QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



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domingo, 10 de outubro de 2010

O Lula que nós amávamos




Vim de uma família esquerdista. Ou melhor , meu pai ,  como muitos  militares de sua época, acreditou nos ideais marxistas. E mais ainda, que tais ideais eram praticados, de fato, na União Soviética stalinista. Não creio que tenha sido grande sua participação na chamada Intentona Comunista de 1935, mas quando morreu Prestes, minha mãe, já confinada ao leito, disse-me, com naturalidade:” Eu o vi lá em casa quando ia (ou foi)  falar com Felippe.” Fiquei perplexa! Sei que, após o fracasso, talvez temendo problemas maiores, meu pai pensou até em abandonar a carreira, mas foi dissuadido por minha avó, e ,como era aluno brilhante, veio para o Rio cursar Engenharia de Telecomunicações.  Mais tarde,  tornou-se professor do que na época chamava-se Escola Técnica do Exército, e algum tempo depois IME – Instituto Militar de Engenharia. Mas, há muito tempo, Felippe já havia se desiludido de seus ideais de juventude, quando, pouco a pouco, tomou conhecimento do que era, realmente, o stalinismo. No entanto, jamais abandonou os ideais de justiça social e de igualdade. Tornou-se um sincero socialista. Durante o tempo em que moramos na França, interessei-me pela história da Revolução Francesa, e sempre tinha perguntas para ele, que lera muito do que se havia publicado até então. Certa vez, falou-me de sua admiração, na juventude, pelo revolucionário jacobino Saint-Just, temido membro do “Comité de Salut Public”, guilhotinado com todos os outros membros de seu grupo. Lembro-me que disse: “Eu admirei sua fé num ideal que considerava justo, sua coragem, sua honestidade, sua absoluta retidão.”
E foi assim que nos incutiu o ideal de justiça social, de respeito ao próximo e ao seu trabalho, de honestidade e retidão. E guardou estes ideais até o último dia em que ainda teve condições de discorrer sobre a realidade. E a ele sempre agradecerei estes princípios com que tenho procurado nortear minha vida, ainda que, na minha humanidade, algumas vezes eu possa ter resvalado. No meu idealismo exacerbado dos anos 70,  dizia-me que não confiasse tanto nos ideais democráticos dos que se engajavam na guerrilha, que eu considerava heróis, pois provavelmente queriam outra ditadura, pior do que aquela em que vivíamos. Como sincero socialista, tinha grande admiração por Brizola. Felizmente, não teve tempo de se decepcionar. No entanto, o lider do "socialismo moreno" continua vivo e admirável nas minhas crenças profundas. E um dia, ao encontrá-lo no Galeão, não pude deixar de ir cumprimentá-lo e falar-lhe de minha admiração.
Mas quando surgiu um partido chamado dos trabalhadores, fiquei surpreendida, imaginando o que poderia ser um partido formado por trabalhadores. Tolamente, não imaginei que tal partido era formado majoritariamente por intelectuais, engajados na luta contra a ditadura, um partido que pretendia destacar-se pelo amor a um ideal democrático, honestidade, retidão. Aqueles mesmos que fizeram o jovem Felippe admirar Saint-Just. Quando votei pela primeira vez em 1989, optei, evidentemente, por Brizola no primeiro turno. Mas no segundo, emocionada com a posição que havia alcançado um pobre retirante, um modesto operário, cheio de ideais que jamais haviam existido no país, lancei-me numa campanha pessoal.  Vinte e um anos mais jovem, passei de carro, bem devagar,  provocativamente, diante de um comitê colorido com um enorme adesivo “LULA”. Levei uma paulada no meio da cara (bem feito!). Na democracia, temos que respeitar outras opiniões, mas, seguramente, a reação da mulher que festejava a vitória do cafajeste foi a altura do dito cujo.
E durante anos continuei a votar em Lula. Em 2002, Teresa havia feito sua última sessão de quimioterapia, estava sem cabelo, debilitada pelas múltiplas sessões que fora obrigada a fazer. Poderia ser dispensada, mas fez questão de votar. Não votávamos no mesmo lugar e fui encontrá-la em casa, sorridente: ”Acho que desta vez, vamos”. E fomos. E naquele dia 1º. de janeiro de 2003, até mesmo Ricardo, anti-petista ferrenho, se emocionou ao ver o torneiro mecânico ovacionado pelo povo, recebendo a faixa de Presidente. Teresa e eu ríamos, nos abraçamos, e acho que até choramos . Era o Lula da paz e do amor, dos nobres ideais, da honestidade indiscutível.
Que pena que o mensalão não tenha estourado um pouquinho  mais tarde, depois daquele início de primavera, quando Teresa se foi. Como meu pai, ela não teria tido tempo de se decepcionar. E quanto! Na seguinte eleição, em 2007,  quanta sujeira havia sido exposta!  Hoje o que vemos é um autoritário, cuja voz mesmo mudou. Ao vê-lo falar da “Bolsa família” em 2000, revemos com saudades o “Lulinha paz e amor”. O de hoje, com a voz gutural, utilizando, aos berros, palavras tão impróprias para o cargo que ocupa, para defender a mesma Bolsa que condenava há dez anos, matou o primeiro.
Gostaria de guardar, no fundo do meu coração, aquele líder operário corajoso, que respondeu a um militar que lhe perguntara se era comunista: “SOU TORNEIRO MECÂNICO”. Que pena que este tenha morrido!

2 comentários:

Eloah disse...

Gostei muito do texto.Concordo com teu comentário sobre o Lula anterior e o de agora. A vida é feita de expectativas e projeções nossas. A realidade nem sempre as contempla , mas sempre existe uma maneira de mudar com novas escolhas. Um abraço Eloah

Ricardo Vélez-Rodríguez disse...

Excelente comentário, que põe em destaque a tua retidão como cidadã, herdada do exemplo de patriotismo do general Felipe. Afinal de contas, o importante é a nossa convicção profunda daquilo que devemos fazer pela Pátria, não essa superficialidade de interesses imediatos em que o país, infelizmente, chafurdou com a chegada do PT ao poder...