QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



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sábado, 18 de abril de 2009

L´Ancien Régime et la Révolution

O primeiro livro que li sobre Maria Antonieta foi aos meus onze anos. Trata-se de uma biografia escrita por um membro da Academia Francesa de Letras , mas que hoje me parece bastante romântica. Guardo- o, com a dedicatória de minha mãe, apesar do presente haver sido de meu pai. Naquele tempo, eu era uma menina brasileira, que havia sido confrontada a uma cultura diferente, e estimulada por meu pai a aproveitar ao máximo a oportunidade extraordinária que me oferecia a vida, através de seu esforço e da bolsa de estudos que ganhara como primeiro aluno em todos os cursos que freqüentara nas diferentes instituições militares por que passara. Lembro-me do meu deslumbramento na primeira vez que fui a Versalhes. E também do horror com que penetrei na cela minúscula, em que a rainha passara os últimos dias, na prisão da Conciergerie, à beira do Sena.
Naquele tempo, toda minha admiração era pela pobre rainha, que morrera humilhada, afastada de sua família, isolada naquela cela lúgubre. E, finalmente, guilhotinada. E li muita coisa sobre o Antigo Regime, a Revolução, Luís XVI, seu marido, igualmente guilhotinado. Tornei-me uma aficionada. Mas toda minha simpatia era dirigida à pobre mulher. E li, lá pelos meus dezesseis anos, sua biografia escrita por Stephan Zweig, Anos mais tarde, no auge de minha juventude, infiltrada pelos ideais esquerdistas, mudei radicalmente meu ponto de vista. Aliás, Maria Antonieta sumiu do horizonte, substituída pelos ideais da Revolução, da justiça social, da igualdade. Isto sim valia a pena. Como, então, importar-me com uma mulher que, afinal, representava o que havia de mais retrogrado e reacionário? Foi por essa época que li o historiador Albert Soboul, e sua análise marxista. No bicentenário da Revolução, eu estava na França, com uma bolsa de estudos, e fui a Paris, onde descera a humanidade, assistir ao grande desfile do 14 de julho, que, em 1789, marcou o fim da monarquia. Comprei livros, procurei documentos, conheci novos personagens, de quem pouco se fala. Continuei na minha posição revolucionária, fiel aos ideais da grande maioria de minha geração.
E os tempos passaram, anos, muitos. E o mundo mudou desde aquele 1989. E eu mudei. E continuo lendo sobre aquele período. Hoje, em plena maturidade, livre dos preconceitos que marcaram minha geração, posso juntar todo material acumulado na minha memória e repetir Tocqueville, o grande liberal, na sua magistral análise da Revolução Francesa: “Os Franceses fizeram em 1789 esforço maior do que já fizera qualquer povo , afim de, pode-se dizer, cortar em dois seu destino, e separar por um abismo o que haviam sido até então e o que desejavam ser doravante.” A Revolução francesa dividiu não só a história da França, mas trouxe para o mundo inteiro ideais até então desconhecidos, ou considerados quiméricos. E de nada disso eu cogitava naqueles meus longínquos onze anos. É claro!
E Maria Antonieta, onde foi parar? Maria Antonieta, princesa austríaca, filha da grande Imperatriz Maria Teresa, extraordinária estadista, que usou cada um de seus dezesseis filhos para seus projetos políticos, casou-se, por procuração, aos quatorze anos, com o desajeitado Delfim Luís, de dezesseis, que ela jamais vira. Disse adeus definitivo à sua mãe, seus irmãos e irmãs, e até à sua língua materna. Maria Antonieta fazia parte de um grande projeto político de sua mãe e do rei Luís XV, no sentido de unir duas potências e fortalecer-se diante da Prússia. Cartas do embaixador de Maria Teresa junto à corte francesa dão conta de tudo que se passa e mostram claramente o objetivo de manipular a garota em benefício da Áustria. No que ela saiu-se pior do que se previa.
O casamento sem amor levou oito anos para se consumar, não se sabe ao certo por que razão. Permanecendo virgem e logicamente sem oferecer um herdeiro, sendo bisbilhotada por cortesãos e serviçais, a princesa, e logicamente o marido, tornaram-se motivo de chacotas, o que já de início desprestigiou o futuro rei. Finalmente, tendo consumado o casamento, Maria Antonieta deu à luz quatro filhos, dos quais dois morreram ainda na primeira infância. Insatisfeita, vivendo ao lado de um homem a quem tinha sincera amizade, mas que jamais amara, já como rainha, Maria Antonieta jogou-se nas diversões, nas futilidades, e, ao que tudo faz crer, no amor ao embaixador da Suécia, Axel Fersen.
Mas que mais impressiona nesta mulher é seu destino trágico, engolida por uma máquina destruidora de tudo aquilo em que acreditava. De derrocada em derrocada, de Versalhes as Tulherias , em Paris, dali à prisão do Templo, fortaleza medieval, escura, úmida e gelada, até a cela infestada de ratos na Conciergerie, foi surgindo a mulher feita de força e coragem. Mãe de quem se arrancou o filho caçula, ultrajada durante o julgamento, em que foi acusada de atos incestuosos com o filho – “Apelo a todas as mães da França!”- e o silêncio da multidão enfurecida, mulher soberana, mais do que jamais havia sido, exposta à horda enfurecida, no derradeiro e ultrajante trajeto que a conduziu até o cadafalso. A história trágica da rainha guilhotinada, cujo corpo transportado numa carroça, sobre a palha, com a cabeça entre as pernas, nos mostra que há, em muitos de nós, uma força que nós mesmos desconhecemos, como provavelmente ela própria, e que confrontados à nossa inerente fragilidade humana, conseguimos desencavar do fundo de nós e avançar de cabeça erguida enfrentando nossas pequenas, e grandes, tragédias pessoais.
Como há algum tempo plagiei o título de Demétrio Magnoli, agora estou plagiando Alexis de Tocqueville. Mas, afinal, acho que valeu a pena.

Um comentário:

Ricardo Vélez-Rodríguez disse...

Gatinha, Bela a história da forma em que descobriste Maria Antonieta na tua vida.

Poderia dizer-te que, ao longo do tempo, a menina e a mulher madura fizeram a descoberta da pessoa, enquanto que a jovem universitária e professora que leu sofregamente os livros sobre a rainha guilhotinada, ficou na superfície das ideologias.

Te aproximaste, no primeiro e no terceiro momentos, da mulher que soube estar à altura da derradeira luta, aquela em que enfrentamos a vida com todas as suas incoerências e tragédias.

Beijo grande e obrigado por estas belas páginas.