QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



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quarta-feira, 16 de junho de 2010

Deus e o Diabo

“Deus, para a felicidade do homem, inventou a fé e o amor. O Diabo, invejoso, fez o homem confundir fé com religião e amor com casamento.” 


“Será que todas estas moças estão se casando com imbecis?” O meu azar é que morávamos defronte a uma grande igreja, onde aos sábados os casamentos se sucediam, com lindas noivas, em lindos vestidos brancos, exibindo sua virgindade (que nesta época era pra valer). Nunca entramos num acordo meu pai e eu. Militar, engenheiro, gaúcho macho da fronteira, Felippe, jamais entendeu que um dos maiores beneficiados era ele mesmo. Tentei fazê-lo entender que amor e casamento não tinham nada a ver e que ao não ligar para este ato burocrático, eu o estava ajudando a fazer uma imensa economia, que poderia ser gasta em coisas mais interessantes, como uma viagem a Paris.

Afinal, eu era filha de um General, e, logo, meu casamento não poderia ser qualquer coisinha. Imagino que naquele tempo poderiam dizer que eu me casava grávida, coisa horrível, ou, menos horrível, que meu pai era um sovina. Vejamos então os gastos, sempre altos, para a patente de uma filha de General. Primeiro, havia o célebre enxoval, que, tenho certeza interessaria à maioria de minhas amigas da época, todas antenadas no “desencalhe”. Milhões de toalhinhas inúteis, toalhas, colchas, mantas, enfim um arsenal capaz de cobrir um batalhão. Quem sabe até me fosse cobrada uma exposição? E o vestido de noiva, que deveria ser lindo, como o das moças que me eram mostradas como modelos. E havia ainda a grinalda, o buquê, sapatos especiais. Sem esquecer o véu. E a ornamentação da igreja. E as roupinhas da daminha, que certamente seria Ludmila, minha sobrinha, que odiaria esta função e também, certamente, a roupinha. E haveria também a roupa da mãe da noiva, e a do pai. E se não houvesse festa, muita gente se consideraria ultrajada, e sairia falando cobras e lagartos. Se houvesse, idem. E como tínhamos, meu pai e eu, uma profunda incompatibilidade quanto aos meus pretendentes, este item sempre foi supérfluo.

E pasmem, Felippe odiava todas estas solenidades, e só se casara no civil. E ainda por cima, era agnóstico, ou ateu, não sei bem. Meu pai, pena, foi vítima do “politicamente correto”, em que uma moça deve casar. Como diz Simone de Beauvoir, no seu inigualável “Segundo sexo”, as mulheres casadas gozam de maior prestígio do que as solteiras. Ele sabia disso e talvez temesse me deixar trilhar meu próprio caminho, como eu pretendia fazer, e fiz. O livro foi escrito em 1947, mas ainda hoje persiste na cabeça de muita gente esta crença profunda, que, por ser crença, é quase inextirpável.

Rompi, e espero haver rompido, de fato, com todo tipo de preconceito. Orgulho-me em dizer que tinha um bisavô mulato, uma avó cabrocha, que não sou casada, e pretendo nunca me casar, mas que vivo com o homem que escolhi livremente. E que temos uma relação absoluta igualitária, onde dividimos deveres, despesas e, evidentemente, prazeres. Que tenho queridos amigos homossexuais. Meu último rompimento com o que não me diz respeito aconteceu quando perdi minha única irmã, último membro de minha família original. Com meus sobrinhos, decidimos que não havia necessidade de “missa de sétimo dia”. Reunimos amigos, alguns deles religiosos, falamos do que significa esta dolorosa separação, a morte, que nos aguarda a todos. Li um texto em sua homenagem, onde falava de minha dor e saudade. Mas também rimos nos lembrando de bons momentos vividos juntos, e até fizemos um lanche preparado por suas filhas e noras. Porque eu sabia que Teresa estava bem, e está. Talvez conosco naquele momento, também recordando. Porque tenho fé. Fé que me segurou nos momentos de dor por que todos nós passamos e que me dará forças até o final.

Mas sem religião. Nem casamento.
A frase acima é de Machado de Assis, mas disse-me um amigo que se inspirou em Shakespeare.

2 comentários:

Vitoria disse...

Minha querida madrasta (em si, esta saudação é um rompimento, viu?). Felizmente, mulheres da sua geração foram pioneiras, permitindo que as da minha pudessem fazer escolhas mais livres. Nem por isso, menos difíceis. Porque o mundo nem sempre tolera bem a liberdade. Ainda mais quando exercida por uma mulher.
Bem, de qualquer forma, foi graças a exemplos como o seu que aprendemos a sentir que ser livre é possível e bom.
Acredito que quando cada uma de nós experimenta a liberdade, não aceita mais retornar aos velhos grilhões.
Um beijo afetuoso da sua enteada e amiga,
Maria Vitoria

Unknown disse...

Minha querida Maria Lucia, se me dessem este texto, sem assinatura, para ler no meio de uma avenida, eu teria certeza que ele é seu. Pois ele tem a sua cara! Existem pessoas, especiais, que são marcantes e dispensam assinaturas. Adoro seu blog, parabéns. Beijos. Sandra Eiterer.