

Seu avô é Luís XV, aquele que , diante de tantos problemas na França, via depois dele o Dilúvio :"Aprés  moi, le déluge". Duque de Berry, futuro Luís XVI, foi o segundo filho do delfim Luís Ferdinando e da delfina Maria Josefa da Saxônia. Profundamente religiosos, o delfim e sua mulher mantinham-se afastados da corte, descontentes com a influência da favorita, Madame de Pompadour, e com vida dissoluta do Rei. Sendo o segundo filho de Luís Ferdinando, não caberia a ele o trono. O Delfim Luís Ferdinando e sua mulher tratavam de ensinar ao futuro Delfim, duque de Borgonha, princípios religiosos, mas também a igualdade entre os homens. Isto teria sido impossível imaginar para o seu tataravô, Luís XIV, que havia governado entre 1643 e 1715, ou seja, 72 anos, tendo sido o mais longo reinado da História europeia, mais longo mesmo do que o da Rainha Elizabete. Luís XIV era aquele que dizia "L'Etat c' est moi!" ou seja, não admitindo nenhuma separação entre Estado e Governo. A França era propriedade sua. E ele tinha a convicção de que seu poder vinha de uma resolução de Deus.  É o quê se chamava  Droit Divin.

O primogênito, do delfim Luís Ferdinando, é uma criança ousada, ciente de seus deveres e direitos, mas também brutal com os subalternos, a seu ver natural na sua condição. Mas uma queda de  um cavalo de papelão, denuncia uma tuberculose óssea na coxa. Ele começa a mancar e sentir fortes dores, seu estado piora dia a dia. Mesmo assim, exige a presença do irmão mais jovem a quem ministra aulas. Mas nada detém a visível piora de seu estado e os médicos se preparam para comunicar aos pais e ao Rei que o desenlace está próximo. E no dia 16 de março de 1761, lhe é administrada a extrema-unção. O defunto ainda não tem dez anos. A dor corrói o coração do pai e da mãe.

"Pra o delfim e a delfina , bem como para o rei,  no fundo está claro que a morte  enganou-se de presa" ( Bernard Vincent- Louis XVI). Tempos difíceis para o Luís Augusto. Seu pai instala-o no quarto do falecido, e aqui comparece todos os dias, declarando querer guardar para sempre na memória a imagem do filho preferido. Mas,  como lembrara muito anos antes, o duque de Montausier , muitas crianças especiais na infância deixam de sê-lo ao chegar à idade adulta. O desprezado duque de Berry, futuro Luís XVI, por ocasião de uma visita do grande historiador escocês, David Hume, amigo dos Iluministas, é o único a dirigir-lhe a palavra e se interessar pelas ideias do historiador e  filósofo. 

Quatro anos após a morte do duque de Borgonha, o delfim Luís Ferdinando, sucumbe, provavelmente vítima de tuberculose, aos 36 anos. A data é 20 de dezembro de 1765. A principio, tomada de profunda melancolia, a viúva parece se recuperar após algum tempo. Mas a melancolia a submerge novamente, e no início de maio de 1767, sinais de tuberculose se apresentam. Ela passa a cuspir sangue, e sua debilidade é evidente. Provavelmente, contraíra a doença enquanto estava à cabeceira do marido.  Dia após dia, o menino- delfim assiste à agonia de mais um ente querido. O ano é 1767. O delfim tem onze anos!

Os interesses maiores da coroa

Mas interesses da coroa exigem que o delfim se case. Depois de várias conversações, entre o Rei da França e a Imperatriz Maria Teresa da Áustria, chega-se à conclusão de que uma aliança entre  Bourbon e Habsbourg, poderá ser do interesse de ambos. Os  noivos têm, respectivamente, quinze anos e quatorze anos e meio. Segundo seu biógrafo, Stephan Zweig, Maria Antonieta guarda sentimentos contraditórios; agrada-lhe ser Rainha da nação mais poderosa do mundo, mas há também um sentimento de tristeza  ao saber que deixará, talvez para sempre, todos aqueles lugares onde passou sua feliz infância. Enfim, ao longo de negociações, a aliança é firmada. Estranho ritual;  ao chegar à fronteira há uma complicada cerimônia, em que se despoja de tudo que é austríaco, desde suas vestimentas,  até  sua cachorrinha, indicando, desta forma  que abandona a sua nacionalidade austríaca para tornar-se francesa. A jovem delfina  é jovem e bela, e o frescor  de sua juventude, conquista o povo. 

No dia 27 de abril de 1774, uma grande surpresa! Durante uma caçada, o Rei sente-se mal. É transportado para o Petit Trianon, que havia mandado construir para Madame de Pompadour. Logo é acometido de terrível dor de cabeça, e transportado para Versalhes. Médicos, apoticários (farmacêuticos), cirurgiões, são chamados. Também é chamada Madame du Barry, sua nova amante. O Rei piora cada vez mais! A noite, um lacaio levanta um candelabro e percebe horrorizado marcas vermelhas no rosto do Rei. É a  terrível varíola! Logo formam-se pústulas, o mal cheiro é insuportável. Ninguém poderia supor: tratava-se de uma reincidência. Seu corpo apodrece! Horrorizado com a ameaça do Inferno pelos  seus pecados, chama um confessor. A extrema-unção lhe é dada, e ele ainda agoniza durante dias 

LE ROI EST MORT! VIVE LE ROI! 

Maria Antonieta teve um destino maior do que ela 

Segundo seu biografo, Stephan Zweig, ela seria somente uma placa em um cemitério qualquer, como tantas Marie-Adelaide, ou Adelaide-Marie, Anne-Catherine ou Catherine-Anne. Seria um nome. Afinal, foi seu trágico destino que a deixou para sempre na História!
No entanto, havia tudo para dar certo. Um jovem Rei, aberto às novas ideias, uma linda Rainha. E então, quê pode haver acontecido? Em primeiro lugar, é preciso assinalar que esta é uma sociedade de ORDENS, não aquilo à que estamos acostumados, chamada sociedade de classes. A Primeira Ordem é constituída pelo Clero, e para complicar mais deve-se distinguir o Alto e o Baixo Clero. Depois vem a Segunda Ordem constituída pela Nobreza . Por fim, vem o resto da população, o Terceiro Estado, o Thiers Etat, cujo papel será  fundamental na Revolução. Este incluía camponeses, cidadãos da cidade, ou seja trabalhadores, patrões, comerciantes bem sucedidos, profissionais liberais, médicos e advogados entre outros.  O Thiers Etat incluiria eu e Jaime, o faxineiro de meu prédio. 
O Primeiro e o Segundo Estados somam 3% da população e possuem 30% das terras francesas. São sustentados pelo dinheiro público e pagam pouquíssimos impostos. Estes impostos são pagos pelos outros 97% da população, ou seja aqueles que não são do Clero nem da Nobreza.  Muitos membros o Terceiro Estado são mais ricos do que os nobres ou o clero, mas não têm poder político. E muitos conhecem as ideias Iluministas, que pregam a igualdade, condenam a mistura do Clero com políticas palacianas (sendo que muitos Clérigos tinham amantes públicas) e exortam a liberdade de expressão, entre outras ideias. O Iluminismo, pode-se dizer, foi o combustível da  Revolução Francesa.
Enquanto isto, na corte, vivia uma nobreza ociosa, na dependência do Rei. Luís XVI  e Maria Antonieta, que à principio haviam significado um sopro de esperança para o povo, foram pouco a pouco perdendo credibilidade. O envolvimento da França na Revolução Americana, arrasa as finanças da França. E há necessidade de aumento de impostos, para o povo.  Também há de se notar as extravagâncias da Rainha, severamente censuradas por sua mãe, uma verdadeira Estadista. Aos poucos, Maria Antonieta passa a ser odiada, e acaba sendo responsabilizada por tudo. Para o povo é Madame Déficit. 
E Luís XVI acaba por dispensar Ministros importantes, como Necker, cidadão suíço, protestante, que desagrada Clero e Nobreza por sua austeridade. Ministros posteriores seguem os preceitos das duas primeiras Ordens. Enfim, em 1789, sem saber o quê fazer, Luís XVI convoca os Estados Gerais, Assembleia que reúne os três Estados, e que não ocorria desde o tempo da Rainha Catarina de Médici, no século XVI. A seu lado, em profundo abatimento, a Rainha procura disfarçar sua dor. Seu filho primogênito acaba de morrer de tuberculose.
O Clero e a Nobreza, sem querer abrir mão de seus privilégios, convencem o povo de que não há solução. É então que o Terceiro Estado declara não fazer mais parte dos Estados Gerais.  Abre-se  uma Assembleia Constituinte, com deputados do Terceiro Estado, que exigem mudanças. Luís XVI manda fechar os portões do local onde deveriam se reunir. Tiro no pé. Aqueles que agora se chamam Deputados se reúnem na Salle du Jeu de Paume, que durante muito tempo abrigou o Museu dos Impressionistas.
Em Paris, a fome cresce a cada dia. Em 14 de julho , o povo invade o arsenal dos Invalides, construído por Luís XIV para os inválidos de guerra. Sem pão, destroem o grande símbolo do poder do rei. Os seis ou sete prisioneiros são soltos e o  Governador, não podendo avaliar a fúria do povo faminto, é massacrado e sua cabeça espetada numa pedaço de pau. Conta-se que sem saber de nada, o Rei anota no seu diário, no dia 14 de julho de 1798: NADA. Conta-se ainda que alertado por seu camareiro pergunta-lhe : " C'est une révolte?" Ao que responde: "Non, Sire, c' est une Révolution!!! " Conta-se, mas há um fundo do verdade, o Rei jamais avaliou a grandeza do movimento que logo o envolverá. 
Alguns dias depois, mulheres vindas de Paris, e possivelmente homens vestidos de mulher, infiltram-se no Palácio, aterrorizando e matando os que tentam detê-los. E obrigam o Rei, a Rainha e sua família a irem para Paris, onde devem se alojar no sinistro Palácio das Tulherias, mandado construir por Catarina de Médici. Acabaram-se as festas, os cortesãos ameaçados fogem. Eles agora são prisioneiros da Assembleia Constituinte, que está dividida entre burgueses ricos e a baixa burguesia que inclui os interesses do povo. E aí, mais um tiro no pé. Disfarçada, a família real tenta fugir . mas é descoberta por um guarda, que reconhece o Rei. Passam a  noite numa cidade chamada Varennes. A propósito se fez um filme  "La nuit de Varennes", excelente, com atores do gabarito de Marcelo Mastroiani
A família é recebida em Paris com frieza. O Rei perde seus poucos apoiadores. Depois,  disto é a prisão do Templo,   o julgamento e a guilhotina para o Rei. Maria Antonieta, agora chamada de Veuve Capet, apesar de suas súplicas, é afastada de seu filho, que será  entregue a um sapateiro. Conforme conta seu grande biógrafo, Stephan Zweig, ela procurava ver, através de frestas, seu único filho, já que o outro havia morrido.
Durante seu julgamento, as mais sórdidas acusações, são lançadas  contra Maria Antonieta e sua cunhada. Acusações de incesto com seu pequeno filho, admitidas por ele mesmo, devidamente instruído por seus preceptores. E neste momento, que ela se levanta e lança a célebre frase : "J'en apppelle à toutes les mères de France!" (Suplico a todas as mães da França) Esta  acusação havia sido lançada pelo detestável Herbert, ele próprio guilhotinado meses depois, junto com sua mulher. Há meses, Maria Antonieta já está confinada na Fortaleza da Conciergerie, em cubículos cada vez menores. Em seus últimos dias, ela mal  consegue levantar a cabeça.
"Os setenta dias passados na Conciergerie fizeram  de Maria Antonieta uma mulher velha e doentia. As lágrimas avermelharam    
e inflamaram seus olhos que perderam completamente o hábito da luz do dia. Seus lábios são de uma palidez extrema em vista das constantes hemorragias de que ela vem sofrendo nos últimos dias." Este é o retrato que nos mostra Stephan Zweig da mulher que enfrenta aquele tribunal hostil, de onde ele sabe que sairá condenada. 
Em 16 de outubro, o povo e a rainha estão frente a frente pela  última vez. Ela foi acordada ainda pela madrugada, cortam-lhe os cabelos embranquecidos. Ela tem trinta e sete anos. Esperava que fosse conduzida por uma carruagem, como seu marido, ao lugar do suplício, mas é sentada em uma carroça que atravessa o percurso. "Esta última vestimenta, estas pobres roupas de prisão dão-lhe uma nova majestade que ela não tivera em Versalhes" Pierre de Nolhac. A agora Veuve Capet mantém a dignidade, parece indiferente aos impropérios que lhe são dirigidos. Chegando ao destino, sobe as escadas até o cadafalso. Tendo pisado no pé de um guarda, dirige-se ele e diz "Excusez-moi, monseigneur, je n'ai pas fait exprès"  Alguns minutos depois sua cabeça é mostrada ao povo. O sangue inunda a palha do cesto. O corpo da supliciada, é jogado numa carroça, a cabeça entre as pernas. A multidão se dispersa, e muitos já se perguntam de que valeu submeter esta mulher a tanto sofrimento. 
Depois, foi o TERROR e o famigerado "Comitê de Salut  Publique." Como disse certa vez Robespierre: "A Revolução é como Saturno, que devora seus próprios filhos".
Há muito mais a falar sobre a Revolução Francesa, talvez algum dia eu retome este assunto que sempre me fascinou. Sobre O TERROR , há um filme extraordinário, que já assisti várias vezes. Lembro-me que em 1984, eu estava em Paris quando o vi pela primeira vez. Havia uma grande quantidade de emigrantes poloneses, que já anteviam a queda do Comunismo. O diretor é polonês, assim como vários atores. O filme chama-se DANTON.