Após a Guerra, a reconstrução
sexta-feira, 12 de abril de 2024
sexta-feira, 29 de março de 2024
Os anos 40. Destruição e reconstrução
"Mais do que qualquer outra década do século, os anos quarenta se compõem de duas partes diametralmente opostas. Até 1945, tudo foi guerra e destruição. A reconstrução do pós-guerra que se segue foi uma obra admirável" Nick Yapp
Mas, estamos falando do esforço de recompor tudo aquilo que o horror nazista havia destruído. Na verdade, neste fantástico esforço, havia falta de alimentos, de vestimentas, de casas, as pessoas haviam perdido tudo. E ainda a luz era escassa. Segundo alguns relatos, comia-se o que se encontrava, desde cavalos até ratos, como sucedâneo de proteína. Foi, sem dúvida uma época de heroísmo e de brutalidade, de coragem e de covardia (covardia não só durante a guerra). Foi neste pós-guerra que o mundo veio a conhecer o Holocausto, a "solução final", que visava a exterminação de todo um povo coisa, jamais vista na História da Humanidade. Foi aí que se criou a palavra "genocidio". Mas ainda havia coisa por vir, a Bomba atômica, que, a mando do Presidente americano, Harry Truman, reduziu a cinza duas cidades japonesas - Hiroshima e Nagasaki. E foi o momento do nascimento da Guerra Fria, que dividiu o mundo em dois, sendo o Leste, intitulado pelo Primeiro Ministro Inglês, Winston Churchill, a "cortina de ferro".
Por outro lado, havia um mundo que renascia. A moda, desaparecida nos anos de Guerra, sobretudo por falta de material, que fora substituído preferencialmente pela sarja, renascia com costureiros como Jacques Fath, prematuramente falecido em 1954, Christian Dior e Pierre Balmain. E o mundo conheceu tecidos como nylon, hoje fora de moda. Na literatura, o mundo leu o trágico diário de Anne Frank, a menina judia holandesa, que durante anos viveu com sua família escondida no sótão de uma casa, até ser denunciada, transportada para um campo de concentração, onde morreu com toda sua família. O escritor inglês , Georges Orwell, lançava obras memoráveis como "A Revolução dos Bichos", que li há muitos anos e não me lembro mais. "1984", fantástico e inesquecível romance, cujo fundo é um libelo contra ditaduras. Este li e reli várias vezes. É interessante que o escreveu em 1948, o quê é o contrário de 1984. Suas perspectivas eram sombrias. E Gandhi, ainda vivo , responde o quê pensava da "civilização ocidental": "Penso que seria uma ótima ideia." Ele, que vivia sob o domínio inglês e que experimentaria na própria carne a barbárie desta dita civilização.
Glenn Miller e toda sua orquestra desaparecem numa viagem de avião sobre o Oceano Pacifico, em 1942. Sua finalidade era distrair tropas americanas. Lembro-me de um filme que vi quando criança, chamado "Músicas e Lágrimas", que relembra este trágico acontecimento. Os atores são James Steward e June Allyson. Na França, é descoberta, por quatro garotos, a caverna de Lascaux, considerada obra prima da arte rupestre. Alguns a chamam a "Catedral gótica de Lascaux". Evidentemente, hoje interditada ao público.
E quanto ao povo alemão, francês, inglês, dos países nórdicos, e dos países baixos? Sem esquecer os russos! Lembrando que entre oficiais, civis, mulheres, velhos e crianças, somam a monstruosa quantidade de 20 milhões de russos! E estes, que perderam tudo na aventura nazista? E os judeus, que sobreviveram, sem família, sem esperança de futuro, depois do quê haviam passado? Muitos eram rejeitados em seus próprios países de origem, onde disputavam os raros empregos. Sem ter para onde ir, muitos optaram pelos Estados Unidos, que não saíra falido da Guerra. A princípio, ainda atordoados pelo que acabara de acontecer, os alemães não tinham noção da real proporção da monstruosidade nazista. Mulheres transportando seus haveres em carros de bebê, ou nas costas. E foi nestas condições, há quase 80 anos, que no Palácio de Nuremberg, onde Hitler tantas vezes comemorara seu triunfo, que se reuniram os lideres das potências vencedoras: Estados Unidos, Inglaterra, Rússia e França. O objetivo do Tribunal era não somente condenar os carrascos, mas também mostrar ao povo alemão o quê havia de fato acontecido durante aqueles anos. Aos alemães foram mostrados os objetos de ouro roubado dos judeus, alianças, anéis e até dentes. A grande finalidade do Tribunal era, além de punir, mostrar a morte definitiva da Alemanha nazista.
Entre 20 de abril de 1945 e 1o. de outubro de 1946, foram julgados os principais lideres do nazismo, como Joachim Von Ribbentrop, Herman Goering, General Wilhem Keitel, que assinara a rendição total da Alemanha, General Alfred Jodl, Alfred Rosenberg, Rudolf Hess, entre outros. Aos criminosos foram mostrados filmes dos campos de concentração, com os prisioneiros esquálidos, montes de cadáveres esqueléticos, amontoados em valas. As cenas eram tão horrendas que muitos deles tiravam o microfone de tradução simultânea (que fora criada e ensinada para o Tribunal), ou desviavam o olhar. Muitas conferências já haviam sido realizadas, ainda durante a vida de Roosevelt (falecido em 1945), para que fosse resolvido o que fazer após a evidente queda do nazismo. Após o julgamento, condenado a forca Hermann Goering, escapou, cometendo suicídio, com uma capsula de cianeto, que lhe fora misteriosamente passada. Martim Bormann, foi condenado a revelia, já que havia fugido. Mas não conseguiu. Seus restos mortais foram encontrados, algum tempo depois, perto do Bunker, onde Hitler se escondera com outras figuras proeminentes do nazismo, e se suicidara com sua amante, Eva Braun. Interessante notar que contraíram matrimônio poucas horas antes do suicídio, ela com uma capsula de cianureto, ele com um tiro na têmpora. Heinrich Himmler, comandante das SS - tropa de elite no governo nazista - homem de confiança de Hitler, no momento da prisão, também cometeu suicídio, engolindo uma capsula de cianureto. Ao todo, foram condenados a forca 10 carrascos nazistas, três à prisão perpétua. Entre estes estava Rudolf Hess. Décadas depois, muito velho e sozinho na prisão de Spandau, acabou por suicidar-se, o quê é contestado por seu filho, com quem conviveu somente um ano, que afirma que seu pai foi assassinado pelos britânicos receosos de que revelasse segredos. Albert Speer, arquiteto de Hitler, Ministro dos armamentos de 1942 até o fim da Guerra, e também responsável pelo trabalho escravo de prisioneiros para produção de armamentos , estava presente no Tribunal. Ali, mostrou alto nível intelectual e não procurou fugir à sua culpa. No entanto, sua condenação a somente vinte anos provocou revolta, sobretudo na França onde muitos membros da Resistência foram explorados, assassinados ou torturados por sua ordem. Tenho um livro seu, que herdei de meu pai, intitulado "Por dentro do IIIo. Reich - A derrocada" Além deste, publicou outros, e ganhou muito dinheiro. Certa vez, já em liberdade, tentou entrar na Inglaterra, mas foi impedido. No dia seguinte, foi mandadode volta para a Alemanha. Seu filho, também arquiteto, Albert Speer Jr. não se preocupou com o nome, e se tornou um dos maiores arquitetos do país, acumulando prêmios e deixando para trás o repugnante passado de seu pai. Morreu em 2017. O filho de Joseph Mengele, chamado "O Anjo da Morte" nasceu um ano antes da fuga de seu pai. Chamava-se Rolf e, pelo que se sabia, não lhe tinha nenhum afeto. E nem podia! Correspondia-se com o pai, que usava nome falso. Em 1977, resolveu conhecê-lo. Convencido de que ainda mantinha os ideais nazistas, Rolf voltou para a Alemanha e viveu uma vida tranquila, no ramo da farmácia. Nunca mais teve qualquer contato com o pai, que morreu de um infarto fulminante na praia Atibaia. Hans Frank, o "carniceiro da Polônia", executado em Nuremberg, teve um filho, Nikolas. Este tornou-se jornalista e escritor. Não negava a vergonha que tinha de sua ancestralidade, chegando a escrever um livro em que não poupava sua mãe, sobre a qual escreveu um livro "Minha mãe alemã". E o mais impressionate, o filho de Martin Borman, braço direito de Hitler, chamado Adolf, talvez em homenagem ao Furer. Adolf, quando adolescente participou dos grupos hitleristas. Após a derrota, fugiu. Dizem que foi adotado por uma família italiana. Convertido ao catolicismo, tornou-se padre foi morar no Congo, onde dizem rezava todas as noites pelas vítimas do Holocausto.
Bem , ainda há tanto a falar desta Guerra e do horror jamais visto! Em um só texto não há espaço para tanto. Segurei na próxima semana. Até lá!
segunda-feira, 18 de março de 2024
Os Anos Loucos
Os chamados "Anos Loucos" são aqueles que seguiram a 1a. Grande Guerra. Foram loucos, como a vida, repletos de coisas boas e péssimas. As mulheres se libertaram dos espartilhos e das longas cabeleiras. Cabelos curtos, calças compridas, cigarros. Depois dos horrores desta Guerra, todos sabiam que nada mais seria como antes. Ela deixara profundas cicatrizes. Muitos soldados voltavam desfigurados, mutilados, com graves problemas psicológicos . E foi em 1917 ou 18 que ocorreram os primeiros casos da pandemia chamada "gripe espanhola", e se espalhou rapidamente pelo mundo através de uma mutação do vírus "influenza". Não se sabe onde surgiu, mas, certamente, não na Espanha. O nome "gripe espanhola" veio da grande divulgação dada pela imprensa espanhola. Calcula-se que mais de 500 milhões de pessoas sucumbiram. Há alguns anos, vi uma foto terrível, nos Estados Unidos, de crianças abandonadas na varanda de casa. Toda a família havia morrido. Uma cunhada de meu pai, esposa de seu irmão mais velho, faleceu e deixou órfã uma criança de dois anos, que foi criada por minha avó. No Brasil, morreram figuras importantes como o recém reeleito Presidente Rodrigues Alves. Foi por esta época que começaram a despontar nomes como Hitler, Mussolini, Stalin, Hiroito. Mas o mundo ainda não sabia o que viriam a significar.
Mas como não se podia prever nada, o melhor era viver este presente que parecia tão radioso. Surgem figuras importantes, como Coco Chanel, que reinventa a moda, o genial compositor russo, Igor Strawinsky, refugiado, e ,futuramente, um dos inúmeros amantes de Chanel. Surge o Ballet Russo, sob a direção de Serge Daighlev, e com a icônica figura de Nijinsky, considerado o maior bailarino todos os tempos. Foi em 1921, ou 22, que Nijinsky, com coreografia creio de Daighlev, dança no Thèâtre de l'Elysée a genial obra de Debussy, "Prélude à l'après midi d'un faune", inspirado no poema simbolista de Stéphane de Mallarmé. A peça não pode ser apresentada inteiramente, por causa da vaia dos espectadores, que não haviam entendido nada da coreografia inovadora. Foi uma época também marcada pela morte da bailarina americana Isadora Duncan, enforcada por sua echarpe, que se enrolara nas rodas de seu carro.
Na música popular, surgem dois compositores genais; George Gershwin e Irving Berlin. E na ciência, Einstein, recebe o Prêmio Nobel de física e Alexander Fleming descobre a penicilina. E na arqueologia, Howard Carter e Lord Carnarvon, abrem a tumba de Toutankhamon, que ali repousava há milhares de anos. Foi nas minhas constantes visitas ao Louvre quando criança, a que me levava meu pai, que me apaixonei pela Arqueologia e sonhei, desde minha infância até a idade adulta, em ser arqueóloga, da mesma forma que meu irmão sonhava em ser paleontólogo. Em 1927, o piloto americano, Charles Lindenberg, atravessa sem escala o Oceano Atlântico.
Para as mulheres, era a libertação. De agora em diante, podiam, dirigir carros, fumar em público, dançar, movendo o corpo como quisessem. O trabalho feminino, que já fora admitido desde a guerra, por falta de mão de obra masculina, torna-se frequente e, afinal, significa uma libertação da mulher do macho protetor. E muitas passaram a frequentar Universidades e a se qualificar profissionalmente.
No cinema, Chaplin, Stan Laurel e Oliver Hard, a notar que Stan Laurel foi para os Estados Unidos na trupe de Chaplin. E havia também Harold Loyd e Buster Keaton. Todos eles fizeram a alegria de minha mãe e de minha tia Aracy. E só para lembrar, muitos e muitos anos depois, eu não podia ver as deliciosas comédias do Gordo e do Magro, sem chorar. Eu morava em Paris e nas tardes de quinta feira (ou seria quarta?), em que, sem ter aula, eu podia assistir a sessão infantil. Minha mãe sempre me dava um trocado para comprar meu chocolate preferido. Naquele momento, de dor, faziam-me crer que eu JAMAIS voltaria a andar normalmente! Felizmente, isto já passou! E estou andando normalmente, ainda que tenha medo das calçadas! Mas voltando para os anos 20, foi o momento do surgimento do Surrealismo e do Dadaismo, que pretendiam desconstruir a linguagem.
Grandes grandes escritores americanos escolheram Paris para viver, sendo, Ernest Hemingway, o mais apaixonado pela cidade. Disse ele "Se você, quando jovem, teve a sorte de viver em Paris, então a lembrança o acompanhará pelo resto da vida, onde quer que você esteja, porque Paris é uma festa ambulante." Eu tive esta experiência na infância, e esta lembrança me acompanha até hoje. Infelizmente, hoje, Paris não é mais a mesma. Muita coisa desapareceu, coisas fantásticas, como Les Halles Centrales, construído por Napoleão III, e que inspirou a Emile Zola o fabuloso "Le ventre de Paris". A destruição ocorreu sobretudo durante o nefasto governo de Georges Pompidou, político corrupto e megalomaníaco. Hoje no lugar de Les Halles , há um certo Centre Georges Pompidou. Vice de De Gaule, chegou ao poder pela morte do titular. Certa vez, fui ver uma exposição que tratava do "Inicio de tudo", e, logo na entrada, havia uma pintura, não me lembro de quem, que mostrava uma enorme vagina. Achei a ideia inteligente. Aliás, a única coisa que achei especial, nas poucas vezes que fui lá.
No Brasil, 1922, marca a Semana de Arte Moderna, com a intenção de fugir dos paradigmas europeus e marcar nossa brasilidade. Vale lembrar Mário de Andrade, Anita Malfatti, Oswald de Andrade. Já na Alemanha vencida, assinado o Tratado de Versalhes, com todas suas exigências, instalou-se a maior inflação da História. Um livro de Eric Maria Remarque, chamado "Obelisco Negro", retrata esta miserabilidade do povo alemão. Pessoas acordavam de madrugada para comprar pão, pois uma hora depois estaria mais caro. As notas serviam para cobrir as paredes. É aí que surge o Expressionismo alemão, que retrata através do monstruoso esta catástrofe da chamada República de Weimer. O filme "Nosferatu" mostra bem este movimento. Ainda por volta de 1923 ou 24, surge, como salvador da pátria, o "Nacional Socialismo", mais tarde rebatizado por Hitler como "Partido Nazista".
1938- Tratado de Munique, em que parte da Tchecoslováquia, região dos Sudetos, é dada de presente a Hitler, já Ditador, com a morte de Hindenburg. Responsáveis: o Presidente do Conselho de Ministros da França, Edouard Daladier e o chanceler da Inglaterra Neville Chamberlain, para sempre marcados na História como covardes. Há sobre este triste evento um livro de Jean-Paul Sartre, escrito na época, mas creio que publicado posteriormente, chamado "Sursis", que, impressionada, li há anos, e que faz parte de uma trilogia chamada "Os caminhos da liberdade". O segundo livro tenho, e também li: "Com a morte na alma". O terceiro, não conheço, "A idade da razão". Creio que todos publicados após a 2a. Guerra, lembrado que a França foi invadida em 1940 e permanecendo invadida até 1944.
1939- Os Nazistas invadem a Polônia. ...O resto já conhecemos.
A verdade é que os ANOS LOUCOS terminaram tragicamente.
Para conhecer, de maneira genial, o que foram estes anos, aconselho " Meia-noite em Paris" , do sempre surpreendente Wood Allen.
segunda-feira, 4 de março de 2024
O Terror e os " sans culottes"
Minha relação com a Revolução Francesa vem de muitos anos. Desde os meus 10 ou 11 anos, quando morava na França, mas precisamente em Paris, e fui assistir, com minha mãe e minha irmã, um filme intitulado "Marie Antoniette". Fazia o papel da Rainha , a lindíssima Michele Morgan e um ator irlandês , Richard Todd, o de Axel de Fersen, Embaixador da Suécia, que parece ter sido o grande amor da Rainha. A verdade é que ele se preocupava com o futuro da Família Real, tendo sido o preparador da célebre fuga interceptada na cidade de Varennes. Apaixonei-me por ele, quando num baile de máscaras, se conhecem, ele massageando o pé que a Rainha havia torcido, ajoelhado diante dela. De repente, ambos tiram as máscaras e mostram seus belíssimos olhos azuis! Que emoção! Coup de foudre! Em 1989, durante a comemoração do bicentenário da Revolução e da Inconfidência, o assisti novamente, em Belo Horizonte. E a mulher adulta, vivida, com tantas experiências, sentiu emoção semelhante à da criança de 10 ou 11 anos!
Desde aquele longínquo dia de minha infância, já fui monarquista, jacobina, dependendo do momento de minha vida e de minhas ideias. Hoje, faço uma consideração mais racional deste fantástico movimento de massas, o primeiro da História da mundo, e me coloco em situação diferente. Depois, das reações adversas do Clero e da Nobreza, o chamado Terceiro Estado (Thiers Etat) abandona os Estados Gerais e passa a se denominar Assembleia Nacional Constituinte, e seus membros deputados. Para impedir a reunião, Luís XVI manda fechar o local onde deveriam se reunir, mas eles se reúnem em outra sala e juram não se separar até que tenha havido a elaboração de uma Constituição.
Mas estes deputados também divergem. Pertencem todos ao Terceiro Estado, mas há os ricos burgueses, chamados Girondinos, e que, em sua maioria, representavam a Gironda, uma região situada no sudoeste da França, que pretendem uma Monarquia Constitucional e os Jacobinos, radicais que pretendem o final da monarquia. Girondinos tomam assento à direita e Jacobinos, nome tomado de um café, antigo convento, por eles frequentado, à esquerda, donde veio a dominação direita e esquerda. Aliás, a notar que o último Monarca absolutista foi o Tzar Nicolau II, cujo reinado teve fim em 1918, sendo toda a família dizimada. A notar igualmente que este é o segundo movimento de massas, e que cerca de um século e meio separam estes dois marcos, que mudaram a História do mundo, sendo que o legado de um deles já desapareceu. Foi, portanto, da Revolução Francesa o mais importante legado. A Declaração dos Direitos Humanos e do Cidadão, direitos válidos em qualquer tempo e em qualquer país. Artigo primeiro : "Todos os homens nascem livres e iguais em direito. As destinações sociais só pode fundamentar-se na utilidade comum..." Esta Declaração teve inspiração na Guerra de Independência Americana, nas ideias Iluministas, e sobretudo no filósofo inglês John Locke que falava dos Direitos Naturais, aqueles que já nascem com o indivíduo. Esta Declaração tem inspirado todas as demais, inclusive a de 1948, no Pós-Guerra. No entanto, esta notável Declaração colocava de lado as mulheres e a escravatura nas colônias. A escravatura mexia nos interesses dos ricos burgueses, geralmente Girondinos, proprietários de terras nas colônias. Quanto às mulheres, que haviam participado ativamente da deposição do Rei, que haviam marchado de Paris até Versalhes, obrigando a família real a exilar-se no Palácio das Tulherias (posteriormente incendiado pela Comuna de Paris no século XIX), foram esquecidas. Eram quase todas vendedoras de peixes nos mercados de Paris. Este "esquecimento" mostra a importância que estes revolucionários davam às mulheres.
É aí que surge, e não podemos esquecê-la, a atriz, dramaturga, jornalista e ativista, Olympe de Gouges, uma das mais notáveis feministas de todos os tempos, pois pagou com a vida sua audácia. Em 1791, publica a "Declaração dos direitos dos Direitos da Mulher e da Cidadã " , contrapondo-se à Declaração anterior que falava nos Direitos dos Homens e dos Cidadãos. Reivindicava também uma educação de qualidade para as mulheres. Segundo consta, chegou a mandar uma cópia à Rainha Maria Antonieta. Além disto, foi uma ardente defensora do fim da escravidão. Mas, por incrível que pareça, Olympe pareceu revolucionária demais para os próprios revolucionários, era preciso que as coisas fossem postas nos seus devidos lugares. Aliás, é bom lembrar não haver na Assembleia Constituinte nenhuma mulher. EGALITÉ, LIBERTÉ, FRATERNITÉ, afinal não era para todos. Olympe subiu ao cadafalso no dia 3 de novembro de 1793 Ao subir, ela teria dito: "Se uma mulher tem direito de subir ao cadafalso , deve também ter o direito de subir à tribuna."
Voltando um pouco no tempo, não se pode esquecer o mês de setembro de 1792, marcado por uma série de execuções sumárias nas prisões de Paris. Nobres, homens, mulheres, criminosos comuns, todos foram alcançados pela fúria dos chamados "sans culottes". Uma das melhores amigas de Maria Antonieta, a Princesa de Lamballe, que estava numa das prisões invadidas, teve seu corpo dilacerado e profanado, e sua cabeça enfiada numa estaca. Os revoltosos dirigiram-se, então, até a Prisão do Templo, onde estava presa a família real, e mostraram, por uma janela, a cabeça decepada da mulher. Consta que Maria Antonieta desmaiou, outros dizem que se encontrava em outro aposento. Também, alguns historiadores afirmam que o massacre foi comandado por Georges Danton, que terminou seus dias na guilhotina, condenado por seu antigo amigo Maximilien Robespierre.
O Terror
Em 1793, o poder está com os Jacobinos com o apoio dos chamados "sans culottes", ou seja, aqueles que não usavam os calções da monarquia. Cerca de 40 mil pessoas são executadas, em curto período, sendo a maioria de deputados Girondinos. Há também ricos burgueses e nobres. É o quê o grande estudioso Albert Soboul, chama de Despotismo da Liberdade. Só para assinalar, conheci, sem querer seu túmulo, simples, no Cemitério de Père Lachaise. onde também estão os despojos de Chopin, Alfred de Musset, e de meu querido amigo Hippolyte Léon Denizard Rivall, conhecido como Alan Kardec, por ter sido em outra encarnação um druida gaulês.
Mas, enfim, o quê nos interessa agora, é esta época sombria, em que cabeças de inimigos e amigos rolaram. Segundo diz um de seus maiores biógrafos, o esloveno Slovoj Zozek:"A imagem que se formou de Robespierre - um dos principais ideólogos da Revolução Francesa- é a de um homem polido que escondia uma cruel e gélida determinação. Todos concordam, contudo que ele foi um político integro e se dedicou totalmente à causa da Revolução." Justamente por isso, era chamado L'incorruptible. É interessante notar que a princípio, teria sido contra a pena de morte. Vivia, absolutamente, de acordo com as suas convicções. Ao contrário de Danton, que havia se envolvido em negócios escusos. Danton, advogado brilhante, seguramente mais inteligente do que Robespierre. Preso por conspiração, tornou-se quase impossível julgá-lo. Fouquier-Tinville, advogado incumbido de condenar não sabe mais o quê fazer. Assinalando que, uma vez tomado o poder, Fouquier-Tinville foi mandado para a guilhotina pelos Girondinos.
Durante o Terror, hospitais, escolas, tudo era esvaziado para receber novos presos, ou novos condenados. A lista esta lida na véspera. Cortou-se toda comunicação com o mundo exterior. O famigerado "Comitê de Salut Publique" ultrapassou qualquer limite. Somente Robespierre tinha real noção do que poderia acontecer. E seus embates com os radicais eram frequentes. Banqueiros como os irmãos Frey foram mandados para a guilhotina, o quê era muito perigoso. A própria execução de Danton, poderia levar contra eles o grande capital da época. Danton, o jornalista Camille Desmoulin, Hérault de Sechelles, Philippeaux (um humilde "sans culotte"), Basire, todos deputados, são condenados à guilhotina. Todos fazem parte do grupo chamado de "Indulgentes", aqueles que sabiam que era necessário acabar com a carnificina. A carroça que os conduz à guilhotina é povoada por pessoas que mal se conhecem , que cultivam ideias muitas vezes diferentes. Mas todas acusadas de querer destruir a Convenção e restabelecer a Monarquia. No momento em que passa diante da residência de Robespierre, Danton grita com sua voz tonitruante : "Robespierre tu me seguirás!" Ele sabia o que dizia, da mesma forma que Robespierre também o sabia.
E exatamente três meses depois, durante a madrugada, a sala do Comitê de Salut publique é invadida por tropas ordenadas por Girondinos, ou deputados exaustos dos intermináveis banhos de sangue. Alguns tentam escapar, um se joga pela janela, e Robespierre tenta o suicídio, atingindo o maxilar. Sangra intensamente, e ,segundo os guardas, urra de dor. Ao amanhecer, todos são levados à guilhotina. Alguns são deputados, dentre eles destaca-se o belo jovem , Saint-Just, deputado, talvez, o mais fanático. Um retrato seu no Museu Carnavalet, da cidade de Paris, mostra um belo rosto quase juvenil. Durante o trajeto, a multidão se acumula e janelas e sacadas são alugadas para o espetáculo. A perseguição aos seguidores prossegue durante vários dias.
E assim, termina o Terror, ao qual segue o chamado Diretório, seguido do Consulado, tendo como Consul um genial jovem militar, nascido na Córsega. Até que se faz Imperador, ele próprio coroando-se, e à sua esposa, Josefina, deixando para trás o Papa. Sobe ao trono Napoleão I.
Interessante notar que me lembro de meu pai dizer que Saint-Just havia sido seu ídolo de juventude. E lendo a escritora belgo-americana, Margherite Youcenar, em um livro que muito me impressionou, chamado "Souvenirs Pieux", ela diz a mesma coisa. Margherite e meu pai nasceram no mesmo ano, e às vezes me pergunto se esta geração não terá amado seu idealismo, ainda que fanático, mas sincero.
Sem resposta!!!
sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024
A Revolução que mudou o mundo
A princípio , fiquei em dúvida se devia, ou se seria capaz, de associar pontos em comum e pontos divergentes entre estes dois movimentos de massa que mudaram, cada um a seu jeito, a História do Mundo. Movimentos nunca vistos anteriormente. Mas aí me dei conta de que são grandes demais. Assim, resolvi falar de alguns aspectos particulares da Revolução Francesa.
No dia 21 de janeiro de 1793, cerca de nove horas da manhã, num dia frio, o carrasco Sanson, mostrando ao povo, uma cabeça decapitada, não sabia que se iniciava ali um novo período na História. Era o primeiro dia do que chamamos de História Moderna. Um silêncio sobreveio, até que o povo compreendesse o quê significava aquele sangue que jorrava. E, depois, como num uivo coletivo, gritou "Vive la République"!
Na véspera, ele recebeu calmamente a notícia de sua sentença, marcada para o dia seguinte. O Rei Luís XVI, agora chamado de Louis Capet , dinastia à qual pertencia, e a família, composta por sua mulher, a odiada arquiduquesa austríaca, Maria Antonieta, seu filho, que deveria ser Luís XVII, sua filha, Maria Teresa e sua irmã Madame Elizabete não se viam há mais ou menos um mês. Todos estavam na Prisão do Templo, antigo Monastério dos Templários, ordem religiosa -guerreira, extinta pelo suplício na fogueira, justamente por Felipe, o Belo, pertencente a esta dinastia. Luís está alojado no segundo andar e a Rainha e o resto da família no quarto.
À noite, pela última vez, a família vê Louis Auguste, como foi batizado. Sua mulher, está em desespero. Todos se abraçam, Maria Antonieta implora uma nova reunião na manhã seguinte. Esta promessa ele não manterá. Precisa de se preparar.
Pela manhã, bem cedo, calmamente, Luís Augusto, prepara-se. Pouco depois, chega seu confessor, um padre refratário (que se negou a jurar fidelidade à Constituição vigente), fecham-se durante cerca de uma hora. Conta-se, (mas será verdade?) que Luís XVI, ainda pergunta ao padre sobre uma expedição científica, que ele próprio patrocinara : -Têm- se noticias da Perouse? A cerimônia prevista para as oito horas, só acontece às nove. O Rei mostra-se extremamente calmo. Sobe na carruagem, que dirige-se à Praça da República, atual Praça da Concordia. Olha a guilhotina erguida sobre o pedestal desmantelado, onde havia antes uma estátua de Luís XV. Justamente onde hoje se encontra o Obelisco.
Seu avô é Luís XV, aquele que , diante de tantos problemas na França, via depois dele o Dilúvio :"Aprés moi, le déluge". O Duque de Berry, futuro Luís XVI, foi o segundo filho do delfim Luís Ferdinando e da delfina Maria Josefa da Saxônia. Profundamente religiosos, o delfim e sua mulher mantinham-se afastados da corte, descontentes com a influência da favorita, Madame de Pompadour, e com vida dissoluta do Rei. Sendo o segundo filho de Luís Ferdinando, não caberia a ele o trono. O Delfim Luís Ferdinando e sua mulher tratavam de ensinar ao futuro Delfim, duque de Borgonha, princípios religiosos, mas também a igualdade entre os homens. Isto teria sido impossível imaginar para o seu tataravô, Luís XIV, que havia governado entre 1643 e 1715, ou seja, 72 anos, tendo sido o mais longo reinado da História europeia, mais longo mesmo do que o da Rainha Elizabete. Luís XIV era aquele que dizia "L'Etat c' est moi!" ou seja, não admitindo nenhuma separação entre Estado e Governo. A França era propriedade sua. E ele tinha a convicção de que seu poder vinha de uma resolução de Deus. É o quê se chamava Droit Divin.
O primogênito, do delfim Luís Ferdinando, é uma criança ousada, ciente de seus deveres e direitos, mas também brutal com os subalternos, a seu ver natural na sua condição. Mas uma queda de um cavalo de papelão, denuncia uma tuberculose óssea na coxa. Ele começa a mancar e sentir fortes dores, seu estado piora dia a dia. Mesmo assim, exige a presença do irmão mais jovem a quem ministra aulas. Mas nada detém a visível piora de seu estado e os médicos se preparam para comunicar aos pais e ao Rei que o desenlace está próximo. E no dia 16 de março de 1761, lhe é administrada a extrema-unção. O defunto ainda não tem dez anos. A dor corrói o coração do pai e da mãe.
"Pra o delfim e a delfina , bem como para o rei, no fundo está claro que a morte enganou-se de presa" ( Bernard Vincent- Louis XVI). Tempos difíceis para o Luís Augusto. Seu pai instala-o no quarto do falecido, e aqui comparece todos os dias, declarando querer guardar para sempre na memória a imagem do filho preferido. Mas, como lembrara muito anos antes, o duque de Montausier , muitas crianças especiais na infância deixam de sê-lo ao chegar à idade adulta. O desprezado duque de Berry, futuro Luís XVI, por ocasião de uma visita do grande historiador escocês, David Hume, amigo dos Iluministas, é o único a dirigir-lhe a palavra e se interessar pelas ideias do historiador e filósofo.
Quatro anos após a morte do duque de Borgonha, o delfim Luís Ferdinando, sucumbe, provavelmente vítima de tuberculose, aos 36 anos. A data é 20 de dezembro de 1765. A principio, tomada de profunda melancolia, a viúva parece se recuperar após algum tempo. Mas a melancolia a submerge novamente, e no início de maio de 1767, sinais de tuberculose se apresentam. Ela passa a cuspir sangue, e sua debilidade é evidente. Provavelmente, contraíra a doença enquanto estava à cabeceira do marido. Dia após dia, o menino- delfim assiste à agonia de mais um ente querido. O ano é 1767. O delfim tem onze anos!
Os interesses maiores da coroa
Mas interesses da coroa exigem que o delfim se case. Depois de várias conversações, entre o Rei da França e a Imperatriz Maria Teresa da Áustria, chega-se à conclusão de que uma aliança entre Bourbon e Habsbourg, poderá ser do interesse de ambos. Os noivos têm, respectivamente, quinze anos e quatorze anos e meio. Segundo seu biógrafo, Stephan Zweig, Maria Antonieta guarda sentimentos contraditórios; agrada-lhe ser Rainha da nação mais poderosa do mundo, mas há também um sentimento de tristeza ao saber que deixará, talvez para sempre, todos aqueles lugares onde passou sua feliz infância. Enfim, ao longo de negociações, a aliança é firmada. Estranho ritual; ao chegar à fronteira há uma complicada cerimônia, em que se despoja de tudo que é austríaco, desde suas vestimentas, até sua cachorrinha, indicando, desta forma que abandona a sua nacionalidade austríaca para tornar-se francesa. A jovem delfina é jovem e bela, e o frescor de sua juventude, conquista o povo.
No dia 27 de abril de 1774, uma grande surpresa! Durante uma caçada, o Rei sente-se mal. É transportado para o Petit Trianon, que havia mandado construir para Madame de Pompadour. Logo é acometido de terrível dor de cabeça, e transportado para Versalhes. Médicos, apoticários (farmacêuticos), cirurgiões, são chamados. Também é chamada Madame du Barry, sua nova amante. O Rei piora cada vez mais! A noite, um lacaio levanta um candelabro e percebe horrorizado marcas vermelhas no rosto do Rei. É a terrível varíola! Logo formam-se pústulas, o mal cheiro é insuportável. Ninguém poderia supor: tratava-se de uma reincidência. Seu corpo apodrece! Horrorizado com a ameaça do Inferno pelos seus pecados, chama um confessor. A extrema-unção lhe é dada, e ele ainda agoniza durante dias
LE ROI EST MORT! VIVE LE ROI!
segunda-feira, 29 de janeiro de 2024
O cinema
A invenção do século
Já no século XVIII, a lanterna mágica encantava espectadores. Mas tratava-se somente de uma maquininha composta de algumas placas de vidro pintadas, projetadas sobre uma parede branca com o auxílio de uma vela. A verdade é que a imagem surgida do nada sempre encantou os homens e lhes fez medo. Nas feiras eram comuns as caixas com orifício, por onde se podia ver cenas desenhadas , que o operador puxava por meio de um fio. Tudo iluminado por velas.
De 1892 a 1900, espectadores se exprimiam para ver, no Musée Grévin, em Paris as chamadas pantomimas luminosas, o quê chamavam Théâtre Optique, cuja engrenagem é bastante complicada. O importante é que a confecção é mais complicada ainda, devendo cada cena ser desenhada para ser posteriormente exibida. Seu inventor Emile Reynaud, notável desenhista, deve desenhar milhares de figuras para que haja movimento. A lâmpada elétrica havia sido inventada em 1879, e tinha a duração de 40 horas. O problema é que o calor, racha a gelatina sobre a qual são feitos os desenhos. Assim, o espetáculo fica suspenso por mais de um ano. Emile Reynaud ainda tenta produzir dois filmes, até que em 1900, superado pelo cinema, tendo sido expulso do Musée Grévin, arruinado, joga suas fitas no rio Sena e morre em 1918, em um asilo.
A primeira filmagem , feita pelos Irmãos Lumiére, Louis e Auguste, ocorre em 1895 e mostra a chegada de um trem numa estação. Esta projeção provoca pânico no público, aterrorizado ao ver a aproximação do trem. Acontece numa saleta do Grand Café, situado no Boulevard des Capucines, ainda hoje existente. Cinematographe Lumière .Nesta primeira apresentação, somente estão presentes 33 espectadores. Mas aos poucos, sobretudo no boca a boca, a frequência vai aumentando. A princípio, são filmadas cenas banais, como de amigos tomando café , ou de uma uma brincadeira com uma mangueira. Em seguida, começam a filmar documentários. Apesar de um pequeno embaraço na Rússia, logo depois lhes é permitido exibir filmagens e filmar. É interessante notar uma observação do grande escritor Tolstói , referindo-se àquela cena do trem entrando na gare : ""Quando , do horizonte , um trem inteiro vem em nossa direção, , quando ele parece furar a tela , nosso espírito imediatamente evoca a mesma cena em Ana Karenina"". Lembrando sua monumental obra, em que abandonada pelo amante por quem tudo perdera, Ana Karenina joga-se nos trilhos de um trem. Mas bem diferente é a opinião de outro grande da literatura russa, Máximo Górki :""Ontem à noite, estive no Reino das Sombras. Se vocês pudessem imaginar a estranheza desse mundo! Um mundo sem cores, sem som. Tudo nele - a terra, a água e o ar, as árvores , as pessoas-, tudo é feito de um cinzento monótono. Raios de sol cinzentos num céu cinzento, olhos cinzentos num rosto cinzento, folhas de árvores que são cinzentas como a cinza. Não a vida, mas uma espécie de espectro mudo""
Nesta primeira apresentação, estava presente um jovem mágico. Com sua sua parte na herança familiar, ele havia comprado o teatro Houdin, que havia pertencido ao célebre magico Robert-Houdin, cujo nome veio a inspirar outro célebre mágico. Naquele tempo os ilusionistas produziam verdadeiras peças de teatro. Assim, Méliès adquiriu grande performance como ator, diretor e cenógrafo. Ao assistir aquela primeira sessão veio-lhe a mente que se poderia fazer muito mais com aquele instrumento. Já que os Lumière não haviam querido vender-lhe o aparelho, vai a Londres e compra um genérico, que desmonta e remonta com grandes melhorias. Mas o quê trouxe a grande descoberta foi um pequeno incidente. Ele estava filmando a Place de l'Opéra , quando a máquina deu um defeito, sacudiu-a e ao revelar o filme verificou que o ônibus que estava filmando havia se transformado em outra coisa. E sua mente genial logo descobriu o que poderia fazer com este recurso. E foi com este recurso que ele fez nascer a SÉTIMA ARTE. Ou seja, utilizar para contar histórias. Impossível descrever tudo que conseguiu. Imagens duplas, mesmas pessoas no mesmo lugar. Sua cabeça cortada que se alinhavam sobre fios, enquanto ele mesmo se desenvolvia em cena. Criara-se a magia do cinema, que tanto nos encanta e sempre nos encantará.
Para suas filmagens, construiu um estúdio de vidro para melhor aproveitar a luz e criou sua companhia a STAR FILM. Seu grande sucesso, com truques inacreditáveis, foi "Viagem a Lua", baseado no romance de Jules Verne, "Da terra à Lua". Seus filmes coloridos eram pintados a mão, com cada quadro com cores exatamente iguais às anteriores. Empresas se organizaram para este fim, com funcionárias especializadas em cada cor. Charles Chaplin, grande admirador seu se referia a ele como o "alquimista da luz". Influenciou John Ford e Orson Welles, que diziam tudo dever a Méliès.
Mas em 1914, o mundo entra numa fase sombria. Méliès é artista e não um homem de negócios. Para estes, é um momento de enriquecer Neste período difícil, acaba falindo, obrigando-o a desmontar seu estúdio. Logo depois, o exército francês confisca seus filmes para serem derretidos e servirem para fazer solas para as botas. A falência definitiva vem em 1923. Desesperado, coloca fogo em vários filmes. Dos quinhentos que havia produzido, felizmente, ainda restaram duzentos. Foi então que ele se retirou em definitivo e abriu uma modesta lojinha de doces e brinquedos na Gare de Montparnasse.
Em 1929, jornalistas, diretores e produtores procuraram saber por onde andavam aquele homem genial, que transformara o cinema documentário breve em ARTE O verdadeiro criador da SÉTIMA ARTE. E então o encontram, na sua modesta lojinha da Gare Montparnasse, que conheci quando criança, sem conhecer a história de Méliès. Neste mesmo ano, diante de uma plateia cheia os grandes diretores, produtores e atores da época, ele recebe a Legião de Honra da França, o maior título do país.
Viveu o resto de seus dias tranquilamente, em condições confortáveis, recebendo uma mais do que merecida pensão. Faleceu em 1938.
Se você quiser conhecer mais sobre Méliès, aconselho um dos mais belos filmes que vi em minha vida: " A invenção de Hugo Cabret" de Martin Scorsese, um hino à SETIMA ARTE.
quarta-feira, 17 de janeiro de 2024
Feminismo através dos tempos
""Este sexo envenenou nosso primeiro pai, que era também o seu marido e pai, estrangulou João Baptista, entregou o corajoso Sansão à morte. De uma certa maneira, também, matou o Salvador, porque, se a sua falta não o tivesse exigido, o nosso Salvador não teria necessidade de morrer. Desgraçado sexo em que não há nem temor, nem bondade, nem amizade e que é mais de temer quando amado do que quando é odiado." Godofredo de Vandoma por volta de 1095.""
"No século X, Odão de Cluny (+942), retomando as advertências de João Crisóstomo (+407)contra Eva, inspirava aos seus monges os mesmos temores salutares: " A beleza do corpo não reside senão na pele. Com efeito, se os homens vissem o que está debaixo da pele, a vista das mulheres dar-lhes-ia náuseas...Então, quando nem mesmo com a ponta dos dedos suportamos tocar um escarro ou um excremento, como podemos desejar abraçar esse saco de excremento?" "
Trechos extraídos de "História das Mulheres- A Idade Média"
Georges Duby e Michele Perrot
Daí pode-se ver o quê pensavam o religiosos na Alta Idade Média. Assim, falavam aqueles que se diziam seguidores de Cristo. Daquele Cristo que andava com as prostitutas, mendigos e ladrões. Enfim, todos os excluídos. Que terrível deformação da mensagem do Messias!
Vagarosamente, no começo da Baixa Idade Média, tudo começa a mudar. Há alguns anos, comprei na França um livro de uma historiadora, Régine Pernoud, que me encantou de tal modo de não parei de lê-lo até terminar. O título: "Alienor D´Aquitaine". Rainha de dois países diferentes, governou um ducado em seu próprio nome, foi mãe de dois reis famosos e participou de uma Cruzada. Nasceu, supõem-se, em 1122, primeira filha do Duque de Aquitânia. Hoje a Aquitânia é uma região ao Sudoeste, mas na época era um país independente, ainda que vassalo do rei da França. Em 1137, no dia 25 de julho, aos 15 anos, Alienor casa-se com o herdeiro do Rei da França, Luís VII. Cerimonia grandiosa, com o povo aglomerado até o espaço onde se encontram dois tronos. Conta-se que era uma linda mulher, de cabelos ruivos, de uma fantástica personalidade, e grande cultura, conforme os padrões da época. Ao contrário do marido, que mais parecia um garotão.
Somente bastante depois, o casal tem uma filha, a quem chamam de Maria. Mas a rainha era inquieta e com o marido "toma a cruz" o significava participar da luta contra os sarracenos que haviam invadido a Terra Santa. Este movimento resulta em enorme fracasso, e um culpa o outro. Aí as coisas pioram entre os dois e cogitam de pedir a anulação do casamento, o que o Papa rejeita. Alienor engravida novamente, e dá à luz a uma menina, Alice. Como o reinado exigia um varão, o Papa, finalmente concorda em anular o casamento. A notar que, oito semanas depois da anulação de seu primeiro casamento, ela casa-se com Henrique II, rei da Inglaterra, seu verdadeiro amor. Henrique e Alienor tiveram ao todo oito filhos , dentre os quais se encontra o conhecido Ricardo Coração de Leão. Mas, apesar da paixão, as brigas eram frequentes, por questões políticas sobretudo
Por quê incluir esta mulher como, talvez, a primeira feminista? Ela foi a mulher audaciosa que não teve medo de participar de uma Cruzada, nem se submeteu às convenções ao casar-se com aquele que considerava seu grande amor, foi uma grande estrategista, foi audaciosa mantendo a qualquer preço seu Reinado da Aquitânia. Há vários anos atrás, fui a Fontevraud, na Vallée de la Loire, convento onde ela, já idosa, se refugiou. Lembro-me de seu túmulo e de seu marido e acho que o de Ricardo. Ouvia-se pelos corredores, com arcos que davam sobre o jardim, bem ao estilo medieval, o som de um órgão, procuramos e achamos um organista, que nos vendeu um CD. Tentarei postar a foto de seu túmulo.
Outras mulheres, valentes e independentes surgiram posteriormente, e até antes, mas o quê me fascina nesta mulher é sua luta para manter aquilo que considerava seu, a sua coragem em viver um grande amor. Numa época em que as mulheres ainda eram desprezadas como filhas de Eva, aquela que fizera a traição da serpente e levara o homem a ser expulso do paraíso. Mulheres duplamente pecadoras, por terem duas zonas erógenas. Como diz o historiador George Duby, em sua magnifica obra "Dames du XIIe. Eve et le prêtres". "O quê é o corpo da esposa? Um objeto, uma espécie de feudo análogo àqueles bens que o senhor concede a seus vassalos sob certas condições , uma terra a laborar e semear." Enfim, pode-se imaginar o quê poderia ser esta sociedade se, ainda no século XXI, vivemos um patriarcado em que, muitas vezes, o macho manda e a mulher obedece.
Mas, agora, vamos dar um enorme salto na História , para falar de uma grande filósofa e feminista; Simone Signoret, eterna companheira de Jean- Paul Sartre. Dentre suas obras, talvez a que mais me influenciou foi "Le Deuxième Sexe" , que ainda bem jovem li avidamente. Foi-me indicada por um companheiro francês, meu professor na URGS, como um aprendizado do "ser mulher". Hoje relendo-o, acho-o importante como uma introdução à emancipação feminina, mas alguns aspectos me parecem exagerados, como ela pretendia que fossem para o ano de 1947, quando foi publicado. Deveria ser uma verdadeira explosão! A tal ponto que o grande Albert Camus declarou que ela havia desmoralizado o macho francês. Mas há coisas interessantes, ela comenta o fato de que as fábricas, os escritórios e até as faculdades estão abertas às mulheres. "...mas continua-se a considerar que o casamento é para elas uma das carreiras mais honrosas, que as dispensa de qualquer outra participação à vida coletiva." O resultado é que elas são menos especializadas, e menos preocupadas na sua profissão. E fala ainda do mito de Cinderela que só encontra salvação no seu Príncipe Encantado. Lembro-me de que, os cursos que preparavam professoras na Faculdade eram chamados "espera marido". Os homens deviam seguir profissões em que ganhavam mais do que as mulheres; médicos, engenheiros, e, quem sabe, até economistas. Uma colega chegou a fazer uma exposição de enxoval! A mulher que não se casava era chamada pejorativamente de "solteirona".
Mas, se para Simone "não se nasce mulher, faz-se mulher" e a única diferença entre um homem e uma mulher é a genitália, surge, em meados dos anos 60 ou 70, um jovem filósofo, chamado Gilles Lipovetskky, que coloca este princípio absolutista em questão. Seu principal livro "La troisième femme. Permanence et révoltion du féminin." causa grande celeuma entre as feministas radicais, como a falecida Rose Marie Muraro, mulher admirável, que nasceu quase cega e conseguiu vencer barreiras que pareciam intransponíveis. O filósofo afirma que muito mudou, mas que, infelizmente, muita coisa permanece. E ainda que há grandes diferenças, além da genitália entre homens e mulheres. São pormenorizadas estas diferenças, e não cabem no espaço de meu texto. Em certo capítulo, lembra o "belo sexo", que, apesar de todos os avanços, continua sendo uma inexpugnável barreira das velhas convicções. Lembro-me de uma de uma amiga que dizia: "se uma mulher não casou é porque ninguém a escolheu e se ninguém a escolheu é porque ela deve ter algum problema, é inferior às outras." Ou seja, para casar, a mulher não pode ter defeitos, e o pior, ela jamais escolhe, é escolhida. Seu livre-arbítrio é nulo!!!
Até a Primeira Guerra, o mito de beleza restringia-se a uma certa parte da sociedade. Ou seja, era propriedade da elite. No meio rural, não tinha a menor importância, e podia até ser mal vista, já que a poderia distanciá-la do labor. Após, com a invenção do cinema, a visão das primeiras estrelas, daquele mundo feérico da beleza, as coisas começam rapidamente a mudar. Lembro de minha mãe, que contava que ela, e minha tia Aracy, faziam álbuns com retratos de artistas que recortavam de revistas. E procuravam imitar as que achavam mais belas. Por sorte, eram ambas bonitas. Isto acontecia nos anos 20. "O consumo cosmético aumenta moderadamente até a Grande Guerra e acelera-se nos anos 20 e trinta e 30. O batom conhece um grande sucesso a partir de 1918; os óleos solares e esmalte provocam furor nos anos 30". Minha mãe contava que, sem recursos, colocava na água papel crepom vermelho e com a tinta pintava seus lábios carnudos, tão em moda hoje.
Tinturas de cabelo, cremes para o rosto, para o corpo, cremes de todos os tipos. Para quem quer cabelos lisos, há as famosas escovas inteligentes, que incluem nutrientes (veganas, de leite, etc) e que substiuem as toucas de minha juventude. Com a nova tecnologia, não precisamos mais correr para casa ao menor sinal de uma nuvem. Novos tipos de profissionais como, esteticistas, massagistas, manicures, abundam. Os procedimentos estéticos, como botox e preenchimentos são agora praticados até por dentistas. E para ser justa, homens fazem reflexos, pinçam as sobrancelhas e até lhes fazem desenhos geométricos, como João, filho de minha sobrinha, Alice. E isto não põe em dúvida a sua masculinidade. E este é o lado bom, que , infelizmente, só existe nas novas gerações.
A beleza da esbeltez, do corpo perfeito (nem sempre conseguido, já que provém de uma certa estrutura corporal), tudo faz da mulher não mais a descendente maldita de Eva, mas certamente escrava da eterna beleza e da eterna juventude. É verdade que muita coisa mudou nos últimos 10 ou 20 anos. Desde que o livro de Lipovetsky foi editado na França, em 1997. Mas muita coisa permanece igual. No entanto, não podemos esquecer as mulheres em igualdade de posição com homens: professoras, médicas, advogadas, dentistas.
Estamos num momento em que tudo pode valer, desde a beleza erigida durante a Renascença, pelos grandes mestres, até a célebre Garota de Ipanema, Helô Pinheiro , que diz sem problemas a sua idade, festeja alegremente seus 80 anos, e faz propaganda de aparelho para surdez! O quê seria impossível de imaginar há poucos anos. Surdez é coisa de velho!
E assim, la nave va!!!
Não posso deixar de mencionar duas professoras de francês ,Regina Paschoalino e Sylea Souza, que comigo se reuniam todas as quintas- feiras para estudar a fundo a Idade Média (Alta e Baixa) e a Renascença. Conquistamos um grande conhecimento destas duas fases da História do mundo ocidental, em que uma faz renascer valores tão importantes esquecidos pela anterior. Teríamos continuado se acontecimentos em nossas vidas não nos tivesse tirado de rota.
quarta-feira, 10 de janeiro de 2024
Cortesã , princesa e santa.
Ela nasceu Anne-Marie Chassaigne, no dia 2 de julho de 1869, bem no interior da França. Vinha de uma família de militares, extremamente conservadora, e foi a última filha e a única mulher, o quê não significa que tenha sido mimada. Sua família era pobre e viviam em extrema dificuldade. Aos nove anos, entra para o convento de Sainte-Anne-d'Auvray , dirigido pelas Fidèles Compagnes de Jésus. Tinha "unhas pretas e piolhos na cabeça" Mas, ao cabo de três dias, tudo isto desaparece, e ela reaparece completamente mudada. Ainda que fosse motivo de galhofa, segundo seu próprio relato.
Agora, já na adolescência Anne-Marie começa um rápido desabrochar. É junto às freiras que ela se transforma em beleza e cultura. Obtendo aquilo que não foi concedido à sua rival , Carolina Otero. E será sempre grata àquelas que a transformaram. Fundada sob a Restauração, que tem fim em 1830, esta Ordem tem a missão de educar jovens pobres. O sucesso é tal que muitas jovens abastadas passam a frequentar o convento. Anne-Marie aproveitará muito bem esta oportunidade. Ela cresce em beleza e cultura. Entra em contato com os clássicos, o que lhe permitirá, mais tarde, escrever seu próprio diário. Poderá ser admirada por poetas como Jean Cocteau, os irmãos Goncourt, escritores , além de outros intelectuais que se tornaram seus amigos ou amantes.
Filha e irmã de militares , em 1886, aos 17 anos , Anne-Marie casa-se com Armand Pourpe, oficial da marinha . Breve lua de mel em Paris, onde encontra um mundo desconhecido, que a encanta. E ainda constata que, na capital, sua beleza e elegância atrai olhares. Armand é brutal no seu ciúme. Ela contesta. Adora sua silhueta esbelta. Mas um dia, poucos meses após o casamento, ela descobre , com imenso pesar que "a esbeltez de sua silhueta não mais será do que uma lembrança." Gravidez dolorosa , parto doloroso. É assim que ela imagina sua nova situação. Considera que depois da violência do "estupro" (?) sucederia a violência do parto. E após o nascimento do filho, Marc, ela constata que não tem vocação para a maternidade.
Após uma mudança para Toulon, cidade bem mais interessante do que a provinciana Lorient, Anne-Marie, deixando de lado a honra conjugal, descobre o prazer de ter um amante. Ao descobrir o adultério, tendo flagrado os dois na cama, o marido furioso desfere um tiro que a atinge nas costas, sem grandes consequências. A partir daí, ela tem uma boa razão para pedir o divórcio. Seu filho fica aos cuidados dos avós paternos e ela pode partir livre para recomeçar sua vida em Paris.
"Amour du luxe , l'amour de la liberté , et aussi , comme aurait dit Saint Augustin "l'amour de l' amour"..." Ela se transforma em Liane de Pougy, e descobre que não pode se limitar a um só homem ou a uma só mulher. Sim, porque ela ama e é amada por homens e mulheres. Várias hipóteses existem para a escolha de seu novo nome. O quê se sabe é que, chegando em Paris, foi morar com alguma amiga que já vivia de suas graças. Sabe-se que começou de baixo, nas chamadas "maisons closes" onde devia se sujeitar a qualquer exigência, mas, pouco a pouco, foi subindo na escala das profissionais. Tendo superado sua mestra, a célebre Valtesse de la Bigne, cortesã e última amante de Louis Napoleão Bonaparte. Conta, com orgulho que o Embaixador da Grécia a reteve por mais de uma hora e a pagou com verdadeiras pérolas
Para estas cortesãs, e são muitas, há todo um ritual que devem cumprir cada dia. Mostrar-se no Bois de Boulogne, almoçar no restaurante Weber, jantar no Paillard, apresentar-se em um camarote de um teatro famoso, cear no Larue. Se Valtesse se especializara em artistas, como o músico Jacques Offenbach , Liane se especializaria em reis, políticos, e jornalistas, que faziam publicidade de seu ofício. Finalmente, ela entra no "gratin de la galanterie." Segura de si mesma , ela não esconde sua bissexualidade, e munida de bastante cultura escreve "Idylle saphique" inspirado em sua ligação com Nathalie Clifford Barney, milionária americana, também escritora. Ela se apresenta como atriz , seja em Paris ou Londres. Seu sucesso é inegável. Entre seus amantes constam o Marquês de Mac Mahon, Henri Meilhac, libretista de Offenbach , o banqueiro Maurice de Rothschild. Mas ela também tem rivais, muitas, como Colette, misto de cortesã e escritora, e a requisitada Emilienne d'Alençon, outra cortesã famosa. Escritores como Max Jacob a iniciam à leitura dos clássicos.
Já madura , casa-se com um rapaz dez anos mais jovem, mas o casamento dura pouco. Finalmente , em 1908 , encontra o príncipe romeno Georges Ghika, com quem se casa em 1910. Este casamento escandaliza toda a sociedade, desde as mondaines até a dita sociedade bem constituída. Afastam-se de todos e passam seus dias seja em Roscoff , na Bretanha ou nos arredores de Argel.
Finalmente , como diz seu biografo Jean Chalon, "Mort d' un fils, et naissance d'une mère" É verdade que, durante muito tempo, Liane havia se esquecido da existênica de seu filho, Marc. Depois de muito tempo, seus contatos eram esporádicos. Mas o definitivo acontece durante a Primeira Guerra, quando Marc, aviador, morre. Liane sente uma profunda dor, e grande remorso por aquele total abandono. É neste momento que ela se aproxima de Deus, que também havia esquecido. Procura consolo na religião. Mas ainda está com o príncipe. Tentam recomeçar, mas ele a trai, está gravemente doente e, além do mais, tornou-se alcoólatra. Morre em 1945.
Espiritualmente acompanhada por Mère Marie-Xavier, durante trinta e dois anos, reabilita-se tratando de doentes mentais no asilo Sainte Agnès. Em 1939, pede ao Père Alex Ceslas Rzewuski, seu confessor e depositário de seus Cahiers Bleus,, que os publique, o que ele fará somente em 1977. Em 1943, ele admite sua penitente "digna de ser recebida sob o nome de Soeur Anne-Marie de la Pénitence no "Thiers Ordre de Saint Dominique" .
Soeur Anne-Marie de la Pénitence morreu no dia 25 de dezembro de 1950.
Resquiescat in Pace
"Liane, ah! ma Liane, c' est mon souvenir le plus voluptueux. Et dire que, à la fin de sa vie, elle prédendait que j' avais été son plus grand péchê .
"Liane, ah! minha Liane, é minha mais voluptuosa lembrança. E pensar que, no fim de sua vida, ela pensava que eu havia sido seu maior pecado"
Natalie Barney a Jean Chalon um dos biógrafos da cortesã. No outono de 1963.
terça-feira, 2 de janeiro de 2024
Carolina Otero
Uma velha , cabelos brancos, um lenço envolvendo a cabeça,. Usa óculos escuros e leva uma bengala, no entanto, não parece ter dificuldade em caminhar. Passa totalmente despercebida.
Mas , afinal, quem é esta mulher? Por quê falar dela? Agostina Carolina del Carmen Otero y Iglesias , nasceu em 4 novembro de 1868, numa aldeia pobre ao sul da Espanha. Jamais conheceu o pai e na infância só conheceu miséria e abandono. Sua educação foi quase nula. Tinha cinco irmãos e uma irmã. Suspeitava-se que fosse filha do pároco, mas nada prova que seja verdade. Segundo algumas testemunhas, apesar da extrema pobreza era uma menina alegre e carismática. Aos dez anos, foi brutalmente estuprada por um sapateiro. Foi tamanha a brutalidade, com tão forte sangramento, que teve que ser hospitalizada. E por incrível que pareça, foi a criança que ficou estigmatizada.
Sem recursos , engajou-se em uma companhia de comediante portugueses. Foi aí, que, aos treze anos, conheceu um barcelonês, seu primeiro amante. Foi com ele que aprendeu a dançar o flamengo. Mas ele não só a ensinou a dançar, como a prostituiu. Quando as autoridades descobriram que se tratava de uma menor, a devolveram à sua mãe , que, grávida, a rejeitou. Sem ter para onde ir, Carolina, voltou para seu antigo amante. Grávida, foi obrigada a abortar, o quê a deixou estéril, conforme ela conta em suas memórias. É neste momento que, ainda menor, decide levar adiante sua vida e segue sozinha para Barcelona. Foi aí que encontrou outro amante, que a ajudou a instalar-se. Depois de vários amantes, ela encontra um milionário americano, que por ela se apaixona. Fê-la ter lições de dança e canto, e aproveitando de sua aparência andaluza, criou-lhe uma glamorosa biografia. Financiou-a, e a introduziu no mundo do entretenimento, levando-a a apresentar-se no famoso Folies Bergères, cuja fachada conheci no início dos anos 80. Apresentou-se nos Estados Unidos, e conquistou o mundo das grandes "cocottes" com sua beleza, sensualidade e, evidentemente, grande talento. Circulou pelo mundo, foi à Russa, onde se tornou , durante algum tempo, amante de Nicolau II, que por ela se apaixonou. Nos Estados Unidos, foi recebida com milhares de flores, de amantes, de joias, e de dinheiro.
Extremamente inteligente, inventou outras biografias, que encantavam o público, ainda que fosse de conhecimento público sua condição de "Horizontale". Rejeitado pela família e pela amante, arruinado, o milionário americano, cujo nome me escapa, resolveu suicidar-se. Enquanto isto, Carolina continua sua carreira de sucesso nos palcos e na cama. Seus amantes eram reis e príncipes. Leopoldo II da Bélgica, Nicolau II (que, em 1918, seria fuzilado com a família, e que por esta época ainda era solteiro), o futuro Rei Eduardo VII e outros. As joias que recebia como pagamento por seus favores incluíam até um colar que pertencera à Rainha Maria Antonieta. Rivalizava, com suas joias e dinheiro, com outra "Horizontale", Liane de Pougy, de quem falarei mais tarde. O interessante é que confessou jamais haver sentido prazer em nenhum de seus contatos, talvez devido ao episódio traumático de sua infância. Foi retratada por Toulouse Lautrec, José Marti, poeta e político cubano lhe dedicou alguns versos e até o poeta italiano Gabrielle d'Annunzio. Acumulou uma fortuna equivalente a cem milhões de euros.
Em 1910, aos 46 anos, decide mudar-se para Côte d´Azur. No Principado de Mônaco, ela passa a frequentar o luxuoso Casino de Monte Carlo. Recebe seus amantes no majestoso Hotel de Paris, pertencente à mesma companhia do Casino. São tantas as visitas, que ela pode ser considerada a castelã do palácio. Pinturas representam sua bela nudez. Então, suas joias e seu dinheiro foram, paulatinamente, desaparecendo. Recordava um velho diretor do Casino de Monte Carlo, aquela mulher, ainda bela, com um magnífico colar de pérolas. Mas, chegou a tal ponto o seu vício e sua pobreza, que sua entrada foi proibida. No início dos anos 50, quando foi feito um filme sobre sua vida, tendo a atriz mexicana, Maria Félix, como protagonista, ela já estava arruinada, mas ainda conservava algumas coisas , como um casaco de pele e um certo ar de nobreza, o quê mostra uma filmagem feita, provavelmente no fim dos anos 40. No início dos anos 50, ele pede ao Principado de Mônaco uma pensão , que lhe foi concedida tendo em vista seu glorioso passado de artista , assim como a fortuna colossal por ela deixada no Casino de Monte Carlo. Segundo o Diretor de Comunicação, ela perdera, desde sua chegada, o valor equivalente a duas vezes e meia a construção do Casino.
Concedida a pensão, aluga um quarto mobiliado. Conta sua biógrafa, que adolescente entreviu-a na pequena sacada, dando comida às pombas. Depois, a sacada fechou-se e ela passou a viver de suas lembranças. Levavam-lhe algum alimento. Diz ela, " ..c'était une petite vieille..." ("era uma velhinha ). Belle Otero é a última das grandes cortesãs. Termina a Belle Époque, que se estende da queda de Napoleão III até a Primeira Guerra Mundial. Em Paris, morei num lindo apartamento da Belle Époque. Há alguns anos, descobri a data de construção; 1896.
Esta é a história de uma menina miserável, que sofreu violento estupro aos 10 anos, que foi repudiada pela própria mãe, que foi prostituída pela única pessoa que lhe deu abrigo, que conquistou o mundo com sua beleza, arte e seu corpo perfeito, que ofereceu seus serviços a poderosos que a cobriram de fortuna, e que, inacreditavelmente, acabou na miséria. havendo até quem diga que, bem no fim da vida, catava comida no lixo.
Agostina Carolina del Carmen Otero y Iglesias, morreu em 1965 aos 97 anos de um ataque cardíaco fulminante. Foi encontrada por vizinhos. Suas calcinhas abaixadas se enrolavam nos tornozelos, o quê não deixa de ser, para uma cortesã, um "clin d´oeil du destin" ( uma piscadela do destino).
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