QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



Seguidores

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Entre abraços e afagos, o brasileiro cordial

Jimmy era um cachorro dócil, amável, que gostava de crianças. Foi trazido de Ibitipoca por meu sobrinho, Bertrand, que viu quando a família que o abrigava embarcou numa caminhonete, deixando-o para traz. Viu quando o bichinho saiu correndo, tentando alcançar os que o haviam abandonado. Bertrand também saiu correndo, xingando-os com todos os palavrões que lhe vinham à cabeça. Mas eles, ainda que tenham ouvido, não pararam. Afinal, meu sobrinho é um homem grandalhão, e não valia a pena tentar limpar a “honra”. E foi assim que Jimmy surgiu na nossa vida. Como era um cachorro de grande porte, não pude abrigá-lo, mas pedi a um amigo que cuidasse dele. E então  Jimmy ganhou uma família de fato, com crianças gentis e a companhia de outros animais.
E viveu feliz durante 11 anos. Já era um cachorro velho, quando meu amigo ligou-me dizendo que estava doente. Havia dois dias não queria comer, nem brincar. Levamos imediatamente à Clínica onde trato meus bichinhos.  Quase sem forças para andar, foi carregado no colo até o consultório. Estava magro, triste. Meu amigo não quis assistir à consulta e ficou do lado de fora, chorando. Sabíamos que era grave. Após minucioso exame, a veterinária constatou vários tumores. Jimmy urinava sangue. Disse-me que estava quase certa de que ele tinha tumores cancerosos espalhados por todo corpo, mas precisava fazer alguns exames, incluindo uma biopsia. Deixamos na clínica. Eu tinha certeza de que o bichinho estava muito mal. No dia seguinte, ela me telefonou e confirmou o que havia dito. Disse-me que não havia o que fazer, e que, na sua idade, ele não agüentaria uma quimioterapia. Telefonei a meu amigo e resolvemos poupá-lo do sofrimento, optando pela eutanásia.
Alguns dias depois voltei à clínica, ainda estava chocada. Chorei, mas achei que havíamos feito o melhor. Jimmy foi enterrado num cemitério para animais, onde estão enterrados outros animais nossos, cães e gatos. A conta foi alta, muito alta, mas paguei sem lamentar. Enxugando os olhos, tirei meus óculos escuros e enfiei no decote da blusa. E voltei para casa. No caminho encontrei uma amiga, contei-lhe o que havia acontecido, compadeceu-se de todos nós, e, para expressar esta solidariedade, deu-me aquele abraço, bem apertado, saído diretamente do seu coração para meus óculos. Senti um “clic”, e pensei: lá se foram eles. Além da eutanásia, da conta astronômica, eu ainda tinha o prejuízo dos óculos. Tive vontade rir,... ou de chorar. Minha amiga, como todos os brasileiros usou seu corpo para expressar sua solidariedade.  Voltei para casa pensando que afinal usamos nosso corpo para expressar qualquer sentimento, o que encanta os estrangeiros, sobretudo os que não vivem aqui. Que o diga nossos desfiles de Carnaval, as praias. Por isso ganhamos a fama de “país das bundas”. Minha amiga usou seu corpo, e o meu, para expressar solidariedade na minha dor, mas poderia ser para dar-me parabéns, ou mostrar como estava alegre em reencontrar-me após longa separação.  O corpo é nosso instrumento de paz e de guerra, de alegria e tristeza, enfim, de qualquer sentimento. 
Lembro-me de que há alguns anos encontrei uma pessoa, não sei mais quem, que, de tão feliz em me rever, me deu um abraço forte, e de má pontaria, que arrancou uma de minhas argolas (sorte que não rasgou minha orelha), que foi parar nunca soubemos onde. É claro que fui gentil e disse-lhe que não havia problema, etc, etc. Mas era das minhas preferidas. Desolada, ela queria procurar pelo passeio, mas não me prestei a este ridículo, já que senti que havia pulado longe. E aí fiquei com uma só argola, o que para mim significa nenhuma. Num dos múltiplos velórios de minha família, lembro-me de uma outra pessoa que me massageava o braço, em sinal de solidariedade, creio eu. Esfregava com força, e quanto maior fosse a força maior seria sua solidariedade. Esquivei-me, já irritada. E tantas que me acariciaram fortemente, me descabelaram, me fazendo uma espécie de cafuné. Afinal maltrataram minha dignidade na dor, já que meu corpo exausto pedia descanso e um gesto simples de carinho, como um beijo.
E também há a história das amostras que levei para uma biópsia de uma pequena cirurgia de Ricardo. O hospital deveria fazê-lo, mas fui eu que tive que carregar os inúmeros potinhos cheios de um líquido, que não deviam balançar. Rezei para não dar com algum buraco, e acho que meu anjo da guarda colocou a mão sobre os que sempre recobrem o caminho de quem circula pelas ruas do Brasil. Depois de deixar o carro no estacionamento, rezei para não encontrar nenhum buraco nas calçadas de infames pedras portuguesas, E tampouco um bom amigo. Fui pelo caminho olhando obsessivamente para o chão e vigiando os transeuntes. Passei defronte ao prédio onde trabalha um desses calorosos, rezei para que não aparecesse. Finalmente, cheguei ao laboratório, com os vidrinhos intactos. UFA! Pelo menos uma etapa da ansiedade já havia sido superada, mas teríamos que esperar vários dias para o resultado. Com imensa ansiedade, resolvi buscá-lo, Pedi a proteção de Deus. Abri lá mesmo o envelope com o resultado. E agradeci mais uma vez. Negativo.
Conto tudo isto para mostrar uma das mais corriqueiras características que observo no “brasileiro cordial”, a que se refere Sérgio Buarque de Holanda do seu genial “Raízes do Brasil”.  O poder do corpo. Não é observação sua, mas estou certa de estes é um dos traços que constrói este homem singular. E há ainda tanta coisa que observo todo dia!! E o pior é que cada vez que observo um desses traços, sinto que não sou diferente.
Afinal, no que diz respeito à cultura, não posso dizer como Piaf: “Je repars à zero”.

Nenhum comentário: