QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



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quinta-feira, 7 de maio de 2015

Duas mulheres de verdade

Meu coração acelerava. Durante meses! Era desesperante ouvir o telefone tocar sem nenhuma resposta! Sabia que alguma coisa havia acontecido, e temia o pior! Mas como? Neste caso, teriam desligado. Foi uma das primeiras coisas que fizemos quando minha irmã morreu. Não havia mais necessidade dele! Mas era claro que alguma coisa havia acontecido! Lembro-me da última vez em que nos falamos. Lembro-me de sua voz meiga, seu jeito calmo de falar, não importava o que fosse: “Lúcia, olha tu sabes o que me aconteceu...?” A princípio queria ter notícias, depois a simples ausência de sua voz me apertava o coração.
Conheci Marizza há mais de quarenta anos, éramos bem jovens. Eu tinha meus sonhos, aqueles que todos temos na juventude. Minha amiga já lidava com a dura realidade. Seu tempo de chorar e gemer havia chegado cedo. Mas ela suportava estoicamente. No auge dos meus anos, meus sentimentos por ela eram um misto de piedade e admiração. Durante anos, apesar de morarmos longe, mantivemos contato. E quando estava em Porto Alegre ia sempre à sua casa. Lembro-me dos lanches que me preparava com tanto cuidado. E sempre foi assim! Depois fui estudar na cidade, e continuei freqüentando  sua casa e me deliciando com seus lanches. Apesar de tudo, Marizza e Arminda, sua mãe, faziam bom o ambiente. Era aconchegante! Apesar de tudo! Não pretendo escrever um romance policial, obrigando meus amigos a adivinhar o que havia de trágico nesta família. Sua irmã mais velha, Clarisse, ensandecera, aos vinte e dois anos.
Clarisse era uma linda mulher. Loira, alta, belos olhos azuis amendoados. Como é comum no sul, era uma mistura de alemão e italiano. Culta, tocava flauta, piano, tinha uma linda voz. Era o orgulho da família. Mas ninguém ainda conhecia a força moral daquela garota chamada Marizza. Olho uma foto de sua família, pai, mãe, irmão, irmã e ela própria,  e sinto que para todos nós há um tempo na vida. “ Tempo de nascer,e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar a planta.” “ E tudo que ele fez é apropriado em seu tempo. “ Olho a foto de minha família reunida, também pai, mãe, irmão,irmã e eu ainda neném no colo de minha mãe . “Observo a tarefa que Deus deu aos homens para que dela se ocupem: tudo que ele fez é apropriado em seu tempo.” Até pouco tempo éramos as duas sobreviventes. Meu tempo havia chegado, sem que eu me desse conta!
Neste drama familiar, com três criancinhas, uma mãe totalmente ensandecida, um pai aterrorizado que não conseguira suportar a trágica história da mulher que amara, para a família era tempo de construir. E unidos começaram a dura tarefa de construir dentro da destruição. Orlando morreu alguns anos depois. O irmão caçula, Sérgio, seguiu seu caminho. Coube, então, a tarefa inteiramente à avó e à tia. E quanta coragem! E como é possível educar três crianças vendo a mãe naquelas condições? Mas não foi um tempo de guerra, foi um tempo de paz, não foi um tempo de odiar, foi um tempo de amar, não foi um tempo de destruir, foi um tempo de construir! Quanta beleza na história destas duas mulheres guerreiras! Quantas serão as mulheres capazes de trazer em si tanta luz, capaz de iluminar os caminhos de três crianças?
Formaram homens. Fortes como elas, que viam a mãe sem revolta, mas com carinho, com amor filial. Capazes de rir com suas maluquices, sem jamais escarnecer. Lembro-me de algumas passagens engraçadas de Clarisse, como no dia em que cismou que Ricardo, meu companheiro de então, estava com o nariz sujo. Repetia-lhe: “ Vai limpar o nariz, porcalhão!” Até que alguém, ou ele próprio, a fez parar. Ou do dia em que chegamos, Teresa e eu, e contamos uma viagem que havíamos feito a Roma. Ouvindo, perguntou Clarisse “E viram o titio?” Era o  Papa João Paulo, que ela havia cismado ser seu tio.  “Não é mãe, ele é nosso tio!”. Arminda confirmava, ria e abanava a cabeça.
Arminda cumpriu seu tempo há alguns anos, já estava bem velhinha. Mas antes de partir viu, com a coragem de sempre, partir sua filha doente e seu filho caçula, ainda jovem. Estoicamente. E se foi com a tranqüilidade de quem cumpriu uma missão suprema. Com Marizza formou homens de bem, profissionais respeitados, pais de família.
Lendo, como sempre faço, nas minhas também inúmeras dores e perdas, encontro um trecho que bem se adapta ao momento de dor que vivo: “Também colocou no coração do homem o conjunto do tempo, sem que ele possa atinar com a obra que Deus realiza desde o princípio até o fim.”
Marizza cumpriu seu tempo. Partiu. Foi feliz? Muito! Talvez a mais feliz de todas minhas amigas. Soube como ninguém saborear seus tempos de rir, de bailar, de construir. Lembro-me de um dia, pouco antes daquele silêncio, em que me queixava da chatice dos domingos, ao que ela retrucou: “Mas para mim é tão bom! Vou ao cinema no shopping com uns amigos e depois tomamos um cafezinho com alguma coisa Bah! É tão bom!” Bela Marizza que aprendeu tão bem aproveitar seus bons tempos.
Até qualquer dia! Agradeço o exemplo que me deixou!


2 comentários:

Nazaré Laroca disse...

Quando é que você vai publicar em livro suas ótimas crônicas, amiga? Cada vez melhor! Beijos

Maria Cristina disse...

Simplesmente lindo, terno, sensível. A ida de um amigo é tão triste, fica uma saudade tão grande dentro da gente, e o que temos são as boas memórias, os ótimos momentos, é o que temos até o dia do reencontro. Beijo!