QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



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quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Mulheres apaixonadas

Sábado passado, havia um bloco de carnaval bem defronte à minha casa. A folia era animada com velhas músicas, aquelas que animaram os carnavais de nossa juventude e até de nossa infância. E, dentre muitas outras, ouvi repetidas vezes uma das mais lindas: “Bandeira branca”. Lembro-me de que era cantada por Dalva de Oliveira, e começa e se repete com a confissão da derrota de uma mulher apaixonada: “Bandeira branca, amor, não posso mais. Pela saudade que me invade, eu peço paz.” Foi composta em 1970, poucos anos antes da morte de Dalva. Não sei se a escolha da cantora foi proposital, mas pode-se pensar que sim. Há pouco tempo, vi pela televisão, como milhões de outros brasileiros, uma mini-série que contava a tumultuada vida amorosa de Dalva de Oliveira e Herivelto Martins. Parece que a história contada foi bastante fidedigna, já que teve a aprovação de Perry Ribeiro, filho de ambos, cantor muito popular no auge da Bossa Nova.

Mas, ao assistir à mini-série, e aos grandes conflitos vividos por uma mulher apaixonada e um homem que a considerava como propriedade sua, que a traía e mantinha, por razões de segurança, sobretudo profissional, o casamento e uma aparente vida familiar, não pude deixar de lembrar-me de muitas outras histórias de paixão, ódio, submissão e vingança. E a primeira a me vir à mente foi a de Diane, princesa de Gales. Dalva era filha de um carpinteiro, Diane de um conde. Uma morreu aos cinqüenta e cinco anos, a outra aos trinta e seis. Ambas acreditaram no amor. Estou certa de que Diane casou-se apaixonada, afinal o pretendente era um príncipe, e ela era muito jovem. Traídas, resolveram se vingar traindo. Diane foi escolha definida por necessidades da realeza britânica, e Dalva pela ambição de sucesso de seu parceiro. Traídas, falaram muito, queriam vingança. Colocaram em público suas vidas íntimas. Dalva e Diana, de origens tão diferentes, com vidas tão diferentes, tinham em comum um traço que desenhou seus destinos: foram mulheres apaixonadas. Vítimas da traição, se vingaram da mesma forma. E feriram-se ao tentar ferir seus homens. Não muito antes de morrer, numa entrevista Diane chocou o mundo. Ali, ela expunha sua vida, suas aventuras, e seu rancor. Há poucos dias, procurando informações na internet, vi uma entrevista de Dalva, feita pouco antes de sua morte, muito tempo depois da separação. Surpreendeu-me sua incontida mágoa.

Há, na literatura universal, obras magistrais acerca do domínio da paixão sobre mulheres. Basta lembrar Emma Bovary e Anna Karenina. Flaubert e Tolstoi, geniais escritores, conhecedores profundos da alma humana, souberam magnificamente descrever os conflitos que cercam a paixão e o adultério. Paixão e adultério, que, sob formas diferentes, ainda atormentam em nossos dias muitas mulheres. Anna de Assis, paradigma real das outras duas, também viveu uma paixão, que culminou não em uma, mas em várias tragédias sucessivas. Minha avó Joana, mãe de minha mãe, também viveu intensamente uma paixão. Por ela abandonou um lar estável e fugiu com o homem que a seduzira. Grávida, foi abandonada e trazida de volta, por um irmão, para a casa materna, para sempre desonrada. Nasceu minha mãe, Alice, registrada como “filha natural de pai desconhecido”. Também minha avó paterna, viúva aos vinte nove anos, com quatro filhos, apaixonou-se perdidamente por um ator português, que passava com uma Companhia pelo interior do Rio Grande do Sul. Por ele enfrentou tempestades. Mas a paixão terminou em separação e grande dor.

Mulheres apaixonadas sempre existirão. Mulheres que encaram a vida, em toda sua complexidade, como se tudo se resumisse à outra pessoa. E isto é diferente de amar. No amor, cultivamos projetos pessoais, falamos deles ao companheiro, e ele nos fala dos seus. Partilhamos. Somos indivíduos, encorajados a cultivar nossa identidade, nossa história, que não é, e não pode ser a do outro. Diz Simone de Beauvoir na sua magistral obra pioneira Le deuxième Sexe: “Tudo ainda encoraja a jovem a esperar do príncipe encantado sucesso e felicidade, ao invés de tentar ela própria a difícil e incerta conquista”. O livro foi publicado pela primeira vez nos fins dos anos quarenta, e provocou escândalo na sociedade francesa. Mas, ainda que haja coisas que hoje não mais aceitamos, ficou para nós, mulheres, a lição de que esta “difícil e incerta conquista”, que se chama “projeto”, é que dá sentido à nossa vida, e nos permite amar de verdade.

Lembro-me de meu desespero diante do progressivo abandono da vida que acometeu à minha mãe após a morte de meu pai. Logo eu, mulher que se orgulha de sua contemporaneidade, de sua independência, de seu amor maduro por um companheiro de muitos anos, onde direitos e deveres são igualmente partilhados. Como, então, entender que Alice desejasse tão ardentemente a morte, mergulhada durante seis anos numa cama, sofrendo constantemente a dor de sua perda. Até que, depois de muita luta, compreendi, e me conformei. E quando ela se foi, eu, que nunca me casei, nem havia usado aliança, pedi à médica que nos havia comunicado sua morte que me permitisse tirar de seu dedo aquele símbolo que a havia acompanhado desde seus quinze anos. Coloquei-o no meu, e falei-lhe, acariciando seu rosto, enquanto, emocionada, minha irmã chorava: “Adeus Alice, agora você está feliz ao lado dele.”

2 comentários:

Ricardo Vélez-Rodríguez disse...

Mulheres apaixonadas e homens apaixonados. Conheço vários deles, que fazem da conquista da última paixão o centro das suas vidas. São apaixonados pela paixão. Não amam. Porque amar a dois é, fundamentalmente, compartilhar com a parceira a aventura da vida, cada um no seu projeto. Imagino a existência do casal como um passeio nadando. Os dois vão juntos, mas cada um tem de fazer o esforço de nadar. Se um dos dois pretende tomar carona na nadada do outro, pode afundar e morrer na praia. Ou, mais trágico ainda, os dois podem se afogar. O ato de nadar é o nosso projeto do dia-a-dia, insubstituível e indelegável. Beijinhos do teu parceiro de nadada. Adorei o teu texto. Parabéns!

Guacira Maciel disse...

Querida,
sinto prazer em ler seu textos; têm muito a ver com minha forma de pensar a vida que, embora tão múltipla, me parece tão singular, em seus processos, em algum momento comuns a todos os mortais...
Como Dalva, Diane, Francisca, maria...mulheres que ainda precisarão compreender amor e paixão; a primeira dimensão do amor, é antecedente, ou por si mesmo, inclusive ensinado pelo próprio Criador, "ama ao próximo como a ti mesmo". Um exercício...
Parabens pela análise.
Beijo, Guacira.