QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



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terça-feira, 30 de novembro de 2010

Do passado, só o melhor

Em 2010, comecei o ano com um projeto claro: desembaraçar minha casa de toda bagulhada que a gente teima em juntar. São os doze trabalhos de Hércules. Mas de qualquer jeito, neste fim de ano, em que estou sozinha, juntei forças e recomecei a pleno vapor. O incrível é que tenho a terrível impressão de que meu trabalho de desentulhe pregresso não adiantou nada. Há ainda tanto a tirar! Neste último mês, doei livros, vídeos, fitas, enchi várias vezes meu carrinho de feira, que também vou dar, mas só Deus sabe quando, distribui para minha família, para a diarista, e a casa ainda me parece cheia. Num desses fins de semana, joguei fora centenas de slides amarelados e quase imperceptíveis, mas guardei aqueles, em bom estado, onde aparecem meus pais e irmãos, e também amigos queridos, o que resultou em mais de duzentos. Com eles guardei parte importante de meu passado. Rasguei centenas de fotos, depois de separar, meticulosamente, duas caixas com fotos de Ricardo. E ainda dúzias de envelopes com negativos. E máquinas de fotografia que não fotografam mais nada, mas encantaram amigos. Olho para a parte superior de meus armários e sinto arrepios, pois foi lá que joguei considerável parte do que desentulhei na parte de baixo. Vendo “Obsessivos compulsivos” na Sky, quase me sinto um deles. Há um velho cavalinho que tenho desde criança, e um vidro de perfume imitando uma garrafa de champagne dentro de um balde, que ganhei de meu pai, de que não consigo me desfazer. Mas, afinal, estes me trazem boas recordações. E assim, neste lufa-lufa, espero, se Deus me ajudar, conseguir chegar a uma casa clean até o fim do ano.

Neste ano de 2011, acrescentei à minha vida um novo projeto, inspirada no que disse Jean Renoir em seu livro de memórias :”das recordações, só as melhores”. Mas, para conseguir esta outra façanha, preciso dar um sumiço, colocar debaixo do colchão, esconder dentro do armário (?) aquilo que tenho que esquecer. E como tem coisa! Primeiro, parodiando Mariah Carey: “ Não faço mais aniversário. Se alguém me deseja feliz aniversário, eu digo: está falando de quem?” Pois agora vou me fazer de desentendida, olhar para os lados :”Quem?” Para alguém que, como eu, já entrou na contagem regressiva, esta história de números soa mal. Mas é preciso lembrar que a primeira coisa que faço, assim que acordo, é tomar meu Aradois com diurético de 100 miligramas. Quantas saudades dos meus sixties! Preciso também esquecer que teremos quatro anos de Dilma e mais, nem sei quantos, de Lula. E também a qualidade dos membros do novo Congresso, que dizem que é pior do que o anterior! E que um dos chefões das FARC está livre e bem instalado no Brasil, que Battisti está solto e que Tarso Genro, aquele que protege o assassino italiano e entregou os pugilistas ao ditador moribundo, foi eleito Governador, no primeiro turno, do meu querido Rio Grande. Preciso esquecer as cotas raciais, que estão criando no Brasil, onde todos somos mestiços, uma perigosa divisão. E também que foi criado em Brasília um Tribunal Racial, que só existiu na Alemanha nazista! Enfim, há tanta coisa para esquecer, que resolvi mergulhar no desentulhe e talvez assim alcançar uma espécie de amnésia.

Mas depois de limpar tudo que me desagrada ou causa horror, quero lembrar para sempre minha mãe, sentada na sua cadeira de balanço, comigo enroscada em seu colo aconchegante, enquanto balançava suavemente e ouvia rádio. Lembrança tão antiga, que me leva aos primórdios de minha vida. Quero lembrar a voz de meu pai nas manhãs de Natal, quando eu acordava: “Bem, já vou indo.” Eu pulava correndo da cama, mas nunca consegui encontrar Papai Noel. E também, quero lembrar sempre a fúria de minha irmã quando eu mexia nas suas coisas, “brincando de moça”. Quero me lembrar as tardes, quando a doença dava uma trégua, de meu irmão Sérgio lendo-me Monteiro Lobato. Quero lembrar meu primeiro e grande amor, tão grande que o guardei para sempre no fundo de meu coração. Era um mestiço, três anos mais velho, e estudava no mesmo colégio que eu. Apaixonei-me desde o primeiro momento em que o vi. Soube que morreu há anos e senti grande mágoa. E ainda a vozinha rouca de meu neto João, logo após a morte de sua avó paterna: “Vovó Lúcia, agora só ficou você. Você tem que durar muito.” E também dos lanches na casa de Teresa, com café fresquinho. E das festas de Natal e de Réveillon, que ela preparava com tanto esmero. Quero lembrar para sempre os anos felizes que vivi ao lado de Ricardo.

Mas sei que doravante também haverá muita coisa nova na minha vida, que guardarei até o fim como lembranças queridas. Porque a vida é assim, um eterno recomeçar.

E repitindo Piaf: “Je repars à zero”