QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



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quarta-feira, 6 de maio de 2009

BRASILIDADE

Eu jamais poderia imaginar que a leitura de um livro fizesse encontrar-me comigo mesma de forma tão cabal. E não só comigo mesma; com familiares, amigos, conhecidos e desconhecidos. “Raízes do Brasil”, de Sérgio Buarque de Holanda é um retrato magnífico do que somos e porque somos assim.
Tudo começou ainda em Portugal, onde não tendo se implantado profundamente as raízes do sistema feudal, como na França, país onde se constituiu uma rígida estratificação social, ficou a sociedade portuguesa à mercê de um individualismo nobiliário sobranceiro, o mesmo tendo acontecido na Espanha. As rígidas “ordens” – nobreza, clero, e povo (ou “terceiro estado” como se fez conhecido mais tarde), a que pertencia cada indivíduo, e que regeram as sociedades fortemente plantadas no feudalismo, foram substituídas na Península Ibérica por um “salve-se quem puder para o seu próprio sucesso”. Esta é, segundo ele, a grande razão porque os princípios da Revolução Francesa – Liberdade, Igualdade, Fraternidade – não repercutiram tão fortemente em Portugal, onde a mobilidade social já era um fato antigo. A conseqüência é que o fidalgo mistura-se ao povo, o que parece ser altamente democrático, mas sua conduta individualista cria uma sociedade insolidária e de estrutura frouxa. Neste quadro, onde todos são barões, não são criadas as condições necessárias para o sadio convívio na sociedade, que consiste em moralidade e amor ao trabalho.
O aventureiro que vem povoar e colonizar não pensa em formar uma comunidade, ele procura seu próprio benefício. A mentalidade ibérica, transplantada para um meio adverso, resultou em total falta de hierarquia e disciplina, cuja conseqüência é a falta de coesão social, repulsa à moral baseada no culto ao trabalho, sobretudo manual. “O trabalho manual e mecânico visa a um fim exterior ao homem e pretende conseguir a perfeição de uma obra distinta dele.” E numa sociedade onde o tecido social não é forte, o individualismo e o desejo do ganho fácil não podem se satisfazer com algo que lhes seja exterior. E em qualquer ofício, se aposta sempre no talento e não no trabalho duro. É assim que vemos espelhados nossos homens públicos, desde o Presidente, até o vereador de uma pequena cidade. O afã do lucro fácil, aliado à confusão entre o público e o privado, produz um tipo de comportamento em que tudo é permitido.
Lendo cada página deparei-me com velhos amigos, vivos e mortos. Gente com que convivo diariamente, e, confesso, comigo mesma. Somos um povo que, devido à mentalidade que vem próprio lar, iniciamos nossa vida “profissional” incapacitados para a luta pela conquista através de nosso esforço pessoal. Nossas profissões, em geral, são escolhidas dentro do próprio âmbito familiar, e muito raramente somos estimulados a discordar. E diz o autor, citando psicólogos e pedagogos modernos que a criança deve ser estimulada a “desobedecer nos pontos que sejam falíveis as previsões dos pais.” E ainda que as “boas mães causam maiores estragos do que as más, na acepção mais generalizada e popular destes vocábulos.” Filhos, em geral, concordam porque é mais cômodo, lhe garante melhores “possibilidades de sucesso”, daí o empenho geral pelo emprego público. E hoje, acréscimo meu, há até uma nova categoria, a do “concursista”, infelizmente com grande percentual de gente capaz de vencer por conta própria, de competir no mercado de trabalho, de sair vitorioso. Enfim, de mudar a face do país, de contribuir para o desenvolvimento da sociedade. Infelizmente, o que lhes interessa é um emprego público, onde seguirão a burocracia tacanha, mas que consideram seguro. A este tipo de gente, descrita minuciosamente, que constitui a quase totalidade da população, ele chama de “homem cordial”. E este homem singular é afetuoso e esbanja formas de mostrar sua “amizade”. Ele nunca trata ninguém pelo nome de família, o que é usual em outros países, e usa freqüentemente o sufixo “-inho”, aposto ao prenome: Geraldinho, Betinho, Lélinho, Ricardinho, Paulinho, etc. A propósito lembro-me da representante de uma editora, que havia feito assinaturas sem minha autorização. Quando recebi revistas que não queria e uma conta absurda, telefonei-lhe, furiosa, ameaçando-a até de um processo. E tive a seguinte resposta: ”Calma, dona Lúcia, afinal nós somos amigas.” Mais furiosa ainda retruquei que nem a conhecia, nunca a vira, e que não era sua amiga. E olhem que ela se ofendeu!
E fala o autor, dentre tantas outras coisas do “desleixo”, palavra que, como “saudade”, só existe no idioma português. Compara com as nossas cidades aquelas de colonização castelhana, com caprichados projetos urbanísticos, onde obstáculos da natureza são transpostos, a fim de obter regularidade e simetria,. As nossas se caracterizam pelo desleixo no traçado, e em todos os detalhes. Saio à rua, e já no elevador encontro um “homem cordial”, aquele que sorri e bate com a porta na minha cara, tropeço na calçada e dou de cara – literalmente – com o “desleixo”, encontro um amigo, ou amiga, e tenho certeza de que há algum “concursista” na família. E haveria tanta coisa ainda para contar!
Durante a leitura, às vezes no café perto de casa, às vezes durante as minhas sessões de bicicleta ergométrica na academia, tive que fazer esforço para não dizer: “Bom dia, Fulano.” “Como vai, Beltrano?” “Vejam só o sicrano!” E fechando o livro, cada dia, ficava-me sempre uma pergunta: “Será que dá pra consertar?”
E dizem que o Homem vem aí com o terceiro mandato. Mas afinal, o país é dele e dos aliados que comprou, com o nosso dinheiro. Nosso? Será? Porque afinal não consideramos, TODOS, o público como privado? E o Estado como uma extensão da família? E família brasileira!