QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



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sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

 

Revolvi, sem remorso, as vésperas do Natal, escrever sobre cortesãs célebres da Belle Époque. O CRISTO em que acredito é aquele que andava com prostitutas, ladrões e todos que eram excluídos da sociedade. O CRISTO  em que acredito não faz distinção, para ELE , todos são filhos de DEUS. 

Estas mulheres que conquistaram a LIBERDADE com seus corpos, jamais serão descriminadas por ELE. 

Valtesse  de la Bigne . A cortesã mais visitada do que a Torre Eiffel   

"A mulher que fez de sua cama o teatro sua ascensão social"  Assim se refere a ela o comentarista do Programa  "Visites privées". Ela nasceu em 1848, filha de uma jovem lavadeira chamada Emilie , que fora trabalhar num colégio e apaixonou-se por um professor casado. Ainda assim , deu à luz sete crianças , uma das quais , chamava-se Emilie Louise de Labigne . Ao fim de algum tempo, não havendo nenhuma proteção social, o pai abandona a todos e volta à sua família oficial, que, na realidade, jamais deixara. A mãe, Emilie, vive miseravelmente, sem condições de pagar a comida das crianças. Assim, logo que possível todas rumam para um trabalho. A Emilie, a que nos referimos, suponho haver sido a primogênita . Vivendo na mais severa pobreza, vai, ainda na adolescência, trabalhar numa casa de doces e posteriormente num atelier de costura. 

Linda  jovem, de cabelos bem ruivos, olhos profundamente azuis e pele bem clara. Dizia-se que sua única riqueza era sua admirável beleza.   Mas , um certo dia, um homem bem mais velho a convida para tomar uma café e comer alguma coisa , ela aceita e, de repente, ele a empurra para dentro de um beco escuro e a estupra. A garota, provavelmente, fica aturdida e não entende a princípio o quê aquilo poderia significar. Mas, em  pouco tempo, ela faz daquele momento sua LIBERDADE. A princípio como Lorette, nome que se dava às jovens bonitas que trabalhavam nos ateliers de costura e que depois de assistirem a missa na Igreja de Nossa Senhora de la Lorette, ficavam a espera de algum senhor que quisesse gozar um pouco da juventude das garotas. Por esta razão , eram chamadas Lorette.  Algumas vezes, posou para o pintor |Jean Baptiste Camille Corot , que se encantara com sua beleza. E assim, levava a vida. 

Mas , logo compreendeu que poderia ter muito mais e ,com sua beleza e inteligência, tornar-se livre. Mas a prostituição era proibida na França , e se apanhadas teriam os cabelos  cortados e a cabeça raspada.  Ela suportaria ! Não era seu projeto esperar os clientes , mas escolhê-los . Para chegar a uma escala superior , ela devia ser uma "demi-mondaine", mas para isto teria que refinar-se , ter certa cultura. E ela decide aproveitar todos os momentos de folga, entre suas várias atividades,  à leitura, sobre diversos assuntos. Uma  "demi mondaine" devia saber conversar e agir de certa forma. E seu empenho tem sucesso. Torna-se a grande rainha das  "horizontales". Seu trono é aquele diante do qual os homens se curvam e as carteiras se abrem. Frequenta os melhores salões, e restaurantes . É desejada pelos homens e invejada pelas mulheres.

Algum tempo depois, envolve-se com um jovem oficial , com quem tem duas filhas. A relação dura cerca de dois anos , pois ela não tinha nenhuma vontade de abandonar sua profissão de cortesã. Sempre em busca de alçar-se ao mais alto do que escolhera, ela tem a idéia de mudar seu nome. De Emilie, torna-se Valtesse, contração de Votre Altesse. E  seu sobrenome burguês, ela separa , acrescentando um "de"  de nobreza , tornando-se "de la Bigne". Agora é "Comtesse Valtesse de la Bigne " Genial idéia  que transforma a outrora jovem Lorrette  em uma condessa. E isto é importante, nos Salões que agora frequenta. 

Seu primeiro amante oficial, é o músico alemão, radicado em Paris, Jacques Offenback , autor de belíssmas operetas. Para quem conhece Paris, há na Place de l'Opéra, à direita , olhando para a a Opera, um belíssimo prédio, estilo Haussimaniann, onde uma placa indica o apartamento do músico. Offenback era casado, mas terrivelmente infiel. Encanta-se com a beleza de Valtesse e se torna seu amante durante cerca de três anos. Isto sem que ela deixe a "courtisanerie". Sua aparição em uma opereta, sem sucesso de palco, acaba por proporcionar-lhe maior sucesso na profissão que escolhera. Sua cama, em bronze dourado, inspirada no leito de Luís XIV, com seu baldaquim, espécie de teto, decorado  com suas pretensas armas de nobreza, está hoje exposta no "Musée´des Arts Décoratifs", em Paris. Fazia parte de um belo palacete, no conhecido Boulevard de Sebastopol, presente de um de seus amantes apaixonados.  Por esta cama passaram artistas, escritores, reis , diplomatas. Valtesse era extremamente organizada e minuciosa, anotando o nome de todos seus clientes, quanto lhe pagavam, suas predileções. Desde que estive de acordo, nada a impedia de satisfazer as mais estranhas predileções. 

Um dos mais famosos restaurantes  frequentados na Belle Epoque , e ainda existente, chamado La Perouse, localizado na Rive Gauche, conta muita história.  Há ali o que chamavam de Salon Privé , onde os casais poderiam se encontrar livremente. É preservado um espelho riscado, mostrando  o quê faziam as cortesãs para testar os diamantes, que muitas vezes, lhes serviam de pagamento para os serviços prestados. Hoje pode servir de sala de reunião, tendo, evidentemente, a sua antiga utilização sido abandonada.

É retratada por Edouard Manet, o grande pintor impressionista, que também utilizou seus serviços, e serve de inspiração a Emile Zola, para uma de suas obras rimas "Nana". Enfim, sucesso absoluto para esta mulher de quem diziam que seu único bem era sua beleza. Glória para esta mulher , saída da mais absoluta pobreza, mas que com sua beleza, inteligência e astúcia coloca a cidade a seus pés, ainda que sua vida transcorra à margem da sociedade.

Aos cinquenta anos , resolve se retirar , e compra uma mansão em Avray, localizada entre Paris e Versailles. Alí reune outras jovens, aspirantes à arte da "Courtisanerie". Ali está Liane de Pougy, de quem falarei mais tarde. Liane é uma de suas alunas, e também uma de suas amantes. Na verdade, Valtesse,  assim como  Liane jamais ocultaram sua bissexualidade. E dizia ela,  claramente, que se o amor com os homens era por trabalho , com as mulheres era por prazer. em Em 1906, certa de que se aproxima o fim, escreve do próprio punho  seu testamento, deixando fora de sua imensa fortuna  sua própria família e até suas filhas. E proíbe que qualquer membro  da família esteja presente no seu velório ou enterro. 

Em 1910, tem um AVC e morre alguns dias depois. Seu túmulo, está no cemitério de Avray . O  monumento colocado sobre ele  desapareceu, mas o túmulo ainda pode ser visitado, como foi no caso da jornalista francesa que discorre sobre ela , que homenageou-a com um lindo buquê  de flores.  

segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

 La plus grande  horizontale du XIX siècle

Antes de falar destas mulheres que venderam seus corpos, para comprar sua LIBERDADE, é preciso se reportar a esta sociedade patriarcal , existente no século XIX, em que a mulher só existia para os afazeres domésticos, ou para procriar. Os salários  eram irrisórios e se quisessem seguir sua vida sozinhas, só lhes restava duas  opções : a vida  miserável, como vimos que acontecia com as "vendeuses" , obrigadas a um trabalho forçado de 14 horas, de pé , ou à prostituição. Isto quando tinham a sorte de ter atributos físicos. Aliás, esta profunda desvalorização da mulher vem de tempos muito antigos,  mesmo na Grécia de grandes pensadores , artistas e arquitetos , a mulher era confinada ao Lar, chamado Gineceu. O exemplo bíblico da mulher adúltera é sinalizador desta anomalia; ela deveria ser apedrejada , mas não o seu amante. 

Enfim, para não me alongar numa enorme lista de discriminações , vou começar a falar destas que optaram por outra coisa. E tenho certeza, de que, no  século XXI , ninguém pensará que se trata de apologia à prostituição. Aliás, me orgulho de haver sido sempre, ao longo da vida, uma mulher  independente, vivido de meu trabalho honesto e eficiente, procurado sempre me alçar ao mais alto, sem depender de casamento, o quê me rendeu sérios embates com meu pai. Não vou dizer "uma mulher livre", porque já fui pejorativamente assim qualificada.

A primeira destas mulheres, denominadas "cocottes", "mondaines", "horizontales" chamava-se Thérèse Lachmann,  judia, nascida em 1819, num gueto de Moscou.   Era filha de um miserável vendedor de retalhos velhos , que para assegurar-lhe , talvez, um futuro mais estável, mandou batizá-la cristã. Ainda muito jovem, seu pai resolve entregá-la a um pobre  alfaiate, francês, que , tendo em vista sua pobreza, era obrigado a morar naquele gueto  judeu. Um ano depois, Thérèse , continua na miséria, trabalhando na casa e cuidando de uma criança .Um belo dia, enquanto o filho dorme e o marido trabalha, ela embrulha suas poucas roupas num pedaço de pano e segue adiante. Mulher corajosa, ciente dos perigos que corria  uma judia naquela Rússia czarista, onde existiam pogroons ( ataques a Judeus ), como a Noite dos Cristais na Alemanha Nazista. Pretende atravessar a fronteira , que jamais mencionará qual, vivendo de seu corpo. Chega a Constantinopla , execrada por todos , e segue sempre. Enfim, vendendo-se pelo caminho, chega a Paris, onde procura comida e um lugar onde possa descansar seu corpo exausto, não importando quão sórdido  fosse. No quartier Saint- Paul, há muitos judeus , que a fazem lembrar o miserável gueto de sua infância, que deixara para trás.  

Como diz um de seus biógrafos Pierre Dominique: " Thérèse , só tem seu corpo para escapar do quartier Saint -Paul. E ela usou. Duro ofício . Numa noite gelada de dezembro, pobre prostituta, com um roupa inadequada e sapatos furados , sem haver nada comido, ela desce os Campos Elíseos e desmaia num banco." O que ela ignora é que este Jardin d`hiver, diante do qual caiu, em alguns anos, será demolido e em seu lugar, construído um magnífico palácio, SEU, que ainda hoje existe na famosa avenida, e cujo luxo nababesco  atrai especialistas.( Uma visita pode ser vista no canal do YOUTUBE "Les Trésors des Hôtels Particuliers")

A história de  Thérèse é longa e cheia de infortúnios e glórias.   Com o dinheiro economizado, com sua beleza, carisma, e aguda inteligência atrai grandes personalidades. Certa vez, vendo no pianista austríaco, Henri Herz, uma possibilidade de sucesso, e tendo assistido inúmeras vezes a seus concertos, (é verdade que amava a música), a cortesã simula um desmaio. É acudida por muitos , inclusive  pelo virtuose,  que se encanta  com aquela desconhecida. Mas, afinal, quem será ela? De onde vem? Qual seu passado? Sem se importar, leva-a para morar com ele. Tudo "comme il faut"! Agora são Monsieur e Madame Herz e têm uma filhinha. O músico é rico, e possui uma manufatura de pianos. Nada está mais na moda do que ter um piano Herz. Mas esta devoradora  de dinheiro leva-o à ruína. E ele é  obrigado a partir para a América. Sem haver se casado, a família do músico,  revoltada, expulsa-a do apartamento. Por essa época,  ocorre a Revolução de 1848, que, como todas as Revoluções, não é conveniente ao comércio da galanteria.  

Mas, logo surge uma barão português, imensamente rico em terras e em dívidas, o quê Thérèse não sabe. Ele é atraente e lhe traz um título de nobreza. Casam-se , já que o casamento com o pianista  não fora efetivado. Casamento na Igreja Católica e também no civil. Seu primeiro marido Villoing  , o alfaiate, havia retornado à França com o filho e "...e tem a feliz idéia de morrer em 1849!"  Logo, Thérèse está livre ! Mas se o título lhe trouxe a nobreza, o marido lhe trouxe problemas. Beberrão, mulherengo, a endivida! Logo ela! E um belo dia, ela se cansa. Coloca-o fora de casa, e manda-o para um hotel. Quer recomeçar sua vida. O ano é 1853.  Pleno Segundo Império. 

Mas , afinal, o título e o nome lhe trazem sorte. Durante anos, La Paiva , como é conhecida, é mal vista, sussurra-se sobre seu passado, mas ela continua a frequentar os lugares de elite. Até o surgimento de um certo rapaz vindo de  uma região chamada Silésia entre Polônia e Alemanha. Riquíssimo, queria gozar a vida, e logo que conhece Thérèse se apaixona , apesar de ser onze anos mais jovem do que ela. Agora, chegou a hora da revanche sobre  todos aqueles que a desprezaram.  Vive no luxo, e comenta Napoleão III, que seu camarote tem mais conforto do que o da Imperatriz Amélia.  

No seu palacete, o leito proposto pelo arquiteto, extremamente caro, é recusado por ela, que achava que poderia valer o dobro. Tudo sob o olhar complacente do amante. Conta-se que num baile da pequena burguesia, tão comum naquele tempo, duas garotas pobres espiam o palacete e uma diz à outra: "Um palacete como este!!! Ao que a outra retruca: "Fácil, basta tirar a calcinha!!"  Mas em julho de 1870, a partir de uma tramoia de Bismark, o Chanceler prussiano, Napoleão III dá um passo em falso e declara guerra. Objetivo de Bismarck , reunir os diferentes reinos e ducados e formar o Estado Alemão. A França é vencida e Napoleão III tem que abdicar.

Por sorte sua, Paiva havia se suicidado, o quê ela comemora. Agora, totalmente livre e pode casar-se com seu amante. Nesta época, a cortesã já era, para os padrões da época, uma mulher madura. Havia engordado, seus traços semíticos tornaram-se mais pesados. Olhando para a imagem da noite e do dia, pintadas no teto de seu palácio,  aquela não parecia, a mesma mulher. Mas seu amante continuava apaixonado! Qual seria seu sortilégio sexual?

Mas era preciso tomar uma atitude. Prudência exigia deixar a França. A cortesã , obesa , e ainda coberta de diamantes,  lança um último olhar a seu palácio. Alguns anos depois,  morre, na agora Alemanha, num estranho castelo que tenta imitar aquele de Paris.  O motivo  de sua morte? Uma hipertrofia do coração! Justo ela, que jamais tivera um!

Proximamente, postarei a história de outras cortesãs que deixaram seus nomes na história da galanteria .




















XIX

segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

 O Segundo |Império e  o Barão Haussmann

Conta-se que no século 14, tendo uma carroça removido o lixo acumulado nas ruas de  Paris , o rei Felipe Augusto, atingido pelo mal cheiro, desmaiou. Verdade ou não, Paris era um esgoto , uma lixeira a céu aberto. Há um poemeto  de um poeta francês , que , infelizmente , não encontrei , onde conta as desventuras daqueles que atravessam as ruas de Paris. Na verdade, nunca uma cidade sofreu tamanha transformação em tão pouco espaço de tempo. E é sobre isto que pretendo discorrer .

Depois de aventuras rocambolescas fora da França,  Luís Napoleão Bonaparte, mal conhecia Paris, segundo conta um de seus maiores desafetos, Victor Hugo, que o havia apoiado antes do golpe. É preciso notar que duas revoltas populares haviam eclodido , uma em 1830, que inspirou ao romancista, teatrólogo  e poeta, seu magnifico romance  "Os Miseráveis" , havendo derrubado a família Bourbon, do que se chamou Restauração e  outra em 1848 , que derrubou o chamado Rei Burguês , Luís Felipe, de outra  família nobre, Orléans prima da primeira. A estratégia dos insurretos eram as barricadas que se  erguiam nos becos estreitos da cidade, e que impediam a passagem das forças militares. E com esta estratégia perigosa era preciso acabar. 

Já algumas tentativas de saneamento da cidade haviam sido feitas , mas era preciso muito mais .  Rambuteau , cujo prenome me escapa , eleito prefeito em 1833, sob Luís Felipe, já se preocupava com os seríssimos problemas de saneamento , sobretudo no centro da cidade, e que atingia seriamente  a população laboriosa. Rambuteau é hoje uma estação de metro e uma rua . E sem esquecer o prefeito  Poubelle , que exigiu que o lixo fosse depositado em latas, e não jogado diretamente na rua. E  seu nome significa hoje em francês "lata de  lixo" . Mas , apesar da preocupação de  Luís  Felipe, a cidade continuava imunda e uma epidemia de  cólera explode em 1832  matando impiedosamente a população mais pobre. E ainda convém citar outros precursores como Hippolyte Meynard , cujo projeto urbanístico pode ser considerado precursor daquele de Haussmann . 

Havia duas preocupações no grande projeto de Haussmann; impedir as barricadas e sanear o centro imundo da cidade. Ruas que eram verdadeiros becos  asquerosos, onde o sol jamais penetrava. Antigas habitações de nobres arruinados ou exilados eram elevadas pelo acréscimo de andares superiores, usando material  vindo de demolições, e que se  acrescentavam ao acaso. A classe média se afastava do centro e preferia morar  na Rive Gauche. O poeta Restif de la Bretonne, a propósito da largura das ruas, explica que "duas pessoas não podem passar a  não ser que se abracem. "  Nas moradias mais pobres , sem haver banheiros suficientes , as fezes se acumulam e descem pelas  escadas, provocando terrível mal cheiro e sérios problemas aos moradores que pretendam chegar à rua. Nos becos imundos e sombrios , abunda a prostituição, único meio de sobrevivência. Com aluguéis inacessíveis, explorados pelo que se chamava de "vautour" (abutre) muitas vezes os cômodos alugados  por hora, representem a melhor descrição da miséria absoluta. Tal é a descrição que nos oferece um jornalista ao visitar um deles. "É inacreditável! Numa grande cama imunda , se acomodam adultos e crianças, igualmente imundos. O cheiro é de tal forma repugnante, que não há forma de suportá-lo mais  do que alguns minutos."

É pois, este ambiente repulsivo,   esta cidade  medieval, onde vive uma parte da população , que  Haussmann deve transformar na bela Paris de hoje . E para isto não há obstáculo que o impeça. Seus críticos , a começar por Victor Hugo , chamam a atenção por sua obsessão pela linha reta. E ele não hesita em demolir seu próprio palacete , que obstruía  seu projeto. Traça avenidas largas e demoli o que estiver pela frente , havendo mesmo um mal entendido com o Imperador. Prolonga a rue de Rivoli, começada por Napoleão I indo até o Louvre. Traça, senão todas, grande parte das avenidas da Place de l'Etoile. Nesta época surgem os Grands Magasins , como "Au Bon Marché " , creio que o mais antigo . Les Magasins Réunis" , " Le grand Magasin Du Louvre", que conheci, quando criança, e onde ganhei  não me lembro o quê ,  na Rue de Rivoli, desaparecido no fim da década de 70 ou ínicio de 80. O último foi "Les Galeries Lafayette", surgida já na 3a. República , lá por 1913, com sua magnifica cúpula Art Nouveau. E sem esquecer "Le Printemps" . As vendedoras destes grandes "magasins" eram obrigadas a ficar de pé cerca de 14 horas  e como isto acontecia antes das leis trabalhistas , não havendo férias, levavam uma vida miserável. Além de serem mal pagas. Mas, evidentemente, havia uma burguesia "aisée" que frequentava este lugares.

E a classe operária expulsa do centro , que agora trabalhava na construção da nova Paris? Havia se transferido para a periferia . Segundo conta um desses trabalhadores , devia se levantar às 4 horas , andar 2 horas para chegar às 6 ao local de trabalho, e  às 18 horas fazer  trajeto oposto , para recomeçar tudo no dia seguinte, Não consegui saber quantos dias por semana. Tudo isto sem férias! As reformas trabalhistas surgiram já no fim dos anos 30 , mais precisamente durante o chamado Front Populaire, pouco antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial.  Uma canção dos anos 40, cantada pelo grande ator, e por vezes cantor,    Jean Gabin, conta que os operários não sabiam o quê fazer deste novo tempo ocioso. 

Mas sob o II Império, havia também os "chiffoniers", que corresponde a nossos catadores de lixo e que , ao fim de cada jornada, levavam para casa o material recolhido que era separado até o amanhecer. Os longos fios cabelos , que se amontoavam no lixo , eram cuidadosamente separados para fazer perucas. E enquanto isto a cidade se expandia , construindo este Paris que hoje conhecemos. Valeu  a pena ? Penso que sim, mas as custas de um enorme sacrifício do povo miserável. 

Há ainda muito a contar sobre a grande urbanização de Haussmann, e a vida da população durante o II Império, mas as fotos podem contar estas histórias. Qualquer dia volto a falar destes dois personagens, Barão de Haussmann , um protestante sisudo e o aventureiro debochado, Luís Napoleão Bonaparte. Como disse um Hervé Maneglier , estudioso do II Império, nunca se poderia imaginar que duas pessoas  tão opostas pudessem dar nascimento a uma cidade tão excepcional .

E como diz Maurice Chevalier, numa de suas mais belas canções : "Paris sera toujours Paris, La plus belle ville du monde ! "























































































































































































































































































































































































































































































 

segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

 O segundo Império

"Quanto a este que usurpa meu nome  , o santo padre  bem sabe que , graças a Deus , ele nada é para mim. Minha desgraça é estar casado com uma messalina que procria" Esta carta foi escrita ao Santo Papa Gregório XVI por Luís Bonaparte, irmão caçula  de Napoleão. O então Imperador o havia nomeado Rei da Holanda e lhe  havia imposto como sua esposa sua enteada Hortense de Beauharnais.   Sua mãe, Josefina, havia nascido na Martinica, foi para a França aos 16 anos e , por imposição, acabou casando -se com Alexandre de Beauharnais. Durante o período mais sangrento da Revolução, quando reinava o chamado "Comitê de Salut Publique ", dirigido por Maximilien de Robespierre, e onde se reuniam as lideranças mais radicais da Revolução Francesa, como Saint -Just e muitos outros, quase todos oriundos da classe média de advogados.   E é bom lembrar, que a Revolução Francesa é um grande movimento do burguesia. Alexandre, que era nobre e militar, perde uma batalha e é acusado de tê-lo feito propositadamente  e condenado à morte na guilhotina. Por alguma razão, que nos  parece estranha , Josefina também é condenada. Consumada a execução de Alexandre, alguns  dias depois deveria ser a de Josefina. Conta-se que na  hora em que vieram buscá-la , ela desmaiou e naquela atropelo foi esquecida naquela cela imunda , cheia de ratos e baratas , onde havia sido confinada durante meses. 

Pouco depois, há a queda de Robespierre e seu grupo, sendo todos guilhotinados , um dia depois do assalto, sem julgamento .E assim Josefina retoma sua liberdade e seus dois filhos Eugène e Hortense , que haviam ficado com uma tia.  Seu primeiro amante é um político rico e importante chamado Paul Barras. E foi ele que apresentou Josefina a  Napoleão. E a paixão foi imediata, sobretudo por parte dele. Suas cartas de amor demonstram a necessidade dela e de sua intimidade.  Em 1796 , casam-se, apesar de Josefina ser seis anos mais velha. Napoleão,  nesta época, era somente um militar corso, sendo a Córsega , uma possessão francesa.  

E a vida segue. Hortense torna-se uma bela jovem, loira e frívola. Luís havia aceitado os dois primeiros filhos , de cuja paternidade ele sempre desconfiara. Mas este terceiro, era uma ofensa. Sabe-se  que Hortense , como sua mãe, era dada ao adultério e que esta  terceira gravidez fora fruto de uma viagem que fizera  aos Pireneus e da qual o marido não participara. De qualquer forma, foi obrigado a dar-lhe seu nome e este filho ilegítimo passou à história com Napoleão III, já que o Napoleão II, denominado Rei de Roma, crescera na Áustria, terra de sua mãe, segunda esposa de Napoleão Bonaparte, quando este já estava exilado. A juventude deste Terceiro Napoleão foi recheada de aventuras. Vestindo uniforme militar, simulou um golpe a Luís Felipe, da casa de Orléans, chamado o Rei Burguês. Luís Felipe sucedera à Restauração, quando houve a volta da família Bourbon ao poder ( era o reinado constitucional  de Luís XVIII, irmão de Luís XVI ,que fora guilhotinado) . Com a Revolução de 1830, foram destituídos e à Restauração deu lugar a uma monarquia dita burguesa, que teve fim em 1848. Mas antes de 1848,  com alguns comparsas, este que seria Napoleão III , simulou um golpe, Sua sentença foi  exílio na América, não se sabe ao certo em que país. Alguns anos depois, voltou do exílio para acompanhar a mãe prestes a morrer de câncer. 

Uma nova tentativa de golpe ,condena-o à prisão perpétua, na fortaleza de Ham, de onde, não se sabe como, consegue fugir. Desta vez, desembarca em Londres. Lá conhece uma prostituta  de homens ricos, que havia feito considerável fortuna. Neste meio tempo, Luís Felipe é deposto  e foge da França, enquanto o pretenso sobrinho de Napoleão vive, numa luxuosa mansão,  às custas de sua prostituta de luxo, Harriet  Howard. 

Voltando à França , resolve concorrer para uma cadeira para o Legislativo.  Ganha em vários distritos , mas é proibido de voltar a França, sendo um fugitivo. Posteriormente, penhora os bens herdados de seu pai e também de sua amante .  Concorre novamente, ganha e instala-se em Paris nos lugares de mais alto padrão , sempre ao lado de sua amante.  Baseando-se numa enorme insatisfação popular e no patrimônio político do tio (?) , sem esquecer a fortuna da amante , consegue ser eleito Presidente, concorrendo com o General Cavaignac e o poeta romântico Lamartine. E assim , o ex- condenado à prisão perpétua, torna-se Presidente da França. Mas, ele queria mais. Como seu tio, queria tornar-se Imperador. E no dia 2 de dezembro de 1851, às seis horas da manhã , com o Exército a seu lado , dissolve a Assembleia e dá fim à Segunda Republica, sendo a Primeira aquela da Revolução Francesa. Victor Hugo, que o apoiara para a Presidência, e era deputado revoltou-se e conseguiu exilar-se. Artistas, que sempre odeiam as ditaduras, como o pintor Edouard Manet, tiveram que refugiar-se para evitar a morte ou a prisão. Em Paris, insurretos eram mortos e no cemitério de Montmartre os corpos se amontoavam. Napoleão , o pequeno, como o chamava Victor Hugo, estava certo de que seu destino era semelhante ao de seu tio e lembrava-se sempre do que lhe dissera sua mãe, Hortense, "Se você repetir uma coisa muitas vezes, acabará acreditando" . O quê lembra o que disse Joseph Goebbels,  o Ministro das Comunicações Nazista : "Uma mentira repetida infinitamente, acaba por ser verdade" 

Louis Napoléon Bonaparte foi inegavelmente um gênio político , que com sua mentiras e artimanhas enganou o povo mais culto da época, enganou  grandes artistas e intelectuais.

Bem o que tentei resumir até agora é o pior lado deste homem que marcou a Historia . Agora , resta falar algo de importante que fez e mudou a cidade de Paris

E para finalizar quero lembrar uma frase de Karl Marx, justamente a respeito de Louis Napoléon Bonaparte: " A história se repete como farsa."