QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



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segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

JE NE SUIS PAS CHARLEI

“Uma noite, em 1958, minha amiga Jo Menell estava no Pont Neuf ( a mais antiga ponte de Paris) e viu formas misteriosas que pareciam toras de madeira flutuando às dúzias na correnteza rápida. A França estava em guerra com a  Argélia para mantê-la sob suas asas, e as formas eram argelinos assassinados por fanáticos franceses, que compensavam o terror na Argélia com terror em Paris. Os corpos, como mandava a tradição eram jogados no rio”
Rosenblum, Mort. A vida secreta do Sena. Paris, Edições Rocco. 1998.
Os primeiros prenúncios do que viria a ser a guerra da Argelia com a França começa em 1950, provocados por atentados de colonos direitistas franceses. Muitos nascidos na Argélia, e chamados “pieds noirs”. O grande escritor Albert Camus era um “pied noir”, sem ser nem colono nem direitista. Em 1954, surge a contrapartida árabe com a criação do “Front de Libération National” –FLN, cujo líder era Ahmed Ben Bella, nome histórico e venerado na libertação dos povos oprimidos. A Argélia fora dominada pela França e considerada território francês de 1848 até sua liberação em 1962. Antes disso, em 1956, é dada independência à Tunísia e ao Marrocos. Hoje estes três países situados ao norte da África são chamados conjuntamente de “Magreb”, que é o ponto de maior fluxo de imigração para Europa, sobretudo para a França.
Durante a colonização, qualquer ato considerado de rebeldia era severamente punido, a tal ponto que alguns franceses, como o antigo guerrilheiro antinazista, Jacques Vergès , compararem a Resistência Argelina contra a ocupação francesa , à própria Resistência Francesa contra a ocupação nazista. Militares franceses , como Paul Aussaresses, morto recentemente, defendiam abertamente a tortura. Em 1973 (!!!!), foi nomeado Adido Militar no Brasil! O governo era de Georges Pompidou. Por tudo isso, podemos supor que as relações Argélia /França nunca foram das melhores.   
Mas, o que acontece com os descendentes dos “magrebiens” hoje em Paris? Muitos progrediram, conseguiram construir seu próprio negócio. A maioria das lojinhas que vendem comestíveis – épiceries - , segundo pude notar, pertencem a tunisinos. Não consigo distinguir um tunisino, de um marroquino ou de um argelino!!! Mas, a verdade é que a grande maioria vive em subúrbios distantes, em favelas de concreto chamadas “bidonvilles”. Muitos filmes já foram feitos nestes “bidonvilles” , onde a promiscuidade e a sujeira nos mostram suas condições de vida. Os jovens, netos e até bisnetos de árabes, não são considerados franceses por grande parte da população. E muitas vezes nem falam mais a língua de seus antepassados! Conheci uma francesa, colega de um curso, que me disse que jamais iria a um médico árabe! No metro é perigoso circular à noite, pois há bandos de delinqüentes, a maior parte árabes, que ameaçam e roubam. Enfim, são párias de uma sociedade que, sem dúvida, passa por grave crise.
Neste campo minado, sem perspectivas de futuro, estes jovens, muitos deles se sentindo sem pátria, encontraram no fanatismo religioso sua esperança! Ontem dizia na televisão francesa, Daniel Cohn- Bendit, líder das lutas de 68, que jamais, NENHUM governo, de esquerda ou de direita preocupou-se com aqueles deserdados. Em 2012, a Ministra da Justiça, do governo Sarkozi, Rachida Dati (uma árabe que conquistou seu lugar e hoje é membro do Parlamento Europeu) , considerando a caricatura do Profeta nu, com a bunda levantada e dizendo alguma besteira comentou “Eu não acho engraçado. Foi uma jogada de marketing na hora errada” . Com ela concordou Cohn-Bendit, chamando os editores de “idiotas e masoquistas”.
É claro que NADA pode justificar o que fizeram os fanáticos, mas o que fizeram os cartunistas não foi liberdade de expressão. Para tudo na vida há limites, que neste caso não foram respeitados. O que fizeram foi, o que eles próprios chamaram de “humor irresponsável” . Irresponsável para eles e para inocentes que nada tinham a ver com a história.
Como disse , se não me engano, Clemenceau, político francês: “ Quero guiar minha vida com a cabeça acima do coração e o coração acima do estômago”JE NE SUIS PAS CHARLEI

2 comentários:

Maria Luiza disse...

Maria Lúcia,
teu artigo me esclareceu muito. Eu também acho que liberdade de expressão não significa desrespeitar os limites de respeito às pessoas e aos seus valores.
E os franceses, como você bem mostrou não primam pela sensibilidade para com o outro.
Eu também "Não sou Charlei"

Chuquinha

Simplesmente mulheres disse...

As pessoas que não conhecem a longa história de submissão, desprezo e maus-tratos toma uma posição puramente emocional.
Obrigada pelo comentário. Beijos.