QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



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sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Bretanha inesquecível

Foi há muitos anos atrás, comemorava-se o bicentenário da Revolução Francesa. Eu havia ganhado uma bolsa por causa de um trabalho teatral, que desenvolvia com meus alunos. Era o “Théâtre Gavroche”. Gavroche é um moleque, personagem de “Os Miseráveis” de Victor Hugo, que morre durante a Revolução de 1830. O título me foi sugerido por minha sobrinha Ludmila, que se formava em francês, e havia terminado de ler o livro. Recebi a bolsa do Adido Cultural da França, Jean-Paul Rebaud, que se interessou pelo trabalho que eu desenvolvia. Incluía ida e volta, em avião da Air-France e ainda uma quantia em dólares.
Saí, deixando para trás muita coisa. Um ano após a morte de meu pai, minha mãe havia tornado-se cadeirante, depois de fraturar o fêmur de uma das pernas, e desenvolver uma depressão terrível. Negava-se a caminhar.  Como eu já trouxera meu pai para minha casa durante a sua fatal cardiopatia, Alice continuou comigo. Necessitava de cuidados permanentes, com um esquadrão de cuidadoras. Médicos, de todas as especialidades, estavam sempre por aqui. Tomava um mundo de remédios, dos quais eu me incumbia, mesmo trabalhando o dia inteiro. Vivia correndo de um lado para outro, subindo e descendo, da Universidade até em casa, de casa até a Universidade. Até hoje, depois de vinte e três anos de sua morte, ainda me persegue a sensação de estar atrasada, de não conseguir fazer tudo que tenho a fazer. Teresa, minha irmã, ficou incumbida de ministrar os remédios e supervisionar as cuidadoras. Era um batalhão de medicamentos, com hora certa. Fiz uma lista detalhada, batida a máquina, com os horários e cores diferentes. Inventamos um processo mnemônico, para que nada faltasse ou atrasasse. Espalhei em lugares estratégicos da casa. Teresa tinha sempre o seu na bolsa. À noite, meu sobrinho, Bertrand, vinha “dormir” aqui. Alice o chamava a noite toda, como fazia muitas vezes comigo. Para ajudá-lo, vinha minha amiga, Sônia Miranda, a quem serei eternamente grata. Nesta batalha de toda preparação, esqueci de comprar uma mala nova – a minha tinha as duas fechaduras estragadas – esqueci até de comer, e, enfraquecida, tive uma terrível laringite.
Antes de partir para a França, eu teria de ir a Belo Horizonte, onde se comemorava a Inconfidência Mineira, e eu devia apresentar meu trabalho com o teatro. Deixei minha mala aqui, e só levei o necessário.  Separei as roupas que deveria levar para a França e pedi a Teresa que fizesse minha mala na véspera. Foi então que ela constatou que as fechaduras funcionavam precariamente. Desespero, telefonema para mim com uma bela descompostura. Em Belo Horizonte, apesar da minha laringite, tudo correu bem e, afinal, embarquei em Confins, em direção ao Rio, para tomar o avião para Paris. Encontrei minha irmã ainda emburrada, com a mala toda amarrada, já que não tivera tempo de comprar outra. Mas, contei com a sorte.
Minha chegada a Paris foi um desastre, a mala abriu – felizmente não foi durante a viagem – e esparramou roupa pelo chão do aeroporto, era como um ventre aberto expondo suas vísceras. Não havia outra coisa a fazer; agachei-me e comecei a catar, tentando fechá-la. Logo surgiram algumas pessoas que me ajudavam, enquanto eu dizia automaticamente: “Merci” , “Merci”, “Merci”. Amarrei-a de qualquer jeito e prossegui. Bem numa outra ocasião conto o resto desta aventura em Paris, que merece ser contada. No dia seguinte, segui para a Bretanha, para um Centro de Estudos perto de Saint-Nazaire. E quase perdi o trem, que saia às nove horas e sete minutos EXATOS.
A viagem foi extremamente agradável, apesar de minha garganta ainda doer. Em minha cabine havia um só passageiro, um operário que ia passar férias no campo, na Bretanha. Era um homem simples, já entrado nos anos, que usava uma espécie de casquete. Contei-lhe que era brasileira, e ele olhou-me espantado. Pensava que fosse italiana. Já ouvira falar vagamente do Brasil... Compartilhou comigo seu lanche constituído de uma baguette, queijo e vinho, que bebemos na mesma garrafa. Escrevi numa folha de papel meu nome e endereço e lembro-me que, já no Brasil, recebi um cartão seu. Havia xerografado o que lhe deixei escrito e colado no envelope. Respondi, mandando um cartão da Avenida Atlântica. Depois não tive mais notícias. Ainda tenho guardado seu endereço, uma recordação pela qual tenho muito carinho. Desceu antes de mim e foi aproveitar suas férias de verão.
Durante aquele agradável trajeto, que deve ter durado umas duas horas, esqueci-me da mala. Mas, chegando ao meu destino, a lembrança voltou-me, tragicamente, à memória, pois já havia sofrido, em Paris, por todo lugar onde passei com ela. Em Saint-Nazaire, a estação era pequena, quase vazia. Ao descer uma escada – nada de escada rolante -, justo aquela mala despencou e se abriu novamente. Imaginei como ficaria Teresa se visse a cena. Mas, no interior da França, tudo é diferente! Logo encontrei um senhor que me ajudou gentilmente a catar roupas e sapatos, que eu me lembre pela terceira vez desde que desci na França. E ainda procurou um taxi para mim. “Merci, monsieur.” E qualquer coisa a mais, de que não me lembro, mas que poderia ser “J´ai bien envie de vous embrasser”
E atravessando lindos campos cheios de girassóis, chegamos ao Centro de Estudos “Belc” que não me lembro mais o que significa. Eu ainda tinha dois problemas: a mala e a garganta. Naquela correria toda havia esquecido as duas. Entrei no prédio principal conforme me indicou o taxista... E foi lá, na França profunda, que passei alguns dos mais belos dias de minha vida. Fiquei curada da laringite e esqueci a mala. E também de toda angústia que havia deixado no Brasil. Nos diversos cursos, que tínhamos a escolher, quase todos os professores eram franceses, os alunos vinham do mundo inteiro.
Logo no primeiro dia, fomos passear até Saint-Marc-sur-mer, uma cidadezinha linda, como são todas aquelas do interior da França. Íamos falando em francês, cada qual com seu sotaque (e sem falsa modéstia, acho que a melhor pronúncia era a minha). Descobri que éramos um grupo formado por um espanhol, uma finlandesa, e uma búlgara. A finlandesa já havia vindo ao Brasil, e tinha uma camiseta com um papagaio. Já eu, nunca havia visto uma finlandesa. Mas, o maior espanto tive com a búlgara, ela jamais vira uma brasileira, e eu jamais vira uma búlgara. Desse espanto nasceu uma linda amizade.
Passávamos a manhã, a tarde e a noite em cursos e ateliers. Aos sábados e domingos tínhamos folga, íamos à praia em Saint-Marc, nadávamos, tomávamos sorvete Voltávamos encharcados. À noite, íamos à “caféteria”, onde dançávamos, inclusive uma fita de Gal Costa, que encantou a todos. Foi numa dessas ocasiões que conheci Guy Boucher, francês, professor na Bulgária. E tive que fazer grande esforço para não me apaixonar, o que sei foi recíproco. Tenho fotos suas que me fazem recordar, com imenso carinho, o homem mais gentil que conheci em minha vida. Mas tínhamos caminhos tão diferentes! Às vezes gazeteávamos, e foi assim que Guy me levou a Guérande, uma cidade medieval, onde íamos, freqüentemente, comer deliciosos crepes, especialidade da região. Foi neste período que comecei a me desencantar de minhas ilusões comunistas, típicas da juventude. Ao ver a pobreza de Svetla, ao vê-la sempre supervionada por Margueritta, esposa de um coronel, ao perceber seu medo. Propus-lhe dar de presente a fita cassette de Gal Costa, e, para meu espanto, ela recusou apavorada. Não entendi, e foi Guy quem me explicou: Ela teria sérios problemas com a polícia, já que sem entender nada, diriam que era propaganda anticomunista!
E também teve a festa a fantasia. Conforme me havia sido informado, desde o Brasil, eu deveria levar uma fantasia. E não tinha nada, a não ser as velhas fantasias, de húngara, cigana, colombina, dominó, etc, que minha mãe me vestia quando eu tinha 4 ou 5 anos, nem sei mais, e que ainda tenho guardadas como recordação. Minha amiga, Marlene, emprestou-me uma linda de sua filha Lilian. E foi assim, coberta de lantejoulas coloridas, com as pernas a mostra, cobertas somente por uma meia arrastão vermelha, e um magnífico adereço de plumas, que me apresentei, entre fantasias de televisão, Papai Noel, e de alguma coisa que até hoje não descobri o que seja.  Mas, afinal, sou brasileira! Em mim corre sangue português, negro, alemão, índio, cobra d´água, curupira, etc. Ninguém pode competir conosco. Sucesso total! Despertei paixões. Quiseram comprar minha fantasia, que nem era minha!
Mas como tudo na vida tem um fim, depois de um mês delicioso, mas de intenso trabalho, nos despedimos, sabendo que nunca mais voltaríamos a nos ver. Senti um aperto no coração. Mas ainda comprei uma mala nova em Saint-Nazaire e deixei a velha no alojamento. UFA! Passei ainda uns dez dias em Paris. Fui ao cinema, andei pelas ruas de minha infância, mas sentia saudades daqueles trinta dias. Anos depois voltei a Saint-Marc-sur-mer, o Centro de Estudos estava vazio. A cidade não tinha mais o encanto de outrora. Aos domingos, a feira, que tanto curtíamos, me pareceu sem graça. Mas as fotos me que passei para disquete, me fazem sempre lembrar aquele momento mágico, único em minha vida.
E ÚNICO porque foi MÁGICO!

2 comentários:

mayra67 disse...

Adorei seu texto, parece que ouvia-a a falar. O episódio da mala é único!

Simplesmente mulheres disse...

Olá , amiga. Que bom que você gostou!!!! Ainda tenho que contar mais detalhadamente minha chegada a Paris! Beijos.