QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



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sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

SUPERAÇÃO

Durante nossas férias em Natal, aproveitei meu tempo para, além de gozar das belezas do lugar, retomar com maior intensidade o prazer da leitura, que, no corre-corre diário, muitas vezes se torna difícil. E pude ler avidamente um dos mais belos livros que encontrei nos últimos tempos. O título pode causar até algum mal-estar, algum temor, e foi por isso que não quis dizê-lo logo. Chama-se “Anticâncer” e o autor é David Servan Schreiber, neuropsiquiatra francês, pesquisador radicado nos Estados Unidos, na Universidade de Pittsbourg. David é filho de um lendário político e jornalista francês, Jean-Jacques Servan Schreiber, herói da Resistência contra a ocupação nazista.
Conta David que um certo dia, tendo faltado um estudante que lhe serviria de “cobaia”, sob sugestão de seu colega de pesquisa, resolve substituir o faltoso, e, assim, de repente, através de uma ressonância magnética, descobre que tem um câncer no cérebro. Choque, estupefação, medo. David reluta em acreditar, mas exames posteriores confirmam. É então submetido a uma cirurgia, tratamento de quimio e radioterapia. E prossegue na sua vida normalmente, ao lado da fiel companheira russa. Leva vida normal e passa a clinicar, procurando compartilhar com seus pacientes a dor de nossa comum fragilidade. Já começa a considerar-se curado, quando, mais uma vez, o acaso, desta vez numa cerimônia indígena onde fora acompanhar uma paciente, fica sabendo, através de vidente, que o mal está de volta. Mas como pode ser possível se, há dois ou três meses, um exame lhe dissera que tudo ia bem? De qualquer forma, volta aos exames e constata que há uma reincidência no mesmo lugar, e do mesmo tipo. Mais uma vez, submete-se a todo aquele ritual curativo. Só que agora ele se pergunta se não haverá recursos ao redor e dentro de nós que nos ajudem a combater o mal.
Faz então um balanço de sua vida antes da descoberta do tumor e depois de terminado o primeiro tratamento, há cerca de dois anos. E constata que nada mudou. Ao contrário, sua rotina tornou-se tão agitada que mal tem tempo de alimentar-se, engolindo rapidamente um prato de “chili”, aquela deliciosa comida mexicana. Ao final deste segundo tratamento, pergunta ao seu oncologista como deve alimentar-se e recebe a resposta de que coma o que quiser. Mas será verdade? David é médico e sabe que médicos não conhecem nada de nutrição. Conta-nos, de modo didático, como se desenvolve um tumor canceroso, e a importância de um sistema imunológico fortalecido. E começa a pesquisar. Tudo. Pesquisa as propriedades dos alimentos, informa-se sobre pesquisas avançadas nesta área, procura relatos de pessoas que tiveram câncer, que se salvaram, ou viveram mais do que estava previsto pelos doutores. David não tem medo de, como médico, colocar em questão a sabedoria “inquestionável” de seus pares. Mostra-nos como debilitamos ou fortalecemos nosso sistema imunológico. Procura os recursos que Deus, ou a natureza generosa, coloca à nossa disposição. Ele fala de coisas simples, o que ingerimos todos os dias, mostra o quanto há de venenoso na nossa dieta de classe média em países desenvolvidos, ou nem tanto. Mostra que na Índia, em condições quase sub-humanas, há menos câncer. Mas por que será?
David fala-nos de nossa civilização estressante, onde todos devem chegar em primeiro lugar, ganhar mais dinheiro, ter mais bens materiais. Nos relatos dos que viveram, e dos que morreram, encontra lições belíssimas de vida, de amor, de paz interior. Fala-nos de coisas que já esquecemos e que até consideramos piegas: um afago, o contato físico do outro, o amor. Fala de pessoas a quem deram poucos meses de vida e que se curaram, ou viveram ainda muitos anos, em perfeita saúde. Recomenda-nos esta introspecção, que muito poucos cultivam, este momento consigo mesmo, que podemos chamar de meditação, presente em tantas culturas e que nós, ocidentais, salvo no caso dos místicos, abolimos de nossas vidas. Fala-nos de atividade física, que muita gente de minha geração, pobres de nós, considera sinônimo de ignorância, e o quanto ela contribui para o fortalecimento de nosso sistema imunológico.
Talvez para mim, o relato tenha sido excepcionalmente comovente, porque retoma minha própria vida, ou a história de uma parte de minha vida, a luta de toda a família ao recebermos a notícia do câncer de Teresa, minha irmã. Eu já havia perdido pai, mãe e irmão. Teresa e eu éramos tão unidas! Quando, após a cirurgia, recebi dos médicos a notícia de que ela tinha um câncer ovariano, já metastásico, senti o mundo desabar sobre mim. Com Alice, sua filha caçula, acompanhei-a durante as longas sessões de quimioterapia. Procurei esperança, mas nenhum médico jamais me disse nada que pudesse trazer uma réstia de luz. Procurei na Internet, fiz que tomasse xarope de babosa, que fizesse alguma atividade física. Mas se o xarope ela aceitou, a atividade física sempre rejeitou, não acreditando que isso pudesse lhe trazer algum benefício. Teresa sempre soube da gravidade de sua doença e resolveu viver da melhor maneira possível o que lhe restava. Gostava de festa, organizava aniversários e grandes confraternizações de fim de ano. Nunca deixou de comer o que gostava, ainda que eu, através de minhas pesquisas na Internet, houvesse feito algumas descobertas e procurasse convencê-la a evitar certas coisas e aproveitar outras. Mas, afinal, era a sua liberdade. Viveu seus últimos anos rodeada de amor, amor de todos que também sabiam que o tempo podia ser mais curto do que se imaginava. Dizia-me sempre que nada lhe havia ensinado tanto quanto esta proximidade da morte. Que se sentia muito mais feliz do que antes, que aprendera a valorizar todas as pequenas coisas da vida. E lamentava que não houvesse compreendido antes. Quando o câncer reincidiu, três anos e meio depois, contrariando os doutores, que lhe haviam dado poucos meses, ela sentiu que ia morrer.
Ao ler certos relatos, senti especial emoção, pois me reportaram à nossa última conversa, na antevéspera de sua morte. Telefonei-lhe para saber como estava. Atendeu-me chorando, disse-me que sentia muita dor e que estava sozinha, já que pouco antes se sentia bem, e sua filha havia saído para uma compra urgente. Fui vê-la, o coração aos pulos. Encontrei-a andando pela casa, apertando a barriga. Sem saber o que fazer, sugeri que tomasse Novalgina em gotas. Disse-lhe então que se deitasse, para conversarmos. Afaguei-lhe o rosto, segurei sua mão. Fiz com que sentisse minha presença, meu carinho. Logo a dor cedeu – com uma simples Novalgina - e comecei então a falar, de nós, de nossas vidas. Foi nossa última conversa, mas, sem dúvida, aquela em que mais falamos de nós mesmas. Hoje, passados mais de três anos, relembro trechos que me deixam realmente perplexa. Perguntei-lhe se havia sido feliz, e ela, tranqüila, disse-me que, balanço feito, havia sido bastante feliz. Falamos então, com incrível naturalidade, da inevitável morte. Lembro-me que mostrei o lindo rostinho de Mariana Ximenes na tela de televisão que havia ficado ligada e comentei que também ela, linda, jovem, saudável, chegaria ao seu dia final. Não havia angústia na nossa troca de idéias sobre nossas vidas e sobre a morte. Estávamos ambas em paz.
Teresa partiu dois dias depois. Acompanhei-a até a entrada da UTI, dei-lhe um beijo e disse-lhe que Santa Teresinha a protegeria. Foi a última vez que vi minha irmã viva. Como já disse alguma vez, sofri durante muito tempo por ter ela partido sozinha, numa fria UTI, mas hoje tenho a convicção de que todos que a precederam, pai, mãe, irmão, marido, estavam lá, ajudando-a a fazer a travessia.
David traz-nos relatos de sobrevivência, de superação, na vida e na morte. Superação na morte significa paz, a vitória sobre o medo do desconhecido. Estou certa de que, como muitos daqueles que partiram, cujas histórias são relatadas no livro, Teresa também partiu em paz.

Para finalizar, David está vivo, quinze anos após sua reincidência, quando lhe deram alguns poucos meses de vida.

Um comentário:

Ricardo Vélez-Rodríguez disse...

Fofurinha, aí está, no ar, o teu lindo comentário. Espero que a tua fúria cibernética tenha diminuído, a culpa pelas trapalhadas foi, em primeiro lugar, do Bill Gates (que com esse tal de Vista quer ganhar mais uns trocados em cima de nós) e, em segundo lugar, da minha ingenuidade digital, que me levou a pensar que o tal de programa era maravilhoso, embora reconheça que, em matéria de lidar com fotografia, oferece, sim, recursos interessantes. Mas para editar texto, confesso que é uma droga. Bom, comentando o teu texto sobre o livro de David Servan Schreiber, acho que o relato do médico vale porque se abre ao que os médicos, geralmente, querem negar: a dimensão metafísica da nossa finitude. Ora, eles são "deuses", na medida em que acham que estão por cima da carne seca. Como a nossa sociedade simplesmente colocou o sucesso financeiro como meta, sem levar em consideração o sentido que damos às coisas, quem acumulou, levou. Os médicos messopotâmios, ao que parece, eram bem mais modestos, em virtude da legislação: se do tratamento do soberano doente ocorresse a cura deste, o médico era tido como um dos favoritos; se o paciente real, no entanto, morresse, o médico o acompanharia no passeio ao além. Ora, a Doutora Morte sempre ganhou dos médicos. Não era para todos eles terem, em virtude dessa derrota fatal, uma posição mais crítica em face do saber e mais compreensiva diante dos seus pacientes?