QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



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domingo, 28 de abril de 2024

 A França de Vichy

Por uma artimanha do Chanceler prussiano Karl Bismark, Napoleão III perdeu  seu trono na década de 1870, com a guerra Franco Prussiana. Nesta derrota, a França perde dois de seus territórios (departamentos): Alsácia e Lorena. E Guilherme I é coroado Imperador. O armistício é assinado na Galeria dos Espelhos em Versalhes. Assim inicia-se a 3a. Republica, aquela da Belle Époque. Vencidos os franceses não se pode dizer que a animosidade tenha tido fim. E os prussianos pretendiam reunir um país com as chamadas raças "arianas". Para isto era necessário achar uma razão. E esta foi encontrada em Sarajevo, capital da Bósnia Herzegovina, quando um estudante matou o arquiduque Francisco Ferdinando da Áustria, herdeiro do Império Austro-Húngaro, ao qual estava anexado o país . Esta foi a principal desculpa para o começo da 1a. Guerra (1914-1918). 

Nesta 1a. guerra, a França foi vencedora. O Armistício foi assinado, e o festejado Tratado de Versalhes impondo à Alemanha pesada carga. Foi o início da República de Weimar. Ao ver ser assinada a Rendição alemã, o  Marechal Foch, francês, foi profético quando previu que este tratado, que arruinava a Alemanha e restituía à França os territórios da Alsácia e Lorena, não duraria mais do que vinte anos. Logo em 1938, Neville Chamberlain, secundado pelo Presidente do Conselho de Ministros da França, Edouard Daladier, entrega à cobiça de Hitler a região dos Sudetos na então Tchecoslováquia, hoje divida em dois países; Checo e Eslováquia. Esta região dos Sudetos, tinha 1/3 de sua população de origem alemã. E é claro que o povo alemão, faminto, que levava o dinheiro em sacolas, que acordava de madrugada para comprar o pão, que logo estaria mais caro, encontrou naquele desconhecido aventureiro  austríaco, que prometia fazer reviver a velha Alemanha,  um salvador da pátria. Não há povo que resista. E assim, pouco a pouco, Hitler foi conquistando a confiança da população.

A respeito deste desonroso tratado, Jean-Paul Sartre escreveu uma trilogia, "Os caminhos da Liberdade", sendo que um dos livros, chamado "Sursis", que herdei de meu pai, li há alguns anos. Em 1940 os países nórdicos já haviam sido invadidos pela máquina nazista, assim como os países baixos, sendo que a Bélgica faz fronteira com a França.  Em maio do mesmo ano, os alemães invadem a França e no dia 14 de julho do mesmo ano, data nacional da França, com a tomada da Bastilha, as tropas alemãs entram em Paris, para o desespero do povo. Há uma célebre foto de um homem que chora ao vê-las marchando sobre os Champs - Elysées , tendo ao fundo o Arco do Triunfo, que Napoleão mandara construir para comemorar suas vitórias. O próprio Hitler visitou Paris, e há uma  foto em que ele aparece , tendo ao fundo a Torre Eiffel, ladeado por dois nazistas, sendo um deles Albert Speer, seu arquiteto preferido, aquele que deveria ter sido condenado à morte no Tribunal de Nuremberg. 

A França é, então,  dividida em duas partes, ambas sob o cutelo nazista. O que chamavam a França de Vichy, já que seu comando se situava na cidade Vichy, tinha sob seu comando um senhor de 84 anos, herói da Batalha de Verdun, na 1a.Guerra. Seu nome: Philippe Pétain. Muitos políticos aceitaram esta submissão, outros pensaram em continuar a luta no norte  da África, na região do Magreb, que se compõe da Tunísia, Argélia e Marrocos. Mas, afinal, não funcionou.  Enfim, a Republica de Vichy , tornou-se um fantoche do Regime Nazista, sendo abolida a liberdade, os meios de comunicação censurados   e a propaganda contra judeus e comunistas era o quê se ouvia. O famoso lema que haviam instituído os revolucionários de 1789; "Liberté , fraternité, egalité"  foi substituído por "Trabalho, família e pátria".

Em Paris também a vida  continuava difícil, com toque de recolher  das 24 horas às 6 da manhã. Sem esquecer o desabastecimento, já que era necessário nutrir a máquina nazista, donde surgiu um imenso mercado negro e todas suas consequências. E, é evidente, os franceses foram  proibidos de deixar o país. Muitos habitantes de Paris fugiram para zonas rurais, onde havia menos nazistas e mais alimentos. Estima-se que a população de Paris diminuiu de de 3 milhões para 800.000. Em Vichy, os franceses eram obrigados a trabalhar na agricultura ou na indústria de guerra alemã. O responsável por isso era um certo Fritz Sauckel, condenado a morte no Tribunal de Nuremberg e suas últimas palavras foram de que sua condenação era injusta. Judeus e comunistas eram enviados a campos de concentração. Muitos políticos colaboraram e os que não colaboraram fugiram. Uma atriz,  muito popular na época, de pseudônimo Arlety, foi amante de um general alemão e justificava-se dizendo: "Mon cul m'appartient, mais mon coeur appartient à la France", (quem quiser traduza). Um dos mais asquerosos nazistas que atuaram na França ocupada foi Klaus Barbie, "o açougueiro de Lyon" responsável pela morte de um dos maiores historiadores de todos os tempos, Marc Bloch, que acho que era judeu e fez parte da Resistência. Dele tenho dois livros : "A sociedade feudal" e "Os Reis taumaturgos". Infelizmente, foi preso em 1944, praticamente no fim da invasão da França. Barbie também foi o responsável pela tortura e morte de Jean Moulin, em 1943, graças á denúncia de algum infiltrado Ao fim da guerra, Barbie conseguiu fugir, sendo recrutado pelos Estados Unidos (!) para serviço de inteligência contra os comunistas, possivelmente na época do marcatismo. Muitos anos depois, ajudou no golpe de Garcia Mesa, na Bolívia. Por fim, foi encontrado possivelmente pelo serviço de inteligência israelense -Mossad- , extraditado para a  França e condenado à morte. Morreu em 1991, de leucemia, enquanto aguardava que se cumprisse a pena. Jamais demonstrou qualquer arrependimento e havia no seu rosto, durante o julgamento, um certo ar de deboche. Resta o consolo de saber que se escapou durante tantos anos da justiça dos homens, certamente não escapou da Justiça de Deus. Quanto a Jean Moulin, grande herói nacional, há no Panteão, onde repousam os restos mortais de grande vultos da França, como  enciclopedistas, Jean-Jacques Rousseau, e o igualmente grande, Victor Hugo, uma homenagem especial a ele. Um colaboracionista chamado Paul Touvier, que reuniu judeus que deveriam ser enviados para os campos de concentração, ao final da guerra, passou anos se escondendo e parece que foi uma organização católica que o ajudou. Em 1994,  foi encontrado e condenado por crimes de guerra. Sua pena,  prisão perpétua.  Já muito velho morreu em 1996. 

Quando Paris é libertada pela chegada de tropas americanas, há grande comemoração. Hitler dera ordem para que a cidade fosse destruída, mas tal horror não foi cumprido. Charles de Gaule, o grande herói  da Resistência, que com suas comunicações pelo radio, havia durante toda a ocupação provocado o povo à resistência e à esperança, desfila pelos Champs-Elysées, ovacionado pelo povo. Justamente aquele avenida onde 4 anos antes, desfilaram tropas alemãs. 

Pétain, que havia fugido, volta à França, é julgado e condenado à prisão perpétua. Morreu em 1951. Outros colaboracionistas são condenados à morte, dentre eles o mais famoso, Pierre Laval, que havia inicialmente fugido para a Espanha de Francisco Franco, aquele que oferecera a cidade de Guernica para experiencia de bombas nazistas, e que foi destruída durante a guerra civil espanhola  Esta tragédia inspirou a  Pablo Picasso um célebre painel que leva o nome da cidade. Picasso exilou-se  na França e nunca mais voltou a seu país natal.  Posteriormente, Pierre Laval volta à França, é julgado e condenado à morte.

Ainda há muita coisa a contar, mas acho que por hoje chega. Espero haver sido clara. 

Mas antes de terminar, quero assinalar um fantástico filme autobiográfico, do diretor francês Louis Malle, "Adieu les enfants". Em 1944, ele vai estudar como interno em um colégio católico. Dentre seus colegas faz intensa amizade com um certo rapaz de sobrenome francês. Alguma coisa como Benoit, sobrenome muito comum na França. Um belo dia, descobre que o rapaz é judeu. E, ainda criança, católico praticante, horrorizado, o vê,  um dia tomar a hóstia. Não me lembro bem do filme que vi há muitos anos, mas parece que o rapaz foi denunciado por algum colega. Preso, é transportado para um campo de concentração , onde evidentemente morreu. Diz o diretor que este "souvenir d'enfance tragique", deveria ter sido seu primeiro filme. Mas por alguma razão, de quê não me lembro, ficou para mais tarde.


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