QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



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quarta-feira, 18 de março de 2009

DAS LAVADEIRAS ÀS LAVADORAS VATICANAS

A Igreja Católica, e sua sede vaticana, não deixam de nos surpreender. Depois da classificação do estupro como pecado muito menor do que o aborto que salvou a vida de uma criança, excomungando os médicos e a mãe, e absolvendo o estuprador, nos trás esta descoberta, que, de tão extravagante, não sei como classificar. Segundo Vossas Eminências, nós, mulheres, nos tornamos independentes graças à maquina de lavar roupas.
Desde que foi divulgada esta novidade, tenho puxado pela memória, a fim refazer os conceitos que fui elaborando ao longo dos anos. Pois, uma vez que o Papa é infalível, eu é que devo estar errada. Começo por minha mãe, a gente sempre começa pela mãe, e suas amigas. Lembro-me de Dona Mariinha. Era possuidora da primeira máquina de lavar que vi em minha vida. Eu era bem pequena quando ela fez a exibição de sua preciosidade para minha mãe. Era uma engenhoca redonda, sendo que a roupa era enxugada através de dois rolos de borracha, que se moviam fazendo girar uma manivela e comprimiam a peça molhada. Fiquei encantada. E dona Mariinha, hein? Quem diria que era uma feminista? Escarafuncho no fundo de minha memória e só encontro uma senhora, como qualquer outra daquele tempo, que, é verdade, mandava no marido. Então, concluo que sempre fiz dela uma idéia errada. Para mim, sempre foi uma típica dona-de-casa careta, mas na verdade era uma mulher liberada, a frente de seu tempo! E fico ainda mais estarrecida ao imaginar que, ao sonhar em ter uma máquina de lavar roupas, - minha mãe, logo ela!- escondesse nesse desejo, outro, inconfessável: a sua emancipação! E meu espanto aumenta ainda mais ao pensar que todas aquelas mães-de-família, que fofocavam e fingiam trocar receitas pelo telefone, e que aspiravam, TODAS, à maquina, fossem feministas!
Simone de Beauvoir, ao escrever dois longos livros pioneiros sobre a liberação feminina, perdeu tempo. Teria feito melhor se procurasse uma fábrica de eletro-domésticos e propusesse um plano de aquisição que se estendesse pelo mundo afora. Teria antecipado muita coisa, e evitado muita luta. Imagino minha mãe, com sua máquina, fazendo colocações sobre seus direitos de mulher livre, discordando abertamente de meu pai, colocando suas idéias na discussão familiar. Como faço eu. E qual seria a posição de meu pai? Será que acharia normal, como faz Ricardo? Faço um esforço de imaginação, e haja esforço, para visualizar meu pai ouvindo o discurso libertário da mulher.
E o mais importante para mim: descobri de onde saiu todo este desejo, que me acompanha desde minha juventude, o de ser independente. Surgiu naquele dia, perdido no passado, em que dona Mariinha encheu de inveja minha mãe, não porque possuísse uma máquina de lavar roupas, mas por ser uma mulher emancipada.
Não sou das que consideram a emancipação feminina fruto da pílula. É verdade que ela nos permitiu fazer, sem temor, o uso que nos aprouver de nosso corpo. Mas isto não é senão uma conseqüência de algo que vinha, desde há muito tempo, se construindo. A liberação feminina começou quando mulheres deixaram de se satisfazer com o casamento e a procriação. Houve um longo caminho que foi iniciado pela profissionalização, que dá independência financeira, e permite a nós, mulheres, não mais depender do macho provedor. Hoje, podemos dizer que temos o homem que queremos, mas não dependemos dele. Estamos a seu lado por nosso desejo. A independência econômica, segundo Marx a única efetiva, que tanto assustou homens de gerações passadas, nos permite até colocar na rua um companheiro que, por razões diversas, não mais queremos.
O conceito católico-vaticano é tão machista que nos restringe ao lar, nos coloca como eternas menores de idade, não levando em consideração, e seguramente desdenhando, qualquer uma de nossas conquistas como seres humanos, em igualdade com o sexo oposto. Considera a mulher uma eterna serviçal de seu macho, e de sua família. Mas o pior é que já vi muita gente da geração pós-guerra, aquela que, afinal, sacudiu a bandeira da igualdade, pensar como Vossas Eminências. Felizmente, o tipo mãe-de-família em tempo integral, esposa traída e resignada, mulher vivendo à sombra de seu macho vai, pouco a pouco, desaparecendo.
E viva nós, que soubemos brigar um dia, já faz muito tempo, e que, se gostamos da engenhoca de lavar é porque, afinal ela é útil. Útil para mulheres, e homens, que, saibam Vossas Excelências, também, nos dias de hoje, tratam do serviço doméstico.
E como me lembrou minha sobrinha, Alice, mais importante do que a pílula é a camisinha. Aliás, ambas condenadas pelo Vaticano.
E um lembrete final: após toda a gritaria nacional, e internacional, sobre a excomunhão, tendo havido até uma magnífica entrevista de Monsenhor di Falco, da alta cúpula da Igreja na França, publicada no jornal “Le Figaro” – L`Eglise de France opposée à l´évêque brésilien – a nossa CNBB e o Vaticano resolveram se manifestar contra. Mas já foi tarde.

2 comentários:

Ricardo Vélez-Rodríguez disse...

Excelente, gatinha! E vivam a máquina de lavar, a pílula, a camisinha, mas, especialmente, essa tão incômoda liberdade humana (que causa arrepios papais, episcopais, chavistas e lulescos). A tal da liberdade que faz, de cada um de nós, espíritos de porco que podem se manifestar contra! Como dizia o grande Giordano Bruno, essa liberdade que é o dom mais precioso dado a nós pela Providência, junto com a Razão.

Maria Luiza disse...

Gostaria de conhecer essa publicação do Vaticano.Quem a assinou? Realmente é espantoso. Há contradições imensas entre os que os documentos oficiais da hierarquia católica dizem ultimamente sobre a "dignidade" da mulher, etc.etc. e os fatos concretos das mesmas eminências. Acho manifestações como essa da máquina de lavar tão absurdas que até nem merecem atenção. Que podemos responder a quem diz coisas tão ridícula