QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



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quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Paris antes da festa – II

E vamos continuar nosso passeio em Paris sob o 2º. Império.
“Mont-de-Piété”, ou “Ma Tante”.
Havia sido fundado em Paris ainda no século 17 e atendia o mais vulnerável, desde o pequeno burguês em apuros, até o miserável. Quase todo pobre, senão todo, recorria a este empréstimo sob empenho. Ali eram depositados objetos variados, cuidadosamente examinados e avaliados. Muitos jamais foram resgatados, e iam a leilão. O que fazer se não havia dinheiro? Podia ser o espaço onde aqueles que haviam descido ao mais baixo nível iam depositar seus objetos: havia desde relógios até colchões velhos e deformados, móveis quebrados, roupas íntimas, utensílios de cozinha e de trabalho. E todo aquele amontoado muito valia para seus proprietários! Muitas vezes representava tudo o que tinham! Muitos objetos banais, mas também objetos bizarros. Dentre estes destacava-se um, que voltava freqüentemente: era o queixo de prata de um ex-combatente, que se desfigurara em alguma batalha. Estes eram chamados “gueules cassées” – mais ou menos “caras quebradas”. Estava lá sempre que seu miserável soldo atrasava. Não se sabe se algum dia não pode pagar e sua queixada foi a leilão!
Atualmente os empréstimos, regidos pelo Crédit Municipal, estão em alta, o que reflete a crise. Entre 2008 e 2013 , o que o francês chama de “prêt sur gages” mais que dobrou indo de 74 millions a 190 millions de euros. Evidentemente, os objetos empenhados são diferentes daqueles de outrora.
“Vida” ou “sobrevida”, como faziam os mais miseráveis? Estes eram chamados “chiffonniers” – “chiffon” significando trapo, retalho. Catavam pelas ruas tudo que pudessem vender. Eram os nossos catadores de lixo seco. Chafurdavam no lixo caseiro à procura de algum objeto que pudessem recolher. Tendo enchido suas sacolas, chiffonniers retornavam para suas miseráveis habitações numa caminhada de uma , duas horas. Então, mãos habilidosas, separavam minuciosamente o que fora trazido. Tudo podia ser reutilizado, transformado. Mechas de cabelos, então sempre longos, encontradas no meio da sujeira, em chumaços embaraçados, eram cuidadosamente separadas de acordo com a cor, a textura , o comprimento. Estes fios poderiam servir para enchimentos dos elaborados penteados.
Apesar dos parques e jardins da nova Paris, muitos preferiam diversões macabras, como o passeio ao necrotério, reconstruído e aumentado. Cadáveres anônimos, em geral recuperados do Sena, ali ficavam expostos pelo menos durante três dias. Assim, o poeta Gérard de Nerval, que se suicidara, por ali passou dias, nu, os olhos abertos, olhando sem ver. “Diz o historiador de Paris, Hervé Maneglier, “ Vem-se aqui, como ir-se-ia a um espetáculo, procurar uma emoção” Tal foi o caso de um corpo encontrado pouco a pouco: tronco, depois membros, finalmente a cabeça. Descobriu-se que se tratava de um agricultor, morador dos arredores da cidade. Logo depois outro corpo nas mesmas condições foi achado, vindo da mesma região. Um trabalho minucioso da polícia identificou o assassino, que foi preso e condenado à morte.
É a fascinação da morte! O que dizer então das fogueiras medievais, que serviam de diversão a um público ávido de sensações sórdidas? Conta o historiador Maurice Druon, na sua obra “Les Rois Maudits”, o que foi o holocausto dos Cavaleiros da Ordem dos Templários, ordenada por Philippe Le Bel, no século 14. Havia um imenso público, eram vendidos confeitos, e as pessoas vinham elegantemente vestidas. Durante a  Revolução Francesa, já não era mais  o fogo, mas a guilhotina. O povo vinha, assim como na Idade Média, assistir ao espetáculo. Mulheres traziam tricô e tagarelavam, enquanto cabeças rolavam e o sangue jorrava. Eram as chamadas “tricoteuses”. Pois esta atração mórbida persistiu no 2º. Império. A  princípio pública, a execução tornou-se quase secreta, tentando evitar distúrbios anteriores. Mas ainda assim, o público, ao saber de uma imolação, chegava de madrugada para ver passar o carro que transportava a guilhotina. E enquanto esperavam, comiam, tomavam vinho, davam gritinhos de prazer. Até a chegada do condenado, que não viam, mas que provocava verdadeiro delírio!!!! Mas seriam somente estes homens do passado, ou somos nós também, no século XXI, que nos deliciamos com a morbidez, o sórdido sofrimento? Na televisão, programas de grande audiência nos fazem crer que sim.
Mais la vie est belle!!!!!
 Uma vez construída uma rede de esgotos na cidade, sendo parcialmente resolvido o saneamento básico, a vida parisiense torna-se muito mais prazerosa. Grandes redes  de esgoto atravessam a cidade, mas somente os mais ricos têm água em casa.  Na verdade, o banho com água corrente só surgirá no fim do século 19. As casas de operários são quase todas privadas do abastecimento do água. Até o fim do século, em cidades como Rennes e Bordeaux o lixo caseiro é jogado nas ruas assim como o conteúdo dos urinóis. As fossa sépticas despejadas em camburões abertos. Enfim, o saneamento básico continuou ainda por muitos e muitos anos um problema parisiense e francês.
Mas, por outro lado, há tanta coisa boa! Teatros, cafés-concerts, onde se degusta e se consome música, teatralizações. Há as lindas operetas de Jacques Offenbach, alemão radicado em Paris, filho de um cantor de sinagoga, cujo apartamento está assinalado ao lado da Opéra Garnier. Berlioz oferece ao público uma obra prima: A sinfonia Fantástica. Considerado o maior ator de todos os tempos, Fréderick Lemaître extasia platéias. Georges Feydeau diverte o público com seus “vaudevilles”, comédias rápidas. Félix Nadar inaugura a fotografia de estúdio, tendo fotografado os mais famosos, como Baudelaire, Victor Hugo, Dumas Filho e muitos outros. “Grands Magazins” são abertos ao público em geral: Louvre – o 1º. , já desaparecido e que tive o prazer de freqüentar, La Samaritaine, Le Printemps, Le Bon Marché, todos estes persistindo até hoje.

E não podemos terminar nosso passeio pelo Paris de antanho sem Les Halles Centrales, centro de abastecimento da cidade. Concebida em 1855, ano da Exposição Internacional, que reuniu Reis e Imperadores. Foi uma construção audaciosa, toda feita de vidro e ferro, que causou mais sucesso do que os pavilhões rebuscados da Exposição. Ainda existia quando morava em Paris, mas confesso que não a conheci. De noite lá funcionavam restaurantes considerados de ótima qualidade.  Meu pai gostava de freqüentá-los à noite, lá tinha feito amizades. Tomava sempre em um certo restaurante a famosa sopa de cebola. Uma noite, em conversa com o proprietário, lembrando-o de que era brasileiro, militar, e, portanto, não poderia concorrer com ele, pediu-lhe a receita. Foi assim que passamos a saborear em casa uma verdadeira sopa de cebola parisiense. Não sei que fim levou a receita, mas talvez um dia a encontre. Les Halles foi demolido, o que foi considerado um verdadeiro vandalismo, em 1971. Dizia-me um antigo namorado parisiense que interesses especulativos encabeçados pelo então Presidente Georges Pompidou foram o motivo da  barbárie. Pompidou morreu três anos depois de câncer. Pouco pode aproveitar do seu butim.
Mas Paris, aquela cidade fedorenta do século 13, a cidade transbordante do poeta Boileau, a cidade que recebeu “tant bien que mal” o revolucionário Haussmann, tem na sua longa história um charme “exquis” nenhuma outra  cidade tem. E Paris será sempre Paris.
Como diz a canção interpretada por Maurice Chevalier:
“Paris será toujours Paris,
La plus belle ville du monde.”

Queira Deus que continue ..........

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Paris antes da festa- I

Conta-se que um dia o rei Philippe Auguste, no século 13, estava em seu palácio, a beira do Sena, onde atualmente situa-se o Palácio da Justiça. Chegou perto de uma janela, para ver correr o rio, e justo neste momento passavam algumas carroças revolvendo o lixo de toda espécie que recobria o chão. Desprendeu-se então um tal fedor que sua majestade  desmaiou. Foi então que o rei resolveu agrupar o “prévôt” – uma espécie de Prefeito - e os burgueses, para que, juntos, pavimentassem as ruas de Paris, que, nesse tempo, praticamente se resumia à Ile de La Cité, no centro do rio.  A pavimentação foi feita com uma espécie de rocha triturada, que os franceses chamam de “grès”.
Seu neto, Luís IX – São Luís de  França, apesar de haver mandado muita gente para a fogueira – passando à noite por uma rua, recebeu em sua capa bordada com ouro um “pot de nuit” repleto de excrementos. O autor do crime era um rapaz que dobrava a noite estudando. Como Saint Louis era santo perdoou o assustado estudante.
Mas apesar do “grès”, Paris, que já se expandia pela “rive gauche” e “droite”, continou imunda. Todos dejetos eram jogados nas ruas, porcos circulavam e o mal cheiro, evidentemente, persistia. No  século  XVII,  o poeta Boileau, em “ Les embarras de Paris”, fala das dificuldades em caminhar na cidade , onde multidões se espremem nas ruas estreitas, brigam, carroças passam, cavalos escorregam e lançam lama para todo lado. Finalmente, nosso personagem sujo de lama, amarrotado, sem saber que caminho tomar, foge para onde pode.
É verdade que bastante coisa havia sido feita ao longo dos séculos, mas a cidade ainda era muito medieval. No século XVIII, muita gente, incluindo Voltaire, se preocupava com uma urbanização conveniente. Dizia Restif de La Bretonne, escritor erótico do século XVIII,  que , de tão estreitas, “... eram ruas onde duas pessoas não podiam passar sem se beijar.” Obras magníficas foram construídas ao longo dos séculos, mas tratava-se sempre de embelezamentos pontuais. Nada que integrasse o tecido urbano. Ruas estreitas e prédios altos, uns colados aos outros, onde o sol jamais penetrava e a humidade era permanente. O ambiente insalubre, com esgoto e casas de alimentos misturando- se, em nada se pareciam com as grandes praças e os grandes “hôtels”.  Não havia nem sombra de um plano urbano, a tal ponto que o “plano” de Paris era comparado a uma porcelana “craquelée”.
Durante a Monarquia de Julho, que vai de 1830 a 1848, o Prefeito , Rambuteau (nome de uma estação de metrô), tenta algumas melhorias, sobretudo no que diz respeito ao saneamento básico. A epidemia de cólera de 1832 havia matado cerca de cinco por cento da população em certos “arrondissements” , que poderíamos chamar de bairros. Famílias pobres viviam amontoadas em um quarto , sem banheiro. As latrinas, em geral no último andar,  transbordavam de fezes, e o serviço de limpeza era a tal ponto precário que os dejetos se derravam pelas escadas. Pelo chão todo tipo de detrito, restos de animais mortos, de alimentos, e muitas outras coisas. E sempre o mal cheiro dos corpos, das roupas, das latrinas, enfim, tudo irrespirável. E havia proprietários que transformaram seus cômodos em dormitórios onde miseráveis se amontoavam para passar a noite. “Em um cômodo no quarto andar, tendo apenas cinco metros quadrados – escrevia a Doutor Henry Bayard – encontrei 23 indivíduos, homens e crianças, deitados de qualquer jeito sobre cinco leitos. O ar era de tal forma infecto que senti náuseas.....” Aliás, note-se que até alguns anos atrás,  dormitórios eram alugados para emigrantes miseráveis, que dormiam sentados com os braços apoiados sobre alguma coisa, não sei exatamente o que, e que pela manhã eram despertados quando uma corda que segurava o apoio era retirada.
Mas, uma vez derrubada o Monarquia de Louis Philippe em 1848, estabelece-se uma 2ª. República, já que a 1ª. , aquela  nascida na Revolução Francesa, havia sido tragada por Napoleão Bonaparte, que alguns anos depois se proclamara Imperador. É nesta 2ª. República que surge um personagem singular, de quem vale a pena falar mais tarde. Trata-se de Louis Napoléon Bonaparte, sobrinho do primeiro. Candidata-se a Presidência e vence, entre outros, o célebre poeta romântico, Lamartine. Mas em 1852, o Presidente, dá um golpe e torna-se Imperador - Napoleão III - , já que seu primo que seria Napoleão II morrera na Áustria, ainda adolescente. Apesar de golpista, com uma história pregressa que arrepiar, mostra-se um grande estadista. É o primeiro governante a, de fato, transformar Paris. Para isso chama um desconhecido Georges Haussmann, nomeado Prefeito, e transformado em Barão.
A respeito do Imperador e Haussmann, dizia-se, conjugavam-se a esperteza e o mau gosto. Mas a verdade é que a Paris que vemos hoje jamais existiria sem a atuação destes dois. Ajudados pelos irmãos Pereire – judeus sefarditas – , grandes banqueiros, Napoleão III e Haussmann conseguiram a mais bela transformação que uma cidade já sofreu. Para isso, Haussmann não exitou em colocar abaixo todo o centro da cidade, onde se aglomeravam as mais fétidas ruas. Expulsou operários para um exílio nos arredores e a medida que a cidade  se embelezava, os mais pobres iam sendo expulsos e cada vez para mais longe. Napoleão I havia começado a Rue de Rivoli, Haussmann foi até o fim, bordejando o Louvre. No lugar das antigas ruelas, grandes avenidas “boulevards”, dizia que tinha a obsessão da linha reta. Mas suas grandes perspectivas nos encantam. Sob sua influência criou-se o estilo “haussmannien” , de prédios amplos, com cerca de cinco andares, com belas sacadas. É bom lembrar que que as largas avenidas tinham também uma função estratégica: impedir as barricadas, que haviam sido arma poderosa nas Revoluções de 30 e de 48.
Mas e a vida dos pobres, no seu exílio cada vez mais longínquo? E dos que chegam sem para trabalhar nas demolições e construções? Assim, de exílio em exílio, a cada nova demolição e renovação, vão cada vez mais se afastando de seus lugares de trabalho. Especuladores constroem com os restos das demolições, moradias irrespiráveis, em ruelas tão, ou mais estreitas do que aquelas destruídas. E de um momento para outro pode haver novos deslocamentos, para locais ainda mais afastados. Operários chegam a andar três ou quatro horas para chegar ao trabalho. A vida dos pobres torna-se cada vês mais dura!
Ainda há uma segunda parte do trabalho, já que teria ficado longo demais para um blog. Logo postarei “Paris antes da festa II”.  


sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Paris é uma festa Os anos loucos - 1920



1920. A Guerra acabara. Numa noite fria de janeiro, Amedeo Modigliani, o belo pintor e escultor judeo-italiano, acaba de morrer. Tuberculoso. Na mais negra miséria. Viera morar em Paris em 1906, e nunca sua genialidade fora reconhecida. Sempre perseguido pelo egocentrismo e vaidade de Picasso. Modi, como o chamavam seus amigos, era belíssimo, talentosíssimo e, pela lógica, teria de ter um belo futuro, mas afundara no alcoolismo e nas drogas. Sua companheira, que abandonara a confortável  vida burguesa, Jeanne Hébuterne, que já lhe dera uma filha, olhou o rosto imóvel do homem que amava de todo seu ser, não derramou uma lágrima. Grávida de nove meses, voltou à pobre “mansarde” onde moravam e lançou-se pela janela. O que valia a vida sem Modi?
Mas, por um desses azares do destino, neste ano em que o mundo perdia Modi, estouravam os prazeres em uma Paris cuja vida intelectual e artística jamais havia morrido. Paris que, anos depois, numa continuação daquela Primeira Guerra, que todos pensavam que não se repetiria, não se deixou sucumbir às intenções de Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda Nazista,  que sentia profunda inveja da cultura francesa. Já em 1913, no Théatre de l´Elysées, a “Sagração de Primavera”, obra do genial Igor Stravinski, com coreografia de Michel Foukine, e apresentando o maior bailarino de todos os tempos, Vaslav Nijinski, Paris estava na vanguarda. É verdade que a apresentação sofrera a maior vaia de que se tem notícia na história da arte cênica. Mas na década de 20, isto já era passado
Paris é uma festa. Com dólar barato, para lá convergiram muitos intelectuais americanos, como os romancistas Ernest Hemingway, Scott Fitzgerald e John dos Passos, o fotógrafo Man Ray, cuja amante, Kiki de Montparnasse , de corpo escultural, ele utilizou de maneira genial. Para lá também foram o poeta Erza Pound, o irlandês James Joyce. O pintor judeo-russo, Marc Chagall já emigrara anos antes e se tornara amigo de talentos, como Modgiani. Com a revolução russa, em 1917, a emigração de outros gênios foi inevitável. Afinal, como conviver com a arte de Estado? Para lá foram Igor Stravinski e Sergei Prokovief. E também Sergei Diaghilev, criador e diretor dos "Ballets Russes", o coreográfo Michel Foukine e Vaslav Nijinski, que desenvolveu esquizofrenia alguns anos mais tarde. Morreu em um manicômio em Londres ,em 1950. Isto sem esquecer as sensacionais  apresentações de Josephine Baker,a escultural negra americana
E havia também muitos intelectuais franceses. Jean Cocteau, poeta, escritor, dramaturgo, o jovem Raymond Radiguet , morto aos vinte e três anos de febre tifóide. E Eric Satie, grande compositor e pianista, Fernand Léger, professor de Tarsila do Amaral,  Georges Braque, um dos fundadores do Cubismo.  E Maurice Utrillo, o pintor de Montmartre, cuja mãe,  a bela Suzanne Valadon, também pintora, fora amante de Satie, de Toulouse-Lautrec, dentre outros artistas, pintores e músicos. Gabrielle ou Coco Chanel revolucionava a indumentária das mulheres. Abolia os longos cabelos, lançava tailleurs de linhas retas que colocavam em destaque a estrutura fundamental do corpo feminino. Foi mulher de muitos amantes, dentre os quais Stravinski, amou e foi amada. Quebrou tabus. Escritores, pintores e escultores freqüentavam o apartamento, de paredes cobertas quadros, onde viviam Gertrude Stein, romancista e poetisa americana, e sua companheira Alice Toklas.
Após a Revolução de 1917, membros da nobreza russa haviam fugido para Paris, e tornou-se chique ter uma governanta duquesa ou condessa. Muitos condes e duques tornaram-se mordomos ou choferes de taxis. Eram pessoas de vasta cultura, muita “finesse d´esprit”, e serviam uma burguesia endinheirada que, na maioria das vezes, carecia desses itens.
Os artistas e intelectuais, que até o início da Guerra, haviam se reunido em Montmartre, agora emigravam para Montparnasse. Seus locais preferidos de encontro eram Le Dôme, La Coupole, La Rotonde. Todos estes sobreviveram até nossos dias. Na Coupole, ainda podemos observar nas colunas pinturas de Braque, Picasso, Léger e outros, que, muitas vezes, trocavam arte por um belo jantar. A vida corria bela, ainda que o povo sofresse os efeitos do conflito. Mas ninguém pensava na miséria que devastava o povo alemão, que era obrigado a pagar todos os prejuízos à França e à Inglaterra. A chamada Républica de Weimar , que fora instalada após a Grande Guerra, estava em frangalhos. A inflação era a maior que já se verificou em todos os tempos. Erich Maria Remarque, escritor alemão, conta no seu livro, “ O obelisco negro”, que as pessoas acordavam de madrugada para comprar o pão, pois ao meio-dia estaria mais caro. Ninguém se lembrou que a miséria é um terreno fértil para o surgimento de lideres carismáticos que prometem a redenção. Não se conhecia um simples sargento da Grande Guerra, que, obcecado pela vingança, iludindo a todos, fosse capaz de promover tamanha barbárie com o apoio de um povo culto. Não  se poderia imaginar: a Grande Guerra não acabara.
Mas Paris resistiu. E mesmo sob o domínio nazista a cultura francesa não cedeu graças aos esforços de intelectuais como Cocteau, Sartre, Simone de Beauvoir, Jean-Louis Barrault, Picasso, que passou a ocupação em Paris, Albert Camus e tantos outros. E em 1944, libertada da ocupação nazista, Paris retomou toda sua luz. Até.......não sabemos quando.

Quero oferecer este texto a meu falecido irmão, Sérgio, que me ensinou desde criança o prazer da leitura, da admiração da pintura e da boa música. Sérgio tinha uma inteligência superior. Lembro-me de que quando moramos em Paris, foi assistir à “Sagração da Primavera”, na Salle Pleyel, regida pelo próprio Stravinski, já velho e morando em Nova Iorque. Ao seu lado, sentou-se Jean Cocteau, cuja obra também admirava. Chegou em casa delirante de alegria. Aquele fora um dia de glória em sua vida.
Obrigada, meu irmão . Descanse em paz