QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



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sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Preto, branco e colorido.

- Ah! ...
Minha amiga estava perplexa, boquiaberta, com o que eu acabara de lhe dizer. Minha amiga não é uma boboca qualquer. É uma mulher inteligente, engajada nos movimentos sociais, engajada de fato, tanto que abandonou o PT há muito tempo, antes mesmo de grande parte dos que acreditavam nele. Abandonou quando descobriu que era tudo mentira, e o que ela fazia, dedicando aos excluídos os mais jovens anos de sua vida, era pra valer. Minha amiga cuidou de prostitutas, viveu entre elas, cuidou dos presidiários, não viveu entre eles, mas deu o melhor de si para que pudessem recomeçar. Foi quando trabalhava com presidiários, que conheceu seu marido, ele também dedicado a causas humanitárias. Casaram-se, tiveram dois filhos. Ele morreu. Ela foi sua companheira fiel, dedicada, até o momento final.
- Ah!...
Esta surpresa vinha do que eu lhe contava. E a mim não parecia nada de extraordinário. Contei-lhe que, quando Ricardo e eu decidimos viver juntos, eu já havia tido uma longa história de efêmeras paixões, contei-lhe que nunca havia ligado para virgindade, e que minha vida de mulher adulta e experiente era muito mais antiga do que ela poderia imaginar. Lembrei-lhe que Ricardo já havia sido casado, que saíra do casamento por estar apaixonado por outra mulher, que não era eu, que antes de me conhecer também tivera grandes e efêmeras paixões. Contei-lhe que falávamos de nossos passados, com suas paixões e decepções, naturalmente. Contei-lhe que tínhamos uma história pregressa, que não podíamos, nem queríamos apagar, que fazia parte de nós e que se o fizéssemos teríamos apagado parte de nós mesmos. Contei-lhe que temos o princípio fundamental, quase religioso, de respeitar mutuamente nossa individualidade, o que significa que não somos um só corpo e uma só alma. Contei-lhe que cada um de nós tem seu projeto pessoal, em que o outro não se intromete, mas procura ajudar, como bom companheiro.
E mais ainda, contei-lhe que a meus pais, que amei sinceramente, não foi permitido determinar nada em minha vida adulta. Que tínhamos, apesar de alguma resistência deles, sobretudo de minha mãe, uma relação em que não se colocava a “experiência” e “sabedoria” dos mais velhos. Escutei-os e aceitei somente na medida em que eu própria concordava. Contei-lhe que não fui hipócrita, ocultando-lhes a parte de minha vida que poderia desagrada-los, ou chocá-los. Contei-lhe que tive grandes embates com eles, mas que fui eu que pude encarregar-me, no final de suas vidas, deles próprios e dos grandes problemas que tínhamos em casa. E isto porque eu já havia vivido muito!
Falhei-lhe, enfim, de um mundo que não é preto e branco. Falhei-lhe de um mundo onde não posso ser classificada como “mulher da vida”, nem como “mulher da morte”, como me lembrou Ricardo. Sou uma mulher livre, que não gosta de instituições, que ama sinceramente seu companheiro, e a si mesma. Repito que desde bem cedo repudiei aquele sermão do casamento de um só corpo e uma só alma. Que sempre tive consciência de minha responsabilidade diante da vida e que me classifico como “colorida”, de variadas cores, como o arco-íris, que tanto admiramos.
Como disse Soeur Emmanuelle, religiosa francesa, que convivia com no Cairo com os pobres de religião muçulmana, amar dá à vida uma belíssima coloração. Cativante.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Dostoievsky, Alice e o papa-hóstia.

“Deves amar tudo o que Deus criou,
tanto o universo como o ínfimo grão de areia.
Amar a folha pequenina como também cada raio de sol.
Os animais e as plantas. Se amares todas as coisas,
atingirás o mistério divino que nelas habita e assim,
dia a dia, tua capacidade de perceber a verdade aumentará,
e a tua consciência se abrirá a um amor que abrange tudo.”
O texto não é meu. Quem me dera! É de Dostoievsky. Mas sinto-me feliz em poder dizer que é assim que sinto a presença de Deus. E duvido que haja uma verdadeira crença no sagrado que não atente para toda a criação do Criador. Quando falo com amor nos animais, quando admiro a natureza, quando olho uma florzinha, quando reparo nas estrelas, quando o perfume das flores me encanta, sinto a presença do Criador.
Foi com minha mãe que aprendi a amar a Deus desta forma. Minha mãe, que nunca ia à igreja, não comungava, não confessava. Que jamais se preocupou com Primeira Comunhão dos filhos. Nem sei se meu irmão foi batizado. Nunca ouvi falar em madrinha ou padrinho seus. No entanto, foi com esta mulher, aparentemente descrente, que aprendi a apreender Deus em toda criatura. Foi com ela que aprendi a respeitar as pessoas, fossem elas quem fossem, sem jamais discriminá-las. Talvez porque ela própria tenha sido discriminada pela sua condição de “filha natural”. Foi com ela que aprendi a amar animais e natureza, respeitando-os e rebelando-me, sem temor, contra os que não o fazem. Foi minha Alice, alheia a qualquer religião, mas profundamente imbuída da consciência da presença de Deus, que me ensinou a emocionar-me com o que diz Dostoievsky.
Certa vez, ouvi da mãe, papa-hostia, de um sujeito, também papa-hostia, que o tal fulano havia matado o gato de “estimação” da família com um ponta-pé. Motivo: supunha-se que uma certa criança houvesse se assustado com o bichano. E contava com naturalidade! Quanta maldade, quanta covardia! Imediatamente, tive a certeza que toda aquela religiosidade era falsa. Estávamos num jantar em casa de amigos comuns. Perplexa, retruquei alguma coisa, se fosse dizer o que sentia iria provocar indignação, não contra o perverso, mas contra mim. Mas deveria ter expressado meu sentimento de revolta, e desprezo. Certamente, ficaria melhor, pelo menos comigo mesma.
É por isso que digo, obrigada, mãe. Pela tua capacidade de amar, pelo teu efetivo amor a Deus. E tenho certeza de que conquistaste, lá onde estás agora, a plena capacidade de perceber a VERDADE. O mistério divino que não vemos, que se esconde por trás do que vemos, e que somente alguns são capazes de perceber.
É por isso, mãe, que tua lembrança terá sempre para mim o suave perfume das flores que tanto amavas.

Quanto a mim, me pergunto: será que não fui parceira do Demônio, não expressando o que sentia de fato diante da maldade que me contava, com tanta naturalidade, a beata?

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Possuídos II

No meu último artigo, aconteceu algo estranho. Sempre tive muito cuidado com a correção, coerência e coesão textual. Pois desta vez, relendo-o no dia seguinte, constatei muitas gralhas, incorreções na utilização de termos, repetições. Estranho!
Tenho uma hipótese, o Demônio se sentiu atingido e resolveu se vingar. Bateu com o rabo no teclado, fechou meus olhos, deixou-me insensível para algo que para mim sempre constitui um trabalho, além de intelectual, profundamente artesanal. E tudo isso sem que eu percebesse minimamente. Só não conseguiu me calar.
Não o temo, sei que ele não tem como me vencer.
E se querem lutar contra ele, por favor, divulguem aquela denúncia do suplício do filhotinho de cachorro. Lembrem-se de que, para o Demônio, gente, bicho, adulto ou criança, é tudo objeto de cobiça.
Não façam como aqueles médicos que se calaram diante das crianças barbaramente surradas. Ou como a Conselheira Tutelar que mandou de volta para casa – ou para a morte - as duas crianças. Eles também são parceiros de Demônio.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Possuídos.

Ele está nos meio de nós.

Há um filme fantástico, estrelado por Denzel Washington, intitulado “Possuídos”. Seu tema é a encarnação do Demônio em diversos indivíduos. Apodera-se de seus corpos, diverte-se penetrando naqueles que nele esbarram, leva-os a cometer atrocidades indescritíveis. Basta um simples, ligeiro toque no possuído e o Demônio já possui outro. Passeia pelos parques, pulando diabolicamente de um para outro, leva homens e mulheres comuns a cometer atrocidades indescritíveis. Seu desígnio é causar dor, morte, destruição. Diverte-se.
Há alguns anos, o Embaixador Carlos Henrique Cardim, amigo de Ricardo, meu marido, foi visitar seu mestre, Leszek Kolakovski, filósofo polonês radicado na Inglaterra, professor de Oxford. Conta Cardim que, no decorrer da conversa, perguntou-lhe se acreditava em Deus, ao que o velho mestre respondeu prontamente: “Não sei se Deus existe, mas que o Diabo existe, não há dúvida”.
Eu, não filósofa, creio na existência de Deus, mas também estou convicta da existência do Demônio. Não aquele de rabo, preto, com tridente, lançando no ar o odor fétido do enxofre. Meu Demônio parece-se mais com o do filme, e habita entre nós. Encarna em certos indivíduos, faz notar sua presença cometendo atrocidades, e certo da impunidade, sai rindo de cada um dos “bons”. Quando um pai, ajudado pela mulher, madrasta das crianças, mata, esquarteja, queima os pedaços dos cadáveres e joga no lixo o que restou, não há dúvida de que o demônio cumpriu seu desígnio de crueldade. Quando vemos uma criança ser jogada, provavelmente ainda viva, pela janela, por seu próprio pai, não podemos deixar de ver sua marca inconfundível. Quando vemos os dois monstros enforcando por divertimento o filhotinho de cachorro, temos que acreditar que ele lá está.
Quando uma nação inteira enlouquece e saúda Hitler, é para o Diabo seu momento de apoteose, sua glória. Quando Stalin faz morrer de fome milhões de camponeses, o demônio ri e esfrega as mãos. Quando Mao faz o mesmo com milhões de chineses, que glória deve sentir o Maligno! Quando Pol Pot, no Camboja, elimina milhões de pessoas inocentes, inclusive crianças, nos seus Khmers vermelhos, lá está ele novamente, triunfante. Quando assistimos, horrorizados, aos acontecimentos de 11 de setembro, sabemos que não foi em nome de Deus, isto seria totalmente impossível, mas sim mais um triunfo do Diabo. E lembrem-se de que este não é um atributo exclusivo do fanatismo islâmico, mas também da Santa Igreja Católica, com suas fogueiras purificadoras da Inquisição.
Mas, afinal, por que o mal se encarna em certos indivíduos? O filme parece, a princípio, excluir qualquer possibilidade de escolha, não importa quem pode ser “tocado”, não pelo “sagrado” mas pelo “diabólico”. Assim, ele pode passar de leve, sem causar muito dano, indo divertir-se com alguém, talvez mais “acessível”. Como acredito na liberdade com a mesma firmeza com que acredito em Deus, sendo esse traço o que nos deferência dos outros animais, e dos objetos, se somos “condenados à liberdade” como diz Sartre, a escolha do Mal, que está entre nós, é nossa opção. E o Demônio conhece nossos gostos. Não sou teóloga, nem filósofa, mas conheço a vida e as pessoas. E afirmo, com absoluta convicção, que quem escolheu fazer da dor alheia seu “projeto” deve ser definitivamente eliminado da sociedade.
Há aqueles casos que chamam de “sociopatas”, incapazes de conviver em sociedade. Dizem os doutores que se trata de indivíduos que não tiveram opção, que nasceram doentes, que não são responsáveis pelos seus crimes. Então que sejam trancafiados pelo resto da vida. Que nos diga a história do Bandido da Luz Vermelha, considerado “recuperado” pelos doutos psiquiatras forenses, e que logo ao sair cometeu outro crime. Aliás, caso semelhante ocorreu na França, provocando um sério desentendimento entre juízes e Sarkosy, nesta época, se não me engano, Ministro da Justiça. O que fazer de tipos com Champinha (?), aquele que matou com requintes de crueldade o casal de namorados em São Paulo? Dizia-me um amigo psiquiatra, a respeito de um criminoso que havia matado muitas mulheres: “Ele simplesmente queria matar”.Ou seja, nada de querer a qualquer custo justificar o crime com sofisticadas análises psiquiátricas.
E também seriam “sociopatas” tipos como Hitler, Stalin, Pol Pot, Mao, e tantos outros que passaram à História pela sua crueldade? E a mulher que torturava a menina, os torturadores da ditadura, encabeçados pelo Delegado Sergio Paranhos Fleury? E os de tantas outras ditaduras? E a babá que espancava a criança? Sociopatas ou simplesmente tipos que escolheram o mal? Confesso que não tenho elementos para levar adiante este debate. Psiquiatras, cientistas políticos, historiadores, todos teriam sua versão para tanta maldade. No entanto, uma coisa jamais poderão negar:
O Mal está entre nós, e se manifesta diante de nossos olhos. Mas quantas vezes, por comodismo ou covardia, nos calamos? Sem dúvida, desta forma, também nós escolhemos a parceria do Demônio. Não seriam seus parceiros os médicos que se calaram quando, há algum tempo atrás, os dois meninos assassinados foram param no hospital após uma surra da madrasta?
Crime: haviam tirado dois pãezinhos do armário.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

MARPESSA DAWN (1934-2008)

No Louvre, mil botões da cultura florescem,
Em juvenis Giocondas e em Picassos geniais.
Percorrendo os salões as emoções crescem
Num concerto divino, sem acordes finais.

À saída da sala de Osíris aparecem
Num canto, a sua esfinge e com traços iguais,
Num outro, uma mulher. Seus membros se estremecem
Em êxtase despido de fórmulas rituais.

Marpessa Dawn! Te vimos e não te esqueceremos,
Deusa egípcia que vieste trazer-nos a visão
De mundos milenares. Em teu rosto hoje vemos
Séculos de mistério, de dor e de paixão.

Sob o manto de prata das noites de luar
Tua oriental beleza voltarei a cantar...

Paris, Novembro de 1986.

Foi em Paris, visitando o Museu do Louvre, que Ricardo conheceu a beleza negra que atuou, em 1959, no filme “Orfeu do Carnaval”. Tornaram-se amigos e se corresponderam durante algum tempo. Marpessa Dawn morreu há cerca de um mês aos 84 anos.