QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



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sábado, 29 de janeiro de 2011

De volta ao passado

De  volta ao passado
“Mas onde está a cabeça?” Procurei bem lá no fundo. Não era a minha, que está solidamente presa ao pescoço, ainda que meio baratinada. Era cabeça de meu boneco predileto. Os outros membros estavam lá, desmembrados, mas a cabeça... O pobrezinho estava parecendo aqueles bichos indefinidos que “ornamentam” as calçadas de pedras portuguesas perto de minha casa. Ou Ravaillac, o assassino de Henrique IV, “écartelé”, tendo cada membro atado a cavalos que correriam em direções opostas. Mas não vamos pensar em crueldades, o que me interessava era saber onde estava a cabeça de meu bebê, que ganhei quando tinha dez anos. Minhas outras bonecas, tão antigas e queridas, deitadas de lado, de olhos abertos, me olhavam fixamente do fundo da balburdia. Lembrei-me das roupinhas que costurava para elas, e que faziam crer a minha mãe que eu teria grande talento para costura. O que não aconteceu. Desci da escada e fui para outro armário, em outro quarto. Minha prima Maria Luíza, que viera passar o Réveillon comigo, internauta de carteirinha, me trouxe de volta ao presente. Subi na escada, abri a porta superior do armário, e voltei ao passado. Lá estavam bolsas bordadas por minha mãe – há tantos anos! – e uma bolsinha minha de criança, manchada de alguma coisa parecendo ferrugem. Procurei a cabeça do meu bebê, sentindo um grande sentimento de culpa, como a gente pode recusar desta forma algo que, outrora, foi tão significativo? A voz de minha prima, querendo me ensinar alguma novidade na máquina que hoje nos rege, me trouxe de volta ao presente. Mas eu não queria saber de computador, queria a cabecinha do bebê, de cujo nome até esqueci. E remexendo mergulhei na minha infância, adolescência, mocidade. Foi como se estivesse sendo hipnotizada e tudo que minha memória profunda houvesse guardado voltasse à tona: o bom e o ruim. Subi e desci da escada dezenas de vezes, em todos os quartos, fui ao passado e voltei, cada vez que ouvia o barulhinho discreto do computador. Por fim, encontrei a cabeça perdida, envolta  em plástico. Não posso imaginar porque fiz essa maldade! Juntei tudo e doei para uma instituição de caridade. Disse-me uma amiga que não devia ter feito isso, mas, afinal, não brinco mais de bonecas, e minha neta, Luíza, tem 17 anos, e já passou da idade. Aliás, peço a Deus que nunca mais volte a brincar de bonecas. Credo!!!!
Peguei velhos livros de Monteiro Lobato, que meu pai dera a meu irmão, aqueles cujas histórias ele me contava, sentado na cadeira de balanço, enquanto eu, deitada no chão de bruços, escutava atentamente. Lembrei até de uns sonhos recheados de goiabada, que minha mãe fritara num dia de chuva em que ele me contava “Reinações de Narizinho”. Meu peito ficou apertado! Todos aqueles livros, de engenharia, de música, de histórias infantis, de crochê e bordado, haviam pertencido à minha família e todos haviam partido! Em outro armário encontrei quadros e pratos que minha mãe pintava. Via-a claramente, sentada diante de um pequeno cavalete. Saudade! Muita saudade! A voz de minha prima acompanhando alguma música que ouvia na Internet, me trouxe de volta ao presente e à necessidade de por à larga meu coração e despojar-me de tudo aquilo, que, afinal, entulhava minha casa e minha vida.
Meu amigo Cláudio, dono de uma livraria, meio sebo, meio antiquário, ajudou-me na dura tarefa de me desligar do passado. Levou mais de seis carrinhos grandes de feira, e pretende doar os livros infantis para bibliotecas comunitárias, que conseguiu organizar. Também arquiva objetos para cenários de peças de teatro. Os outros livros estão na sua livraria e terão melhor destino do que escondidos em armários. Minhas sobrinhas levaram alguns pratos, mas os quadros dei à minha diarista, que não tem nenhum adorno para suas paredes. Ficou feliz! Eles também estarão melhor ornamentando a casa que Josy e seu marido constroem com o trabalho duríssimo de cada dia.
E também guardei algumas relíquias de que nem me lembrava mais, minha camisola de batismo, de seda cor-de-rosa, com pequenas flores bordadas por minha avó. Camisolinhas de dormir no verão, todas enfeitadinhas, meu primeiro sapatinho, meu primeiro brinquedinho, uma argola de plástico com várias outras penduradas como balangandãs. E ainda um bicho feio parecendo um rinoceronte que me davam para morder. E aventaizinhos bordados, fantasias de carnaval de baiana e cigana, enfim, tudo que só avó faz. E minha capinha de crochê de lã, - será que alguma das minhas leitoras chegou a usar esta indumentária-? Lembrei-me de quando a colocava brincando de chapeuzinho-vermelho. Lembranças, lembranças. E muita saudade! Uma dor no peito, que tive que enfrentar. E tudo isto depois de haver rasgado mais de cinco sacos de cem litros de papel! E milhões de fotos e slides  de gente e lugares que não me interessam. Agora faltam os longplays e os discos de setenta e oito rotações, aqueles bem antigos, com agulhas que se comprava em caixinhas de metal. Meu sobrinho, Bertrand, que é músico, quer tudo para ele. Que bom!
Neste momento, estou despojando minha casa do passado. Mas guardo dezenas de álbuns de fotos  . Distribui pela casa fotos de minha família, e também minhas. Mas depois de amanhã, vou a um estúdio fazer um book meu. Quero fotos que mostrem uma mulher madura, que gosta de si, que soube enfrentar um passado tormentoso, que não se deixou vencer , que é feliz,e  ainda está em forma. A melhor, vou mandar ampliar, bem grande, e colocar na parede do fundo do corredor, que já preparei lindamente par recebê-la. E avisei ao fotógrafo: “Quero fotos glamorosas, mas não sensuais. “   
Afinal: “ Je repars à zero

2 comentários:

maria cristina disse...

Querida Maria Lucia,
Que texto lindo, bem escrito, como sempre, e cheio de poesia! Foi muito prazeroso ler sua mais recente conquista de vida. Beijos.

Vitoria disse...

Querida, curiosíssima para ver o seu book. Parabéns pelo texto, maravilhoso como sempre. Espero que este blog vire livro algum dia. Beijos. MV