QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



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sábado, 18 de setembro de 2010

“HUIS CLOS” no abismo

No rosto do mineiro estampado na capa da “Veja”, há um olhar vazio, como se olhasse para o nada. E olha. Olha para paredes úmidas, frias, escuras. Falta-lhe esperança? Não se pode dizer. Há um vazio que domina toda a foto. Mas o que espera ele, enterrado vivo, com um socorro incerto, a centenas de metros de profundidade? Ele e mais trinta e dois homens, isolados do mundo. Falta-lhes a claridade do sol, seu calor.  Falta-lhes oxigênio, o mínimo de conforto, mas, acima de tudo, falta-lhes liberdade. Este tesouro que nos permite determinar nosso destino, que nos faz humanos. Quanto desejo deve haver de dizer a uma mulher amada “Eu te amo”, de acariciar um filho, de abraçar o pai, mãe, um amigo, de lutar por um projeto. De pedir perdão.  
Ao ver aquele rosto, solitário, com mais trinta e dois, lembrei-me da peça de Jean-Paul Sartre, “Huis Clos”. Li-a várias vezes, mas na generosidade de emprestar livros, o perdi. No entanto, até hoje ainda está gravada na minha memória. Numa sala, são confinadas três pessoas, três mortos que acabam de chegar ao inferno: Inès, Estelle e Garcin. Neste inferno não há espelhos, nem janelas, a luz nunca se apaga.  Uma porta se abre e fecha à sucessiva entrada de cada morto. Até que se fecha definitivamente e eles se vêem confrontados uns com os outros. Não há fogo, nem tridente, nem diabo. Cada um deles finge não saber por que está lá, até que não resistem e contam a verdade. Inès é uma lésbica, que ajudou a matar o marido de uma prima, e matou-se em seguida levando ao suicídio a amante. Garcin é desertor, e foi fuzilado. Durante anos torturou a mulher com suas amantes. Inés matou o próprio filho, produto de um amor proibido. Não me lembro bem, mas acho que levou o amante ao suicídio. Olham-se o tempo todo já que não podem fechar os olhos, e acabam odiando-se. Estelle, vaidosa, quer se olhar em algum espelho, mas só lhe resta o espelho dos olhos de Inès, e ao olhá-la, sente sua culpa estampada nos olhos da outra. “O inferno são os outros”. Sartre fazia questão de assinalar que sua frase não significa que as relações humanas são tão dolorosas, mas que situações limite levam a este inferno. Mortos, nada podem mudar. Como os mineiros do abismo.
 Estelle, Inès, Garcin, precederam décadas aqueles mortos-vivos. Mas quantas vezes, vivos, não experimentamos situações, solitários com quem nos acompanha, engessados, abrindo mão de nossa liberdade?
O que será desses pobres homens, confinados a uma estreita sala, olhando-se uns aos outros, infinitamente, na semi-escuridão que os cerca? Já não se fala neles, os esquecemos como esquecemos tantas outras tragédias. Até um dia em que verão novamente a luz do sol, ou sucumbirão seja por razões físicas ou porque o inferno dos outros se tornou grande demais    

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