QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



Seguidores

segunda-feira, 30 de outubro de 2023

 Uma criança brasileira em Paris.

No dia seguinte, trouxeram para nós um delicioso café da manhã , com um pãozinho em forma de meia-lua , que eu jamais havia visto. Fiquei maravilhada e de olho no de Teresa. A manteiga vinha em forma de caracol, mas não me lembro do resto. Acho que logo depois daquele primeiro dia, meu pai procurou alguma agência onde pudesse encontrar um apartamento. Só me lembro de um, em Ménilmontant , onde nasceu o grande compositor e cantor , Charles Trenet, eternizado  pela linda canção , que vou procurar e incorporar ao texto. Vi-o na televisão várias vezes, e suas músicas sempre me encantaram, como "Douce France" composta como um hino contra a ocupação nazista na França. 

Pois bem, um dia fomos todos , salvo meu irmão, que já maior não teve direito à ir conosco, tendo chegado cerca de dois meses depois, a este lindo bairro , com sua igrejinha.  Pois foi lá que me deparei com a casa mais linda que já havia visto.  A proprietária era uma senhora bem idosa, que usava um xale. As paredes , não me lembro se todas, eram forradas de seda grená .  E havia um piano!  Fiquei fascinada!! Imaginei-me sentada ali,  batucando nas teclas, provavelmente infernizando minha mãe. Afinal, eu era temporona, , inesperada, uma surpresa não muito bem vinda, mas extremamente mimada. Aliás, os tapas e beliscões  eram dadas por minha irmã, que, acho, tinha ciúmes. Mas, afinal, nada disto importa , o objetivo de meu pai era encontrar um lugar agradável, e perto de onde pudesse eu e Teresa pudéssemos estudar. Logo, a linda casa, com aquela velhinha de cabelos branquinhos, xale , certamente viúva, que era proprietária daquela romântica casa, certamente construída no século XIX, não preenchiam estes quesitos. 

Ficamos ainda algum tempo no hotel. Lembro-me do dia em que minha mãe me deu uns trocados para comprar um lanche numa espécie de "pâtisserie" que ficava a poucos metros do hotel. E até hoje consigo sentir o cheiro do lugar, Havia algumas pessoas que me atenderam e logo perguntaram : "Italienne" balancei negativamente a cabeça, sem saber  quê dizer, e lembro-me de uma das mulheres acariciar meu rosto infantil e dizer : "Mignonne". É interessante notar que sempre pensavam que éramos italianos e lembro-me de um dia em que raivosamente um francês disse: " Ces italiens !" Depois , nas múltiplas vezes que voltei à França , pensavam que eu era italiana.  "Prego signore" (desculpe-me minha amiga Regina, professora de italiano). E pasmem, muitos anos depois, estava em Roma com Teresa e italianos vieram nos pedir informações. 

Mas voltando a Paris, afinal, não sei como , acabamos indo morar naquela Avenue Mac-Mahon, que havíamos subido , extasiados com o monumental Arco do Triunfo. Era o número 10. O prédio, muitos anos depois descobri, havia sido construído em 1886, em plena Belle Époque. Havia um elevador hidráulico, que só subia. Era preciso puxar uma corda, e quanto mais força puséssemos , mais depressa subia. O apartamento ocupava um andar inteiro, com uma sala de jantar , uma sala intermediária e um grande salão com poltrona no estilo Luís XV . Havia três quartos , um banheiro e um local  que parecia uma pequena suite. E era ricamente decorado, com lareiras de mármore e portas espelhadas. Uma varanda circundava todo o apartamento e dela víamos logo acima o Arco e um pouco adiante a Tour  Eiffel. No primeiro andar, morava Monsieur Félix Hanfouet Boigny (?) , deputado da France d'Outre Mer, pela Costa do Marfim  -Côte d'Ivoire - . Notando que naquele tempo a França tinha colônias por toda parte. E incrível é que, muitos anos mais tarde, namorei um marfinês, um dos meus melhores namorados. Lembro-me de que na entrada do apartamento havia dois chifres de elefante, o quê  hoje me revoltaria imensamente. Minha mãe ficava perplexa ao ver entrarem nas festas,  mulheres louras com negros. É  verdade que o mundo dá muitas voltas....

No segundo andar, nunca descobri quem morava. No terceiro , uma família do Ceilão, atual Sri Lanka . As mulheres tinham uma marca na testa, andavam com sari e jamais levantavam a cabeça. No quarto , uma chilena, no quinto nós e no sexto outra família de militar. Meu pai logo tratou de me matricular na mesma escola  da filha do outro militar , mas não deu certo. Eu tinha que ir com a filha deles, Déa, que tinha chofer português a quem chamava de Manyel (à francesa) . Odiei tudo aquilo, e me recusei a continuar. Foi então que me meu pai me matriculou num Curso para crianças na Aliança Francesa, onde convivi com crianças do mundo inteiro. 

Mas o meu grande curso de francês foi feito nas ruas de Paris, onde fui tradutora de minha mãe. Eu conversava com as "vendeuses" , com os garçons , Traduzia o quê minha mãe queria dizer. Até à feira ia , às vezes com ela. Como era muito falante, fiquei fluente logo. Tinha uma colega tailandesa e fiquei sua amiga. E até  fui com Teresa almoçar em sua  casa. Assim como ela foi almoçar na minha, Tenho até hoje o seu endereço, escrito num pedaço de papel. 

E comprei outras bonecas, que dei há algum tempo para as crianças do Instituto Maria. E também um carrinho , e roupinhas que fazia como aqui. Só não andei de bicicleta nem pulei corda. Também lembro da sessão infantil às quintas -feiras , com desenhos e filmes do Gordo e do Magro. E do chocolate especial que comprava com os trocados que minha mãe me dava. 

Com a passagem de Bruno, perdi todo interesse em voltar a Paris. Sei que iniciei uma nova etapa, mas não sei quanto tempo durará. E espero , nestes anos que me restam, viver o melhor possível.

 

sexta-feira, 27 de outubro de 2023

 Uma criança brasileira em Paris

Lembro-me do dia em que meu pai chegou em casa, exultante, e nos disse que íamos para a França. Ele era engenheiro militar , dava aulas no IME, e havia ganhado uma bolsa para Paris! O ano era 1956, não me lembro o mês. Eu tinha 10  anos e nenhuma noção do que fosse exatamente  este país. Um ano antes, havia vindo ao Brasil a atriz Martine Carol e seu marido, um diretor chamado Christian Jacques. Martine Carol se tornara famosa por haver sido a primeira mulher a expor os seios na tela . Era jovem, loura e linda , com corpo voluptuoso. Vi embevecida a entrevista , sem entender bulhufas e admirada em pensar que alguém pudesse se comunicar naquela língua! Isto cerca de um ano antes do anúncio de meu pai !
Quando fiquei sabendo que ia para a França, passei a brincar de cantora, pegava uma vassoura que fingia ser um  microfone, Inventava uma língua , e cantava uma melodia que me saia da cabeça  Mas antes de minhas "melodias" em língua desconhecida, eu gostava  de brincar de "moça" , o quê deixava minha irmã furiosa.  Punha seus saltos altos, brincos, passava batom, e andava pela casa, ou fingia que tomava chá com amigas. E ,evidentemente, além das bonecas, tão raras hoje em dia. Havia a Holandesinha, Susy, Débora,e um bebê , de cujo nome não me lembro mais , e que, provavelmente havia pertencido a  Teresa. Quando minha mãe me dava uns trocados , corria até uma loja onde vendiam retalhos e voltava para fazer novos vestidos. E também gostava de minha bicicleta. E de  pular corda, que levava para o colégio. E da merendeira que cheirava a coisa velha e que eu herdara de Teresa. Era dia de festa quando podia comprar um cone onde havia uma surpresa. Enfim, tudo muito singelo. Nunca consegui ganhar a casinha de bonecas com que sonhei tantos Natais, mas me sentia feliz com a mobilinha  de plástico rosa em que havia uma penteadeira, uma cama , e um armário. Havia também uma sala de madeira que eu reservava para as visitas. Armava tudo num canto de um cômodo vazio da casa.
Pois naquele dia, de 1956, tanta coisa que me fascinava devia ficar para trás ! Holandesinha, Susy , Débora e o bebê não poderiam ir comigo. Nem minha mobilinha de plástico, nem a da madeira, Nem minha bicicleta. Não me lembro se chorei, acho que fiquei alerta para a experiência que se abria diante de mim. Viajamos pela falecida Panair . Viagem longa , de não sei quanto tempo. Paramos em Dakar, capital do Senegal, e quando descemos do avião, tive a impressão de haver penetrado num forno. Negros vestidos a caráter, acho eu , nos esperavam e nos ofereciam água de côco bem gelada. Lembro-me de que no mesmo avião viajava Carmélia Alves, e seus músicos para uma turnê na Europa. E há pouco tempo atrás, vi no Youtube, um canal que trata das antigas cantoras do rádio. E lá estava ela, em boa forma. É claro que se tratava de uma gravação antiga. Havia outras também, de minha infância, como Carminha Mascarenhas. Mas, tudo isto ficou no passado, um passado bom, que gosto de recordar.
Na França, estavam nos esperando outros militares brasileiros. Eu era a única criança, já que fui filha temporona. O aeroporto era Orly, Charles de Gaulle ainda demoraria muito. Já haviam feito reserva em um hotel , justamente no 17e. arrondissement, onde viríamos a  morar. Ficamos em dois apartamentos diferentes e fiquei feliz com a banheira , onde poderia brincar de lanchonete, fazendo milk-shakes de espuma. Mas e depois?  Todos haviam voltado para casa, e nós estávamos com fome. Sem conhecer a cidade, meu pai se muniu de uma mapa e rumamos em direção aos Champs Elysées. Mas, antes de chegarmos lá, quero lembrar da garota francesa, mais ou menos de minha idade, que passou por nós conversando com alguém que devia ser sua mãe.  Fiquei extasiada!   Como era possível? Mas , ao mesmo tempo me convenci de que seria capaz de fazer o mesmo.
Subimos a Avenue Mac-Mahon, que foi Presidente da França no século XIX, e logo vimos aquele monumento imenso , todo iluminado, com a bandeira francesa tremulando do alto. Agarrada no braço de minha mãe, fizemos uma volta, passando por palacetes que rodeavam a monumental praça, nesta época chamada Place de  l'Etoile.  Enfim, após quatro avenidas penetramos naquela mil vezes iluminada, que parecia não ter fim. Não me lembro de minha reação após tantos anos, mas devo ter achado  estar noutro mundo.  Tantas vezes voltei lá, mas estou certa de que  jamais tornei a sentir aquele "frisson" daqueles meus  longínquos dez anos. Meu pai escolheu , ao acaso, um restaurante que me pareceu lindo e que nunca mais reencontrei . Comi um bife com um molho que meu pai disse ser de mostarda e manteiga, com fritas. Devo ter tomado Coca- Cola e alguma sobremesa "superbe ". Exaustos, voltamos para o hotel e dormimos......
O resto conto logo mais.  


sexta-feira, 20 de outubro de 2023

 Rumo à Bretanha  . Encontro com uma grande amiga.

Quando sentei no banco do trem que me conduziria a Saint-Nazaire, cidade que teve importância estratégica durante a Segunda -Guerra , senti que , afinal, havia saído do Inferno. Ainda estava febril, minha garganta ainda doía , mas tinha certeza de que passaria . Resolvi, e não sei como consegui,   esquecer meus problemas no Brasil , e acho que até cochilei. De repente, percebi que estava sentado a meu lado, junto à janela , um senhorzinho, tipicamente francês. Parecia um camponês e contou-me que ia passar férias na "campagne"  onde tinha família . Começamos a conversar , já não lembro mais sobre o quê . Ficou assombrado ao saber que eu vinha de um país chamado Brasil. Não sei se jamais ouvira falar , ou se pensava que  era habitado por índios   ou alienígenas. Escrevi meu  nome e endereço, com letra de forma  em um pedaço de papel, e ,algum tempo depois,  recebi um bilhete seu. O hilário é que não entendendo bulhufas , ele xerografou, imprimiu o que eu havia escrito, colando como endereço. Guardei e depois vou procurar. 
No meio do caminho, tirou de uma sacola um sanduiche de presunto e uma garrafinha de vinho, ofereceu-me e compartilhamos aquela refeição com tudo que adoro. Algum tempo depois, o trem fez uma parada e ele desceu num  campo  cultivado. Lembro-me de seu vulto sumindo enquanto o trem se afastava. E sempre me pergunto se lhe passei gripe. Hoje, tantos anos depois, estou certa de quê já se foi, mas parece que era um homem feliz.
Enfim, cheguei à Estação de Saint- Nazaire. Pequena , quase vazia. Ali , encontrei um homem gentil, que me ajudou com a mala. Em seguida , rumei para BELC, centro de estudos , onde ficaria alojada durante cerca de 40 dias.  E aqui começa um dos mais belos períodos de minha vida. 
Eu já estava quase curada,  e  tinha grande curiosidade de reconhecer o lugar. Saímos um grupo de estudantes, de várias nacionalidades, todos professores de francês. E foi a primeira vez na vida que vi uma búlgara , assim como ela era a primeira vez que via uma sul- americana , uma brasileira. E daí nasceu uma amizade que dura há 34 anos. Eu em Juiz de Fora, ela em Sofia. Por vezes , nos falamos pelo telefone do Whatzapp. E tanta coisa aconteceu em nossas vidas desde então. Nossas mães , que estavam doente faleceram pouco depois. Perdi meu irmão, meu cunhado e minha inesquecível Teresa. E agora se foi Bruno, ao encontro dos que o antecederam. Svetla casou-se pela segunda vez, teve uma filha, divorciou novamente,  e continua em Sofia , de onde me manda sempre fotos. Trocamos fotos e mando-lhe músicas brasileiras. Ela esta feliz, passa férias na Itália ou na Espanha. Diz-me que o Comunismo é passado.
Mas em 1989, a   Bulgária era ainda um país que vivia sob o regime, aquele que não deu certo em lugar nenhum. Lembro-me de certos acontecimentos que me marcaram e mudaram. Svetla estava sempre acompanhada de outra , que ela me disse ser a esposa de um coronel. E interessante notar, que foi lá que conheci o homem mais gentil de minha vida, por quem me apaixonei quase imediatamente. Nunca mais soube dele, mas guardarei sua foto e sua imagem para sempre  no meu coração. Guy , francês, era "detaché" na Bulgária, e me explicou muita coisa, inclusive a  constante presença da esposa do militar ao lado de Svetla.  Era  sua função vigiá-la , para que nada denunciasse, e que jamais tivesse um comportamento "inadequado"! Não entendi quando lhe ofereci uma cassette de Gal Costa e ela recusou horrorizada. Guy riu quando lhe contei. Svetla teria graves problemas se chegasse em Sofia com uma cassette , em uma língua  desconhecida  e acabaria na Policia. 
Um dia fomos ao Supermercado, sem a vigia; Svetla queria comprar alguns presentinhos para as amigas. Eram barrinhas de chocolate, um bombom , uma barrinha  de cereal. Mas , por mais singelos que fossem os "presentes" , o dinheiro não dava. Meio desesperada, ela jogou no chão todas as moedas que tinha, sentou-se ao lado de seu acervo e tentava ver o que dava e o quê não dava. As  pessoas que passavam,  e que viviam em um país capitalista,  ficavam horrorizadas. Tentei dar-lhe algum dinheiro , que ela recusou, evidentemente por medo.  Houve um  "bal masqué"  , onde fui fantasiada não sei de quê ,mas que fez enorme sucesso. Entrei e saí sob aplausos, enfiada em uma fantasia que nem era minha, Tenho fotos e as vezes posto, como farei a seguir.  
Mas a acontecimento que mais me marcou ocorreu às vésperas do fim do curso. Havíamos recebido , ao chegar, uma sacola , onde colocaríamos os livros e cadernos. Daí, num belo dia, percebi que Svetla jogava dentro da sacola todo pão que não se comia. Lembrando que francês faz as refeições acompanhadas de pão.  Aquilo me intrigava,  pois o  pão francês fica duro como pau no dia seguinte, me lembrando o pão que vinha do  Exército que chegava todos dia em casa. Meu irmão brincava que poderia ser uma ótima arma. Um dia, me enchi de coragem e perguntei-lhe por quê guardava pão velho . E a resposta aterrorizante me desiludiu em definitivo daquilo em que, por tantos anos, eu havia acreditado. " Maria, vou ter que esperar bastante tempo em Orly , e quando sentir fome, molho o pão na água e como. " Pobre Svetla, que, para matar a fome,  seria obrigada a comer pão com água. No dia em que nos despedimos , dei-lhe uma nota de cem dólares, que estou certa que foi parar no lixo. 
Fico feliz quando a vejo na praia, tomando sol, se espreguiçando na neve, com roupas bonitas. Uma mulher bonita , como costumam ser as eslavas, que pode se cuidar. Uma mulher que na Pascoa Ortodoxa,  assa um cordeiro , e vai com a filha  a uma cerimônia na sua Igreja, ela que que dizia que o dia de Natal era, para seu povo, um dia como qualquer outro. 
Escrevi este texto porque fui "acusada" de ser da direita por achar ridícula para o Dia das Crianças a sugestão de uma foice e um martelo de plástico, com os dizeres "Feliz dia das crianças , camaradinhas." Sempre repito que sou da esquerda progressista , NÃO COMUNISTA. Mas minha amiga, que disse que sou da direita, fez questão de afirmar que , apesar disto , continua a ser minha amiga e gostar de mim. A recíproca é verdadeira.       

segunda-feira, 16 de outubro de 2023

SVETLA HANTOVA, UN E VIE.

1989, bicentenário da Revolução Francesa. E também comemoração da Inconfidência Mineira.
Estávamos em Belo Horizonte. A Primeira Dama Francesa, Danielle Mitterand, havia vindo. No Palácio  das Artes, ela e a Deputada Benedita da Silva, representante da mulher brasileira, faziam uma palestra. Eu havia ganhado uma bolsa para França, por haver criado um grupo de teatro em francês. E neste caso, haviamos até escrito o texto, o quê pareceu ao Adido Cultural extremamente original.  Consegui alojamento para todos meus "atores" e , se não me  engano, igualmente alimentação . E tenho imenso orgulho de  dizer que ali formei muita gente, que , posteriormente, se tornou profissional, como minha querida Cristina , que , passando em concurso do Exército  , e prosseguindo com Mestrado e Doutorado, formou oficiais que iam estudar em países de língua francesa , e é hoje oficial das Forças Armadas.  
Havia a greve do ano, como havia o Carnaval. Mas esta era uma bolsa especial, e eu não ia perdê-la  por causa de alguns malucos que achavam que conseguiriam derrubar o Governo, que neste  tempo já era Sarney. Dei aula em casa, escondida na Universidade, na casa  de alunos, e , finalmente, consegui completar  o calendário. Era uma bolsa especial, com direito a passagem pela AIR FRANCE, estadia em Paris numa casa de estudantes, e passagem para Bretanha, além de considerável soma em dinheiro. Minha mãe estava doente já há alguns anos e tive que fazer  imenso esforço moral para deixá-la. Teresa e Bertrand ficaram responsáveis por ela, além de um batalhão de acompanhantes. Escrevi a cores o nome dos remédios e para cada horário sublinhava com cores diferentes. Mandei plastificar , e minha irmã andava com ele sempre na bolsa, apreensiva de que pudesse haver se enganado. Bertrand vinha todas as noites tentar dormir. 
Quando saí do Brasil , já estava enfraquecida, minha garganta doía, e estava muito magra. Mas minha satisfação por haver conseguido a bolsa, e com um projeto tão original,  me devolvia as forças. A chegada em Paris foi terrível, minha mala, que na confusão da saída, eu havia esquecido de renovar, abriu e vi tudo derramado em pleno aeroporto Charles de Gaule. Eu havia passado a noite  com febre, e não consegui lugar dentre os não fumantes. Hoje, é proibido para todos passageiros.  Argentinos, sentados a meu lado, fumavam sem parar , apesar de meus reiterados pedidos . Aliás, meu sangue gaúcho sempre detestou  "los hermanos".  Afinal, me arrastando, consegui chegar a uma  "navette " , que me conduziu até Porte D'Orléans ( hoje conduz até a Opéra). Fazia um calor infernal ,  eu desci , arrastando minha mala , tentando pegar um taxi. Mas era próximo a 14 de julho , e o mundo havia descido em Paris. Exausta, sentei-me no meio fio e resolvi esperar por um milagre. Não sei quanto tempo depois ele aconteceu. Entrei , e um chofer gentil levou  sob minha recomendação , a mala ao carro.
Mas Paris é realmente uma cidade especial. Depois de esperar não sei quanto tempo, numa espécie de agência, me foi informado o endereço da rua Jean Calvin. O interessante é que nem o chofer conhecia este endereço. Fomos de um lado a outro da Rue Mouffetard , voltamos, e chegamos à conclusão de que esta rua não devia existir. Sinceramente, não sei como descobrimos que era uma rua dentro de um grande portal , como se fosse num prédio. Ou seja, uma rua dentro de uma prédio. Exausta, quase beijei o chofer . E entrei. deram-me uma chave , e eu deveria subir 5 andares, o quê é comum em Paris. Olhei para cima e tive a impressão de ver o Himalaia. Mas era preciso subir. Arrastei-me até lá e sentei exausta. E , de repente, ....lá se foi a chave. Sinceramente, não sei como, mas fui buscá-la. Fiquei com uma marroquina que estava fazendo o Doutorado , não me lembro em quê , em Paris. Quarto singular . No meio, havia uma pia enorme, que devia servir também para se lavar. Conheço bem os franceses. Mas eu queria tomar um banho , me refrescar, deixar a água cair sobre todo meu corpo, minha cabeça, que latejava. Peguei minha toalha e me dirigi para onde me indicaram estar o banheiro. havia uma fila, com muitos orientais . Olhei o quê devia ser o banheiro. Quem conhece Ouro Preto ou qualquer cidade histórica, já deve ter visto aqueles nichos, onde , no fundo se aloja um Santo. Naquele caso , os santos eram substituídos por pessoas, que se escondiam atras de cortinas se plástico , já meio sujas e  rasgadas. Quando chegou minha vez, subi aquele penosamente aquele  cadafalso ,  e tomei um banho , que me pareceu maravilhoso. Enrolada na toalha voltei para quarto. E abri a mala.
DESASTRE!!!Tudo despencou e caiu sobre papéis de minha companheira. Só ouvi " Mon Dieu"!!!!Tentei me desculpar e apanhar tudo, mas as coisas se misturavam. Fiquei meio embrutecida. A mulher me arrancava das mãos o quê era seu , papeis , provavelmente de sua Tese. Parei de pedir "pardon" e fiquei prostada em cima da cama, nua, o quê deve ter sido pior ainda para uma muçulmana. Depois , .....não me lembro. Só sei que não a deixei dormir, tossindo a noite inteira. Pela manhã , devo ter comido alguma coisa, mas estava atrasada. Tomei um taxi, que uma garota me indicou e arrastando minha mala , corri até a estação, não me lembro qual. Tomei o trem. todo meu corpo tremia, Até que me sentei. O resto conto depois.