QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



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terça-feira, 25 de setembro de 2007

Afinal...

Há algum tempo, quando escrevi “O politicamente correto”, eu catalogava, entre as posturas “cult”, a negação veemente de que, algum dia, até sem querer, o Bush acertasse. Pois bem, ontem na ONU ele afirmou: “A mais velha ditadura do mundo está por desaparecer”. Não sei se estas foram exatamente suas palavras. Retirou-se imediatamente a delegação cubana. E se não o tivesse feito, teria sido retirada do mundo.
Há, portanto, duas conclusões óbvias:
1-Bush acertou pela primeira vez.
2-A delegação concorda que o regime cubano é uma ditadura já caduca de tão velha e Fidel está preste a desencarnar.
Agora só falta esperar um pouco.

O “Samba do crioulo doido”

Alguém se lembra daquele samba, já bem antigo, de Sérgio Porto, chamado o “Samba do crioulo doido”? Era uma sátira aos sambas-enredo das Escolas de Samba, que falavam da História do Brasil. Todos rimos com a letra maluca que contava nossa história na “visão” dos sambistas do morro. Lembro-me de algumas estrofes esparsas: “Foi em Diamantina, onde nasceu JK, que a princesa Leopoldina, arresolveu (sic) se casar. A Chica da Silva tinha outro pretendente e obrigou a princesa a se casar com Tiradentes...” E assim por diante.
Pois neste domingo, li no Globo um artigo que pode rivalizar em matéria de asneirice com a samba gozador do velho Ponte Preta. Só que quem a assinava não pretendia fazer gozação! Era de arrepiar os cabelos! E assinado pelo Senador Mercadante. E é de arrepiar não só pelo arrazoado, que agride nossa inteligência, mas, acima de tudo, pelas bobagens históricas que o ilustre parlamentar escreve ou assina, o que afinal, dá no mesmo.
Para ilustrar sua defesa, ele começa falando do filme “Danton” do cineasta polonês Wajda. E aí começa a torrente de bobagens. São tantas que talvez não haja espaço para comenta-las. Mas vamos lá. Logo de cara cita Danton como chefe dos Girondinos. Ora, Danton jamais fez parte do grupo dos Girondinos - na verdade, eram inimigos - e se o tivesse feito não estaria vivo para brigar com Robespierre. Girondinos foram TODOS guilhotinados, acusados de contra-revolucionários, algum tempo antes da execução de Danton. É claro que o Senador não tem obrigação de conhecer a história da Revolução Francesa, o que se pede é que não publique inverdades. Continuando, ainda mais estarrecedor, diz: “(Danton) é transparente, corajoso e conciliador... Robespierre é, ao contrário, personagem opaco, intransigente, pusilânime...” Aí não dá pra segurar, o ilustre Senador não entendeu nada do filme. Talvez, se fosse mais, só um pouquinho mais, perspicaz, ele veria que, ao longo do filme, Danton mostra-se um sujeito ardiloso, um populista inescrupuloso, confiante na sua inteligência superior e no seu poder de tribuno. Aliás, estava mais do que comprometido com negócios escusos da Companhia das Índias. E Robespierre, que passou à história como o “Incorruptível” virou um sujeito tacanho, covarde, ressentido. Ao invés de “Incorruptível” foi transformado pela debilidade mental deste petista em Robespierre “O Pusilânime”, segundo as próprias palavras do dito cujo Senador. E Danton, que promoveu matanças indiscriminadas, antes de querer a conciliação, por pura espertice, virou “transparente, corajoso, conciliador”.
E pasmem, comparou aquele achincalhe de qualquer principio moral a que assistimos estarrecidos naquela fatídica quarta-feira à condenação dos dantonistas! Até tentando comparar Danton a si mesmo ou a Renan! E continuando o samba do crioulo doido, justifica a sua abstenção indecorosa, que ajudou a absolver o bandido, com o fato de que há outros três processos contra Renan. Ou seja, se um bandido é julgado por estupro e há ainda outros processos contra ele, digamos, pedofilia e assassinato, ele deve ser absolvido do primeiro e esperar que os outros aconteçam. Ou seja, o bandido foi absolvido do primeiro crime porque tem outros! Se fosse acusado SÓ de estupro, teria sido condenado! O que mostra claramente que vale a pena ser bem bandido no Brasil do Lula. E termina: “... no necessário combate à impunidade, não podem prevalecer os linchamentos e os julgamentos políticos, típicos da intransigência irracional de Robespierre, mas sim a racionalidade e o respeito aos direitos e garantias individuais presentes na coragem cívica de Danton”. (Socorro mamãe!!!!!!!!!!!!!!)
Aliás, é bom notar que Danton tinha na sua retaguarda todo o mundo financeiro da época, o que é dito no filme, e que este mundo endinheirado vingou-se três meses depois de sua execução, levando à guilhotina, sem julgamento, todo o “Comité du Salut Public”. Então, Senador, leia mais, informe-se, cultive-se e, quando o filme for mais intelectualizado, peça a alguém para lhe explicar.

O ilustre Senador ouviu cantar o galo e não sabe onde, mas, na sua ignorância, acabou acertando: comparou-se ao mais safado dos grandes revolucionários: Danton.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Boas, boazinhas e boazudas.

Madre Teresa de Calcutá foi uma santa mulher. Mas nem é preciso ir à quase santidade. Há mulheres boas, boníssimas, que conhecemos ao longo da vida. Há guerreiras, que acreditam na justiça e não têm medo de arriscar-se. Abrem portas fechadas, enfrentam o escuro, não temem por si mesmas. Mas há também aquelas que, mesmo não sendo guerreiras, passam pela vida distribuindo amor. Umas e outras serão para sempre lembradas, e esta lembrança será repleta do amor que distribuíram. Conheci guerreiras, conheci conciliadoras, conheci abnegadas, todas mulheres com ilimitada capacidade de amar. E não as esqueci, ainda que algumas tenham partido há muito tempo. Minha avó era uma dessas. Teve a coragem de “seqüestrar” uma criança maltratada pela madrasta, e quase sofreu processo. Defendeu uma mulher surrada pelo marido e, por incrível que pareça, impôs-se ao agressor, que fugiu. Mas minha avó estava longe de ser boazinha e, ao contrário, infringiu os mandamentos da época. Joana era justamente o oposto da boazinha.
Boazinhas pululam no mundo, infelizmente para elas e para nós. São muito mais numerosas do que as boas. Boazinhas são como aquelas personagens da fantástica canção “Mulheres de Atenas” de Chico Buarque, que “... não têm gosto ou vontade, nem defeitos nem qualidades, têm medo apenas. Não têm sonhos só têm presságios...” e assim por diante. Como na Atenas clássica, são mulheres vivas não em função de si mesmas, mas sim de um outro, pai, marido, família. Tudo nelas é gentil, dócil, “inquestionador”. Passam a vida procurando agradar ao próximo, ainda que muitas vezes estejam longe de amá-los. Boazinhas não abrem a porta fechada, não entram no escuro, não se despem. São como açúcar cândi, mel, perfume de violeta, musiqueta da Sandy. E já vi boazinhas - mazinhas- que tentam passar para outra, não boazinha, a sua própria imagem, que no fundo as desagrada. E contam da “antagonista” alguma história de boazinha, que é mentira. Se as mulheres fossem na sua maioria como elas, continuaríamos a sofrer todo tipo de discriminação, e talvez, quem sabe, ainda estivéssemos sendo puxadas pelos cabelos. Boazinhas pululam no mundo porque é menos perigoso acatar o que está pronto do que perguntar se está certo. Assim, aceitam o que vem e dizem amém.
E as boazudas? São aquelas que fazem os homens sonhar com uma noite de amor. Trazem em si esta fagulha de vida, que se traduz na sensualidade que despejam à sua volta. Até podem ser burras, mas não passam desapercebidas. Boazudas deixam loucas as boazinhas, que, quase sempre, gostariam de ser como elas. Mas jamais uma poderá ser como a outra. Há entre uma e outra categoria uma intrínseca incompatibilidade. Nenhuma verdadeira boazinha pode ser boazuda, já que isto exigiria um certo comportamento que a primeira não poderia ter, sob pena de deixar de ser boazinha. Enquanto a boazinha é a musiqueta da Sandy, a boazuda é uma rumba, rebolada e cheia de libido. Enquanto a boazinha é bananinha com aveia, a boazuda é uma refeição completa, cheia de bons aromas. Boazuda é a morena da cerveja, que rebola o traseiro e faz os homens delirarem, sobretudo sendo brasileiros. E ainda que a gente diga que é de mau gosto, que a cultura brasileira faz o culto da parte posterior, que se trata de desvalorização da mulher, etc, etc, não se pode negar que Juliana Paes é vida, beleza, alegria. E é disso que estamos precisando nestes tempos antiéticos e antiestéticos.

E no Senado, precisamos de mulheres como minha avó Joana e não de Idelis Salvati.
Aliás, Ideli não é boa, nem boazinha, nem boazuda. Ela pertence a uma outra categoria!

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Não nos cabe questionar

“O Senado tomou uma decisão política, que não nos cabe questionar. Mas as investigações sobre Renan Calheiros devem prosseguir”. Fiquei perplexa, assustada, ao ouvir esta frase de uma líder estudantil, membro da diretoria da UNE. O PT conseguiu corromper até a juventude! O que vimos naquela histórica 4a. feira é o cúmulo do deboche, do desrespeito, o total achincalhe de qualquer princípio moral. Como não questionar? E já está claro, para qualquer um que queira enxergar, o que vai acontecer com as outras investigações. E, mais uma vez, ainda que se prove com clareza meridiana a patifaria, sendo uma decisão do Senado, não há o que questionar! Pelo menos este é o raciocínio da tal líder estudantil.
Lembrei-me dos meus tempos de juventude, quando questionávamos tudo. É claro que havia gente que não questionava nada, por várias razões, mas a parte mais sadia de nossa geração jamais aceitou as coisas prontas. Assim, questionamos a ditadura, e muitos até se imolaram na luta armada. Mas eles criam nos seus ideais. Questionávamos os preconceitos e foi assim que foram jogados por terra os mitos da virgindade, do casamento, da mulher feita para o lar e a maternidade. Questionávamos o preconceito contra o homossexualismo, contra os negros, contra os pobres. Éramos essencialmente honestos e repudiávamos qualquer tipo de corrupção. Nós tínhamos a convicção de que um mundo melhor poderia existir e, cada um a seu modo, lutava por isso. Tínhamos um principio, que hoje até pode parecer meio infantil, “é proibido proibir”. Graças à nossa geração, aquela que nasceu após a 2a. Guerra, os jovens de hoje desfrutam de liberdade, podem escolher seu caminho, sem culpa e sem medo.
Então, quando vi aquela moça dizendo, com toda naturalidade, que aquela patifaria era inquestionável, senti uma imensa dor. Todos já lemos sobre as benesses distribuídas pelo governo a lideres estudantis. Até um Ministério, o dos Esportes, foi entregue a um antigo presidente da UNE, de quem, aliás, ninguém tinha ouvido falar. Para nós, aqueles da geração que repudiou o que estava estabelecido, que não aceitou a desonestidade, a má fé, fica a terrível convicção de que o sonho, aquele com que sonhamos, acabou. Ou, pior ainda, sempre foi uma mentira, o mundo não melhorou em nada. E que, agora, o “coisa ruim” se instalou justo daquele lado que um dia foi nossa utopia.

terça-feira, 11 de setembro de 2007

CARTA ÀS CINQUENTONAS – 2

(Dando prosseguimento às minhas reflexões, aqui vai a continuação da 1a. parte- já publicada aqui)Em outras conversas, sorrateiramente escutadas enquanto fingia brincar, ouvi menções à “mulher” e à “moça”. Ouvia dizerem que fulana já era “mulher” e sicrana ainda era “moça” e ficava procurando a diferença visível entre uma e outra. Consegui descobrir que minha mãe era “mulher”, mas sua amiga Alzira, ainda que já fosse velha, era “moça”. Minha dinda Lígia, jovem, era “mulher” e a matrona que morava no fim da vila era “moça”. Que lógica estranha! Mas logo pude concluir que “moça” era virgem e “mulher” era não-virgem. Ou seja “mulher” era aquela que algum macho escolhera e “moça” era a pobre coitada que ninguém quisera. Tive pena das “moças” velhas e jurei que não aconteceria comigo. Mas a pior era a qualificação de “mulheres da vida” , que, naturalmente, opunha-se a ”mulheres da morte”. Imaginem, como deveria ser triste a vida das “mulheres da morte”! E ainda havia as “mulheres livres”, opostas às “mulheres escravas”! Pode? Ao tocar neste ponto reporto-me à minha amiga Cré, que recrutou a alguém que falava de “mulheres fáceis”: “Fácil eu também sou, com um homem que me agrade. E ainda faço de graça.” E quando lembro-me de tudo que ouvi e que constituiu , e ainda constitui, as crenças profundas de muitas mulheres – e também de muitos homens-, tenho este mesmo impulso de dizer uma “ besteira”, uma deliciosa necessidade de “ épater les bourgeois”. Gosto de demolir este velhos valores, rabinhos da sociedade patriarcal do século 19.

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

O coisa ruim

Ultimamente, tenho me lembrado muito de meu velho líder, Brizola. Ninguém como ele sabia definir, com poucas palavras e tão claramente, o que via surgir na vida política brasileira. Todos nos lembramos dos “irmãos merdinha”, da “UDN de macacão”, “da esquerda de que a direita gosta”, entre tantos outros. E como tinha razão! Mas havia uma definição de que eu havia esquecido e que, ao ligar a televisão um desses dias, logo me veio à lembrança: “o coisa ruim”. “O coisa ruim” era progenitor, juntamente com alguma outra coisa, também horrível, que seria a “progenitora”, de algum desses espécimes que infestam a vida política brasileira. “O coisa ruim” era tão ruim que não havia como qualifica-lo. Era único na sua essência horrível, por dentro e por fora. Agora, proponho uma adivinhação: Se “o coisa ruim” tem essa essência e aparência horripilante e se é ao ligar a televisão que vejo algo que me faz lembrar dele, quem poderia ser?
É evidente que não se trata do Fábio Assunção, nem do malvado inimigo dele. Nem do safado do Antenor, ou seja, do Tony Ramos. Nem da prostituta Bebel, que, aliás, é linda. É bom que se note que o “coisa ruim” é macho. A bem da verdade, não há ninguém, ator ou jornalista, que se enquadre na sua definição. No mundo político, até poderíamos supor alguns: o Lula, por exemplo, que apesar dos botox, etc. e tal, não é lá uma beldade, mas tampouco é tão horripilante. Há alguns até feiosíssimos, mas não como “o coisa ruim” exigiria. Há seres horrendos por dentro mas com aparência normal, como Renan. “O coisa ruim” de que falo é um ser único, confesso que nunca vi nada parecido, e creio que tampouco algum de vocês. Nestes tempos de imundice, ele surgiu das trevas, onde havia estado desde sempre, enfeiando nossa visão e emporcalhando mais ainda o que já estava sujo. Não conseguiram adivinhar? Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três. Nada? Pois vou dizer: chama-se Wellington Salgado, do PMDB mineiro. Se já o viram, estou certa de que me dão razão. Se não, quando se falar sobre o “escândalo Renan”, respirem fundo, segurem e olhem corajosamente a tela da televisão. Lá está ele, sempre, digno defensor do acusado.
E viva a Mônica Velloso! Êta mulher esperta!

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Carta às cinqüentonas - 1

Amigas,

Há momentos na vida da gente que parecem mais importantes, decisivos, outros que nos fazem rir, chorar, ter crise existencial, e tantas outras coisas. Na minha vida, este tem sido o momento de rever o passado, esmiuçá-lo, tentar compreendê-lo, procurar descobrir o que deu certo, e o que não deu. É o tempo de fazer um balanço para avaliar o presente e prosseguir. Não sei se todos de minha geração têm esse desejo, se é coisa de mulher coroa, ou se é uma idiossincrasia minha.
Um dia, na minha longínqua infância, pensei que no ano 2000 teria mais de cinqüenta anos. Como estaria velha! Mas lembro-me de que não me passou pela cabeça que algum de meus parentes houvesse morrido. E até imaginei meu pai e minha mãe bem velhinhos. Foi tão marcante esta expectativa que nunca a esqueci. Hoje, em 2007, tantos anos depois, na terceira idade, já perdi todos aqueles que constituíam minha família de então. Não me casei, nem procriei. Já fiz lifting, pelling, botox, preenchimento, apliquei ácidos, silicone. E ainda pretendo fazer mais. Faço ginástica diariamente, tenho alimentação balanceada, há muitos anos parei de fumar. Quem me vê pensa que sou muito mais jovem – não direi minha idade de maneira nenhuma – e isto me deixa felicíssima. Mas tenho colesterol alto, tomo medicamentos diários, etc, etc. Como diz meu companheiro, Ricardo, é questão de DNA. Quem não sabe o que é isso, procure descobrir. Em 2006, o que a gente pode enunciar daqueles anos que ficaram perdidos no passado? Todos conhecem a história do Brasil, os anos dourados, os de chumbo, a redemocratização, etc. Não é disso que quero falar - já chega-, o que me interessa é aquilo que estava dentro dos lares, incrustado na cabeça das pessoas. Quero falar de suas crenças, daquilo que as movia na vida. Minhas lembranças mais antigas, como não poderia deixar de ser, estão ligadas à minha mãe. Escutava sorrateiramente suas conversas com as amigas e registrava tudo, acho que já com a inconsciente intenção de contar mais tarde, quando o mundo houvesse mudado. E uma das que mais me marcaram foram as histórias das mulheres que haviam se “perdido”. Pensava em como deveria ser terrível “perder-se”, e imaginava a fulana no meio de uma rua – da amargura - escura e deserta. E havia sempre o macho, secretamente admirado, que, “fazendo mal” à fulaninha, exercia sua virilidade . Com o correr dos anos, já na adolescência, passei a admirar a coragem de uma mulher que se “perdia” e que estava destinada a eterna execração. Anos depois, convenci-me de que este pequeno detalhe não mudava nada em mim, e passei a achar graça desta, e também de outras bobagens. Lembro-me que logo que comecei a viver com Ricardo, minha mãe, já doente, aconselhou-me: “Minha filha, tome cuidado! Depois eles vão embora e a moça fica perdida.” Ah minha mãezinha, eu já estava “perdida” há muito tempo, mas agora havia encontrado o “ meu homem”!

sábado, 1 de setembro de 2007

Zezé e os excluídos

- Mas que diabo de lugar é esse?
Olhou para os lados, girando estabanado o corpo. Esticou o pescoço e teve vontade de gritar “Hei, tem alguém aí?” Mas como não conhecia e achava o lugar pra lá de estranho, sentiu o natural acanhamento. Aliás, desde o começo tudo estava muito estranho. Lembrava-se que, de repente, se vira diante de uma escada imensa, meio em curva, que se perdia lá pra cima. E o pior é que não tinha corrimão. A princípio, sentiu um pouco de medo, mas, sem entender porque, havia começado a subir, como se alguma força o impelisse pra cima. E agora constatava, perplexo, que apesar do corpanzil, não havia feito nenhum esforço para galgar aquelas centenas de degraus, e que, incrível, não sentia nenhum cansaço. Esticou mais uma vez o pescoço, jogando para frente o corpo, olhou pra direita, pra esquerda. Coçou a cabeça. “Afinal, o que está acontecendo?” Não sentia medo diante daquele lugar desconhecido e inusitado, mas queria saber onde estava. Foi então que ouviu um som, semelhante àquele que indica o número das senhas nos locais de atendimento público. Assustado, procurou o mostrador indicativo do número da senha, mas não havia nada. Olhou para trás, procurando os outros clientes, mas estava sozinho.

Subitamente, vi, surgindo lá adiante um vulto que parecia aproximar-se. Forçou a vista, tentando ver quem era. “Tolice, é claro que não conheço. Qual parente, amigo ou conhecido estaria num lugar esquisito como esse?” O homem afinal fez-se mais nítido e ele pode ver que se tratava de alguém jovem, vestido com uma espécie de túnica. Zezé olhou-o, sacudiu a cabeça: “Será que já o vi em algum lugar?“ O homem aproximou-se até poder ser tocado, o que, evidentemente, o outro não fez. “Mas que diabo, quem pode ser ele? Talvez um funcionário de alguma repartição. Repartição pública?” Olhou à volta, não, aquele lugar não podia ser uma repartição. Não havia mesas, nem cadeiras vazias, nem funcionários conversando, tomando cafezinho, nem um público paciente e tolerante. Além disso, era claro, bonito luminoso. É verdade, só agora ele percebia que havia uma linda luminosidade que resplandecia em cada recanto do lugar. E então recordou- se que também na escada que o conduzira até lá fora iluminado por esta magnífica luz. É que estava tão surpreendido que só agora tomava tardio conhecimento do fenômeno. Olhou novamente para o homem diante dele, que o observava com um ligeiro sorriso. Aí tomou coragem e, balançando o corpo para frente, abrindo os braços numa grande indagação, soltou: “Que diabo de lugar é esse?”
“Mas Zezé, você ainda não percebeu?” Desanimado, balançou a cabeça. Olhou para os lados e voltou a fitar o homem diante dele. Então, viu, extasiado, que ele parecia resplandecer. Olhou para si mesmo e viu que seu próprio corpo também resplandecia. Aproximou as mãos do rosto e sentiu que sua pele parecia fina, delicada, macia como de uma criança. Apalpou-se e então percebeu que aquela luz que o iluminava começava a penetrar em seu corpo, que se tornava pouco a pouco etéreo. Até que se transformou em pura luz.
Zezé havia abandonado definitivamente o corpo doente e transformara-se naquela luz divina que o havia iluminado.

Foi então que tomou consciência do que havia acontecido. Não sentiu medo nem tristeza, mas sim uma grande curiosidade.Foi aí que ele ouviu seu interlocutor, que ele até agora não sabia quem era, dizer-lhe: ”Você está no céu”.

E seguiu-se, então, o seguinte diálogo:
- Eu no céu, mas como?
- Por merecimento.
- Mas..... (engasgou sem saber como se dirigir ao outro – doutor, mestre, cara, amigo, camarada) eu sempre fui de gênio ruim, diziam que eu não suportava nada......
- Diga-me, você conviveu com os excluídos?
- Com quem? (Seguiu-se um silêncio, Zezé refletiu e por fim explodiu): Olha, meu amigo, não sou teólogo, nem padre, nem sociólogo, nem nada disso. Esse negócio de excluídos é coisa do Papa e eu não sou religioso.
O outro riu discretamente.
- Mas você não conviveu com eles, não conversou, não lhes deu roupas, alimento?
- Aí sim. Mas não estava pensando em excluídos. Gostava deles, tinha pena. Procurava ajudar. Mas isto, muita gente faz. E, pelo visto, aqui em cima está deserto. Não posso acreditar que sou o único merecedor do céu.
- Nós não estamos tratando dos outros. Estamos falando de você. Responda minhas perguntas e depois dou algum tempo para as suas.
Zezé concordou. Fez o gesto afirmativo com a cabeça, mas uma pergunta estava martelando lá dentro, e isto o atormentava: Quem é esse sujeito que parece ter tanta autoridade aqui no céu? Será São Pedro? Mas ele era velho, assim como o próprio Deus, velho como a eternidade. Teve que morder os lábios, ou o que ainda tinha como representação de seu corpo, para não soltar a pergunta.
- Zezé, preste atenção. Depois eu respondo a todas as suas perguntas. Afinal, porque você se reunia aos excluídos?
- Eu já disse, doutor (estava danado com aquela pergunta recorrente e resolvera cortar o “amigo”) É PORQUE EU GOSTAVA DELES. Como gosto ainda. Como gosto de meus irmãos, e eles não são excluídos, de minha família, de meus amigos, e de muitos outros. Também gosto de cachorros, e pode ser de rua ou de madame, gosto do mesmo jeito.
- Você ia à igreja?
- Bem..... muito pouco. Ultimamente,... bem,... não. E isto conta ponto contra? Olha, moço (agora já estava mais amigável), se rezar muito vale ponto, estou fora. Não vou mentir.
- Mas Zezé, você não sentia uma certa repugnância no contato com aqueles paus d´água? Afinal, eles eram sujos, cheiravam mal.
- Olha, tem muita gente rica que fede pra caramba. Conheço muito rico que fede mais que gambá. Eles fedem porque não têm água, nem sabão, nem banheiro.
- Zezé, você acredita na Virgem?
- Quê?...Olha, minha família sempre acreditou, ou melhor, minha mãe acreditava, e eu nunca achei isso muito importante.
- E no Papa?
- Também não pensei.
- E no Espírito Santo.
- Também não pensei.
- E na castidade?
- O quê? O que tem a castidade?
- Você foi casto?
- Olha, doutor (o tratamento mudava de acordo com a irritação que as perguntas produziam nele), fui casado duas vezes. O que diriam minhas mulheres se eu resolvesse ser casto?
- Quero dizer, você foi casto ao tornar-se fiel às suas sucessivas esposas?
- Doutor, isso é assunto particular. Não admito que queira interferir na minha vida. Ora essa! E tem mais uma coisa, se continuar perguntando, e eu respondendo, como deve ser, vou acabar no inferno. É melhor parar por aí, e me mandar para um lugar intermediário. Quem sabe o purgatório de que falavam quando eu estudava com os padres?
- Diga-me, você já pensou que muita gente passa fome no mundo?
- Já pensei sim. Aí, como eu não podia fazer nada pra terminar com a fome, ajudei os famintos que estavam perto.
E iam ainda continuar a conversa quando, subitamente, o homem calou-se, olhou para frente, atrás de Zezé. E sorriu largamente. Zezé também se virou e, surpreendido, reconheceu seu amigo Getúlio.
- Mas quando eu morri, ele ainda estava lá!
- É que ele morreu logo depois. E como é bem magrinho, veio mais rápido. E já se acostumou com a vinda para o céu.
Com um gesto de amigo, chamou Getúlio, que surpreendentemente, não estava atônito como estivera Zezé ao chegar.
- Getúlio venha abraçar seu amigo.
- Meu amigo! Mas então tenho amigos no céu?
Aproximou-se e, tendo reconhecido o velho companheiro, abraçou-o ternamente. E neste abraço fraterno ficaram durante algum tempo, o burguês e o pobre diabo, alcoólatra, assassinado pela mulher. Queimado.
- Doutor, com todo respeito, esse homem merece o céu.
Com os olhos marejados, Getúlio abraçava o amigo, companheiro de jornada, que partira pouco antes dele e que agora acabara de reencontrar no céu. E aos poucos foram chegando outros, pobres, paus d´água, sujos e maltrapilhos. Mas tudo isto, bebedeira, pobreza, sujeira, fome, abandono, tudo era coisa do passado. Transfigurados pela luz divina que habita cada um deles, foram formando a volta do recém-vindo, ele próprio transfigurado, um círculo. E foram se aproximando cada vez mais, até que seus corpos diáfanos se uniram num só e, irradiando uma luz cada vez maior, elevaram-se ao infinito, onde brilhava a Via Láctea, e nela se integraram.

Mas, agora, podem vocês perguntar, com a mesma curiosidade que martelou o coração de Zezé: “Afinal, quem é este jovem que tantas perguntas colocou para o homem que acabara de chegar?” Esta resposta só poderemos obter quando chegarmos, nós também, ao céu. E podem crer, pela experiência de Zezé, não vai ser fácil obter a resposta. Mas que importa?