QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



Seguidores

domingo, 20 de novembro de 2011

A foto

Quando minha irmã decidiu raspar a cabeça, depois de tomar conhecimento da queda dos cabelos, telefonou para seu cabeleireiro e amigo, e combinou um horário em que sabia que não haveria ninguém em casa. Como era de seu estilo, sem alarde, sem chorar, sem lamentar sua triste sorte – que compartilhou cada dia com milhões de pessoas – anunciou a seus filhos o que havia feito. E continuou sua vida, enfrentando a cada quarenta dias, se não me engano, sessões de quimioterapia. Eu e sua filha Alice sempre a acompanhávamos, e, durante horas e mais horas, víamos gente entrando e saindo. Lembro-me de um rapazinho bonito, que ficava em outra sala, o braço esticado, recebendo na veia aquela poção terrível, que na reincidência do câncer foi fatal à minha irmã. E havia uma mulher bonita, elegante, que exibia uma peruca loura que lhe caia lindamente. Ninguém poderia imaginar que aquelas pessoas estivessem atingidas por mal de tamanha crueldade. Às vezes imagino quantas delas ainda estarão vivas.
Reinaldo Gianecchini, ator conhecido, homem de grande valor moral, raspou a cabeça antes que lhe caíssem os cabelos. Discretamente. A Presidente Dilma provavelmente fez o mesmo. E quem viu? Tanta gente famosa passou por esta experiência! Ana Maria Braga, Hebe Camargo, são exemplos de mulheres que amam a exposição, mas ninguém as viu raspando a cabeça. Talvez até uma questão de pudor, de não querer expor sua fragilidade, ou melhor, a nossa, de guardar sua privacidade, e sua dor.
Minha avó paterna morreu de câncer na laringe e desde bem pequena ouvi de minha mãe, com sua psicologia de mulher batida pela vida e pela adversidade, detalhes deste terrível sofrimento. O ano era 1939. Não havia quimioterapia, nem radioterapia que só surgiram depois da Segunda Guerra. Nem sei se era usada a tal bomba de cobalto, mas estou quase segura de que foi pouco antes de sua morte. Minha avó tinha cinqüenta e nove anos. Não sei se minha mãe contou-me algum detalhe quando passávamos à noite por uma ponte, mas sempre associo a escuridão das águas à morte de minha avó, e tenho a sensação de que ela foi tragada pelo rio indevassável e frio. E não gosto de passar por pontes à noite. Também tive um amigo, ou melhor, amigo de meu irmão, que morreu de câncer na laringe, provocado pelo álcool e tabagismo. Meu irmão ficou sinceramente consternado, não poderia imaginar que morreria três ou quatro meses depois. Também tenho um amigo que se salvou, mas teve que aprender a falar, se não me engano, chama-se voz faríngea. E o irmão de uma amiga, também sobrevivente. Lembro-me do que ela me contou ter assistido quando foi visitá-lo. Havia tanto sofrimento, dores terríveis para engolir a própria saliva, que, ao sair, ela não sabia que rumo tomar para chegar em casa. Assim, ainda que não tenha nenhum apreço pelo homem público, fiquei sinceramente abalada com a notícia da doença de Lula. Lembrei-me de tudo que ouvi e vi, e senti grande pena. Solidarizei-me. Admirei a transparência com que transmitiu ao povo a notícia de seu mal, e seu otimismo. Como me comovi ao ver o belíssimo depoimento de Gianecchini.
Mas qual não foi minha surpresa, ou talvez minha desilusão, diante de um homem que crescera no meu conceito, ao ver a lamentável foto de Lula sendo pelado por sua amada Mariza Letícia. Não sabia desta habilidade de nossa ilustre ex-primeira dama,  e acho que nenhum brasileiro sabia, porque, afinal raspar uma barba e um cabelo deve ser coisa para profissional. Eu, por exemplo, não seria capaz de fazê-lo. E ainda deixou um bigode para o marido ficar mais bonito. Estão ambos tão felizes que dá vontade de enviar parabéns pela barbeira e pela doença. Lula é realmente um populista que nem uma doença grave consegue conter. É muito inteligente, conhece a pieguice do povo brasileiro, e seus valores. Virou herói até para quem não gosta dele. Nem Chavez chegou a este ponto. De sua careca, não se conhece a história. Com aquelas fotos, Lula ultrapassou todos os limites da dignidade, desnudou-se. Lamento, mas ainda torço sinceramente por ele. E ainda agradeço, porque, afinal nunca errei na avaliação que fiz do homem. Que tenha força e coragem, aquela mesma que teve ao anunciar a doença.
Sempre aceitei a morte como um fato inevitável, perdi minha família original, e apesar disso sou feliz. Só não entendo o sofrimento.  Lula não é mau, é um populista inteligente e descarado. E que Deus o ajude.




Nenhum comentário: