QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



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quarta-feira, 26 de maio de 2010

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Cidadania

Resolvi divulgar minha defesa, já que, como cidadã que paga seus impostos e jamais cometeu ato delituoso, senti-me profundamente agredida. Na minha consciência de cidadania, tenho feito a defesa de minha comunidade, sem temor de expor minha cabeça, como no caso do abaixo-assinado que fiz correr pelo bairro. Naquela ocasião levei pessoalmente a moradores e comerciantes o texto por mim elaborado, em que denunciava a presença ostensiva de traficantes na pracinha, nas barbas do Posto Policial, aliciando crianças como “aviões” e chegando ao ponto de pesar a droga nas balanças de uma padaria. Recebi respostas interessantes, de gente medrosa, como a do tipo que me veio me falar no golpe de 64, no PT, fazendo a apologia deste partido. Respondi-lhe que não se tratava de uma questão político-partidária, mas sim da defesa de nossas crianças e de nós mesmos. Ele, evidentemente, recusou-se a assinar. 
O ano era 1997. Tendo conseguido certo volume de assinaturas, enviei, através de pessoas que tinham acesso a estas autoridades, ao Prefeito de então – Tarcísio Delgado – e também ao Comandante da Polícia Militar e ao Delegado Chefe da Polícia Civil. Jamais recebi resposta de ninguém. Mas não temi expor minha cabeça. E me orgulho disso.

“Minha defesa”

Quero esclarecer, antes de tudo, que não há o que defender na minha conduta e que, como cidadã, sinto-me profundamente indignada com o constrangimento a que fui submetida. Estava eu em casa, no dia 28 de abril do corrente ano, quando, ao atender ao interfone, fui informada por alguém que se dizia Fiscal da Prefeitura –Sr. Carlos Roberto Mazola (conforme documento anexo) - e que me dizia que um documento meu havia sido achado no lixo, o que me deixou assustada e perplexa, já que sou pessoa extremamente cuidadosa. Desci então à garagem, onde havia pedido ao citado Fiscal que me esperasse, pois não tendo constatado falta de nenhum documento, pensei poder tratar-se de golpe para penetrar em minha casa. Assim, ao encontrá-lo, acompanhado de outro Fiscal, mostrou-me um pedaço de papel rasgado com meu nome e endereço. Expliquei-lhe tratar-se de um informe de uma ONG internacional – Action Aids – ( e não de um documento meu) que ajuda crianças carentes. E que meu nome e endereço estavam impressos por tratar-se de correspondência. Expliquei ainda que de fato eu o rasgara e jogara no LIXO SECO, tendo entregue ao catador Joaquim, todo material reciclável devidamente acondicionado em sacolas plásticas. E ainda mais, que meu lixo seco é lavado, quando se trata de quentinhas ou garrafas, que pertenço ao Green Peace, que, aliás, ele me pareceu desconhecer. Invoquei o testemunho do porteiro – Carlos Antônio - e expliquei-lhe que simplesmente o catador Joaquim, conhecido em todo bairro de São Mateus, havia deixado escapar, no monte de material reciclável que junta e organiza, aquele pedacinho de papel. Irredutível, agindo de forma totalmente irracional, o citado funcionário da Prefeitura de Juiz de Fora, lavrou o auto de infração. Sendo que assinala um “horário de flagrante”, o que jamais poderia fazer já que nem ele nem ninguém me viu jogar o pedaço de papel no chão, “sujando” a via pública. 
Insurjo-me contra este ato autoritário, em que um funcionário do poder público constrange e tenta punir um cidadão, tratando-o arbitrariamente como autor de ato delituoso. E creio que atitudes como esta não só revoltam, mas ainda dão do governo municipal uma imagem de incompetência e autoritarismo. 
Não tendo nada mais a acrescentar, termino aqui “minha defesa” sugerindo à Secretaria de Política Urbana que dê uma vistoria na Praça Jarbas de Lery Santos, onde sujeira, folhas secas e galhos podres se amontoam. 

sábado, 1 de maio de 2010

“La cantatrice chauve” em Juiz de Fora

Durante alguns anos, na Universidade Federal de Juiz de Fora, tive em atividade um grupo de teatro em francês “Théâtre Gavroche”, ao qual mais tarde se incorporou minha colega Walquíria. E uma das peças que encenamos chamava-se “Scène à quatre”. Foi assim, durante as leituras e os ensaios, que pudemos conhecer o extraordinário Ionesco e divulgá-lo aos que vinham nos assistir.

Engène Ionesco (1909 – 1994) é um dramaturgo franco-romeno que expõe em sua obra a incomunicabilidade entre os homens, a irracionalidade e a fragilidade nas relações humanas. Foi, juntamente com Samuel Beckett, autor do extraordinário “En attendant Godot” (“Esperando Godot”), um dos criadores do “Teatro do absurdo”. Coube a estes geniais escritores tornar explícito o que nos ocorre diariamente, sem nos darmos conta. E uma de suas peças – “La cantatrice chauve” (“A cantora careca”), de 1950, é apresentada em Paris, no Théâtre de La Huchette, desde 1957. Conta-se que se inspirou num método de ensino de inglês, onde frases desconexas se amontoavam com o exclusivo fim de ensinar estruturas gramaticais. Aliás, lembro-me de meus primeiros anos de ensino de francês (é claro que em 1950 eu não podia ser professora de nada!), lá pelos anos 70, em que nos debatíamos ainda com textos totalmente incoerentes, dentro dos padrões ditos “estruturais” do ensino de línguas. No caso da “Cantatrice Chauve”, dois casais, uma empregada e um bombeiro, que não se sabe como veio parar na peça, debatem absurdos. Ou, como repetem seus personagens, “parler pour ne rien dire”.

Mas, afinal, não é minha intenção discorrer sobre a obra, de que, confesso, nem me lembrava mais. Retomei-a, assim como tudo que conheço de Ionesco, graças à Secretaria de Política Urbana da Prefeitura de Juiz de Fora, através da “Lei municipal 11.197/06 arts 9º. -1,10º. – I e II, 88, 105-I, 108 parágrafo 3º. Decreto Municipal 9117/07 arts. 11,21parágrafo 1º., 3º. e 7º. , 22-III parágrafo único”. Só de ler este amontoado de palavras desconexas, eu, cidadã comum, sinto-me ameaçada e imagino quantos crimes deva ter cometido sem saber. E o pior, qual será minha pena?
Mas vamos ver como começou este teatro ionesquiano. Eram três horas da tarde, eu estava me acomodando para ler “Os anos loucos – Paris na década de 1920”, que Ricardo me presenteou. Já havia começado e estava ansiosa para prosseguir. Tilinha, nossa cadelinha, já estava deitada ao meu lado na poltrona, e Charmoso, nosso vira-lata, deitadinho na sua almofada. O gato Boris havia chegado, dado uma olhadinha e chispado para nossa cama, seu lugar predileto. Eu estava colocando os óculos e pensando que às quatro horas iria passar um café e comer um pãozinho prensado, que acho delicioso. Enfim, anunciava-se uma tarde muito agradável. De repente, ouço o interfone – Quem será? Atendo e mantenho o seguinte diálogo:


- Boa tarde. Eu queria falar com dona Maria Lúcia Viana.
- Sou eu.
- Sou da Fiscalização da Prefeitura e um documento seu foi achado no lixo.
Levo um susto imenso!
- Como? Um documento meu no lixo???!!!! (E já me imagino correndo de uma central burocrática para outra em busca de novos documentos. E o meu CPF, que vale mais do que minha vida? Por sorte, tenho identidade do Ministério do Exército, onde a burocracia é menor. Será? Tudo isto me passa pela cabeça enquanto corro desorientada em busca de minha bolsa – Onde a deixei? – E nestas horas, a gente nunca sabe onde deixou as coisas! Finalmente a encontro, busco a carteira onde guardo os documentos, verifico , torno a verificar. Está tudo ali. Mas então o que foi? Vem- me à mente, com terror, que talvez tenha deixado cair o meu DARF, aquele do monstruoso Imposto de Renda. Mas tenho certeza de que o guardei, lá em cima no armário. Tudo isto se passa num espaço de alguns poucos minutos. Volto correndo para o interfone e resolvo colocar a razão para funcionar)



- Olha, moço. Vou descer. Não estou entendendo. Espere-me na garagem.
- Por favor, traga um documento, preferencialmente o CPF. 

Desço, imaginando alguma coisa ruim. Encontro, então, dois homens paramentados com coletes, tendo escrito nas costas em letras garrafais “FISCALIZAÇÃO – PREFEITURA DE JUIZ DE FORA”. O porteiro, meu amigo de muitos anos, sorri com o canto da boca, daquele jeito que só mineiro sabe fazer.

-Dona Lúcia, eu expliquei o que aconteceu, mas o homem não aceita.
Foi, então, que o absurdo me foi mostrado. O sujeito tinha nas mãos, entre outros papéis rasgados, um pedaço de um informe que recebo regularmente de uma entidade internacional de ajuda a crianças carentes para a qual contribuo. É evidente que deveriam colocar meu nome e endereço para que eu pudesse receber! Quando rasguei e joguei no LIXO SECO, ficaram intactos justamente este dois dados. E era este o “documento” meu que haviam achado no lixo!!!!! E eu estava sendo multada em “auto de infração” por sujar a rua!

Tentei esclarecer que sou uma disciplinada fanática, que meu lixo seco, é seco mesmo, que sirvo de motivo de chacota para toda a família, já que lavo quentinhas e garrafas, que acondiciono tudo caprichosamente, e entrego pessoalmente ao catador. Contei-lhe que carrego sempre sacolinhas de plástico – estou procurando as ecológicas – para recolher as fezes de meus cachorros, e que ensino isto aos meus netinhos, assim como o que se refere ao lixo seco. Que o catador, freguês meu há anos, havia deixado escapar aquele pedacinho de papel. Que faço parte do Green Peace (que ele nem deve saber o que é). Argumentei, tentei expor minhas ideais acerca de meus deveres de cidadã. Sugeri-lhe que desse a volta e olhasse a praça onde moro, onde a sujeira se acumula há vários dias. O bocó permaneceu intransigente, sempre me repetindo que eu havia violado uma lei municipal. Perplexa, abandonei toda argumentação, e só depois me lembrei de que, como não havia tido flagrante, já ninguém me vira “jogar o documento na rua”, “sujando-a”, eu não poderia ser indiciada. Afinal não é assim que age a justiça brasileira?

A descrição de minha infração é a seguinte:

Por depositar lixo e/ou resíduo em via pública fora do horário estabelecido pelo DEMLURB” 
Há ainda o local do flagrante (?), “no endereço acima citado, próximo à polícia, posto de polícia.” E também a data do “flagrante” e o “horário”. Mas como ele pode saber se ninguém me viu cometer o delito? 

Abaixo ele assinalou entre outras opções “Fica ciente que deverá apresentar defesa (!!!) no prazo de 10 dias do recebimento deste ato.”

Assinei o documento – eu estava transtornada – e perguntei-lhe se deveria ser acompanhada de advogado. Negou. Mas meu advogado vai comigo. O mais engraçado é que o bocó que o acompanhava, também devidamente paramentado, segurava uma porção de talões de débito automático, todos amassados. Tive vontade de perguntar como iriam descobrir os autores do delito, mas já estava de saco cheio. Meu livro delicioso ficara aberto sobre a poltrona, meu cafezinho esvaiu-se naquele absurdo em que a Prefeitura de Juiz de Fora me afogou, minha tarde gostosa havia ido pelos ares. Antes de subir, já a caminho do elevador disse-lhe:

- E eu que votei nesse cara! Antes tivesse votada na opositora, colega minha de tantos anos, mas que é do PT! Bem feito para mim!

Subi, telefonei para Ricardo e combinamos um cafezinho no Shopping. Mostrei-lhe o documento. Estourou de rir “Justo você!”. E é isto que tenho ouvido de toda minha família desde aquele dia 28 de abril.
No dia seguinte encontrei Joaquim, o catador, contei-lhe a história. Atônito, comentou:

- E logo quem!
Mas, com a seriedade que a situação merece, o adverti:

- Olha, Joaquim, e se eu for presa, você vai comigo!

Ontem de manhã, quando voltava da ginástica, encontrei-o catando minuciosamente no chão tudo que encontrava. E havia até uma vassoura novinha.

O que me aconteceu expõe claramente o país patrimonialista, onde os “donos do poder” e seus acólitos consideram o cidadão simples objeto, cuja função é servir aos seus interesses.

Não sei qual será minha pena, mas quem sabe será semelhante à da bruxa que torturou a criancinha de dois anos? E ainda ontem , quando Ricardo voltava de seu passeio com Charmoso, Joaquim, aproximou-se e disse com convicção:

- Professor, está tudo errado! Tudo errado!

É verdade, Joaquim, você definiu bem o país: está tudo errado. E desde o princípio.

Pena que Ionesco e Beckett não estejam mais aqui!